Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
289/17.6YHLSB.L2.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA LOPES
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
MARCAS
REGISTO DE MARCA
NULIDADE
SINAIS DISTINTIVOS
CONFUSÃO
IMITAÇÃO
Data do Acordão: 09/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (PROPRIEDADE INTELECTUAL)
Decisão: NEGADA
Sumário :
I - A marca, como sinal distintivo de produtos ou serviços de uma empresa dos de outra empresa, há-de ser dotada, para o bom desempenho da sua função, de eficácia ou capacidade distintiva;

II - É nulo o registo de marca desprovida de capacidade distintiva (art. 259º do CPI).

III – É o que sucede com uma marca constituída por sinais sem qualquer aptidão para distinguir o produto ou serviço e demarcá-la dos seus concorrentes directos, mas tão só para serem percebidos como símbolos com propósito informativo ou instrutivo dos cuidados no tratamento de produtos têxteis nele etiquetados após preenchidos pelos fabricantes ou comerciantes dos mesmos.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


Associação Têxtil e Vestuário de Portugal - ATP instaurou acção contra Groupement International d'Etiquetage pour 1'Entretien des Textiles - GINETEX (Associação Internacional para a Etiquetagem de Conservação de Têxteis), pedindo:

a) Que seja declarada caducada, por falta de uso sério há mais de 5 anos consecutivos, a extensão territorial a Portugal do Registo Internacional da marca 461470;

b) Subsidiariamente, se assim não se entender, ser declarada a nulidade da extensão territorial a Portugal do Registo Internacional da marca 461470;

c) Ser declarada a nulidade da extensão territorial a Portugal do Registo Internacional das marcas 849319 e 849320.

Para o efeito, alegou, em síntese, que a marca nº461470 não está a ser usada há pelo menos 5 anos consecutivos, pelo que na falta de prova de uso sério por parte do seu titular, deve ser declarada sua caducidade. No demais, os respectivos registos são inválidos por constituídos por sinais incapazes de cumprir a sua função distintiva, sendo exclusivamente compostas por símbolos que servem para informar o público sobre instruções de lavagem dos produtos nos quais são apostos.

Citada, a Ré contestou, alegando, em síntese:

A inutilidade da lide quanto à marca nº849320, que já caducou por falta de renovação do seu registo;

A incompetência absoluta do Tribunal para conhecer do pedido de declaração de caducidade da marca nº 461470, por tal estar legalmente cometido ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial;

Quanto ao mérito, sustenta que a acção deve improceder por as marcas em causa serem marcas colectivas, e que o sistema de etiquetagem informativa para o cuidado dos têxteis foi criado pela Ginetex, que os profissionais (fabricantes, grossistas e distribuidores), utilizam mediante uma licença, e que depois que afixam nas roupas e artigos têxteis. Alegou ainda que a Organização Internacional de Normalização adoptou em 1991 o sistema de etiquetagem da GINETEX.

A Autora deduziu o incidente de intervenção principal do Comité Français de l`Etiquetage pour l`Entretien des Textiles – COFREET, com sede em Clichy, França.

Admitida a intervenção e citado o interveniente, veio contestar nos moldes da Ré GINETEX.

Na 1ª instância, o Senhor Juiz julgou o Tribunal incompetente para conhecer e decidir o pedido principal, de caducidade da marca º 461470, e competente para o pedido subsidiário de declaração de nulidade.

Quanto à marca nº 849320, por ter caducado o registo, foi declarada a inutilidade do prosseguimento da lide.

Realizada audiência de julgamento, o Tribunal de Propriedade Intelectual, por sentença de 31.12.2020, julgou procedente a acção e, consequentemente, declarou a nulidade da extensão a Portugal das marcas de registo internacional n° 849319 e n° 461470.


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Inconformada, a ré Ginetex interpôs competente recurso de apelação, tendo formulado as seguintes conclusões:

1. A sentença recorrida, ao declarar a nulidade das marcas de registo internacional n.°s 461.470 e 849.319 da Apelante, não atendeu devidamente aos factos, tendo efectuado, ainda uma incorrecta interpretação e aplicação do direito.

2. A matéria de facto considerada assente pelo Tribunal a quo enferma de diversas deficiências e omissões que importa corrigir à luz dos documentos constantes dos autos.

3. No n.° 1 da matéria de facto, não é exacta a afirmação de que "as Rés são titulares" do registo internacional n.° 461470 dado que essa marca tem apenas como titular apenas a primeira Ré e ora Apelante (GINETEX), conforme consta do doe. 2 junto com a contestação, tendo ali também sido omitido que se trata de uma "marca colectiva"

4. Nos n.°s 1 e 2 da matéria de facto omitiu-se que os registos internacionais foram concedidos, em Portugal, "pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial", ponto relevante, na medida em que, nas datas em que foram concedidos os registos (respectivamente, 1981 e 2004), houve um exame oficioso aos requisitos legais da capacidade distintiva por parte do INPI, constituindo-se uma presunção legal de validade a favor dos titulares do registo, presunção essa que não se mostra minimamente infirmada pelos factos considerados assentes nesta acção.

5. Deve ainda ser adicionado à matéria de facto que a marca internacional n.° 849.319 se encontra registada em diversos países que incluem a Bulgária, a Suíça, a China, o Chipre, a República Checa, a Dinamarca, a Estónia, a Finlândia, a Islândia, a Lituânia, a Letónia, Madagáscar, a Polónia, a Eslováquia, a Albânia, a Bósnia e Herzegovina, a Grécia, a Itália, o Quénia, Moçambique, Portugal, a Sérvia, a Eslovénia e o Vietname.

6. E que marca idêntica está registada, como registo nacional, noutros territórios, como é o caso da França, da Guatemala, da índia, do Paquistão, do Peru e da Tunísia.

7. E ainda que um sinal muito semelhante, foi registado como marca internacional N.° 1.009.836, tendo obtido protecção na Bulgária, na Itália e no Vietname.

8. Ao declarar a nulidade das marcas em questão à luz das disposições do actual Código da Propriedade Industrial, lei esta que foi aprovada pelo Decreto-Lei n.° 110/2018, de 10 de Dezembro e entrou em vigor em 1-07-2019 (cf. art. 16, n.°3 do DL n.° 110/2018), a sentença apelada procedeu a uma errada identificação da lei temporalmente aplicável.

9. A sentença apelada olvidou que os registos das marcas internacionais n.° 461.470 e 849.319 foram constituídos em data muito anterior, e que a respectiva validade deve ser considerada à luz da lei em vigor no momento da concessão dos registos pelo INPI, de acordo com o princípio geral da não retroactividade da lei, estabelecido no art. 12.° do Cód. Civil, e à luz da jurisprudência nacional e europeia.

10. A errada escolha da lei aplicável, inquinou igualmente os factos que foram
temporalmente considerados relevantes para apreciação do requisito da capacidade
distintiva dos sinais constitutivos das marcas internacionais n.° 461.470 e n.° 849.319.

11. Na verdade, na decisão apelada, o TPI deu uma resposta à questão de saber se hoje os sinais em questão têm ou não capacidade distintiva, quando na realidade deveria ter curado de saber se as marcas internacionais n.° 461.470 e 849.319, respectivamente, em 1981 e 2004, eram sinais desprovidos de capacidade distintiva tendo, por isso, o INPI proferido decisões inválidas ao conceder a protecção legal a tais marcas.

12. Existe assim, na análise feita pelo TPI, um anacronismo lógico incorrigível que inquinou, irremediavelmente, a decisão apelada.

13. Os factos provados não referem que as marcas são desprovidas de capacidade distintiva no momento temporal realmente relevante: em 27-05-1981 (para a marca internacional n.° 461.470) e em 06-10-2004 (para a marca internacional n.° 849.319).

14. No n.° 9 da matéria de facto, observa-se que os sinais em questão se tornaram "universais no comércio" o que, além de nada dizer sobre a data em que tal terá ocorrido, não corresponde ao sentido geográfico do termo "universal", na medida em que as marcas em questão foram protegidas em muitos outros países, para além de Portugal.

15. De resto, algo que "se tornou usual e universal no comércio...", é porque não o era ab initio, isto é, os sinais teriam originariamente a necessária capacidade distintiva, mas ter-se-iam "vulgarizado" ou generalizado com sinais genéricos (degenerescência).

16. A questão não é uma mera nuance semântica: o quadro legal estabelecido pelo CPI distingue as figuras da nulidade, como vício originário do registo, quando na sua concessão, tenha sido infringida determinadas disposições legais (cf. art. 259,°, n.°l, CPI), e da caducidade do direito, sanção que ocorre quando um sinal distintivo era válido no momento originário da sua concessão pelo INPI, mas foi afectado posteriormente pela sua degenerescência ou vulgarização no comércio, isto é, no dizer da lei, quando "a marca se tiver transformado na designação usual no comércio do produto ou serviço para que foi registada, como consequência da actividade, ou inactividade, do titular" (art. 268.°, n.°2 ai. a) do CPI).

17. Se, como se afirma na sentença recorrida, os sinais em causa se tivessem "tornado usuais", entre o momento em que foram registados e o momento do julgamento, então estaríamos perante um potencial problema de caducidade (não de nulidade) que é da competência do INPI e não do TPI.

18. Com efeito, a caducidade de sinais que se tornaram na designação usual do produto ou serviço (art. 268.° n.° 2 ai. a) do CPI) é conhecida em processo administrativo próprio apresentado no INPI, só podendo produzir efeitos depois de aí declarada (269.° n.°s 1, 2 e 8).

19. As titulares das marcas internacionais sub judice, gozam da presunção jurídica de que à data da sua concessão essas marcas beneficiavam de todos os requisitos legais para a sua concessão, pelo que impendia sobre a Autora, o ónus de prova dos factos destinados a ilidir essa presunção legal (art. 350°, n.°l e 2 do Cód. Civ.), enquanto que, às Rés, bastaria opor mera "contraprova" a respeito desse supostos factos, destinada a torná-los duvidosos (art. 346.° do Cód. Civ.).

