Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | TERESA FÉRIA | ||
Descritores: | ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA RECLAMAÇÃO NULIDADE PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO FALTA DE ASSINATURA OMISSÃO DE PRONÚNCIA REJEIÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 04/27/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I - Sendo embora abstratamente admissível a prolação de uma decisão sumária, nos termos do disposto na al. b) do n.º 6 do art. 417.º do CPP, esta não deverá ter lugar em virtude de, em caso de impugnação, sempre ter de haver uma nova apreciação, através de acórdão proferido em conferência. II - A prolação de acórdão em conferência, ao invés de uma decisão sumária, em nada fere o princípio do contraditório, mas antes é ditado pela obediência ao princípio da proibição da prática de atos inúteis – art. 130.º do CPC – e ao princípio da celeridade processual. III - O art. 118.º do CPP determina estarem as nulidades processuais sujeitas ao princípio da legalidade, pelo que só podem ser qualificadas como tal as irregularidades processuais que a lei expressamente determine, sendo que inexiste qualquer previsão na lei processual penal a cominar com a nulidade a não observância do disposto no art. 417.º, n.º 6, do CPP. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência na 3ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça,
I Por Acórdão proferido nestes Autos, a 19.01.2022, foi decidido rejeitar o recurso interposto pela ora Arguente, por inadmissibilidade legal, nos termos do disposto nos artigos 432º nº 1 al. b), 420º nº 1 al b) e 414º nº 2 do CPP. Recurso este interposto do Acórdão da Relação ... que havia confirmado a Sentença proferida os pelo Juízo Local Criminal ..., condenando a Arguida AA pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física por negligência, dos artigos 148º nº 1 e 3 e 144º nº 1, als. a) e d), do Código Penal, na pena de um ano de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de seis meses. E julgar parcialmente procedente o pedido cível deduzido pelo Assistente e demandante civil BB, condenando a Arguida/demandada a pagar-lhe 6.000,00€ pela perda total do motociclo, 3.428,04€ pelo reembolso das despesas suportadas na aquisição de medicamentos, consultas médicas e despesas de transporte, bem como as despesas médicas e medicamentosas futuras de que venha a necessitar para reparação das lesões provocadas pelo acidente, a liquidar em execução de sentença e o valor da vacina pneumocócica que necessitar de tomar, bem como 70.000,00€ a título de dano patrimonial futuro no que respeita à sua perda de capacidade de ganho e 60.000,00€ a título de danos não patrimoniais, e ainda juros moratórios civis, contados desde a Sentença até efetivo e integral pagamento, quanto às quantias fixadas a título de danos futuros e de danos não patrimoniais, e sobre aos restantes danos patrimoniais a partir da citação. Inconformada com tal decisão, veio a recorrente Lusitânia, Companhia de Seguros SA, arguir a nulidade do supracitado Acórdão, nos termos do disposto nos artigos 615º nº 1, al. d) do CPC e 379º nº 1 al. c) do CPP. II O Assistente e demandante civil BB veio aos Autos e pronunciou-.se pelo indeferimento do arguido. III Realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir: A arguente considera que o Acórdão proferido nestes Autos a 19.01.2022 se encontra ferido de nulidade por, em seu entender, este : a) Ter violado o princípio do contraditório; b) Não se mostrar assinado por 3 Juízes/as Conselheiros/as; c) Sofrer de omissão de pronúncia Todavia, tais alegações carecem da necessária fundamentação fáctica e legal. Na verdade, a) A Arguente alega que o Acórdão desrespeitou o princípio do contraditório por ter sido prolatado sem que previamente tivesse havido uma decisão da Relatora sobre a sua admissibilidade, a qual pudesse ter sido impugnada por via de uma Reclamação para a Conferência. Sustenta a Requerente que tal procedimento obstou a que se pudesse pronunciar sobre tal questão e, nessa medida, constituiu uma “decisão surpresa”, considerando que tal inquinaria de nulidade o Acórdão em apreço “porque a irregularidade supra explanada influi no exame e na decisão da causa”. Como é sabido, nos casos em que se mostra necessário proceder à integração de lacunas da lei processual penal, por força do disposto no artigo 4º do CPP, só é permitido recorrer às normas do processo civil, que forem compatíveis com os princípios do processo penal, quando, desde logo, se não possam aplicar, por analogia, as normas de processo penal. De entre os limites à integração de qualquer eventual lacuna avulta a proibição de aplicação analógica de “normas processuais materiais em violação do princípio da legalidade criminal, por força do artigo 29º nº 3 da CRP e do artigo 7º da CEDH”([1]). Ora, “in casu”, por força da aplicação do princípio da suficiência do processo penal, que determina que se resolvem neste todas as questões prejudiciais que interessarem à decisão da causa ([2]) e do princípio da adesão que “dispõe que o pedido de indemnização civil «fundado» na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo (artigo 71º do CPP)” ([3]) constata-se, em primeira mão, inexistir qualquer lacuna da lei processual penal no tocante à sequência e natureza dos atos processuais necessários à prolação de uma decisão dos presentes Autos, designadamente relativamente à apreciação e decisão do recurso interposto pela ora Arguente perante este Alto Tribunal