Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1308/20.4T8FIG.C1.S2
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: REVISTA EXCEPCIONAL
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
Data do Acordão: 09/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: ADMITIDA A REVISTA EXCECIONAL.
Sumário :

I. Há contradição entre dois acórdãos da Relação, para efeitos do disposto no art. 672º, n.º 1, c), do CPC, quando, interpretando a mesma cláusula de uma convenção coletiva, tendo em vista calcular a diferença de benefícios a suportar pelo empregador: (i) um dos acórdãos da Relação atendeu apenas ao tempo e não ao valor das contribuições efetuadas (atentando exclusivamente num critério de proporcionalidade, em função do tempo de trabalho dentro e fora da instituição de crédito, portanto sem recorrer a qualquer fator de ponderação associado ao valor das contribuições efetuadas); (ii) enquanto o acórdão fundamento atendeu ao tempo e ao valor de tais contribuições.

II. O facto de o acórdão recorrido seguir a jurisprudência recente e reiterada do STJ não obsta - na ausência de um acórdão de uniformização de jurisprudência – à admissibilidade da revista excepcional.

Decisão Texto Integral:


Processo 1308/20.4T8FIG.C1.S2

Revista Excepcional 

35/22

Acordam na Formação a que se refere o nº 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


AA intentou contra Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária, SA, acção declarativa, sob a forma de processo comum, formulando o seguinte pedido:

Nestes termos e nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V.ª Ex.ª, deverá ser julgada procedente a presente acção, por provada, e em consequência ser condenada a Ré:

A) - a reconhecer ao Autor o direito a receber a pensão completa paga pelo Centro Nacional de Pensões, deduzido do valor correspondente à percentagem de 19,56%, que corresponde aos anos de descontos efectuados enquanto trabalhador bancário no regime geral de Segurança Social (determinado pelo DL n.º 1-A/2011, de 03 de janeiro e por força da extinção da Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários).

B) - a pagar ao Autor, mensalmente, a reforma a que tem direito de acordo com as regras previstas no ACT aplicável, acrescida das diuturnidades e demais subsídios e mensalidades a que tenha direito, e assim:

B1) - a pagar ao Autor a quantia relativa às mensalidades e valores vencidos e em divida, no valor total de 5.727,81€ (cinco mil setecentos e vinte e sete euros e oitenta e um cêntimos), correspondente às deduções efectuadas pela Ré nos meses de Dezembro de 2019 a Setembro de 2020, acrescidos de juros moratórios vencidos desde o vencimento de cada uma até à propositura da presente ação e juros vincendos, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento;

B2) - a pagar ao Autor as mensalidades vincendas e após Outubro de 2020, de acordo com o alegado e peticionado na presente acção, no montante equivalente à diferença entre o valor que a Ré efectivamente tem de pagar e o valor correspondente a 19,56% da pensão mensalmente paga ao Autor pela Segurança Social, acrescido dos juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento.
C) Ser a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), a título de danos não patrimoniais, conforme alegado no artigo 85.º e seguintes desta p.i. acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.

Deve assim ser a Ré condenada ao pagamento da quantia global de 7.727,81€ (5.727,81€ + 2.000,00€) acrescida dos respectivos juros de mora até efectivo e integral pagamento.
A Ré contestou.

Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Pelos fundamentos expostos, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:

a) Condeno a R. “Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária, S.A.” a reconhecer que o A. AA tem direito a receber a pensão completa paga pelo Centro Nacional de Pensões, sendo as quantias a pagar pela R. ao A. deduzidas do valor correspondente à percentagem de 37,50 % dessa mesma pensão, que corresponde aos anos de descontos efetuados enquanto trabalhador bancário no regime geral de Segurança Social;

b) Condeno a R. “Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária, S.A.” a pagar ao A. AA, mensalmente, a reforma a que tem direito de acordo com as regras previstas no Acordo Coletivo de Trabalho aplicável, acrescida das diuturnidades e demais subsídios e mensalidades a que tenha direito, com a dedução referida em a);

c) Condeno a R. “Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária, S.A.” a pagar ao A. AA a quantia relativa às mensalidades e valores vencidos e em dívida, no valor total de € 4.983,77 (quatro mil novecentos e oitenta e três euros e setenta e sete cêntimos), correspondente às deduções efetuadas pela R. nos meses de dezembro de 2019 a setembro de 2020, acrescidos de juros moratórios vencidos desde o vencimento de cada uma dessas prestações até à propositura da presente ação e juros vincendos, sempre à taxa legal, até efetivo e integral pagamento;

d) Condeno a R. “Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária, S.A.” a pagar ao A. AA as mensalidades vincendas após outubro de 2020, no montante equivalente à diferença entre o valor que a R. deveria pagar e o valor correspondente a 37,50 % da pensão mensalmente paga ao A. pela Segurança Social, acrescido dos juros de mora vincendos, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento;

e) Absolvo a R. “Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária, S.A.” do demais peticionado pelo A. AA.”

A Ré interpôs recurso de apelação.

Por acórdão do Tribunal da Relação foi decidido “julgar improcedente a apelação mantendo-se a sentença recorrida”.
O Réu interpôs recurso de revista excepcional, invocando a sua admissibilidade com base na seguinte argumentação:

“Em face da dupla conforme verificada nestes autos, o presente recurso de Revista Excecional é interposto tendo por fundamento o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10/10/2016, proferido no processo 4150/15.0T8MTS.P1 já transitado em julgado, conforme certidão que se junta como DOC. 1.