20. À luz dos factos considerados provados pelo Tribunal a quo, não pode considerar-se que a Autora ilidiu minimamente a presunção iuris tantum de validade e, muito pelo contrário, há factos suficientes para colocar em dúvida o que se afirmou quanto à suposta generalização e ausência de capacidade distintiva dos sinais, o que deve levar à improcedência da acção por falta de prova.

21. Afirmar-se no n.° 9 da matéria de facto que "os sinais das marcas n° 461470 e 849319 tornaram-se usuais e universais no comércio como indicadores dos cuidados a ter no tratamento das peças têxteis" não significa que os sinais não possuíam capacidade distintiva originária, mas apenas que tais marcas se tornaram muito conhecidas e utilizadas pelas empresas têxteis no seu comércio.

22. No respeitante à marca internacional n.° 461.470, alegou a própria Autora, que "não estará a ser usada há muito tempo pelo que se invoca a caducidade por falta de uso" (n.° 3 da p.i.), não explicando o TPI como é que uma marca não usada há muito tempo, afinal se tornou "usual" e "universal" no comércio.

23. O TPI não curou de saber em que medida o uso (alegadamente, "usual" e "universal") das marcas em Portugal é realizado ao abrigo do acordo de licença estabelecido entre a Apelante e a ANIVEC em 1981 e que deu à ANIVEC o direito de conceder o uso das marcas a empresas estabelecidas em território português (n.° 5 da matéria de facto).

24. O TPI também não curou de saber em que medida a utilização (alegadamente, "usual" e "universal") das marcas em Portugal é imputável a um uso autorizado pelo acordo estabelecido entre o GINETEX, como titular das marcas internacionais sub Júdice, e a Organização Internacional de Normalização ISSO, designado "Acordo relativo ao uso de símbolos nos produtos têxteis ISO 3758", no qual foi expressamente reconhecido que os sinais em questão são uma propriedade intelectual privada do GINETEX.

25. O uso intensivo e adopção de uma marca relevantes por uma miríade de empresas licenciadas em Portugal, que reconhecem que o exclusivo cabe à aqui Apelante e sua co-titular, não conduziu à degenerescência da marca enquanto sinal distintivo, mas sim à notoriedade da marca entre os operadores do sector.

26. Tem carácter distintivo a marca que permite identificar o produto ou serviço para o qual é pedido o registo como proveniente de uma empresa determinada e, portanto, distinguir esse produto ou serviço dos de outras empresas, não sendo necessário que transmita uma informação precisa quanto à identidade do fabricante do produto ou do prestador de serviços. (cf. a jurisprudência do TJUE).

27. A lei apenas exclui do registo os sinais que sejam totalmente desprovidos de carácter distintivo, ou que sejam sinais exclusivamente descritivos, genéricos ou usuais, o que significa que um mínimo de carácter distintivo do sinal é suficiente para tornar inaplicáveis essas disposições impeditivas do registo.

28. Os sinais que constituem as marcas internacionais n.° 461.470 e n.° 849.319 possuem suficiente capacidade distintiva, na medida em que, nenhum significado intrínseco indicam a quem quer que seja, são inexpressivos, possuindo formas geométricas abstractas (como por ex. um triângulo, um quadrado, ou um círculo), e não descrevem, per se, nem sequer aludem aos serviços visados pelos registos (tratamento de têxteis na classe 40).

29. Segundo a jurisprudência europeia assente, o carácter distintivo de uma marca deve ser apreciado, por um lado, em relação aos produtos ou aos serviços para os quais o registo foi pedido e, por outro, à luz da percepção que deles tem o público relevante.

30. No caso vertente, estamos perante marcas de serviços de tratamento de tecidos ou matérias têxteis na classe 40, cujo público relevante não é o consumidor final, mas as empresas do sector têxtil, como resulta dos n.°s 5, 6, 7, 8, 9 e 10 da matéria de facto considerada assente.

31. São as empresas têxteis as destinatárias das prestações de serviços da Apelante, e são elas que utilizam os sinais constitutivos das marcas aplicando-os nos seus produtos, de acordo com os serviços de tratamento organizados e prestados pela Apelante.

32. A sentença apelada enferma de erro de análise porquanto o TPI não analisou as marcas em questão em função do público relevante mas em função do consumidor final, o comprador de artigos têxteis ou de vestuário.

33. Finalmente, a decisão de custas da sentença apelada é incorrecta na medida que foi claramente desproporcional, à luz do art. 527.° do CPC, n.°s 1 e 2.

34. Com efeito, a Autora e aqui Apelada formulou quatro pedidos e decaiu em dois (declaração de caducidade, por falta de uso sério, da parte portuguesa do registo internacional da marca n.° 461.470; declaração de nulidade da marca internacional n.° 849.320) - decaimentos esses que, muito embora tendo já transitado em julgado, ainda não foram reflectidos em sede de custas, porquanto a decisão de custas da primeira sentença foi revogada juntamente com esta por decisão de 02.09.2020 desta Relação.

35. Dificilmente se compreende, assim, que não lhe sejam imputadas quaisquer custas: uma decisão proporcional de custas seria antes a que condenasse as partes em idêntica proporção.


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Na Relação, o Relator proferiu decisão singular em que julgou procedente a apelação e, por via disso, revogou a sentença que substituiu por outra que absolveu a Ré dos pedidos.

Irresignada, a Autora reclamou para a conferência, suscitando, além do mais, a nulidade da decisão singular por não se verificarem os pressupostos do art. 656º do CPCivil.

A Relação de Lisboa, por acórdão de 20.10.2022, por maioria, reverteu a decisão singular, julgou improcedente a apelação e confirmou a decisão da 1ª instância.


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Inconformada, a Ré interpôs recurso de revista, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. O presente recurso de revista vem interposto do acórdão deferiu a reclamação para conferência apresentada pela Recorrida e, consequentemente, revogou a decisão singular substituindo-a por outra que julgou improcedente o recurso de apelação.

2. Ao contrário da decisão singular, o acórdão recorrido confirmou a decisão do Tribunal da Propriedade Intelectual que julgou procedente por provada a acção e, consequentemente, declarou a nulidade da extensão a Portugal das marcas de registo internacional nº 849319 e nº 461470.

3. O acórdão recorrido padece de nulidade na medida em que não especificou os fundamentos de facto que justificam a decisão, limitando-se a um relatório e à decisão sobre as duas questões de direito que identificou (cf. art. 615.º, n.º1, al. b) e art. 674.ºn.º 1, al. c) do CPC).

4. Com efeito, o acórdão recorrido nem remeteu para a especificação da matéria de facto feita pelo relator na decisão singular, nem realizou a sua própria especificação dos factos assentes, antes, “revogou e substituiu” a decisão singular (também no tocante à matéria de facto), tornando assim impossível saber quais os factos considerados assentes e que motivam a decisão de mérito.

5. O acórdão recorrido padece de nulidade por omissão de pronúncia, na medida em que não apreciou várias das questões suscitadas pela Recorrente nas conclusões das alegações de apelação, conforme é referido no voto de vencido, designadamente (i) a ampliação da matéria de facto provada, (ii) a aplicação da lei no tempo, (iii) a presunção de validade derivada do registo ou (iv) a distinção entre nulidade e caducidade, decidindo assim, sem resolver todas as questões que a Apelante submeteu à sua apreciação, em violação do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2 do CPC.

6. Com efeito, o Tribunal a quo não tomou qualquer posição sobre a ampliação da matéria de facto suscitada pela Apelante na conclusão 3 – no que se refere ao facto de a marca n.º 461470 ser uma marca colectiva – e nas conclusões 4, 5, 6 e 7 da apelação que referem factos relevantes documentalmente provados.

7. O acórdão recorrido também nada decidiu sobre a questão de a sentença apelada ter procedido a uma errada identificação da lei temporalmente aplicável, conforme referido nas conclusões 8 e 9 das alegações de apelação, nem sobre a questão de tal erro ter inquinado os factos que foram temporalmente considerados relevantes para apreciação do requisito da capacidade distintiva dos sinais constitutivos das marcas internacionais n.º 461.470 e n.º 849.319, existindo assim um anacronismo lógico incorrigível na decisão apelada, conforme se mencionou nas conclusões 10, 11, 12 e 13.

8. Sendo certo que a resolução de tais questões constituem passos lógicos prévios indispensáveis para a decisão de saber se as marcas tem ou não capacidade distintiva, não sendo, assim, questões que se possam considerar “prejudicadas” pela solução adoptada no acórdão recorrido quanto a esta última (cf. refere o art. 608.º, n.º2).

9. Igualmente não abordada no acórdão recorrido foi a questão de o TPI não ter distinguido entre a nulidade ou invalidade originária dos registos das marcas (da competência do TPI) e a eventual caducidade devido a factos que ocorreram posteriormente ao registo (da competência do INPI), como consta das conclusões 14, 15, 16, 17, e 18, das alegações da apelação.

10. Acresce que não foi resolvida pelo acórdão recorrido a questão de saber se os factos considerados provados são suficientes ou insuficientes para ilidir a presunção de validade derivada dos registos concedidos pelo INPI à Apelante, conforme focado nas conclusões 19 a 25 das alegações de apelação.

11. Ao confirmar decisão da 1ª instância que declarou a nulidade da extensão, a Portugal, das marcas de registo internacional n.º 461470 e n.º 849319, o acórdão recorrido efectuou ainda uma incorrecta interpretação e aplicação da lei substantiva.

12. Ao declarar a nulidade das marcas em questão à luz das disposições (nomeadamente o art. 259.º, n.º1) do actual Código da Propriedade Industrial, lei esta que foi aprovada pelo Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de dezembro e entrou em vigor em 1.07.2019 (cf. art. 16º, n.º 3 do DL n.º 110/2018), o acórdão procedeu a uma errada aplicação da lei no tempo.

