Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5ª SECÇÃO | ||
Relator: | ARMÉNIO SOTTOMAYOR | ||
Descritores: | DUPLA CONFORME PENA ÚNICA MEDIDA CONCRETA DA PENA REPETIÇÃO DA MOTIVAÇÃO VIOLAÇÃO LENOCÍNIO VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA PLURIOCASIONALIDADE | ||
Data do Acordão: | 05/25/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO EM PARTE. | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / PODERES DE COGNIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES – CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A INTEGRIDADE FÍSICA / CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL / CRIMES CONTRA A LIBERDADE E AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL – CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO / CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE / CRIMES CONTRA O ESTADO / CRIMES CONTRA A AUTORIDADE PÚBLICA. | ||
Doutrina: | - Conselheiro Carmona da Mota, comunicação sobre o Colóquio sobre Direito e Processo Penal, realizado em 03-06-2009 no Supremo Tribunal de Justiça; - Conselheiro Rodrigues da Costa, O Cúmulo Jurídico na Doutrina e na Jurisprudência do STJ (disponível em www.stj.pt); - Figueiredo Dias, Direito Penal Português – II, Consequências Jurídicas do Crime, 229; Comentário Conimbricense do Código Penal, I, 2 e 441. | ||
Legislação Nacional: | | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 14-12-2006, PROCESSO N.º 4356/06; -DE 29-01-2007, PROCESSO N.º 4354/06; -DE 17-01-2008, PROCESSO N.º 2696/07; -DE 17-07-2008, PROCESSO N.º 816/08; -DE 25-02-2015, PROCESSO N.º 1514/12.5JAPRT.P1.S1. | ||
Sumário : | I - Uma vez que todas as penas parcelares aplicadas pela 1.ª instância relativamente aos crimes singulares foram confirmadas pela relação e porque todas são inferiores a 8 anos de prisão, a decisão é irrecorrível quanto a tais crimes, atento o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, ficando apenas para apreciar a parte da decisão correspondente à pena única. II - No recurso que interpôs para o STJ, o recorrente repetiu ipsis verbis as conclusões que extraiu no recurso que interpôs para a relação do acórdão de 1.ª instância. Tal repetição é, no caso, compreensível por o tribunal da relação se ter limitado a chamar à colação a fundamentação de 1.ª instância, nada lhe tendo acrescentado. Assim, nada obsta a que se conheça da questão da medida da pena única, tomando como referência o acórdão do tribunal colectivo, que mereceu absoluta confirmação por parte da relação. III - Na determinação da medida da pena única, o tribunal além de observar os critérios consagrados no art. 71.º, do CP, deverá ter também em consideração o comando do art. 77.º, n.º 1, do CP, que determina que sejam considerados em conjunto os factos e personalidade do agente. Para tanto, procede-se à interligação da totalidade dos factos com a personalidade do agente, de forma a apurar se tal globalidade traduz uma personalidade propensa ao crime, o que constitui critério agravativo da pena, ou se não é mais do que uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade do agente. IV - Fazem parte do concurso um crime de lenocínio agravado, um crime de violência doméstica, 80 crimes de violação agravada e um crime de detenção de arma proibida. V - A fixação da pena conjunta em 19 anos de prisão revela uma discrepância entre a avaliação feita relativamente às singulares condutas criminosas, que foram punidas com penas próprias da pequena e média criminalidade, e aquela a que o tribunal procedeu para a determinação da pena única. VI - Na valoração da personalidade do arguido não pode deixar de se considerar a existência de uma tendência para a prática deste tipo de criminalidade, sendo patente o aumento da culpa do agente em consequência de uma enorme repetição dos actos de cópula com que vitimizou a filha menor, cujos direitos fundamentais lhe cumpria especialmente defender no âmbito do exercício do poder paternal. Mas não deve deixar de se ponderar como circunstância favorável ao arguido o facto de, quebrados os freios resultantes da ética e da moral sexual que visam evitar a prática de actos deste jaez, a resistência ao impulso sexual se tornar de grau menor, propiciando a repetição dos actos criminosos. VII – Atendendo às fortes exigências da prevenção geral, que são elevadas e olhando às necessidades de prevenção especial reveladas pela tendência do arguido para a prática deste tipo de criminalidade, uma pena de 16 anos de prisão responde já a tais necessidades, sendo proporcional à culpa do agente, que é muito elevada. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
