Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8/19.2GAGDL-B.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: NUNO GONÇALVES
Descritores: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Data da Decisão Sumária: 04/24/2023
Votação: --
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Decisão: DECLARAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
Decisão Texto Integral:

Conflito negativo de competência


a. relatório:


Dos elementos com que vem instruído este procedimento incidental apura-se que: --


1. O Ministério Público no DIAP de Setúbal, encerrado o inquérito com o NUIPC 8/19.2GAGDL, proferiu despacho de acusação contra 16 arguidos imputando-lhes os factos aí narrados e, com isso:


a. a treze (13) a prática, por cada um, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21º n.º 1;

b. a dois (2) (os AA) a prática, em coautoria material, de um crime


de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21º n.º 1: e


c. ao restante (BB) a prática em autoria material de um crime
de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art.º 25º al.ª a), ambos os preceitos do DL n.º 15/93 de 22 de janeiro.


2. Aos arguidos AA e CC, imputou ainda, a cada, a prática, em concurso real, de um crime de detenção de arma (e munições) proibida punido pelo art.º 86º n.º 1 al.ªs c) e e) da Lei n.º 5/2006 de 23 de fevereiro (Lei das armas).


3. Aberta a instrução a requerimento de alguns arguidos (DD, EE, FF, GG, HH, II e JJ), o tribunal declarou a especial complexidade do processo.

4. Encerrada a instrução, a Sr.ª Juíza de instrução pronunciou os arguidos pelos factos (com a pequena correção da descrição vertida no ponto 47) e crimes de que vinham acusados.


5. No reexame do estatuto coativo decidiu manter em prisão preventiva os arguidos DD, EE, FF, HH, GG, KK, CC, AA e LL.


6. Remetidos os autos para julgamento (em processo comum por tribunal coletivo), com distribuição ao Juízo central criminal de Setúbal - Juiz ..., o Sr. Juiz, conhecendo oficiosamente, entendendo que da conjugação da facticidade narrada na acusação, concretamente do art.º 26º, com a transcrição das conversações telefónicas intercetadas aos arguidos DD e EE (ali dadas por reproduzidas), se extrai que foi na área da Amadora que se consumou o crime de tráfico pelos mesmo cometido por ter sido aí que se situa a concretização do primeiro fornecimento e entrega de estupefacientes do segundo ao primeiro, por despacho de 23.03.2023, invocando o disposto no art.º 19º n.º 1 do CPP, declarou aquele tribunal incompetente, em razão do território, para a fase de o julgamento do processo.


7. Competência territorial que atribuiu aos Juízos centrais criminais de Sintra, para onde mandou remeter imediatamente o processo.


8. Ali recebidos foram distribuídos ao - Juiz ....


9. A, Sr.ª Juíza nesse Juízo central, entendendo não ser exata a argumentação de que o crime de tráfico cometido pelo arguido DD somente se consumou em meados de junho (dia 16) na Amadora e porque os crimes pelos quais os arguidos vêm pronunciados têm conexão com várias comarcas, entendendo ainda se aplicável para fixar a competência relativa o critério da primeira notícia do crime, conhecendo oficiosamente, invocando o disposto no art.º 21º n.ºs 1 e 2 do CPP declarou o Juízo central criminal de Sintra incompetente, em razão do território, tara a fase de julgamento do presente processo.


10. Competência territorial que atribuiu ao Juízo central criminal de Setúbal.


11. Logo providenciando pela organização do procedimento para a resolução do conflito negativo de competência assim surgido nos autos, mandou remeter as peças pertinentes ao Presidente da secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça


b. parecer do Ministério Público:


O Digno Procurador-Geral Adjunto, em douto parecer, aderindo à fundamentação exposta no despacho da Sr.ª Juíza no tribunal de Sintra, pronuncia-se no sentido de o conflito ser resolvido atribuindo ao Juízo central criminal de Setúbal a competência para a fase do julgamento.


c. posição dos arguidos:


Os arguidos nada disseram.


c. o conflito negativo:


Com as decisões judiciais mencionadas (re)surgiu nos autos em epígrafe mais um – o terceiro - conflito negativo de competência territorial provocado por tribunais da comarca de Setúbal. O primeiro e o segundo desencadeados pelo Juízo de Instrução criminal, que denegou, na fase de inquérito, a competência para a prática de atos jurisdicionais e, na fase preliminar seguinte, para a instrução; agora, é o Juízo central criminal, a denegar a sua competência territorial para a fase de julgamento.