13. A acórdão ignorou que os registos das marcas internacionais n.º 461470 e n.º 849319 foram constituídos em data muito anterior, e que a respectiva validade deve ser considerada à luz da lei em vigor no momento da concessão dos registos pelo INPI, de acordo com o princípio geral da não retroactividade da lei, estabelecido no art. 12.º do CC, e à luz da jurisprudência nacional e europeia.

14. Na verdade, no acórdão, o Tribunal a quo avaliou se, hoje, os sinais em questão têm ou não capacidade distintiva, quando na realidade deveria ter curado de saber se as marcas internacionais n.º 461470 e n.º 849319 eram, respectivamente, em 1981 e 2004, sinais desprovidos de capacidade distintiva tendo, por isso, o INPI proferido decisões inválidas ao conceder a proteção legal a tais marcas.

15. Afirma-se que os sinais em questão “se tornaram universais e usuais no comércio”, o que indicia que não o eram ab initio, ou seja, os sinais teriam originariamente a necessária capacidade distintiva, mas tê-la-iam perdido, tendo entrado em degenerescência.

16. Aliás, os factos considerados provados (quer na sentença do TPI, quer na decisão singular do TRL) não referem que as marcas são desprovidas de capacidade distintiva no momento temporal realmente relevante: em 27-05-1981 (para a marca internacional n.º 461470) e em 06-10-2004 (para a marca internacional n.º 849319).

17. Tanto assim que o Exmo. Senhor Relator da decisão singular, revogada pelo acórdão recorrido, ainda tentou obter da 1ª instância os esclarecimentos que se impunham face à ambiguidade, vacuidade e indeterminação do que foi vertido na matéria de facto pelo TPI, perguntando sem sucesso: quando (ano, década) é que os sinais se tornaram usuais e universais no comércio, e quando é que esse uso e internacionalização chegou a Portugal?

18. Referiu-se no TPI, e confirmou o acórdão recorrido, que os sinais em questão se tornaram “universais no comércio” o que, além de nada dizer sobre a data em que tal terá ocorrido, é desmentido pela prova de que as marcas em questão foram protegidas em muitos outros países, para além de Portugal.

19. Referiu-se no TPI, e confirmou o acórdão recorrido, que os sinais “se tornaram usuais”, o que implica que os sinais não eram usuais, ab initio, isto é, os sinais teriam originariamente a necessária capacidade distintiva, mas ter-se-iam talvez “vulgarizado” ou generalizado como sinais genéricos (degenerescência).

20. Ora, o quadro legal estabelecido pelo CPI distingue as figuras da nulidade, como vício originário do registo, quando na sua concessão, tenha sido infringida determinadas disposições legais (cf. art. 259.º, n.º 1 do CPI), e da caducidade do direito, sanção que ocorre quando um sinal distintivo era válido no momento originário da sua concessão pelo INPI, mas foi afectado posteriormente pela sua degenerescência ou vulgarização no comércio (cf. art. 268.º, n.º2, al. a) do CPI).

21. Se, como se preconiza no acórdão recorrido, os sinais em causa se tivessem “tornado usuais” entre o momento em que foram registados e o momento do julgamento, então estaríamos perante um potencial problema de caducidade que é da competência do INPI, não de nulidade.

22. É imperioso distinguir as duas situações, na medida em que, a nulidade tem eficácia retroativa à data dos registos (cf. art. 35.º do CPI), enquanto a caducidade tem de ser declarada pelo INPI em processo administrativo próprio e só opera a partir da data de apresentação do pedido de caducidade (cf. art. 269.º, n.º 1, 2 e 8 do CPI).

23. Por conseguinte, ao declarar indevidamente a nulidade de marcas devido ao alegado facto dos sinais em causa se terem tornado usuais após o momento em que foram registados, o acórdão recorrido violou o disposto no art. 268.º, n.º2, al. a), o art. 269.º, n.ºs 1 e 8 ambos do CPI.

24. As titulares das marcas internacionais sub judice gozam da presunção jurídica de que à data da sua concessão essas marcas beneficiavam de todos os requisitos legais para a sua concessão, pelo que impendia sobre a ora Recorrida, o ónus de prova dos factos destinados a ilidir essa presunção legal (art. 350º, n.º 1 e 2 do Cód. Civ.) enquanto às Rés bastaria opor mera “contraprova” a respeito desse supostos factos, destinada a torná-los duvidosos (art. 346.º do Cód. Civ.)

25. A Autora, ora recorrida, não ilidiu minimamente a presunção iuris tantum da validade e há factos suficientes para colocar em dúvida o que se afirmou quanto à suposta generalização e ausência de capacidade distintiva dos sinais.

26. Se as marcas se tornaram muito conhecidas e utilizadas pelas empresas têxteis no seu comércio tal não significa perda de distintividade: marcas muito conhecidas são marcas notórias, não são marcas que se “tornaram universais e usuais no comércio”.

27. O uso intensivo e adopção de uma marca relevantes por uma miríade de empresas licenciadas em Portugal, que reconhecem que o exclusivo cabe à aqui Recorrente e sua co-titular, não conduziu à degenerescência da marca enquanto sinal distintivo, mas sim à notoriedade da marca entre os operadores do sector.

28. Consequentemente, ao confirmar a declaração de nulidade das marcas da Recorrente, o acórdão recorrido violou a presunção de validade estabelecida no art. 4.º, n.º2 do CPI.

29. Os sinais que compõem as marcas internacionais n.ºs 461470 e n.º 849319 cumprem o requisito legal da capacidade distintiva, sendo certo que a marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais, nomeadamente palavras ou desenhos, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas (cf. art. 208.º, n.º1 do CPI).

30. A lei apenas exclui do registo os sinais que sejam totalmente desprovidos de carácter distintivo, ou que sejam sinais exclusivamente descritivos, genéricos ou usuais, conforme resulta do art. 209.º, n.º 1 als. a), b) e c) do actual CPI, o que significa que um mínimo de carácter distintivo do sinal é suficiente para tornar inaplicáveis essas disposições impeditivas do registo.

31. Os sinais que constituem as marcas internacionais n.º 461470 e n.º 849319 possuem suficiente capacidade distintiva, na medida em que não possuem nenhum significado intrínseco, tratando-se de formas geométricas abstractas, que não descrevem, per se, nem sequer aludem aos produtos e serviços visados pelos registos: são sinais arbitrários e de fantasia.

32. O caráter distintivo de uma marca deve ser apreciado, por um lado, em relação aos produtos ou aos serviços para os quais o registo foi pedido e, por outro, à luz da perceção que deles tem o público relevante.

33. No caso vertente, estamos perante marcas – uma das quais é uma marca colectiva –cujo público relevante não é o consumidor final, mas as empresas do sector têxtil; são as empresas têxteis as destinatárias das prestações de serviços da Recorrente, e são elas que utilizam os sinais constitutivos das marcas aplicando-os nos seus produtos, de acordo com os serviços de tratamento organizados e prestados pela Recorrente.

34. O acórdão recorrido enferma de erro de análise da matéria de facto porquanto não analisou as marcas em questão em função do público relevante, mas em função do consumidor final, o comprador de artigos têxteis ou de vestuário.

35. Por conseguinte, e porque não há nenhum fundamento substantivo para declarar a nulidade das marcas internacionais da Recorrente, o acórdão recorrido violou o disposto no art. 259.º, n.º1, conjugado com o art. 231.º, n.º 1, als. b) e c), o art. 209.º, n.º1 e o art. 208.º do CPI.

36. Finalmente, a decisão de custas da sentença apelada é incorrecta na medida que foi claramente desproporcional, à luz do art. 527.º do CPC, n.ºs 1 e 2.

37. Com efeito, a Autora e aqui Recorrida formulou quatro pedidos e decaiu em dois (declaração de caducidade, por falta de uso sério, da parte portuguesa do registo internacional da marca n.º 461470; declaração de nulidade da marca internacional n.º 849320) - decaimentos esses que, muito embora tendo já transitado em julgado, ainda não foram reflectidos em sede de custas, porquanto a decisão de custas da primeira sentença foi revogada juntamente com esta por decisão de 02.09.2020 desta Relação.

38. Portanto entende-se que ou é julgado procedente o recurso de apelação isentando-se a ora Recorrente do pagamento de quaisquer custas, uma vez que não deu causa à acção, ou, a ser julgado improcedente o recurso de apelação, teria a decisão de ser reformada para respeitar a idêntica proporção do decaimento nos pedidos formulados em 1ª instância.

Contra alegou a Recorrida, pugnando pela improcedência do recurso e a confirmação do acórdão a sentença, tendo apresentado as seguintes conclusões:

A). O acórdão recorrido revogou a decisão singular proferida pelo Mmo. Juiz Relator, e consequentemente, confirmou a sentença proferida pelo Tribunal da Propriedade Intelectual, a qual declarou a nulidade da extensão a Portugal dos registos das marcas internacionais nºs 849319 e 461470 da Recorrente.

B) Nas suas alegações de recurso a Recorrente entendeu que o acórdão do Tribunal a quo padece de nulidade por não especificação dos fundamentos de facto e por omissão de pronúncia, alegando a título subsidiário que houve uma errada interpretação e aplicação da lei substantiva, concluindo as suas alegações pela necessidade de reforma do acórdão quanto à decisão sobre custas.

C) Não se compreende como pode a Recorrente invocar que o acórdão recorrido padece de nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto, pois, o coletivo de juízes, ao reproduzir na íntegra (págs. 5 a 10 do acórdão recorrido) a matéria de facto considerada assente na decisão singular, assim como as razões que determinaram a não alteração dessa matéria de facto, mais não está do que, no fundo, a aderir à especificação da matéria de facto feita pelo Mmo. Juiz relator na decisão singular, a qual, recorde-se que não foi colocada em causa na reclamação para a conferência apresentada pela Recorrida.