1. Acusado pelo Ministério Público, AA, nascido em ... e com os demais elementos de identificação constantes dos autos, foi julgado pelo tribunal colectivo da Instância Central – Secção Criminal – J2 da comarca de Santarém, tendo sido condenado, por acórdão de 7-05-2015, pela prática de um crime de lenocínio qualificado, p. e p. pelo art. 169º nºs 1 e 2 al. a) do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão; de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º nº 1 al. a) e nº 2 do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão; de 80 crimes de violação agravada, p. e p. pelos arts. 164º nº 1 al. a) e 177º nº 1 al. a) e nº 5 do Código Penal, na pena de 6 anos de prisão por cada crime; e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º nº 1 al. d), conjugado com o art. 3º nºs 1 e 2 al. g) da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, republicada pela Lei nº 12/2011, de 17 de Abril, na pena de 1 ano de prisão. Na mesma decisão foi efectuado o cúmulo de todas as referidas penas, tendo sido fixada a pena única de 19 anos de prisão. Inconformado, o arguido impugnou, de facto e de direito, a decisão recorrida, para o que interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, a que foi negado provimento por acórdão de 3-11-2015. Mantendo-se irresignado, o arguido recorre ao Supremo Tribunal de Justiça, tendo extraído, da motivação do seu recurso, as conclusões que se transcrevem: I - O presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos. II - Não ficou demonstrado com a segurança e certeza necessárias que o arguido tivesse praticado os factos de que vinha acusado. III - Manifesta insuficiência e ausência de elementos de prova que tivessem demonstrado a pratica desses factos pelo arguido. IV - Verificando-se assim, no douto acórdão recorrido, os vícios dos nº 2 alíneas a) e c) do art.° 410° do C.P.C. V - O principio do "in dubio pro reo" deveria ter sido aplicado e consequentemente deve absolver se o recorrente. VI- Pelo que consideramos, para efeitos da al. a), nº 3, do art. 412°, do CPP, que os referidos factos foram incorrectamente julgados como provados. VII - Por outro lado, esses mesmos depoimentos impunham decisão diversa da recorrida, para efeitos do art. 412° nº 3, al. b) do CPP, mais precisamente a absolvição do arguido pela prática desses crimes. c) Um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152°, nº 1, alínea a) e nº 2 do Código Penal; d) Oitenta crimes de violação agravada, previstos e punidos pelos artigos 164°, nº 1, alínea a) e 177°, n" 1, alínea a) e nº 5, ambos do Código Penal; e) Um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86°, n° 1, alínea d), conjugado com o artigo 3°, nº's 1 e 2, alínea g), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, republicada pela Lei nº 12/2011, de 27 de Abril. VIII- Se tal se não julgar, deve reduzir se a pena aplicada, por excessiva e desproporcionada á culpa e de severidade injustificada. a) A primeira função do sistema penal é a ressocialização do delinquente. b) Acrescentando que "as penas devem ser sempre executadas com um sentido pedagógico e ressocializador". c) As prisões são escolas de crime. d) A prisão é uma mal que deve reduzir se ao mínimo necessário e que haverá que harmonizar com a recuperação dos delinquentes. e) Resulta assim do exposto que se justifica a redução da pena aplicada ao arguido, por excessiva e desproporcionada à culpa. (art.° 72 e 73 do Código Penal) f) Com a consequente redução da pena, para permitir a recuperação e ressocialização do recorrente. g) Pelo que deverá ser dada nova oportunidade, a qual irá aproveitar.
Com estes fundamentos e conclusões e nos melhores de direito aplicável […] deve pois ser revogado o acórdão recorrido.
Em resposta, o Ministério Público no Tribunal da Relação tece críticas ao recurso do arguido, as quais sintetizou pela forma seguinte: “O recurso do Arguido, para além de insusceptível de apreciação e decisão, ao pretender que o STJ sindique a matéria de facto, nos termos do disposto no artº 412º, nºs. 3 e 4, do CPP, é manifestamente improcedente, devendo, por isso, ser rejeitado - cfr. Arts. 417º, nº 6, b) e 420, nºs. 1, a) e 2, do CPP.
Neste Supremo Tribunal, no visto a que se refere o art. 416º do Código de Processo Penal, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da rejeição do recurso por a decisão ser irrecorrível quanto à matéria de facto e aos crimes e penas parcelares e por ser manifesta a sua improcedência no que se refere à medida da pena única.
Cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do Código de Processo Penal, a defesa nada disse.