Em síntese, o Juízo central criminal de Setúbal funda essa denegação por entender que, dos crimes de tráfico imputados aos arguidos nos autos, o que primeiramente se consumou foi cometido na Amadora, pertencente à área territorial dos juízos centrais de Sintra, sendo, a seu ver, esse o tribunal competente para o julgamento de todos os arguidos pelos crimes de que vêm pronunciados. Ignorando que existem 15 arguidos acusados por igual crime, centrou-se apenas no crime imputado ao arguido DD, entendendo que se consumou – conforme extraiu da leitura de conversações telefónicas intercetadas entre ambos enumeradas no ponto 26) da acusação - com um fornecimento que recebeu do arguido EE na zona da Amadora. Aplicou somente o critério firmado no art.º 19º do CPP


Por sua vez o Juízo central criminal de Sintra entendeu que não é possível atentar nas escutas telefónicas para este efeito e, de todo o modo, que não é exato que o crime cometido pelo arguido DD se tenha consumado na área da Amadora, ademais que havendo conexão processual o critério definidor da competência territorial haverá de ser o consagrado no art.º 21º do CPP (crime de localização duvidosa ou desconhecida).


d. competência para a resolução:


Uma vez que os tribunais em conflito, - embora de 1ª instância -, pertencem a circunscrição de diferentes Tribunais da Relação – um à do TRÉvora e o outro à do TRLisboa -, é ao Presidente da secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça que, nos termos do art.º 11º n.º 6, al.ª a) do CPP, compete resolver o vertente conflito negativo de competência.


e. apreciação:


Em primeiro lugar deve realçar-se que 13 arguidos estão acusados e pronunciados, cada um, pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes previsto no art.º 21º n.º 1 do DL n.º 15/93 de 22 de janeiro, que é punido com prisão de 4 a 12 anos. Outros dois pela prática, em coautoria de um crime de tráfico p. e p. pela norma citada.


Outro está acusado pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, cuja pena máxima é inferior (5 anos de prisão).

Dois estão acusados em concurso real por um crime de detenção de arma de fogo, cuja pena máxima é também inferior (5 anos de prisão)


Dúvidas não restam, pois, por um lado que o crime mais grave imputado na acusação e na pronúncia é o de tráfico de estupefacientes e, pelo outro lado, que sendo 13 os arguidos pronunciados, cada um, em autoria material, pela prática de um crime, dúvidas não restam que o tráfico do art.º 21º citado cometido pelos referidos não é, para o que aqui relava, o crime cometido por um mais ou menos grave que o cometido pelos restantes 12 arguidos.


Em segundo lugar realça-se que nos autos se investigou, foi deduzida acusação e vêm pronunciados 16 arguidos de terem cometido o crime imputado (dois deles também o detenção de arma) em diversas áreas do território nacional. E que, investigados, acusados e pronunciados como estão por autoria material, só a coneção objetiva dos crimes imputados pode ter legitimado – e bem - a organização de um só processo, certamente por aplicação do disposto nas normas conjugados dos art.ºs 24º n.º 1 al.ª e) e 29º n.º 1, ambos do CPP. Em suma, que embora o processo seja um só e o mesmo, dúvidas não restam que se trata de que a unidade advém tão-somente da conexão processual relevante.


Em terceiro lugar que estão preventivamente presos à ordem dos autos nove (9) arguidos, todos acusados pela prática, em autoria material, dois em co-auotira material entre si, do referido crime de tráfico p. e p. pelo art.º 21º do DL n.º 15/93 citado.


Em suma não há um só crime mais grave que outros daqueles por que os arguidos vêm pronunciados, nem arguidos presos à ordem de processos diferentes.


Assentes nestes pressupostos e atentando na narração da facticidade vertida na acusação e que a pronúncia deu por reproduzida (com uma pequena correção, para aqui sem relevância) logo se antevê qual o critério legal aplicável na determinação da competência material do tribunal de julgamento.

Antes, porém, nota-se que, se por mera hipótese o crime de tráfico imputado arguido DD pudesse considerar-se o mais grave (que, evidente não é, para este efeito), teria de concluir-se que não se consumou apenas em junho e somente na área da Amadora. Basta para tanto atentar na redação dos pontos 61) da acusação e logo se verá que do mesmo consta que o referido arguido já antes, em maio de 2019 “recrutou o arguido MM para traficar por sua conta (maxime: 61) o arguido DD, no mês de maio de 2019, “recrutou” o arguido MM; 62) Este arguido passou a vender diretamente aos clientes/consumidores por conta do arguido DD …”, o qual passou a vender “quer a partir de suas residências, sitas em Rua ..., ... e Avenida ..., …, quer em locais públicos de Grândola”.