D) Tem sido, aliás, esse o entendimento dos nossos tribunais superiores em situações semelhantes. Veja-se, a título exemplificativo e devidamente densificado nas contra-alegações de recurso o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05 de dezembro de 2019 (Proc. 650/12.2TBCLD-B.S1).

E) Considerando que a decisão singular já se havia pronunciado acerca da matéria de facto e eventuais alterações à mesma peticionadas pela Recorrente, e concluindo que nenhuma alteração se vislumbra necessária, compreende-se que o coletivo de Mmos. juízes, estando de acordo com o teor da decisão singular relativamente à matéria de facto, tenham remetido para aquela, mantendo o que aí se decidiu quanto a este ponto.

F) Tem sido, ainda, entendimento pacífico quer na doutrina quer na jurisprudência que para que se verifique a nulidade por falta de especificação da matéria de facto tem de haver uma omissão absoluta de fundamentação, não bastando pouca ou insuficiente fundamentação.

G) Quanto à alegada nulidade por omissão de pronúncia acerca da ampliação da matéria de facto, recorde-se que os pontos n.º 1 e 2 da matéria de facto foram retificados através de despacho da Mmª Juíza do Tribunal da Propriedade Intelectual, pois deles constavam erros de escrita.

H) A questão suscitada pela Recorrente de saber se uma marca deve ou não ser considerada uma “marca coletiva”, não é uma questão factual, mas sim uma questão de qualificação jurídica, pelo que não deve configurar uma ampliação da matéria de facto.

I) As marcas coletivas para que possam ser registadas como tal, devem obedecer a um conjunto de requisitos e a um procedimento específico, sendo que o Tribunal a quo não poderia considerar como facto assente que a marca sub judice, no que ao regime português diz respeito, fosse classificada como uma “marca coletiva”, desde logo porque o próprio Sistema de Madrid desconhece essa categoria de marcas.

J) Ao indicar no douto acórdão que nada mais havia a acrescentar, depreende-se que Tribunal a quo, à semelhança do que se sucedeu na decisão singular, entende que não deve a marca da Recorrente ser considerada uma marca coletiva.

K) Afigura-se perfeitamente desnecessário acrescentar à matéria de facto assente que os registos de marca foram concedidos pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), sendo aliás essa a interpretação do Tribunal a quo conforme se infere da pág. 10 do acórdão recorrido, porquanto é já feita referência à validade (formal) do referido registo (internacional) em Portugal.

L) Aliás, indicar que os registos de marca foram concedidos pelo INPI seria pouco rigoroso, uma vez que as marcas do registo internacional, como é o caso, estão sujeitas a um único registo, o internacional, não configuram as extensões territoriais novos “registos nacionais” dessas mesmas marcas.

M) Tão pouco tem cabimento a pretensão da Recorrente, nos pontos n.º 5 a 7 das suas conclusões de apelação, em que entende que se deve acrescentar que “a marca internacional n.º 849.319 se encontra registada em diversos países que incluem a Bulgária, a Suíça, a China, o Chipre, a República Checa, a Dinamarca, a Estónia, a Finlândia, a Islândia, a Lituânia, a Letónia, Madagáscar, a Polónia, a Eslováquia, a Albânia, a Bósnia e Herzegovina, a Grécia, a Itália, o Quénia, Moçambique, Portugal, a Sérvia, a Eslovénia e o Vietname. E que marca idêntica está registada, como registo nacional, noutros territórios, como é o caso da França, da Guatemala, da Índia, do Paquistão, do Peru e da Tunísia”.

N) Tais factos são absolutamente irrelevantes para a boa decisão da causa, que analisa a validade dos sinais sub judice em Portugal e nada mais, o que se pode concluir pelo preceituado na pág. 10 do acórdão recorrido. Sendo que a entender-se que tais factos seriam relevantes, por maioria de razão, dever-se-ia entender que deveriam ser aditado que a extensão do registo das marcas da Recorrente foi total e definitivamente recusada noutros países, por se entender que não possuem qualquer capacidade distintiva para os produtos ou serviços que assinalam.

O) Deverá, assim, considerar-se que não se verifica no acórdão recorrido qualquer nulidade por omissão de pronúncia quanto à matéria de facto, porquanto o acórdão recorrido pronunciou-se acerca das alegações da Recorrente nesta matéria, fundamentando e concluindo pela manutenção, na íntegra, dos factos tidos como assentes pelo Tribunal de primeira instância.

P) A propósito da alegada nulidade por omissão de pronúncia quanto à identificação e aplicação da lei temporalmente adequada, e das restantes questões adjacentes, importa esclarecer que o que foi examinado foi a inabilidade intrínseca/inerente dos mencionados sinais (verificável tanto agora, como no momento do registo) para serem reconhecidos como sinais distintivos pelos consumidores, ou seja, para cumprirem a função essencial das marcas.

Q) Sendo, portanto, absolutamente irrelevante o que é alegado pela Recorrente, nas suas alegações, quanto ao exame efetuado aos mencionados sinais pelo INPI, no momento do pedido de extensão dos referidos registos internacionais das marcas em apreço, pois o que ora se pretende é precisamente a reanálise do que foi anteriormente decidido pelo questionado órgão administrativo.

R) Acrescente-se que não se afigura correta a afirmação da Recorrente de que a resolução da questão da eventual identificação errónea da lei temporalmente aplicável e a ausência de prova relativamente a factos temporalmente relevantes é conditio sine qua non para a resolução da questão de saber se estas marcas registadas devem serem declaradas nulas por falta de capacidade distintiva.

S) A questão de avaliar a capacidade distintiva das marcas da Recorrente é uma questão independente e autónoma das questões por esta suscitadas, sendo, aliás, a única questão que deve ser analisada em função do objeto do litígio, isto é, apurar se devem ou não ser declaradas nulas as extensões dos registos de marca internacional da Recorrente.

T) A propósito das implicações do vício de omissão de pronúncia, veja-se o excerto do Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 07 de setembro de 2020 (Proc. 2774/17.0T8STR.E1.S) que atinente a sua relevância ora se reproduz novamente nas presentes conclusões: «Com efeito, mostra-se uniforme o entendimento quanto a considerar que na expressão «questões» não se incluem os elementos, argumentos ou raciocínios utilizados, quer pelas partes, quer pelo tribunal, para a resolução das questões que efectivamente cumpre apreciar»

U) Acrescentando: «Igualmente tem vindo a ser pacificamente entendido que não há omissão de pronúncia sempre que a matéria tida por omissa ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada. Acresce que nada obriga a que o tribunal aprecie todos os argumentos invocados pelas partes, impondo-se apenas que indique a razão que serve de fundamento à decisão proferida».

V) Ao analisar e ao pronunciar-se sobre a questão determinante nos presentes autos, a questão de saber se as marcas têm ou não capacidade distintiva, deverá considerar-se à luz da jurisprudência recente dos tribunais superiores, que o Tribunal a quo não incorre no vício de omissão de pronúncia por não se ter pronunciado, explicitamente, sobre todos os argumentos e raciocínios utilizados pela Recorrente, como aqueles que esta advoga nas suas alegações, maxime, tendo em consideração que tais argumentos em nada relevam para a modificação da decisão da causa, pois a conclusão a que se chegaria seria sempre a mesma, independentemente da lei temporalmente aplicável ao caso, pois em qualquer circunstância as marcas da Recorrente são desprovidas de capacidade distintiva.

W) Sabendo que não existem fundamentos fácticos ou legais passíveis de produzir qualquer alteração na decisão recorrida, vem agora a Recorrente criticar esta decisão do Tribunal a quo, por entender que não analisou o carácter distintivo das marcas internacionais n.º 849319 e n.º 461470 à data em que os pedidos de extensão foram apresentados junto do INPI.

X) No entanto, à semelhança da decisão do Tribunal da primeira instância, o que o Tribunal a quo decidiu foi que os referidos sinais não têm qualquer capacidade distintiva intrínseca para, em concreto, serem reconhecidos pelo consumidor, no mercado, como marcas, em relação aos produtos e/ou serviços a que se referem.

Y) Ou seja, concluiu – e bem – que os referidos símbolos, dada a sua finalidade e natureza, nunca possuíram capacidade distintiva, nem no momento do pedido de extensão dos registos internacionais nem agora.

Z) Sendo que, ao contrário do que a Recorrente pretende fazer crer, quando o Tribunal a quo refere que «os sinais das marcas nº 461470 e 849319 tornaram-se usuais e universais no comércio como indicadores dos cuidados a ter tratamento das peças têxteis» (facto 9.º da matéria assente), apenas pretende dizer que tal facto também constituía motivo de recusa de registo, nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art. 223.º do anterior CPI, caso se entendesse que as marcas aqui em causa não careciam de capacidade distintiva (o que, obviamente, não é, nem nunca foi admitido pelo Tribunal).

AA)Assim, facilmente se conclui que não assiste qualquer razão à Recorrente, já que o que foi examinado no doutro acórdão recorrido foi a inabilidade intrínseca/inerente dos mencionados sinais (verificada agora e no momento do registo) para serem reconhecidos como marcas pelo consumidor dos produtos ou serviços a que se destinam, atenta a sua natureza puramente descritiva e informativa.

BB) A capacidade distintiva é uma característica intrínseca da marca, desde sempre, reconhecida por todas as leis de marcas existentes, presentes e passadas.

CC) E o que se concluiu, nos presentes autos, foi que as marcas sub judice da Recorrente, por veicularem meras informações de utilização e terem natureza descritiva, não possuem capacidade distintiva,

DD) Ao mesmo resultado se chegaria (em virtude da falta de carácter distintivo destas marcas) por aplicação do disposto nos artigos 79.º, 93.º e 122., n.º 2 do Código de Propriedade Industrial de 1940 (para a marca cujo pedido de registo foi efetuado em 1986) e nos artigos 222.º, 223, n.º 1, al. a), c) e d), 238.º, n.º 1, b) e c) e 265.º do Código de Propriedade Industrial de 2003 (para a marca cujo pedido foi efetuado em 2006).