De facto,

Verifica-se a contradição dos julgados, pois:

· Trata-se da mesma questão de direito com os mesmos pressupostos de facto, porquanto ambos os arestos decidiram sobre como apurar o benefício pago pelo regime geral de segurança social para o efeito da aplicação do disposto na Cláusula 136.ª do Acordo Colectivo de Trabalho do sector bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011 – Data de Distribuição: 24/01/2011), quando, além da carreira contributiva ao serviço do Banco, o pensionista tem carreira contributiva anterior;

· Trata-se de decisões expressas e opostas, pois no Acórdão recorrido decidiu-se, confirmando a sentença proferida pelo Tribunal da 1.ª instância, reconhecer ao Autor, o direito a pensão completa do CNP, deduzindo do valor a liquidar o correspondente aos anos de descontos para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário, a calcular por aplicação de uma “regra de três simples pura”, enquanto que no Acórdão proferido no processo 4150/15.0T8MTS.P1, já transitado em julgado, se decidiu, confirmando igualmente a sentença proferida pelo Tribunal da 1.ª Instância, julgar totalmente improcedente a ação e absolver a Ré do pedido, o qual  correspondia, entre o mais, a reconhecer ao Autor o direito a receber a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, deduzido o valor correspondente á percentagem de 13%, correspondente aos 2 anos e 7 meses de descontos para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário, numa “regra de três simples pura”;

· A oposição dos julgados reflete-se, manifestamente, no sentido da decisão tomada em cada um deles, pois no Acórdão recorrido seguiu-se no sentido da aplicação da “regra de três simples pura”, condenando-se o Réu nesses termos e no Acórdão proferido no processo 4150/15.0T8MTS.P1, já transitado em julgado, decidiu-se exatamente o contrário, ou seja, absolver o Réu do pedido de condenação a aplicar uma “regra de três simples pura”.

É certo que o tema foi já objecto de douta Jurisprudência do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, que o douto Acórdão recorrido segue de perto.

Todavia, persiste – e bem, permita-se – a divergência jurisprudencial, como bem se pode verificar pelas sentenças proferidas pelo Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo do Trabalho ..., Juiz ..., respetivamente de 01/10/2020, 20/02/2020, e Juiz ... de 25/04/2020, já juntas aos autos.

O recurso tem subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo – cfr. artigos 81.º, n.º 6 do CPT e artigos 627.º, n.º 2, 671.º, n.º 1, 672.º, n.º 1, alínea c), 675.º, n.º 1 e 676.º, n.º 1, todos do CPC.

Ao decidir como decidiu, violou o douto Acórdão recorrido o disposto na Cláusula 136.ª do Acordo Colectivo de Trabalho do sector bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011 - data de distribuição: 24/01/2011), cláusula que veio a ser substituída, com redação similar, pela Cláusula 98.ª do Acordo Colectivo de Trabalho do Montepio (BTE n.º 8 de 28/02/2017 - Data de Distribuição: 01/03/2017), os artigos 26.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio e o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República”.

No despacho liminar, considerou-se estarem verificados os pressupostos gerais de admissibilidade do recurso.

x

Cumpre apreciar e decidir:
Está em causa a questão de saber se há contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento (transitado em julgado), os quais, no domínio da mesma legislação, incidem sobre a mesma questão fundamental de direito: a de saber como deve ser calculada a dedução da pensão a que se refere a cláusula 136º do Acordo Colectivo de Trabalho do Sector Bancário publicado no BTE, 1ª série, nº 3, de 22.01.2011 e a cláusula 98.ª do Acordo Colectivo de Trabalho do Montepio publicado no BTE n.º 8 de 28/02/2017.

É manifesto que in casu se verifica a contradição invocada pelo recorrente, bem como os demais requisitos estabelecidos pelo artº 672º, nº 1, c), do CPC.

Com efeito, fundamentalmente, interpretando a mesma cláusula de uma convenção coletiva e tendo em vista calcular a diferença de benefícios a suportar pelo empregador: (i) o acórdão recorrido atendeu apenas ao tempo e não ao valor das contribuições efetuadas (atentando exclusivamente num critério de proporcionalidade, em função do tempo de trabalho dentro e fora da instituição de crédito, portanto sem recorrer a qualquer fator de ponderação associado ao valor das contribuições efetuadas); (ii) enquanto o acórdão fundamento atendeu ao tempo e ao valor de tais contribuições.

No sentido da verificação da assinalada contradição, v.g., os Acs. desta Secção Social do STJ de 13.01.2022, Proc. 598/20.7T8MTS.P1.S2, de 13.01.2022, Proc. 3817/19.9T8MTS.P1.S2, de 23.11.2021, Proc. 831/20.5T8VLG.P1.S1, de 08.06.2021, Proc. 23235/19.8T8LSB.L1.S1, e de 27.01.2021, Proc. 74/19.0T8MTS.P1.S1 e, mais recentemente, de 01/06/2002, proc. 842/21.3T8VFX.L1.S1, e de 01/06/022, proc. 2791/20.3T8VFX.L1.S1.

E o facto de o acórdão recorrido seguir a jurisprudência recente e reiterada do STJ não obsta - na ausência de um acórdão de uniformização de jurisprudência – à admissibilidade da revista excepcional.

x

Decisão:

Nos termos expostos, acorda-se em admitir o recurso de revista excepcional em apreço.

Custas pela parte vencida a final.

Lisboa, 07/09/2022

Ramalho Pinto (Relator)

Mário Belo Morgado

Júlio Vieira Gomes

                       

Sumacorda-se em admitir o pelo artºadeário (elaborado pelo Relator).