e, oportunamente, decidido. Assim, se considera serem “in casu” aplicáveis para a tramitação dos presentes Autos as normas processuais constantes dos artigos 410º e seguintes do CPP. Nesta conformidade, entendeu a Relatora que, sendo embora abstratamente admissível, nos termos do disposto no nº 6 al. b) do artigo 417º do CPP, a prolação de uma decisão sumária, esta não deveria ter lugar em virtude de, em caso de impugnação, a mesma vir a ser confirmada, por Acórdão proferido em Conferência. Tal procedimento em nada fere o princípio do contraditório, mas antes é ditado pela obediência ao princípio da proibição da prática de atos inúteis – artigo 130º do CPC – e ao princípio da celeridade processual. A decisão assim proferida não constitui uma “decisão surpresa”, como sustentado pela Arguente, na medida em que, como alegado pelo Assistente/demandante cível, “as decisões-surpresa são as que se baseiam em fundamentos não ponderados pelas partes, isto é, aquelas em que se verifique uma total desvinculação da solução adotada pelo tribunal relativamente ao alegado e, portanto, já perspetivado no processo“ (…) No caso em análise, é manifestamente evidente que a Recorrente já havia pronunciado sobre a questão da “dupla conforme” no recurso que interpôs para este Alto Tribunal, onde pugnou pela sua admissão por entender que encontrava acolhimento nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 672º do CPC.” Finalmente, refira-se que face ao estatuído no artigo 118º do CPP, que determina estarem as nulidades processuais sujeitas ao princípio da legalidade, e como tal só poderem ser qualificadas como tal, as irregularidades processuais expressamente cominadas na lei com essa qualidade, a não observância do disposto no artigo 417º nº 6 do CPP, não se encontra prevista na lei processual penal como tal. Pelo que se conclui pela improcedência de todo o alegado. b) A Arguente entende, também, que a circunstância de o Acórdão em apreço se mostrar assinado apenas pela Juíza Relatora e pelo Juiz Adjunto configuraria a nulidade prevista no artigo 615º nº 1 al. a) do CPC, em virtude de tal facto indiciar não haver a mesma resultado de uma deliberação de 3 Juízes/as, como prescrito pelo disposto no artigo 672º nº 3 do CPC. Sucede, porém, que face à redação vigente do artigo 419º nº 1 e 2 do CPP, à data da prolação do Acórdão, norma esta aplicável à tramitação dos presentes Autos, nos termos e com os fundamentos já explanados, a intervenção na Conferência do/a Juiz/a Presidente da Secção apenas tinha lugar “para desempatar”, isto é, quando não se tivesse podido formar uma “maioria com os votos do relator e do juiz-adjunto”. Nessa medida, tendo embora a Sessão em que foi publicado o Acórdão sido presidida pelo Juiz Presidente, então em funções, como se alcança da respetiva Ata, o Acórdão em apreço foi subscrito, nos termos legais pela sua Relatora e pelo Juiz Adjunto. Nesta conformidade, e atento o já explicitado quanto à disciplina relativa às nulidades em processo penal, se conclui pela inexistência da nulidade invocada. c) Finalmente, a Requerente considera que o Acórdão em apreço se encontra inquinado de uma omissão de pronúncia, por entender que este não teria examinado os argumentos por si aduzidos “para justificar o seu entendimento de se encontrarem reunidos os pressupostos de revista excecional expressamente previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC”. Assim, concluindo que o referido Acórdão se não tinha pronunciado “sobre o preenchimento (ou não) dos pressupostos do recurso de revista excecional interposto”, e, como tal, incorrido na invocada nulidade. Ora, a questão de Direito objeto do recurso em questão, tal como definido pelas respetivas Conclusões, cingia-se à impugnação da condenação no pedido cível formulado pelo Assistente e pelo demandante Hospital .... Como tal, e em sede de questão prévia, houve que apreciar e decidir sobre a admissibilidade de tal recurso, em função designadamente de saber se encontravam reunidos e verificados os respetivos pressupostos processuais. Desta análise, conclui-se pela sua não verificação e como tal se decidiu pela rejeição do referido recurso. Decisão esta que teve como fundamento, como aí é explicitado, a constatação do pressuposto negativo geral da revista excecional, consistente na existência de uma dupla conformidade entre as decisões em questão e na não verificação dos pressupostos específicos da admissibilidade da revista excecional, constantes das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 672º do CPC. Assim se considerando que a não verificação do pressuposto geral de admissibilidade prejudicava e impedia a apreciação da verificação dos respetivos pressupostos específicos. Nesta conformidade, e tendo em atenção que a obrigatoriedade de pronúncia recai sobre as questões de Direito sobre as quais o Tribunal é chamado a dirimir e não sobre a pertinência dos argumentos aduzidos pelos/as recorrentes, se conclui pela inexistência da invocada nulidade de omissão de pronúncia, pelo que outra solução não poderá merecer a arguição de nulidade ora deduzida que não seja o seu indeferimento. Nestes termos, se conclui pela sua improcedência.
IV Termos em que se acorda em indeferir as nulidades arguidas.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5UCs.
Feito em Lisboa, aos 27 de abril de 2022
Maria Teresa Féria de Almeida (Relatora)
Sénio dos Reis Alves (Adjunto)
Nuno António Gonçalves (Presidente) _____ [1] Comentário ao CPP – P.P.Albuquerque- UCE- 4ª edição pag.52 |