EE)Sendo absolutamente irrelevante o que é alegado pela Recorrente quanto ao exame efetuado aos mencionados sinais pelo INPI no momento do pedido de extensão dos respetivos registos internacionais, pois o que ora se pretende é exatamente a reapreciação do que foi anteriormente decidido pela referida entidade administrativa.

FF) Aliás, estando em causa marcas que se destinam a ser utilizadas no maior número de produtos têxteis possíveis, ou seja, que se destinam a ser utilizadas por todas as empresas do ramo têxtil, não possuem qualquer capacidade de distinguir os produtos de uma proveniência em relação aos produtos de outras proveniências, já que todos eles podem conter estes mesmíssimos símbolos.

GG) Nas suas alegações, a Recorrente acrescenta, ainda, em clara contradição com o que foi por si assumido na contestação, que os sinais em apreço nada significam, nada descrevem ou sugerem sobre a conservação dos produtos têxteis, pelo que não se pode concluir que tais símbolos têm um carácter informativo para o consumidor.

HH) Ora, sucede que tais alegações entram em clara contradição com aquilo que foi por si alegado na contestação, bastando atentar nas várias referências que a ora Recorrente fez à natureza informativa dos mencionados símbolos (vd. pontos 37, 38 e 46 da contestação).

II) Na verdade, estas marcas são exclusivamente compostas por símbolos gráficos que se limitam a transmitir ao consumidor instruções acerca da melhor forma de lavar o artigo em que a respetiva etiqueta se encontra colocada. Nada mais do que isso

JJ) Ficou provado que as presentes marcas correspondem a «símbolos universais informativos», que não têm qualquer capacidade para identificar os produtos ou para os distinguir em razão da sua proveniência empresarial, diferenciando-os dos produtos concorrentes no mercado.

KK)Estes sinais são constituídos exclusivamente pela própria informação que os serviços para que estão registados são supostos prestar, acabando a "marca" por ser puramente descritiva desses mesmos (supostos) serviços, que consistiriam em comunicar aos consumidores as instruções de lavagem de um determinado produto.

LL) Nunca o público consumidor identifica, pela apreensão dos referidos símbolos, a proveniência empresarial dos produtos ou serviços em que são usados, distinguindo-os, assim, dos demais produtos ou serviços concorrentes.

MM) Os produtores e comerciantes utilizam os ditos símbolos, que preenchem com certos dados adicionais (temperatura, por exemplo), para informar os consumidores daquilo que podem ou não fazer na lavagem e tratamento das peças de vestuário respetivas.

NN) Assim, atenta a manifesta ausência de carácter distintivo intrínseco, bem andou o Tribunal da primeira instância, num primeiro momento, e posteriormente, o Tribunal da Relação ao decidir que as extensões a Portugal das marcas do Registo Internacional nºs 461470 e 849319 foram indevidamente concedidas e, por isso, devem ser declaradas nulas.

OO) Entende, ainda, a Recorrente que a decisão relativa às custas do presente processo deveria condenar as partes em idêntica proporção, uma vez que apenas dois dos pedidos formulados pela Autora foram julgados procedentes.

PP)Analisada a referida decisão, facilmente se conclui que não há qualquer fundamento para que a condenação em custas seja efetuada nesses termos, já que a presente ação foi julgada procedente por provada, tendo sido declarada nula a extensão a Portugal das marcas de registo internacional n.º 849319 e 461470. A marca do registo internacional n.º 849320 apenas não foi, igualmente, declarada nula em Portugal porque já havia, entretanto, caducado por falta de renovação do registo.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado improcedente, e em consequência, deve ser mantido o acórdão recorrido que confirmou a decisão do Tribunal de primeira instância que declarou a nulidade da extensão a Portugal das marcas internacionais n.ºs 461470 e 849319, indeferindo-se também o pedido de reforma quanto a custas.


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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

De acordo com as conclusões das alegações da Recorrente – que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso (arts. 635º/4 e 639º do CPC) - na revista está em causa saber:

- se o acórdão recorrido sofre de nulidade por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia (art. 615º, nº1, b) e d) do CPCivil);

- se ajuizou bem ao decretar a nulidade da extensão a Portugal do registo internacional das marcas nºs 849319 e 461470.


///


Fundamentação.

Na decisão singular proferida na Relação, o Exmº Relator elencou como assentes os seguintes factos:

1. A Ré Genitex é titular do registo da marca de registo internacional n.° 461470,
concedido em 27.05.1981, designando Portugal, assinalando, na classe 16,
étiquettes, na
classe 24
étiquettes, tissus, articles textiles pour le ménage et Vhabitation, na classe 25
vêtements de dessus et de dessous pour messieurs, domes et enfants, bonnets, cravates,
manchettes, mouchoirs, pochettes, robes de chambre, maillots de bain, vêtements de
bain, de sport et de nuit
e, na classe 40, traitement des tissus

2. As RR. são titulares do registo da marca de registo internacional n.°
849319 concedido em 6.10.2004, designando Portugal e assinalando na
classe 16,
étiquettes non en tissue, na
classe 24 tissus à usage textile; linge de maison; linge de
bain; essuie-mains, serviettes de toilette et draps de bain en matières textiles; gants de
toilette; lingettes de toilette en matières textiles; linge de table non en papier;
couvertures de table non en papier; tapis de table (non en papier); nappes non en papier;
toiles cirées (nappes); chemins de table; napperons non en papier; sets de table non en
papier; serviettes de table en matières textiles; ronds de table (non en papier); essuie-
verres; linge de lit; couvertures de lit; courtepointes; dessus-de-lit; couvre-lits; jetés de
lit; couvertures de voyage; plaids; couvre-pieds; tours de lit; draps; sacs de couchage
(enveloppes cousues remplaçant les draps); housses de couettes; housses et taies
d'oreillers; housses de traversins; couettes; édredons; housses de coussins; draps-
housses pour matelas; enveloppes de matelas; toile à matelas; tissu pour meubles;
housses de protection pour meubles; tissus d'ameublement; revêtements de meubles en
matières textiles ou en matières plastiques; rideaux, stores et voilages en matières
textiles; rideaux en matières plastiques; rideaux de douche en matières textiles ou en
matières plastiques; portières (rideaux); vitrages (rideaux); embrasses en matières
textiles; housses pour abattants de toilettes; moustiquaires; tentures murales en matières
textiles; revêtements muraux en matières textiles; tapis de billards; doublures (étoffes);
tissus pour chaussures; coiffes de chapeaux; mouchoirs de poche en matières textiles;
serviettes à démaquiller en matières textiles; tissus élastiques; tissus adhésifs collables à
chaud; étiquettes en tissu; bannières; fanions (non en papier); drapeaux (non en papier);
pavillons (drapeaux); matières filtrantes (matières textiles); toiles à fromage; non-tissés
(textiles); matières plastiques (succédanés du tissu); toiles gommées autres que pour la
papeterie,
na classe 25 vêtements, notamment de ville, de confection, de sport, de plage,
de bain, de nuit, de loisir, de détente, de cérémonie, pour hommes, femmes et enfants;
combinaisons (vêtements); vêtements et ténues de travail (autres que ceux de protection
contre les accidents, les irradiations et le feu); vêtements de dessus; manteaux;
pardessus; parkas; anoraks; cabans; capes; pèlerines; imperméables; cirés (vêtements);
gabardines (vêtements); blousons; coupe-vent (vêtements); vestes; gilets; tabliers
(vêtements); uniformes; robes et ténues de mariage, de cocktail, de soirée, de
cérémonie; habits; costumes; tailleurs; survêtements; maillots; chemises; empiècements
de chemises; plastrons de chemises; chemisiers; chemisettes; manchettes (habillement);
cols; collets (vêtements); faux-cols; empiècements de cols; chemises de sport; poios;
blouses; caracos; camisoles; maillots de corps; tricots de corps; débardeurs; tee-shirts;
sweat-shirts; pull-overs; chandails; cardigans; tricots (vêtements); jerseys (vêtements), gants (habillement); écharpes; étoles; cache-col; cache-nez; châles; foulards; tours de cou (habillement); pochettes (habillement); cravates; lavallières; noeuds papillon; jupes; robes; pantalons; culottes; shorts; ceintures (habillement); ceintures porte-monnaie (habillement); bretelles; robes de chambre; pyjamas; chemises de nuit; négligés; déshabillés; peignoirs; costumes de plage; costumes de bain; maillots de bain; slips et caleçons de bain; sous-vêtements; lingerie de corps; combinaisons (sous-vêtements); gaines (sous-vêtements); bonneterie; caleçons; slips; corsages; soutiens-gorge; corsets; cache-corset; corselets; justaucorps; jupons; collants; bas; chaussettes; socquettes; chaussettes à semelles de caoutchouc; chaussures; chaussures de sport; chaussures de détente; chaussures et chaussons de toile; chaussures de plage; bottes; bottines; chaussons; ballerines; pantoufles; chaussures et chaussons pour bebés et enfants en bas âge; espadrilles; talonnettes pour chaussures, pour bas et pour chaussettes; semelles intérieures; étuis pour chaussures; chapellerie; chapeaux; casquettes; bérets; bonnets; cagoules; calottes; capuches; capuchons (vêtements); visières (chapellerie); bonnets de bain; bonnets de douche; bandeaux pour la tête (habillement); turbans; voiles (vêtements); couvre-oreilles (habillement); manchons (habillement), na classe 26, dentelles; jabots (dentelles); broderies; colifichets (broderies); lacets (cordons); lacets et cordons à border; franges; galons; lacets de chaussures; cordons pour vêtements; boutons; articles de mercerie (autres que les fils); bords et bordures pour vêtements; dossards; brassards; épaulettes pour vêtements; volants de robes; ruches (habillement); faux ourlets; brides (confection); passementerie; pièces à coudre ou collables à chaud pour la réparation et/ou 1'ornement d'articles textiles (mercerie); rubans (passementerie); noeuds (passementerie); cocardes (passementerie); chenille (passementerie); ganse (passementerie); glands (passementerie); houppes (passementerie); rosettes (passementerie); guimperie (passementerie); rubans élastiques; fermetures à glissière; pelotes pour épingles et aiguilles; étuis à aiguilles non en métaux précieux; articles d'attache et/ou d'ornement pour les cheveux, entièrement ou principalement en matières textiles, y compris bandeaux pour les cheveux, serre-tête, cache-chignon, élastiques pour mèches et queues de cheval, rubans et noeuds pour les cheveux, filets pour les cheveux, résilles, froufrous pour cheveux; cosys pour théières; fleurs et plantes artificielles; guirlandes artificielles,
na classe 27, tapis, carpettes, nattes et paillassons; sous-tapis; descentes de bain (tapis), na classe 37, informations et conseils en matière d'entretien de textiles et de produits en matières textiles; les services précités étant consultables ou disponibles notamment par voie télématique ou sur des réseaux de télécommunications ou informatiques, y compris internet et les réseaux intranet et extranet, na classe 40, informations et conseils en matière de traitement de textiles et de produits en matières textiles; les services précités étant consultables ou disponibles notamment par voie télématique ou sur des réseaux de télécommunications ou informatiques, y compris internet et les réseaux intranet et extranet; traitement de tissus, de textiles et de produits en matières textiles, na classe 41, formation, notamment en matière d'étiquetage d'entretien et/ou de traitement de textiles et de produits en matières textiles; publication et édition, y compris par moyens électroniques, notamment de brochures, de manuels et de guides, en particulier en matière d'étiquetage d'entretien et/ou de traitement de textiles et de produits en matières textiles; organisation et conduite de séminaires, conférences, symposiums, forums, colloques et congrès, notamment en matière d'étiquetage d'entretien et/ou de traitement de textiles et de produits en matières textiles; les services précités étant consultables ou disponibles notamment par voie télématique ou sur des réseaux de télécommunications ou informatiques, y compris internet et les réseaux intranet et extranet, e na classe 42, services de standardisation et de normalisation en matière d'étiquetage d'entretien et/ou de traitement de textiles et de produits en matières textiles; conseils juridiques en matière de standardisation et de normalisation d'étiquetage d'entretien et/ou de traitement de textiles et de produits en matières textiles; concession de licences de propriété intellectuelle, notamment de marques; les services précités étant consultables ou disponibles notamment par voie télématique ou sur des réseaux de télécommunications ou informatiques, y compris internet et les réseaux intranet et extranet;