Não tendo sido requerida pelo recorrente a realização de audiência, o processo foi a vistos e vem agora à conferência para decisão. Na conclusão 1ª, o recorrente define o objecto do recurso como sendo “toda a matéria de facto e de direito, repetindo a argumentação que apresentara aquando do recurso para a Relação. Ao fazê-lo, descurou o comando da norma do art. 434º do Código de Processo Penal que estatui que “o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.” O conhecimento da matéria de facto levado a efeito pela Relação esgotou, portanto, os poderes de cognição dos tribunais sobre tal matéria, tornando-a definitiva, por ser irrecorrível. Daí que os vícios referidos no art. 410º nº 2 não possam servir de fundamento ao recurso ora interposto, conforme jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal. Não está, porém, o Supremo Tribunal de Justiça impedido de conhecer desses vícios, como se encontra previsto no art. 434º do Código de Processo Penal, que introduz no sistema uma válvula de segurança. Tal conhecimento terá, porém, de ser feito oficiosamente, e somente nos casos em que se veja privado da matéria de facto adequadamente provada e suficiente para constituir a necessária base para aplicação do direito, de forma a evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto ostensivamente insuficiente, fundada em erro de apreciação ou assente em premissas contraditórias. O vício tem sempre de resultar do texto da decisão recorrida, eventualmente com recurso às regras da experiência comum, mas sem apelo a elementos estranhos àquele texto, mesmo que constantes do processo. Assiste, assim, inteira razão ao Ministério Público na questão que suscita de irrecorribilidade do acórdão da Relação relativamente à matéria de facto. 4. No dia 1 de Abril de 2013, quando se encontravam no interior da sua residência, no decurso de uma discussão, originada pela falta de dinheiro, AA tornou a dizer a BB que se a mesma se prostituísse todos os seus problemas se resolveriam e, sem que nada o fizesse prever, desferiu-lhe diversas bofetadas na face, empurrou-a contra a parede e desferiu pontapés nas pernas. 5. Em virtude do sucedido, e porque gostava de AA, BB acabou por aceder aos seus pedidos. 6. Assim, a partir do dia 6 de Abril de 2013, BB começou a prostituir-se na estrada entre ...., local indicado por AA, que lhe transmitiu a forma como deveria trabalhar. 7. Com efeito, AA disse a BB que deveria levar um cobertor para se deitar com os clientes, a quem deveria tratar carinhosamente, e que deveria receber o dinheiro sempre antes do acto sexual. 8. No dia 6 de Abril de 2013, BB facturou € 135,00 (cento e trinta e cinco euros) e, no final do dia, encontrou-se com AA, sendo que o dinheiro foi utilizado por ambos. 9. No dia 9 de Abril de 2013, no interior da residência do casal, depois de BB ter dito a AA que nesse dia apenas havia facturado € 40,00 (quarenta euros), este desferiu-lhe diversas chapadas, empurrou-a contra as paredes e contra um guarda-fato e desferiu-lhe pontapés. 10. Cerca de uma semana depois de BB ter iniciado a prostituição, AA passou a acompanhá-la, circulando de motociclo na estrada entre ... enquanto aquela se prostituía, bem como passou a exigir-lhe que não demorasse mais de 10 (dez) minutos com cada cliente. 11. Por diversas ocasiões, em datas não concretamente apuradas, e sempre que BB passava mais de 10 (dez) minutos com um cliente, AA batia no corpo daquela e introduzia os seus dedos à força na vagina da ofendida para verificar se a mesma estava "húmida", dizendo-lhe que "se estava molhada era porque era porca e porque gostava do que estava a fazer". 12. Como BB começou a dizer a AA que apenas iria prostituir-se se o mesmo deixasse de a acompanhar, este exigiu- lhe, então, e por forma a controlar cada serviço prestado por aquela, que lhe enviasse uma mensagem para o seu telemóvel sempre que começava a atender um cliente e logo que terminasse. 13. Assim, sempre que iniciava um serviço, BB enviava uma mensagem através do seu telemóvel com os cartões telefónicos .... e ... para o telemóvel de AA com o cartão telefónico... com os caracteres :-( e quando terminava o serviço enviava uma mensagem com os caracteres :-) e/ou B-). 14. Tal aconteceu, pelo menos, nas seguintes datas: 21/04/2014; 22/04/2014; 23/04/2014; 25/04/2014; 26/04/2014; 28/04/2014; 03/05/2014; 05/05/2014; 06/05/2014; 07/05/2014; 08/05/2014; 09/05/2014; 10/05/2014; 12/05/2014; 13/05/2014; 14/05/2014; 15/05/2014; 16/05/2014 e 17/05/2014. 