Excluido esse critério, impõe-se ter presente que o crime de tráfico p. e p. pelo art.º 21º da DL n.º 15/93 pelo qual cada um dos referidos 15 arguidos vêm pronunciados é de igual gravidade. Pelo que se se quisses ter presente o critério adotado pelo tribunal de Setúbal haveria que notar que da acusação consta, nos pontos 85) e 89), que um dos arguidos – NN - vendeu estupefacientes a comprador aí identificado durante todo o ano de 2019”.


Que do ponto 124) da acusação consta que outro arguido – KK – se dedicou à venda de estupefacientes “seguramente desde o início de 2019”, em Grandôla e Alcacer do Sal.


Que dos ponto s139) e 140) da acusação consta que outro arguido – OO – “pelo menos, desde o início do ano de 2017“vendeu, ininterruptamente, produto estupefaciente, designadamente canábis (resina) …” “… incidindo a sua venda em Alcácer do Sal e Grândola”.


E que do ponto 143) consta que um consumidor comprou a dois arguidos – KK e OO – “pelo menos, desde o mês de fevereiro de 2019 ”.


Haverá, por conseguinte, que concordar – como se afirma no despacho do tribunal de Sintra - que o Juizo central criminal de Setúbal não terá lido atentamente a acusação dada por reproduzida (com uma pequena correção) pelo despacho de pronúncia. De outra maneira teria verificado que o crime cometido pelo DD – se consumou (na teoria da consumação antecipada à prática do 1.º ato, mesmo que apenas seja idóneo a produzir o resultado típico ou que, segundo a experência comum e salvo circunstâncias excecionais, seja de natureza a fazer esperar que que se lhe sigam atos daa tipificidade penal), na economia da narração factica vertida na acusação (que é a que para aqui efetivamente releva) pelo menos em maio de 2019.


E também teria verificada que de entre os crimes de tráfico pelo qual cada arguido arguido está pronunciado, em autoria material, o que primeiramente se consumou foi no início de 2017 cometido pelo arguido OO. Seguindo-se o consumado em início de 2019 pelo arguido KK, em Grandola e Alcacer do Sal. E ainda o consumado em Fevereiro de 2019 por esse arguido e pelo arguido KK. E finalmente o cometido pelo PP em maio de 2019.


E, facilmente e rapidamente, teria concluido que não havia fundamento para declarar a sua incompetência territorial para a fase de julgamento deste processo.


Acresce, decisivamente, que existindo conexão processual – única razão pela qual os arguidos não sendo coautores do mesmo crime de tráfico (com exceção dos AA, pai e filha, cuja co-autoria é apenas entre si) foram investigados, acusados e pronunciados no mesmo processo, cada um pela pratica de um crime de tráfico de estupefacientes em autoria material – o critério atributivo da competência relativa em apreço sempre será um dos que estão consagrados no art.º 28º do CPP.


Sendo o crime de tráfico imputado a cada um de 15 arguidos nos autos de igual gravidade e havendo um só processo à ordem da qual há vários arguidos presos, resta o critério residual que atribui a competência ao tribunal onde primeiramente se deu a notícia do crime.


Aliás – adianta-se já para evitar mais conflitos -, mesmo que o tribunal tivesse decidido separar as culpas, extraindo treslado para enviar à outras comarcas, não perderia a competência por via da conexão e do critério estabelecido no art.º 28º al.ª b) citado.


Conforme documenta a certidão com que vem instruído este procedimento incidental a primeira notícia do crime foi recebida no DIAP do Ministério Público de Setúbal, que instaurou o inquérito com o NUIPC 8/19.2GAGDL, o processo no qual deduziu acusação, foi proferido despacho de pronuncia e no qual se suscitou, na fase de julgamento, o conflito ora em resolução.


Concluimos, por isso, dúvidas não restarem que, nesse conspecto, territorialmente competente para o julgamento dos arguidos nestes autos é o tribunal de Setúbal.


f. decisão:


Assim, de conformidade com o exposto decido, nos termos do art. 36º n.º 1 do CPP, resolver o conflito negativo surgido nos autos, atribuindo a competência territorial para a fase de julgamento no vertente processo ao Juízo central criminal de Setúbal – Juiz ....

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Sem taxa de justiça por não ser devida.

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Comunique-se e notifique-se como determina o art.º 36º n.º 3 do CPP.

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Publique-se nos termos do acórdãos deste Supremo Tribunal.

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Lx. 24.04.2023


O Presidente da 3ª secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça


Nuno Gonçalves