3. Em 10.11.2017 as rés requereram junto da Organização Mundial para a Propriedade Intelectual (OMPI) a limitação do registo da marca internacional n.° 849319 para Portugal, por exclusão das classes 16,24,25,26 e 27.

4. A R. GINETEX é uma associação fundada em 1963 em França, tendo por objecto a) a definição de símbolos e o registo dos respectivos códigos, com o fim de criar um sistema internacional para a etiquetagem de tecidos; b) definir a regulamentação do uso dos referidos símbolos e códigos; c) promover a divulgação; d) adquirir todas as marcas e todos os direitos relativos aos símbolos e correspondentes códigos; e) e proceder ao registo de todas as marcas, quer nacional quer internacionalmente; f) assegurar a protecção de todas as rotulagens, símbolos e códigos adoptados pela Associação em todos os países, incluindo todos os países não aderentes ao Acordo de Madrid, mas cujo registo se encontra acautelado e protegido no Instituto de Propriedade Intelectual correspondente, bem como nos restantes países não aderentes a este a acordo; g) concluir todos os acordos relativos à promoção dos acima referidos objectivos; h) em geral, tomar todas as medidas necessárias tendentes aos acima referidos objectivos, directa ou indirectamente;

5. Entre a GINETEX e a Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e Confecção (ANIVEC), com sede no Porto, foi celebrado, em 18.09.1981, um acordo denominado contrato de licença, de que nomeadamente consta:

Artigo 1 - A GINETEX mandata a título gratuito, irrevogável e exclusivo para o território português a ANIVEC, para que esta conceda aos seus aderentes um direito de uso das Marcas.

Salvo modificação por parte da GINETEX, este mandato cobre a utilização dos grafismos conforme às Marcas.

Artigo 2 -A validade do mandato está sujeita à adesão da ANIVEC ao GINETEX e ao respeito, pela ANIVEC, das regras e decisões do GINETEX, cuja aplicação tem por vocação assegurar no território português.

Recorda-se, em particular, que os símbolos citados no artigo 1 devem ser reproduzidos num grafismo conforme às modalidades e prescrições adoptadas pela GINETEX, nomeadamente no que respeita às cores.

Artigo 3 - Este mandato dá à ANIVEC o direito de conceder o uso das Marcas a empresas estabelecidas em território português, que queiram exercer este direito, sob condições a regulamentar pela ANIVEC, que não podem estar em contradição com as regras e prescrições da GINETEX.

6. A GINETEX elaborou um "Manual Técnico" constante de fls. 559 v.° a 587 v.° dos autos (processo em suporte de papel), cujo teor aqui se dá por reproduzido na íntegra;

7. As RR. celebraram com a Organização Internacional de Normalização ISSO, um "Acordo relativo ao uso de símbolos nos produtos têxteis ISSO 3758", constante de fls. 599 v.° e 600 dos autos (processo em suporte de papel), cujo teor aqui se dá por reproduzido na íntegra;

8. A norma internacional ISSO 3758 estabelece um sistema de símbolos para serem usados em artigos têxteis, fornecendo aos consumidores informação sobre os tratamentos domésticos mais adequados para lavar, secar ou limpar esses artigos, nos termos melhor discriminados a fls. 587 verso dos autos, aqui dados por reproduzidos na íntegra;

9. Os sinais das marcas n° 461.470 e 849.319 tornaram-se usuais e universais no
comércio como indicadores dos cuidados a ter no tratamento das peças têxteis;

10. Os sinais das marcas n° 461.470 e 849.319 são previamente preenchidos pelos fabricantes ou comerciantes das peças têxteis de acordo com o tratamento adequado a
conferir na lavagem, secagem e passagem a ferro de cada peça em função das características do tecido, e em seguida apostos em etiquetas no produto final para informação do consumidor, servindo-lhes como manual de instruções no tratamento da peça.

Fundamentação de direito.

Se o acórdão recorrido sofre de nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto (ar. 615º, nº1, alínea b), ex vi do art. 666º do CPCivil).

O nosso sistema jurídico-processual referencia duas espécies de fundamentação, cuja falta implica a nulidade da sentença (art. 615º/1, b): de facto e de direito.

Sanciona-se aqui a omissão do cumprimento do dever (com expressão constitucional, art. 205, nº1 da CRP), que impende sobre o juiz de indicar as razões de facto e de direito que sustentam a sua decisão de forma a habilitar as partes a conhecerem as razões factuais e jurídicas que conduziram ao sucesso ou fracasso das suas pretensões.

Esta causa de nulidade apenas se verifica quando há absoluta falta de fundamentação e não quando a fundamentação é insuficiente, deficiente ou medíocre, conforme entendimento pacífico na jurisprudência do STJ (cf., entre outros, os Acórdãos do STJ de 30.09.2014, P. 1108/09, de 01.03.2016, P. 748/07).

No caso, na Relação foi inicialmente proferida decisão singular na qual o Relator enunciou os factos que considerou provados.

A Autora reclamou para a conferência, insurgindo-se contra a prolação de decisão sumária, o que mereceu a seguinte apreciação do acórdão recorrido:

O proferimento de uma decisão singular, quando não se verificam os respectivos pressupostos, constituiria nulidade processual secundária sujeita ao regime geral dos artigos 195.° e 199.° do Código de Processo civil serão deste código os artigos ulteriormente citados se qualquer outra menção).

A consequência associada a este vício seria a prevista no n.° 2 do artigo 195.°. Como tal redundaria no proferimento de um acórdão, pelo mesmo colectivo que está a apreciar a reclamação, deve considerar-se irrelevante a irregularidade cometida.”

De seguida, o acórdão apreciou a questão jurídica suscitadas nos autos.

Significa isto que o acórdão absorveu o conteúdo da decisão singular, que transcreveu, dele passando a fazer parte integrante a factualidade dada como provada naquela.

A alegação da Recorrente de ser “impossível saber quais os factos considerados assentes e que motivam a decisão de mérito”, carece, com o devido respeito, de fundamento. É manifesto que a decisão recorrida se baseou no acervo factual descrito na decisão singular.

Sustenta ainda a Recorrente que o acórdão da Relação não apreciou questões que suscitou no recurso de apelação, a saber: i) alteração da matéria de facto e ampliação desta; ii) aplicação da lei no tempo; iii) distinção entre nulidade e caducidade, pelo que a decisão sofre da nulidade prevista no art. 615º, nº1, alínea d), ex vi do art. 666º, ambos do CPC.

Sobre a questão da matéria de facto, a decisão singular pronunciou-se nos seguintes termos:

“Os pontos 1 e 2 da matéria de facto já foram rectificados no Io grau.

Nada há a acrescentar em relação a essa pretensão.

O que se pretende na conclusão 4a não tem cabimento.

Por um lado, esses factos constam de documentos juntos aos autos, e o Tribunal conhece-os da instrução da causa.

Por outro, ao conjunto de factos provados só se levam dos alegados e provados, os relevantes para a decisão da causa.

O mesmo se diga das pretensões de 5a a 7a.

Os factos a considerar, são, portanto, os já vindos do Io grau.”