15. No entanto, por diversas vezes, em datas não concretamente apuradas, mas certamente entre o mês de Maio de 2013 e o dia 17 de Maio de 2014, AA deslocou-se ao local onde BB se prostituía a fim de verificar se a mesma ali se encontrava e se lhe enviava as mensagens sempre que atendia um cliente. 16. Além disso, sempre que BB chegava a casa, AA logo lhe perguntava quanto dinheiro havia facturado nesse dia, comparando com o número de mensagens que havia recebido ao longo do dia. 17. O dinheiro auferido por BB era guardado numa mesa-de-cabeceira que se encontrava no quarto do casal, sendo que AA daí ia retirando as quantias que entendia. 18. Por diversas vezes, entre o dia 6 de Abril de 2013 e o dia 17 de Maio de 2014, e motivada pelos sentimentos de culpa e de vergonha por praticar actos sexuais em troca de dinheiro, sentindo-se cada vez mais desconfortável e enojada, BB disse a AA que não queria continuar a prostituir-se, o que despoletava a ira do mesmo que começava a bater-lhe por todo o corpo, desferindo-lhe murros na cara, pontapés, apertões no pescoço e empurrões, e dizia-lhe em tom sério e ameaçador que a iria matar e que iria matar os seus filhos. 19. Tal aconteceu, pelo menos, nas seguintes datas, que BB apontou no seu telemóvel. 09/04/2013; 25/04/2013; 04/05/2013; 05/05/2013; 13/05/2013; 18/05/2013; 23/05/2013; 10/06/2013; 15/06/2013; 21/06/2013; 02/07/2013; 16/07/2013; 26/07/2013; 29/07/2013; 11/08/2013; 20/08/2013; 26/08/2013; 04/09/2013; 01/01/2014; 22/01/2014; 07/02/2014; 26/03/2014; 17/04/2014 e 08/05/2014. 20. Assim, no dia 4 de Setembro de 2013, cerca das 22:00 horas, quando AA chegou a casa, disse a BB que mataria os seus filhos, ... e ..., que nesse dia lá se encontravam de visita, desferiu-lhe diversos murros na cara, atirou-a para cima da mesa de jantar e encostou-lhe uma faca de cozinha ao pescoço, enquanto lhe dizia que a ia matar. 21. No dia 1 de Janeiro de 2014, na residência do casal, na sequência de uma discussão gerada pelo facto de BB se recusar a entregar as chaves do seu automóvel a AA por este se encontrar embriagado, este apertou o pescoço daquela e empurrou-a contra a parede. 22. No dia 26 de Março de 2014, na residência do casal, na sequência de uma discussão motivada por questões relativas à ...., filha de AA, este apertou o pescoço de BB, apontou-lhe uma faca, dizendo-lhe "é hoje que eu acabo com isto" e, de seguida, saiu da residência. 23. Nesse mesmo dia, cerca das 23:00 horas, BB teve conhecimento que AA se encontrava internado no Hospital de Abrantes, por ter sido atingido por um disparo de pistola, propriedade do mesmo, indo ao seu encontro. 24. Aí chegada, BB perguntou a AA o que havia feito à pistola, tendo o mesmo referido que a havia enterrado num pinhal, nas proximidades de Abrantes, pelo que, com medo do que o mesmo pudesse vir a fazer, aquela foi buscar a arma e, posteriormente, entregou-a ao seu cunhado ...., irmão daquele, pedindo-lhe que a guardasse. 25. No dia 8 de Maio de 2014, cerca das 20h 30m, e a pedido de AA, BB dirigiu-se à residência dos pais deste, sita no .... , e, aí chegada, encontrou aquele junto a um barracão, tendo-lhe pedido que entrasse, o que esta fez. 26. Já no interior do barracão, AA perguntou a BB se havia falado com a ...., uma conhecida de ambos, tendo-se gerado uma discussão entre os mesmos, sendo que quando esta se recusou a mostrar-lhe o seu telemóvel, aquele desferiu-lhe diversas bofetadas na cara, apertou-lhe o pescoço e atirou-a ao chão. 27. Quando BB se encontrava deitada no chão, AA enfiou-lhe os dedos nos olhos e disse-lhe que a iria cegar, bem como lhe exibiu um machado e uma faca, dizendo-lhe que a matava. 28. Ainda quando se encontravam no interior do referido barracão, AA embebeu um pano em gasolina, ateou-o e exibiu-o a BB, passando-o junto à cara da mesma, dizendo-lhe que a iria queimar e que iria ficar pior do que a ... (referindo-se a uma prima que foi regada com ácido). 29. A situação acima descrita, apenas terminou cerca das 0h00m, quando AA permitiu que BB abandonasse o barracão, mas na sua companhia, impedindo-a de ir ao Hospital receber tratamento médico. 30. Na decorrência dos factos descritos, BB sentiu dores e sofreu as seguintes lesões: - No tórax: dois vestígios cicatriciais no terço superior da face posterior do hemi-tórax direito, medindo o maior e transversal 3,5 cm de comprimento e o menor e curvilíneo de concavidade ínfro-lateral 3 cm de cumprimento por 0,3 cm de largura; - No membro superior direito: vestígio cicatricial da face posterior do ombro medindo 3 cm de comprimento; vários vestígios cicatriciais no terço médio da face lateral do antebraço, o maior medindo 3,5 cm de comprimento por 0,8 cm de 31. As lesões descritas causaram a BB 5 (cinco) dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho. 32. AA é pai da menor CC nascida a .... 33. No dia 15 de Dezembro de 2013, e após ter fugido da instituição onde se encontrava acolhida em Portimão, CC passou a residir com AA e a mulher deste,BB, na habitação sita na ... 34. Desde Janeiro de 2014, AA, aproveitando-se de ter na sua dependência pessoa] a filha CC, à data com 15 (quinze) anos de idade, tomou a resolução de obrigar a mesma a praticar consigo actos de natureza sexual, como de cópula completa, coito anal e coito oral, bem como, por vezes, a introdução vaginal de partes do corpo, recorrendo ao uso de violência física e psicológica se necessário fosse, umas vezes na sua residência sita na ..., outras ainda em prédios em ruínas ou em descampados. 35. Na execução desse desígnio, entre meados de Janeiro de 2014 e o dia 15 de Maio de 2014, data em que foi detido, AA obrigou CC a ter relações sexuais de cópula completa quase diariamente. 36. No início do mês de Janeiro de 2014, e contra a vontade da sua filha CC, AA começou a abordá-la quando a mesma se encontrava na casa-de-banho, pedindo-lhe para que se despisse à sua frente, agarrando-a e tocando-lhe em zonas do corpo, designadamente nos seios e zona vulvar. 37. A partir de meados de Janeiro de 2014, a situação agravou-se, passando AA a exigir que a filha CC fosse com ele para o quarto do casal, onde habitualmente dormia com a sua mulher, obrigando-a a despir-se à sua frente. 38. De seguida, AA despia-se e começava a tocar na filha CC, passando a sua mão pelos seios e zona vulvar, introduzindo os dedos na vagina da menor. 39. Acto contínuo, AA obrigava CC a deitar-se na cama, e agarrando-a com as pernas de maneira a impedir que as pudesse fechar, penetrava-a com o pénis erecto na vagina, começando a efectuar os movimentos ritmados próprios da cópula, até que ejaculava. 40. Numa dessas ocasiões, em data não concretamente apurada, AA, colocando-se por detrás de CC, com o pénis erecto, penetrou-a no ânus, fazendo com que a mesma ficasse a sangrar do mesmo. 41. Entretanto, AA passou a ordenar a CC que se deslocasse com ele até a um barracão contíguo à casa da sua progenitora daquele, ...., a mais de 600 metros da sua casa, sito no .... 42. Ali, AA passou a fazer o mesmo e, sob ameaça, dizia a CC que, caso não fizesse o que queria, que a agredia a si e à sua madrasta BB, obrigando a menor, por um número indeterminado de vezes, a manter relações sexuais consigo num colchão velho que ali colocou unicamente para esse propósito. 43. Numa dessas ocasiões, AA, ao mesmo tempo que ameaçava CC que a mataria e à sua madrasta, obrigou-a a praticar sexo oral, introduzindo o seu pénis na boca da menor e exigindo-lhe que massajasse o escroto com as mãos e a língua. 44. Nestas situações, CC ainda tentou impedir os intentos do seu progenitor, mas quando tal acontecia AA tornava-se violento, dizendo-lhe que era ele que mandava ali e só tinha de fazer o que ele queria. 45. Noutras ocasiões, em datas não concretamente apuradas, AA foi buscar a filha CC à escola, encaminhando-a, de seguida, para casas abandonadas nas imediações de ...., onde, sob ameaça, lhe ordenou que entrasse, se despisse e deitasse e, logo de seguida, despindo-se também e com o pénis erecto, penetrou-a na vagina e ejaculou, após efectuar os movimentos ritmados próprios da cópula. 46. No período acima referido, AA, quase diariamente e, pelo menos, em 80 (oitenta) ocasiões, consumou com a filha CC actos sexuais de cópula completa, sendo a última vez na quinta-feira, dia 15 de Maio de 2014, cerca das 21h00m. 47. Com efeito, depois de CC ter ido da escola para a casa dos avós paternos, AA consumou mais um acto de cópula completa no referido barracão da progenitora, tendo penetrado a vagina daquela com o seu pénis erecto. 48. Em nenhuma das vezes que AA praticou actos sexuais com CC usou preservativo. 49. Por força das condutas assumidas por AA, CC desenvolveu perturbação emocional de sintomatologia tipo ansiosa e depressiva. 50. Nesta sequência, CC começou a isolar-se do convívio com outras pessoas e a provocar lesões autoinfligidas, concretamente cortes transversais e paralelos ao nível dos membros superiores. 51. No dia 18 de Maio de 2014, pelas 17h 25m, DD fez entrega de uma pistola semi-automática , de acção dupla com cano de alma estriada, com o comprimento de 6,3 cm, de marca "Blow Mini S", de calibre 6,35 mm, com o n.º de série 10-000746, com um carregador introduzido com 3 (três) munições de marca "S&B", de calibre 6,35 mm. 52. A referida pistola não se encontra manifestada ou registada em nome de AA. 53. No dia 23 de Maio de 2014, pelas 14h 30m, no interior da residência sita na ..., AA guardava o seguinte: - 1 (um) taco ele basebol em madeira, de marca "Adirondnck", com o comprimento de 73 cm; - 1 (um) taco de basebol em madeira, com o comprimento de 85 cm; e - 1 (um) bastão em madeira, com o comprimento de 57 cm., com extremidade revestida com uma peça metálica, na qual se prende uma corrente metálica com 26 cm de 54. Agiu AA no propósito concretizado de determinar e obrigar BB a prostituir-se, o que fez através da prática dos descritos actos de violência física e mediante ameaça grave que exerceu sobre ela, ameaça essa consubstanciada na alternativa que lhe propôs de ele se dedicar à prática de assaltos, com o risco de ir preso e ela ficar sozinha, dizendo-lhe mais arde que a havia de matar e aproveitando-se, ainda, da especial 55. Mais agiu AA com o propósito concretizado de enriquecer o seu património com quantia que sabia não ter direito, o que conseguiu. 56. AA sabia que sobre si recaia o dever de tratar BB com particular respeito e consideração, atendendo ao vínculo que os unia e que não podia actuar daquele modo. 57. AA sabia que, com o comportamento descrito, ofendia o corpo e a saúde de BB, bem como sabia que com as expressões proferidas causava medo e ofendiam a sua esposa na sua honra e consideração, não obstante quis actuar da forma descrita, o que conseguiu. 58. AA sabia, e sabe, que é pai de CC e qual a idade que a mesma tinha quando praticou os actos acima descritos. 59. AA agiu com o propósito concretizado de, mediante a prática dos descritos factos com recurso à força física, manietando-a e magoando-a e através de ameaça, dizendo-lhe que lhe bateria a si e à madrasta e gritando com ela, referindo-lhe que se havia de sujeitar à sua vontade, constranger a sua própria filha, a praticar consigo actos sexuais de cópula, coito oral e anal, bem como, por vezes, a forçá-la à introdução dos seus dedos na respectiva vagina, tudo com vista a 60. AA sabia que não tinha licença de uso e porte de arma válida e que a isso estava obrigado. 61. AA previu e quis ter em sua posse os referidos tacos e bastão, cuja natureza e características conhecia, bem sabendo que é proibido por lei o uso e porte de armas que não estejam devidamente manifestadas, registadas e licenciadas. 62. As armas acima referidas são adequadas a provocar lesões corporais ou mesmo a morte, não dispondo AA de qualquer motivo para as deter nas referidas circunstâncias de modo, tempo e lugar. 63. AA agiu sempre de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. 64. Por acórdão, proferido em 30 de Maio de 1996 no âmbito do processo comum colectivo com o n.º 7/96 que correu seus termos no Círculo de ...., e transitado em julgado, AA foi condenado pela prática, em 29 de Janeiro de 1995, de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.° do Código Penal, na pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos e sujeita a condição. 65. Por sentença, proferida em 13 de Maio de 1997 no âmbito do processo comum singular com o n.º 28/97 que correu seus termos no Tribunal Judicial de ..., e transitada em julgado, AA foi condenado pela prática, em 8 de Maio de 1996, de um crime de burla para obtenção de serviços, previsto e punido pelo artigo 220.° do Código Penal, na pena de 20 (vinte) dias de multa à taxa diária de 300$00 (trezentos escudos). 66. Por sentença, proferida em 21 de Novembro de 1997 no âmbito do processo comum singular com o n.º 8156/96.9T9LSD que correu seus termos no Tribunal Criminal de Lisboa, transitada em julgado, AA foi condenado pela prática, em 13 de Setembro de 1995, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 15.° e 40.º, nº 1, alínea n), da Lei nº 30/87, de 7 de Junho, na pena de 20 (vinte) dias de prisão substituída por igual período de multa à taxa diária de 200$00 (duzentos escudos). 67. Por sentença, proferida em 21 de Novembro de 1997 no âmbito do processo comum singular com o n.º 65/97 que correu seus termos no Tribunal Judicial de ..., e transitado em julgado, AA foi condenado pela prática, em 21 de Maio de 1996, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 203.° do Código Penal, na pena de oito de meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos. 68. Por acórdão, proferido em 20 de Fevereiro de 1998 no âmbito do processo comum colectivo com o n.º 9/97 que correu seus termos na 9.ª Vara Criminal de Lisboa, e transitado em julgado, AA foi condenado pela prática, em 12 de Fevereiro de 1996, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.° e 204.° do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos e sujeita a regime de prova. 69. Por sentença, proferida em 23 de Janeiro de 2002, no âmbito do processo comum singular com o n.º 77/99 que correu seus termos no Tribunal Judicial de ...., e transitado em julgado, AA foi condenado pela prática, em Junho de 1998, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.°, n.º 1, da Lei 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de sete de meses de prisão. 70. Por acórdão, proferido em 4 de Março de 2002, no âmbito do processo comum colectivo com o n.º 2/01.0TBENT que correu seus termos no Tribunal Judicial do Entroncamento, e transitado em julgado, AA foi condenado pela prática de um crime de lenocínio, previsto e punido pelo artigo 176.°, n.º 2, do Código Penal, na pena de quatro anos e seis meses de prisão. 71. Por acórdão, proferido no âmbito do processo comum colectivo com o n.º 124/97.OPAABT que correu seus termos no Tribunal Judicial de Abrantes, e transitado em julgado em 1 de Outubro de 2002, AA foi condenado pela prática, em Junho de 1997, de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.°, n.º 1, do Código Penal, e de dois crimes de furto qualificado, previstos e punidos pelos artigos 203.° e 204.° do Código Penal, na pena única, em cúmulo jurídico, de quatro anos e nove meses de prisão. 72. Por acórdão, proferido no âmbito do processo comum colectivo com o n.º 131/01.0PAOLH que correu seus termos no 1.° Juízo do Tribunal Judicial de ...., e transitado em julgado em 20 de Maio de 2004, AA foi condenado pela prática, em 1 de Março de 2000, de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, previstos e punidos pelos artigos 142.° e 146.° do Código Penal, de um crime de lenocínio, previsto e punido pelo artigo 170.° do Código Penal, de dois crimes de sequestro, previstos e punidos pelo artigo 158.° do Código Penal, e de um crime de rapto, previsto e punido pelo artigo 160.°, do Código Penal, na pena única, em cúmulo jurídico, de onze anos e seis meses de prisão. 73. Por acórdão, proferido no âmbito do processo comum colectivo com o n.º 454/01.8PAOLH que correu seus termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de ...., e transitado em julgado em 12 de Janeiro de 2006, AA foi condenado pela prática, em 30 de Julho de 2001, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347.° do Código Penal, e de três crimes de condução sem habilitação legal, previstos e punidos pelo artigo 3.°, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena única, em cúmulo jurídico, de um ano e dez meses de prisão. 74. Por decisão, proferida no âmbito do processo gracioso com o n.º 1123/1O.3TXCBR-A que correu seus termos no Tribunal de Execução de Penas de Coimbra e transitada em julgado em 13 de Maio de 2013, foi concedida liberdade condicional a AA com efeitos a partir de 16 de Março de 2013. 75. O processo de socialização de AA decorreu até aos cerca de dezasseis anos de idade no interior de um agregado familiar de origem constituído pelos pais e por mais sete irmãos, marcado pelo alcoolismo do pai e por comportamentos violentos/agressivos que este exercia sobre os demais elementos do agregado e caracterizado por condições precárias de habitação e situação económica desfavorável. 76. Neste contexto, AA revelou absentismo e falta de rendimento escolar, sem acompanhamento por parte dos pais, situação que não permitiu o mesmo completar o 1.º ciclo de escolaridade, mas somente adquirir noções rudimentares de aprendizagem da escrita e leitura. 77. Após o abandono escolar, AA começou a trabalhar com o pai em tarefas indiferenciadas na construção civil vindo a desistir quando saiu de casa. 78. Posteriormente, AA veio a exercer actividades pouco estruturadas em estabelecimentos de diversão noturna e casas de alterne, como porteiro, onde teve contacto com mulheres praticantes da prostituição e com a vivência deste tipo de ambiências, com abuso de bebidas alcoólicas. 79. Com cerca de dezasseis anos, AA constituiu um agregado familiar próprio com uma companheira de quem teve um filho, numa situação desestruturada e sem capacidade do mesmo em gerir a situação familiar e os cuidados a prestar ao filho. 80. Posteriormente, AA veio a constituir várias relações afectivas e vivências em comum com várias mulheres, na sequência das quais nasceram mais quatro filhos (algumas destas companheiras surgem referenciadas em processos judiciais em que aquele foi condenado, além do mais, pela prática de crime de lenocínio, sendo que uma delas assumiu a qualidade de co-arguida do mesmo num desses processo judiciais). 81. CC foi institucionalizada e os demais filhos de AA vivem com as respectivas mães. 82. Nesta altura, AA residia em habitações sem as mínimas condições de habitabilidade, vivia com instabilidade/inactividade laboral, apresentava fraco investimento na gestão e sustentabilidade socioeconómica dos sucessivos agregados que constituiu e pautava o seu comportamento pelo abuso de bebidas alcoólicas e pela exibição de condutas criminais que culminaram na sua reclusão. 83. Durante o cumprimento da pena de prisão, AA revelou um comportamento institucional, no global, adequado e numa saída jurisdicional veio a conhecer e a casar com BB. 84. No período que antecedeu a sua privação da liberdade à ordem deste processo, em 18 de Maio de 2014, AA encontrava-se em situação de medida de liberdade condicional com acompanhamento da DGRSP e constituía agregado familiar com BB e CC, não mantendo qualquer relacionamento com os seus demais descendentes. 85. AA trabalhava numa quinta a exercer vários trabalhos indiferenciados e na plantação de eucaliptos, sem vínculo laboral, estando inactivo há cerca de três meses antes da sua actual reclusão. 86. AA apresentava ainda uma problemática alcoólica, estando a ser acompanhado por estrutura de saúde. 87. AA apresenta como projecto de reinserção social futura, após liberto da actual situação jurídico-penal, a integração no agregado familiar dos progenitores, pessoas idosas e doentes, que apresentam uma situação socioeconómica carenciada e dependem do apoio de alguns filhos, não revelando capacidades para aconselhar ou ter ascensão sobre o arguido no sentido de controlar as suas condutas. 88. As circunstâncias anteriormente descritas, associadas à ausência de autocrítica face a condutas que determinaram a sua condenação no passado e o cumprimento de pena de prisão, à tendência para externalizar a culpa e à atitude de desresponsabilização pessoal e de culpabilização das vítimas, constituem-se como factores de risco e condicionantes da capacidade de AA em realizar mudanças positivas na sua vida, podendo potenciar a reincidência. A análise do texto do acórdão da Relação ora recorrido não revela a existência de qualquer dos vícios da matéria de facto – nem insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nem contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, nem erro notório na apreciação da prova – que impeçam o conhecimento do recurso com o âmbito que se deixou definido. Nada obsta, pois, a que se conheça da questão da medida da pena única, tomando como referência o acórdão do tribunal colectivo, que mereceu absoluta confirmação por parte da Relação. Nos sistemas de pena do concurso, a punição pode ser feita através de uma pena unitária, determinada como se o conjunto dos factos praticados pelo agente constituísse um único crime. Nuns casos, aplicando a pena concreta do crime mais grave (princípio da absorção); noutros agravando essa pena em função da pluralidade de crimes (princípio da exasperação). De harmonia com o princípio da cumulação, o concurso será punido através de uma pena conjunta determinada pela imagem global dos factos e pela personalidade do agente, servindo as penas parcelares para definir a moldura, cujo mínimo, no sistema jurídico português, corresponde ao quantum da pena mais grave e cujo máximo é igual à soma das diversas penas aplicadas, mas com o limite máximo legal de 25 anos de prisão. Na valoração da personalidade do arguido não pode deixar de se considerar, como fez o tribunal colectivo, que aquele revela uma tendência para a prática deste tipo de criminalidade. A tanto não é alheia a circunstância de o arguido ter vindo a “exercer actividades pouco estruturadas em estabelecimentos de diversão noturna e casas de alterne, como porteiro, onde teve contacto com mulheres praticantes da prostituição e com a vivência deste tipo de ambiências, com abuso de bebidas alcoólicas.” (facto nº 78). Por outro lado, é patente o aumento da culpa do agente em consequência de uma enorme repetição dos actos de cópula com que vitimizou a filha menor, cujos direitos fundamentais lhe cumpria especialmente defender no âmbito do exercício do poder paternal. Mas não deve deixar de se ponderar como circunstância favorável ao arguido o facto de, quebrados os freios resultantes da ética e da moral sexual que visam evitar a prática de actos deste jaez, a resistência ao impulso sexual se tornar de grau menor, propiciando a repetição dos actos criminosos. |