O acórdão da conferência nada disse sobre este fundamento do recurso, tendo passado de imediato a enunciar a questão a decidir que identificou como saber se “as marcas nº 461470 para distinguir etiquetas (…) e a marca nº 849319 registada para distinguir informações e conselhos relacionados com a manutenção dos têxteis (…) têm suficiente capacidade para distinguir aqueles produtos /ou serviços (…) reportando-os a uma determinada origem empresarial.”

Interpretamos o acórdão como concordante com a decisão singular a propósito da matéria de facto, e que a factualidade fixada na sentença era suficiente para a decisão de direito.

Importa lembrar que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixa a força probatória de determinado meio de prova, (art. 674º/3 do CPC), o que não está em causa.

O que o STJ pode fazer é determinar a ampliação da matéria se tal se afigurar necessário à decisão de direito, nos termos previstos no nº3 do art. 682º.

No caso, não vemos tal necessidade, nem a Recorrente explicita em que medida a ampliação da matéria de facto é necessária à correcta aplicação do direito.

Quanto à omissão de pronúncia sobre a questão da aplicação da lei no tempo e distinção entre nulidade e caducidade, o que segundo a Recorrente fere o acórdão de nulidade nos termos do art. 615, nº1, alínea d), do CPC, segundo a qual “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”:

Esta nulidade está em consonância com o nº2 do art. 608º que obriga o juiz a “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.” Não significa isto que, sob pena de nulidade, o juiz deva apreciar todos os argumentos, razões, juízes de valor aduzidos pelas partes, pois estes estes não se confundem com “questões”. (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I, pag. 727).

No caso, a questão que cabia decidir era saber se deve ser declarada a nulidade da extensão territorial a Portugal do Registo Internacional das marca n°s 461470 e 849319.

A sentença entendeu que sim, por as marcas em causa não terem capacidade distintiva.

No recurso de apelação a Ré defendeu posição contrária, mas sem sucesso pois que a Relação, embora sem se pronunciar sobre todas as razões aduzidas pela Recorrente confirmou a sentença.

Tendo presente o que referimos supra, i.e., a necessidade de distinguir questões dos argumentos ou razões, acórdão recorrido não sofre da nulidade que a Recorrente lhe aponta.

Entrando agora na questão de fundo, saber se as instâncias ajuizaram bem ao decretar a nulidade do registo das marcas da Recorrente.

Recordemos como a sentença justificou a procedência da acção:

“(…) o que se discute nos autos é a validade da protecção em Portugal daqueles mesmos sinais como marcas. E nessa medida, porque inequívoca a falta de capacidade distintiva dos sinais marcários em apreço e desprovida de capacidade intrínseca em concreto para serem reconhecidas pelo consumidor como marcas, mas tão como símbolos gráficos com mera propósito informativo ou instrutivo de cuidados no tratamento de produtos têxteis nele etiquetados apos preenchidos, impõe-se concluir pela nulidade das respectivas marcas por infringido o estipulado no art 209 1 al a) do CPI em conjugação com o art 259 1 por remissão para o era 231 1 todos do CPI.

E, sem prescindir, mesmo que por hipótese académica se entendesse que estas marcas dispunham suficiente de capacidade distintiva, ainda assim ocorre outro fundamento de recusa do seu registo nos termos da al d) do 1 do art. 209 do CPI - os sinais em questão tornaram-se usuais no comércio como indicadores dos cuidados a ter no tratamento e limpeza dos produtos têxteis, o qual também dita a nulidade das marcas à luz do prescrito no art 259 nº1 por remissão do art 231 1 do CPI. Com efeito, em consonância com padrões internacionais de normalização no tratamento dos têxteis, os sinais marcários em estudo transmitem essas informações ao consumidor, que as reconhece como “linguagem padrão’”, tendo-se tornado, por conseguinte usuais nos hábitos leais e constantes do comércio, não sendo por essa razão passíveis de constituir propriedade e exclusivo de ninguém.

Pelo que, tudo visto e ponderado, impera julgar procedente o pedido de declaração de nulidade da extensão a Portugal das marcas em apreço, sob a égide das normas supra escalpelizadas.”

Entendimento que a Relação, por maioria, confirmou:

Está em causa nestes autos saber se a marca n° 461470, registada para distinguir nomeadamente etiquetas, tecidos, têxteis para a casa, roupa, também interior, para homem, senhora e criança, bonés, gravatas, punhos, lenços, roupões, fatos de banho, roupa de desporto e de noite e tratamento de tecidos, e a marca n° 849319, registada para distinguir informações e conselhos relacionadas com a manutenção de têxteis e produtos têxteis, formação, especialmente na rotulagem de manutenção e/ou tratamento de têxteis e produtos têxteis; publicação e edição, incluindo por meios electrónicos, incluindo brochuras, manuais e guias, em especial para a rotulagem da manutenção e/ou tratamento de têxteis e produtos têxteis; organização e condução de seminários, conferências, simpósios, fóruns, colóquios e congressos, em especial em matéria de etiquetagem e manutenção e/ou tratamento de têxteis e produtos em materiais têxteis, serviços de normalização e normalização para a rotulagem da manutenção e/ou tratamento de têxteis e produtos têxteis; assessoria jurídica na normalização e normalização da rotulagem de manutenção e/ou tratamento de têxteis e produtos têxteis; licenciamento de propriedade intelectual, incluindo marcas, serviços estes consultáveis ou disponíveis, em especial, por meios telemáticos ou em redes de telecomunicações ou informáticas, incluindo a Internet e as redes de intranet e extranet , têm suficiente capacidade para distinguir aqueles produtos e/ou serviços dos produtos e/ou serviços semelhantes ou afins marcados com outros sinais, reportando-os a uma determinada origem empresarial.

Resulta de uma análise dos ajuizados sinais, e dos produtos que assinalam, que os mesmos são meramente descritivos, desprovidos de carácter distintivo.

Dito de outro modo: «não têm a menor apetência para distinguir ou permitirem a identificação da sua procedência e demarcá-la dos seus concorrentes directos. Ao invés, visam tão só explicar, instruir em linguagem universal normas de uso de uma peça têxtil».

Os sinais marcários em análise, como muito bem esclarece a decisão do primeiro grau, estão realmente desprovidos de «capacidade intrínseca em concreto para serem reconhecidas pelo consumidor como marcas, mas tão só como símbolos gráficos com mero propósito informativo ou instrutivo de cuidados no tratamento de produtos têxteis nele etiquetados após preenchidos».

Realmente, os produtos nos quais são colocadas os respectivos sinais não são distinguidos por esses sinais, mas sim «pelas marcas dos fabricantes ou dos comerciantes das respectivas peças têxteis».

Prova-se designadamente que:

9. Os sinais das marcas n° 461.470 e 849.319 tornaram-se usuais e universais no comércio como indicadores dos cuidados a ter no tratamento das peças têxteis;

10. Os sinais das marcas n° 461.470 e 849.319 são previamente preenchidos pelos fabricantes ou comerciantes das peças têxteis de acordo com o tratamento adequado a conferir na lavagem, secagem e passagem a ferro de cada peça em função das características do tecido, e em seguida apostos em etiquetas no produto final para informação do consumidor, servindo-lhes como manual de instruções no tratamento da peça,

O que corrobora o referido carácter informativo.

Que tal é assim, acaba por ser admitido pelo ilustre relator quando afirma que: «Significa [o que consta do facto 9] que o consumidor olha para aquelas quadrículas, aqueles símbolos, aquela sinalética, e sabe interpretá-los. Sabe lê-los.

Procura nos quadrículos que se podem ver impressas nas etiquetas a informação que procura» (fls. 920; o sublinhado é nosso).

Na decisão singular afirma-se ainda, a fls. 921, que as marcas em causa «são marcas de serviços», isto é, são marcas que são usadas não para produtos, mas para serviços, «que são utilizadas para distinguir um serviço de prestador em relação ao serviço de outro prestador».

Parece-nos, ao invés, como observa a reclamante, que nenhum consumidor poderá, ao olhar para os referidos sinais, distinguir o prestador em concreto, de qualquer outro prestador de serviços, antes ficará tão-só informado «como deverá proceder no momento da lavagem, passagem ou tratamentos afins dos produtos em relação aos quais tais sinais foram apostos».

Em conclusão: da falta de capacidade distintiva dos sinais marcários em presença e da falta de capacidade intrínseca para serem reconhecidas pelo consumidor como marcas, mas, tão-só, como bem julgou o primeiro grau, para serem percebidos «como símbolos gráficos com mero propósito informativo ou instrutivo de cuidados no tratamento de produtos têxteis nele etiquetados após preenchidos», resulta que se deve dar razão ao primeiro grau, deferindo-se a reclamação.”

Dissentindo do assim decidido, a Recorrente começa por suscitar a questão da aplicação da lei no tempo dizendo que a validade dos registos deve ser aferida à luz da lei em vigor no momento da concessão dos registos pelo INPI – 1981 para a marca 461470 e 2004 para a marca 849319 - e não pelo actual CPI, que apenas entrou em vigor em vigor em 01 de Julho de 2019.

Vejamos.

O actual CPI, aprovado pelo DL nº 110/2008 de 10 de Dezembro, entrou em vigor no dia 01 de Julho de 2019, com as excepções referidas no art. 16º do diploma preambular.

Daí que ao caso seja aplicável o regime jurídico decorrente do CPI aprovado pelo DL nº 36/2003 de 5 de Março, em vigor à data da propositura da acção.

A sentença julgou a acção à luz das disposições do artigos 209º, 231º e 259º do CPI de 2018, enquanto o acórdão recorrido não cita qualquer disposição, mas daqui nada de relevante resulta.

Com efeito,

Os princípios que regem a constituição da marca, “como sinal distintivo de comércio”, estão estabilizados de há muito.

No domínio do CPI de 1940, referia o Professor Ferrer Correia (Lições de Direito Comercial, I, pag. 323), que a liberdade de constituição da marca não é ilimitada, estabelecendo a lei, a esse respeito, várias limitações. Assim “sendo a marca um sinal distintivo de coisas, há-de ela ser dotada, para o bom desempenho da sua função, de eficácia ou capacidade distintiva, isto é, há-de ser apropriada para diferenciar o produto de outros idênticos ou semelhantes (art. 79º).”

No mesmo sentido, o art. 222º, nº1 do CPI de 2003, dizia que o sinal ou conjunto de sinais, para que possa constituir uma marca, deve ser adequado para distinguir os produtos ou serviços de uma empresa das de outras empresas. Em consequência, estabelecia o art. 223º, nº1, que não servem como marcas:

a) As marcas desprovidas de qualquer caráter distintivo;

(…)

d) As marcas constituídas, exclusivamente, por sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio.

Esta disposição foi reproduzida no art. 209º do actual CPI, sendo que em ambos os diplomas se sanciona com a nulidade o registo de marca “desprovida de caracter distintivo” (art . 265º do CPI de 2003, e 259º do actual CPI).

O que significa que a nulidade que o actual art. 259º comina para “as marcas constituídas por sinais desprovidas de qualquer carácter distintivo”, não é uma novidade do actual CPI, pois já assim era no domínio do CPI de 1940 (arts. 79.º, 93.º e 122º/2), e do CPI de 2003.

Logo, é irrelevante que a sentença de 1ª instância e o acórdão recorrido se tenham apoiado nas disposições do actual CPI. Ao mesmo resultado se chegaria se aplicadas as disposições dos diplomas anteriores.

Nas conclusões 18ª a 23ª a Recorrente acusa o acórdão de não ter feito distinção entre a nulidade e caducidade do registo, e que “se como se preconiza no acórdão recorrido, os sinais em causa se tivessem “tornado usuais” entre o momento em que foram registados e o momento do julgamento, então estaríamos perante um potencial problema de caducidade que é da competência do INPI, não de nulidade”, que assim “violou o disposto nos arts. 268º, nº2, al. a) e 269º, nºs 1 e 8.”

Também aqui lhe falece razão.

Para além dos casos de invalidade do registo de marca, quando ocorra algum dos motivos de nulidade ou anulabilidade previstos nos arts. 32º, 33º, 259 e 260º, o direito sobre a marca pode extinguir-se caducidade, por decisão do INPI, designadamente “no caso de a marca se tiver transformado na designação usual no comércio de um produto ou serviço para que foi registado, como consequência da actividade, ou inactividade do titular” (art. 269º, nº3 do CPI de 2003, a que corresponde o actual art. 268º).

Nas palavras de Pedro de Sousa e Silva, Direito Industrial, 2ª edição, pag. 345, “é o chamado genericído, que ocorre quando a marca se torna um verdadeiro “sinónimo” do produto, deixando assim de o identificar e diferenciar dos produtos congéneres.”

Sucede que as decisões das instâncias foram no sentido da nulidade do registo das marcas por serem constituídas por símbolos sem capacidade distintiva, com uma função puramente descritiva e informativa, não por ter ocorrido o fundamento de caducidade previsto no nº3 do art. 269º do CPI/2003.

Como bem refere a Recorrida, “quando o Tribunal a quo refere que «os sinais das marcas nº 461470 e 849319 tornaram-se usuais e universais no comércio como indicadores dos cuidados a ter tratamento das peças têxteis» (facto 9.º da matéria assente), apenas pretende dizer que tal facto também constituía motivo de recusa de registo, nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art. 223.º do anterior CPI, caso se entendesse que as marcas aqui em causa não careciam de capacidade distintiva (o que, obviamente, não é, nem nunca foi admitido pelo Tribunal).”

Com o que também improcede este fundamento do recurso.

Sustenta ainda a Recorrente que goza da presunção de validade do registo (art. 4º, nº2, do CPI), que não foi infirmada.

Vejamos.

Estamos perante o registo de marcas internacionais, obtido com base no procedimento de registo internacional alicerçado no Acordo de Madrid Relativo ao Registo Internacional de Marcas de 11.04.1891, e no Protocolo Referente ao Acordo de Madrid, de 27.07.1989.

O titular de uma marca cujo registo tenha sido obtido no seu país de origem (ou seja, o país onde esse titular tenha domicílio ou um estabelecimento industrial ou comercial), pode formular um pedido de registo internacional em Portugal no INPI, I.P, (art. 241º do CPI).

Refere Pedro Sousa e Silva, obra citada, pag. 337, que “os pedidos de registo oriundos do estrangeiro são transmitidos pela Secretaria Internacional ao INPI, que promove a sua publicação no BPI, para efeitos de reclamação de quem se considerar prejudicado pela eventual concessão do registo, seguindo-se as demais formalidades processuais previstas para as marcas nacionais, no art. 229º do CPI. A apreciação do pedido procedente da via internacional e a sua eventual recusa obedecem às mesmas regras que se aplicam aos pedidos de registo nacionais (art. 246º do CPI).”

Posto isto.

Dispõe o art. 4º do CPI, a propósito dos efeitos do registo, que “…a concessão de direitos de propriedade industrial implica mera presunção jurídica dos requisitos da sua concessão.”

Trata-se de uma presunção irus tantum do preenchimento dos requisitos dessa concessão, que pode ser ilidida, designadamente através de acção judicial de declaração de nulidade ou anulação (art. 35º do CPI de 2003).

No caso vertente, decidida por decisão transitada a incompetência do tribunal para declarar a caducidade do registo da marca nº461470, prosseguiu a acção para apreciação do pedido de declaração de nulidade com base na alegada falta de carácter distintivo das marca internacionais nºs 461.470 e 849.319.

A marca, como já referido, é um sinal distintivo dos produtos ou serviços de uma empresa dos de outra empresa.

Sobre a constituição da marca, estatui o art. 208º do CPI, (anterior 222º):

A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais suscetíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, cor, a forma do produto ou da respectiva embalagem, ou por um sinal ou conjunto de sinais que possam ser representados de forma que permita determinar, de modo claro e preciso, o objecto da proteção conferida ao seu titular, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outra empresa.

Em consonância, o art. 209º, nº1, alínea a), anterior 223º, diz que “não satisfazem as condições do artigo anterior as marcas desprovidas de qualquer carácter distintivo.”

A exigência de carácter distintivo significa que “o sinal tem de permitir a identificação do produto e a sua diferenciação face aos produtos do mesmo género. (…). O que é necessário é que esse sinal, aplicado ao produto ou serviços a que se destina, permita individualizá-lo e distingui-lo dos produtos ou serviços concorrentes.” (Pedro Sousa e Silva, obra citada, pag. 251).

Em anotação ao art. 209º, do Código de Propriedade Industrial Anotado, Almedina, 2021, coordenada por Luís Couto Gonçalves, escreve Maria Miguel Carvalho:

“A doutrina aponta, tradicionalmente, como sinais insusceptíveis de constituírem uma marca por não terem carácter distintivo os chamados “sinais fracos”: as letras e algarismos isolados, os simples sinais de pontuação e linhas geométricas, sem qualquer particularidade que os torne aptos a cumprirem a função distintiva da marca.

Se um sinal não tiver qualquer carácter distintivo, o respectivo pedido de registo deve ser recusado (art. 231, nº1, als. a), b) e d)) e, caso seja concedido, será nulo (art. 259º, nº1).”

É justamente isto que sucede no caso em análise.

As marcas em causa são constituídas por símbolos gráficos, destinados a serem preenchidos pelos fabricantes ou comerciantes das peças têxteis e colocados no produto final para informação do consumidor sobre os cuidados a ter no tratamento das peças.

São absolutamente inidóneos “a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outra empresa”, desempenhando uma função meramente informativa, “ou instrutiva de cuidados no tratamento de produtos têxteis nele etiquetados após preenchidos”, para usar as palavras da sentença.

Constituindo um sistema internacional normalizado para a etiquetagem de tecidos (nºs 7 e 8 da matéria de facto), não possuem, no entanto, qualquer capacidade distintiva idónea para distinguir a origem empresarial dos produtos ou serviços a que se destina.

Resta acrescentar que a invocação da nulidade, quer de marcas nacionais quer de marcas da União Europeia, não está dependente de prazo, podendo ser arguida a todo o tempo. (Pedro de Sousa e Silva, Direito Industrial, 2ª edição, pag. 339).

Daí que não mereça censura o acórdão recorrido quando conclui pela nulidade do registo das marcas internacionais nº 461470 e 849319.

Nas conclusões 36ª a 37ª, a Recorrente insurge-se contra a sentença na parte em que a condenou na totalidade das custas, uma vez que tendo a Recorrida/autora visto naufragar dois dos pedidos a responsabilidade pelas custas deveria reflectir o decaimento parcial da acção.

Sucede que o objecto da apreciação do STJ é o acórdão da Relação, que não apreciou a questão suscitada, não a sentença da 1ª instância.

Daí que não caiba a este Tribunal sindicar a condenação em custas feita na sentença.

Com o que improcedem na totalidade as conclusões da Recorrente.

Sumário, art. 663º, nº7 do CPC:

I - A marca, como sinal distintivo de produtos ou serviços de uma empresa dos de outra empresa, há-de ser dotada, para o bom desempenho da sua função, de eficácia ou capacidade distintiva;

II - É nulo o registo de marca desprovida de capacidade distintiva (art. 259º do CPI).

III – É o que sucede com uma marca constituída por sinais sem qualquer aptidão para distinguir o produto ou serviço e demarcá-la dos seus concorrentes directos, mas tão só para serem percebidos como símbolos com propósito informativo ou instrutivo dos cuidados no tratamento de produtos têxteis nele etiquetados após preenchidos pelos fabricantes ou comerciantes dos mesmos.

Decisão.

Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 14.09.2023

Relator: Cons. Ferreira Lopes

1ª Adjunto: Senhor Conselheiro Manuel Capelo

2ª Adjunta: Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza.