Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
639/20.8T8PNF.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: AMÉLIA ALVES RIBEIRO
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS FUTUROS
PRINCÍPIO DA DIFERENÇA
EQUIDADE
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ACIDENTE DE VIAÇÃO
SUBSÍDIO DE ALIMENTAÇÃO
SEGURADORA
MORA
COMPENSAÇÃO
TAXA DE JURO
Data do Acordão: 01/31/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA DO AUTOR PARCIALMENTE PROCEDENTE.
REVISTA SUBORDINADA DA RÉ IMPROCEDENTE.
Sumário :
I- (i) Da matéria de facto não cabe, em regra, recurso para o STJ.


(ii) Estão dentro dos poderes de cognição do STJ, em matéria de facto, as situações em que estejam “em causa as regras de direito que condicionam a admissibilidade ou estabelecem a força probatória de certo meio de prova”; “as regras de repartição do ónus de prova” ou “o procedimento processual que condiciona a aplicação do artigo 662º CPC” (artigos 674º/3; 682º/1 e 2 e 662º, todos do CPC).

II- Em sede de cálculo da indemnização pelo dano patrimonial futuro/dano biológico:

i. Há que ter em conta, nomeadamente, a teoria da diferença (artigo 566º /2 CC), sendo a equidade o critério fundamental de fixação da indemnização (artigo 566º/3 CC);

ii. O STJ vem entendendo que “não lhe compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística”;

iii. Cumpre ter “em conta as exigências do princípio da igualdade”;

iv. Nesse domínio importa verificar se o juízo de equidade não se afasta de forma “substancial e injustificada”dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adotados, numa jurisprudência evolutiva e atualística”.

v. As fórmulas matemáticas não constituem um critério determinante do cálculo da indemnização, mas “mero instrumento de trabalho, com função adjuvante da avaliação equitativa”.

III- Nada se tendo provado no sentido de que o subsídio de alimentação fizesse parte da concreta remuneração paga ao A. na ocasião do acidente, o cálculo da indemnização não pode ter por base essa componente.

IV- Não pode subsistir a condenação no dobro da taxa de juro quando não se tiver provado a base factual para que aponta o artigo 37º Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21-08.

Decisão Texto Integral:



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


Processo: 639/20.8T8PNF.P1.S1


6ª Secção


I. Relatório


Recorrente/recorrido/A.: AA


Recorrente/Recorrida/R.: Fidelidade Companhia de Seguros, SA


I.1. O A. alegou, em síntese, ter sido interveniente num acidente de viação, o qual se ficou a dever a culpa exclusiva do condutor segurado da R. que é responsável pela indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais.


Pediu a condenação da R. a pagar-lhe: (i) a quantia global de € 883.176,25, acrescida (ii) de juros, calculados ao dobro da taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento, e ainda (iii) a indemnização prevista no artigo 40.º do Decreto Lei 291/2007, de 21 de agosto e (iv) a ressarci-lo dos danos patrimoniais e morais futuros, a apurar mediante incidente de liquidação de sentença.


A R. contestou, imputando a culpa do acidente ao A., impugnando os danos alegados e invocando o carácter excessivo dos valores das indemnizações peticionadas.


Foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, e consequentemente, condenou a R. a pagar ao A.:

a. a título de danos patrimoniais, a quantia global de € 27.776,25 – valor obtido após a compensação [com os valores já recebidos] da condenação global em € 32.871,31 – acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;

b. a título de dano pela perda da capacidade de ganho, a quantia global de € 140.000,00 - valor obtido após a compensação [com os valores já recebidos] da condenação em € 150.000,00 – acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;

c. a título de danos não patrimoniais, a quantia global de € 40.000,00,


acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da presente sentença, até efetivo e integral pagamento;

d. a indemnização a liquidar em execução de sentença, relativamente às quantias que o autor vier a suportar, quanto a ajudas medicamentosas, tratamentos médicos regulares e observação em consultas médicas, além da possibilidade de nova intervenção cirúrgica para extração de material de osteossíntese;


- no mais, absolveu a R..


Inconformadas, as partes interpuseram recurso para o Tribunal da Relação, que proferiu acórdão cujo dispositivo tem o seguinte teor:


Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em conceder parcial provimento ao recurso principal e ao recurso subordinado, em função do que se altera o decidido sob as alíneas a) e b) da decisão recorrida nos seguintes termos:


- condenando-se a ré a pagar ao autor,

a. a título de danos patrimoniais a quantia global de € 16.120,19 - valor


obtido após a compensação que se efectua (pelos valores já recebidos) da condenação global em € 21.215,25 – acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;

b. a título de dano pela perda da capacidade de ganho, a quantia global de € 210.000,00 - valor obtido após a compensação que se efectua (pelos valores já recebidos) da condenação em € 220.000,00 – acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.


Dada a constatada desconformidade entre os rendimentos do trabalho, alegadamente auferidos e, os declarados para efeito de IRS, para os efeitos tidos por convenientes, transitado, entregue certidão ao MP.


Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento, em cada um dos recursos, que se fixa, respectivamente, no principal e no subordinado, para autor e ré, em 8/10 e 2/10 e 1/10 e 9/10.


É contra esta decisão que se insurgem ambas as partes.


Revista do A.


O A. interpôs recurso de revista normal e, apenas por mera cautela, interpôs recurso de revista excecional, tendo formulado as seguintes conclusões:

1ª No presente caso, tendo em conta a matéria fáctica assente, ocorreu violação nomeadamente do preceituado nos artigos 13º, 18º e 20º da CRP, 8º, 562º, 564º, 566º do CC e 411º do CPC, entre outros.

2ª Discordamos da alteração operada pelo TRP no que diz respeito à não prova dos pontos 24 e 25. Do nosso ponto de vista, existiam elementos mais que suficientes para que se mantivessem os valores auferidos pelo A., fixados na sentença da 1ª instância.

3ª Constam dos autos recibos assinados e depoimentos de testemunhas - nomeadamente de um colega de trabalho. A acrescer, parece-nos consubstanciar facto notório que nenhum trabalhador português da construção civil emigra para a Bélgica para ganhar o salário mínimo belga.

4ª O A. foi duramente criticado, tendo sido qualificado (ironicamente) de “paladino do rigor, da exatidão e da verdade”, referindo-se, entre outras coisas, que “não tem a noção do significado, nem de bom senso, nem do que sejam as regras da experiência comum. Se fossem o que ele pratica e defende, todos os outros estariam em “contra-mão”.

5ª Ora, há que convir que uma “coisa” é o A. não ter declarado esses rendimentos e tal dever ser comunicado ao MP e à AT (desconhecemos se não procedeu ao pagamento de impostos na Bélgica), outra, assaz diversa, é não se aceitar que auferia aqueles valores e que, bem ou mal, terá confirmado aquelas declarações de rendimentos (beneficiando pelo facto das ajudas de custo não serem tributadas em sede de IRS, mas, muito provavelmente, sem ter noção da infração fiscal que estava a cometer [tem o 6º ano de escolaridade e sempre trabalhou na construção civil]).

6ª Pensamos, por um lado, que o TRP confundiu as duas e, por outro, que a convicção pela prática de uma infração fiscal toldou a perceção da realidade quanto à efetiva retribuição auferida pelo A.

Com a prova constante dos autos e a, testemunhal, efetuada, desconsiderar-se todos os elementos por, supostamente, serem incompatíveis e, de seguida, aplicar-se ao cálculo da indemnização o salário mínimo belga, é algo que não conseguimos compreender.

7ª A norma citada pelo TRP (nº 8 do referido art. 64º, com a redação, igualmente, introduzida pelo De. Lei 153/2008) foi pensada para proteger a parte mais vulnerável, quando não existe profissão certa ou de rendimentos declarados muito baixos. Não é o caso dos autos e tal uso prejudica fortemente o A. que, obviamente, auferia bem mais do que o salário mínimo belga.

8ª Caso fosse de admitir o entendimento de que as provas são contraditórias e inconciliáveis entre si, então podia e devia o TRP usar o poder-dever de mandar baixar o processo à 1ª instância para que tal matéria, com vista à descoberta da verdade material, fosse devida e eficazmente apurada.

9ª É verdade que existe desconformidade entre aquilo que consta nas declarações de rendimento e na Segurança Social, mas isso não justifica que se desconsiderem os recibos juntos – recibos que apenas espelham aquilo que é a prática habitual.

10ª Desconsiderar os recibos e a prova testemunhal (nomeadamente o depoimento do colega de trabalho) por causa das declarações de rendimentos é, de certa forma, contornar o que veio estabelecido no Ac. TC 221/2019, de 13.05, e violar, sem necessidade e de forma até algo com alguma desumanidade, o princípio da tutela jurisdicional efetiva, na vertente da garantia de um processo equitativo, consagrada no art. 20.º, n.º 4, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, ambos da CRP, e do direito à justa reparação dos danos, decorrente do art. 2.º da CRP - inconstitucionalidade que ora se invoca. Tal violação deveria levar a que se considerasse como provados os factos 24 e 25 da sentença.

11ª Parece-nos que a prova era mais que suficiente e a Mma. Juíza de Direito, por sua vez, entendeu não ser necessário ordenar outras diligências de prova para apurar tal matéria. Se dúvidas houvesse poderia (e deveria!!!!) ter ordenado outras diligências probatórias nomeadamente ao abrigo do disposto no art. 411º do NCPC.

12ª Somos, por isso, da opinião que o TRP tendo ficado, como ficou, com dúvidas acerca da retribuição do A., não só poderia, como, aliás e inclusive, até deveria ter ordenado a remessa dos autos à 1ª instância para, em abono da verdade material, se esclarecerem tais questões.

13ª Não tendo atuado da forma suprarreferida, o TRP violou um autónomo poder-dever de indagação oficiosa, ao qual está vinculado, violando o citado artigo e um dos princípios orientadores da reforma do CPC – o princípio do inquisitório – sendo que semelhante atuação consubstancia nulidade – que ora se invoca.

14ª Repete-se que se o TRP entendia que as provas eram inconciliáveis (do que discordamos), deveria ordenar a baixa do processo para a primeira instância para que tal facto fosse esclarecido em prol da descoberta da verdade material (art. 662º, nº 2, al. c) do CPC) - trata-se de um poder-dever!

15ª Sem prejuízo do acima referido, e para a hipótese, de se entender que a opção do TRP é correta (o que não se concebe), mesmo a ser assim dever-se-ia, no cálculo daquele que era o rendimento ficcionado do A., somar ao salário mínimo belga o subsídio de alimentação mínimo belga (7,30€/dia x 22 x 11), uma vez que tal valor também faz parte da ficcionada retribuição do A.

16ª A fórmula de cálculo do quantitativo fixado a título de dano patrimonial futuro/dano biológico, usada no acórdão em crise, é altamente injusta e viola, de forma grosseira e desumana, o disposto nos artigos 562º, 564º e 566º e, bem assim, o art. 8º, todos do C.C.

17ª Quanto ao segmento decisório ora em análise, é importante ter em consideração o seguinte:

Idade do Autor: 41 anos

Salário: 1.562,60€ (valor do salário mínimo na Bélgica à data do acidente) Esperança de vida: 78 anos [mais 37 anos de vida tendo em consideração os 41 anos do Autor]

DFPIFP: 18 pontos, com IPATH (sendo as sequelas impeditivas da atividade profissional habitual (incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual de carpinteiro de cofragens) podendo beneficiar de plano de reabilitação e reintegração profissional, sendo o seu perfil funcional compatível com a ocupação de posto cujo conteúdo funcional envolva a atividade de membros superiores, mas sem grande exigência física, como seja porteiro de edifícios, estafeta ou similar.)

18ª O TRP usou uma fórmula de cálculo que prejudica fortemente o A. e que não leva em consideração o facto de este ter ficado com perda efetiva de rendimento (não mais voltou a trabalhar, desde 21.09.2018, até à presente data) por força da sua IPATH.

19ª Resumidamente, TRP fez o seguinte cálculo: €1.562,60 x 14 meses x 37 anos x 0,19 = €153.791,09 (cfr. p. 53). Este foi o valor base a que o TRP chegou e que, posteriormente, ao abrigo da equidade, elevou para o montante de 220.000,00€.

20ª O A., nas suas alegações de recurso para o TRP, peticionou o aumento do quantum indemnizatório, pedindo a consideração pelo critério fixado na LAT, como critério base, para o cálculo da indemnização. O TRP nada disse a propósito dessa justificada alegação fundada, aliás, na sua efetiva utilização em situações exatamente iguais a estas, apenas com a particularidade adicional de não consubstanciarem, igualmente e também, acidente de trabalho. Existe, por isso, omissão de pronúncia que gera nulidade - que ora se invoca.

21ª Não se compreende como é que não se faz uso, como critério auxiliar para o cálculo de uma incapacidade com IPATH, do disposto na LAT (Lei 98/2009) para os acidentes de trabalho. Repare-se que este serviria, apenas, como critério base, uma vez que o dano biológico é mais e globalmente abrangente, abarcando limitações funcionais extra relação laboral e que não podem ser desconsideradas.

A este propósito veja-se a título meramente exemplificativo o Ac. STJ, de 12.07.2018, proc. 1842/15.8T8STR.E1.S1, em que é Relatora a Conselheira Rosa Tching, disponível em www.dgsi.pt.

22ª Ora, mesmo levando em consideração o salário de 1.562,60€, fixado pelo TRP, o valor a atribuir pela perda da capacidade de ganho teria de ser muito superior aos 220.000€ fixados no acórdão em crise.

23ª Nos termos do art. 48º, n.º 3, al. b) [Por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, como é o caso doa sutos], o sinistrado tem direito a uma pensão anual e vitalícia, compreendida entre 50% e 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra função compatível. Por outro lado, o art. 71º, nº 2, da LAT define o que se entende por retribuição.

24ª Ora, se multiplicarmos €1.562,60x14 = 21.876,40€, ao qual deveria acrescer o subsídio de refeição praticado na bélgica, no valor de 7,30€/diax22 x 11= 1.766,60€ (que não foi considerado pelo TRP, mas que, obviamente, também deveria ter ficcionado tal valor). Assim, segundo o TRP o rendimento anual bruto do A. era de 23.643€. Assim, 23.643€ x 50% = 11.821,50€.

A acrescer, 23.643€:5 = 4.728,60; 4.728,60 x 18% (admitindo que os 18 pontos de dano biológico correspondem, pelo menos, 18% de IPP) = 851,15€.

Logo, 11.821,50 + 851,15€ = 12.672,64€

25ª Assim, se estivéssemos perante um acidente de trabalho, o A. teria direito a receber uma pensão anual, vitalícia e atualizável (devida desde o dia 01.01.2020, data da consolidação das lesões) no valor anual de 12.672,64€, a ser paga, adiantada e mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, sendo que os subsídios de férias e de Natal, cada um no valor de 1/14 da pensão anual, seriam pagos, respetivamente, nos meses de junho e novembro, sendo que tal pensão seria atualizada de acordo com a Portaria nº 6/2022, de 04.01 (aumento de 1% prevista no artº 2º, da Portaria nº 6/2022, de 04.01). Ou seja, o A. iria receber 14 x por ano pensão superior a 905,18€!

26ª Refira-se, ainda, que o A. teria ainda direito à bonificação de 1.5% pelo facto de padecer de IPATH (não mais poder exercer a sua profissão habitual), que nem estamos a considerar, e teria direito a ser pago de um subsídio para a frequência de ações no âmbito da reabilitação profissional (cfr. Relatório do CRPG).

Pelo acima exposto, o A. teria direito a receber uma pensão anual, vitalícia e atualizável superior a 12.672,64€ o que perfaz uma média mensal de 1056€ (12 meses). Bastante diferente dos 495,49€ fixados pelo TRP. Se multiplicarmos os 12.672,64€ pelos 37 anos (até à esperança de vida dos homens) atingimos o valor de 468.887,68€!

27ª E refira-se que o facto de o A. receber tal pensão anual, vitalícia e atualizável não lhe retirava o direito de ser ressarcido pelo dano biológico, uma vez que este é um dano autónomo e mais abrangente do que a perda da capacidade de ganho – Cfr. Acórdão do STJ, de 12.06.2018, proc. 1842/15.8T8STR.E1.S1, em que é Relatora a Veneranda Conselheira Rosa Tching

28ª Assim, é pacífico, na jurisprudência e na doutrina, que, nos casos em que o acidente de trabalho consubstancie igualmente acidente de viação, a acrescer à pensão mensal, vitalícia e atualizável, os sinistrados têm ainda direito a ser ressarcidos, de forma autónoma, pelo dano biológico – na vertente profissional, na parte não ressarcida em sede de acidente de trabalho e na vertente não profissional – mas, mesmo assim, igualmente muito relevante e a não descurar ao abrigo do princípio do ressarcimento global fixado no art. 566º do C.C.

29ª O que significa que o A., para além da pensão acima calculada, teria também de receber o valor ainda não ressarcido, respeitante ao dano biológico. No caso, o valor fixado pela TRP – 220.000€ – é, em muito, inferior ao valor acima referido 468.887,68€, sendo que neste concreto valor não se encontra contemplado o dano biológico, enquanto nos 220.000€ fixados pelo TRP, já está, embora mal, englobado.

30ª A ser confirmada a decisão do TRP, estar-se-á, salvo devido respeito, a persistir em decisão extremamente injusta com consequências nefastas para a subsistência deste e, eventual e futuramente, de muitos outros sinistrados sem direito à tutela laboral, os quais sairão gravemente desfavorecidos em situações em tudo análogas. Estaremos, dessa forma, a violar frontalmente o disposto no art. 13º da CRP, tratando diferente o que é igual, o que desde logo gera inconstitucionalidade - que ora se invoca!

31ª Mesmo que não se levasse em consideração o critério estabelecido na Lei 98/2009, ainda assim a fórmula usada pelo TRP desconsidera o facto de o A. nunca mais ter voltado a trabalhar e estar com IPATH.

32ª Como se refere no Ac. do STJ, de 22.10.2009, 3138/06.7TBMTS.P1.S1, (Relator Conselheiro Dr. João Bernardo) à que distinguir os casos em que tem lugar efetiva perda de rendimentos, daqueles em que tal perda se não verifica; isto porque, nos casos de IPATH, há que calcular o montante que o lesado deixou, e vai deixar de auferir, até ao fim da sua vida ativa (jurisprudência dominante entende dever levar-se em consideração a esperança de vida).

33ª Se o A. tivesse exatamente o mesmo DFPIFP (18 pontos), mas não padecesse de IPATH, a situação seria completamente diferente e a indemnização fixada se calhar até pecava por excesso.

34ª Todavia, na situação sub judice, o A., que tem o 6º ano de escolaridade e sempre trabalhou na construção civil, padece de IPATH, podendo, segundo o relatório do CRPG junto aos autos, beneficiar de plano de reabilitação e reintegração profissional, sendo o seu perfil funcional compatível com a ocupação de posto cujo conteúdo funcional envolva a atividade de membros superiores, mas sem grande exigência física, como seja porteiro de edifícios, estafeta ou similar.

35ª Mesmo admitindo que o A. poderá, no futuro, vir a exercer uma outra profissão é óbvio que está numa posição de extrema desvantagem relativamente aos seus pares.

A este propósito veja-se o douto Acórdão do TRE, de 23.02.2017, proc. 275/13.5TBTVR.E1, em que é relator o Desembargador Mário Branco Coelho – o citado aresto enquadra corretamente a situação e aplica-se, na perfeição, ao caso dos autos.

36ª Se fosse aplicado o mesmo critério à situação dos autos, e mesmo considerando apenas o salário de 1.562,60€, atingiríamos o valor acima referido de 468.887,68€. Majorando tal valor em 10%, como efetuou o citado acórdão, atingiríamos o montante de 515.776,44€.

37ª Se fosse aplicado o mesmo critério, tendo em consideração o salário dado como provado em 1ª instância (cfr. ponto 24 e 25) e desconsiderado pelo TRP, atingiríamos o montante de 840.657,96€, sendo que o A. apenas peticionou 750.000€.

38ª Veja-se ainda o recente Ac. do STJ, de 29.03.2022, proc. 119/19.4T8STR.E1.S1, no qual se decidiu atribuir indemnização de 100.000€ pela perda da capacidade de ganho, mesmo estando a aí A. a receber pensão anual, vitalícia e atualizável de €6.130,72, calculada nos termos acima expostos em virtude de padecer de IPATH (pelo facto do acidente ter consubstanciado também acidente de trabalho).

39ª Seja qual for a opção, dúvidas não restam que o acórdão do TRP, em crise, violou os artigos 13º e 20º da CRP, 8º, 562º, 564º e 566º do CC e, ele sim, “circulou em contramão”, relativamente à vastíssima jurisprudência do nosso mais alto Tribunal que acima citamos.

40ª Assim, uma vez determinado o salário a considerar nos presentes autos, a fórmula de cálculo deverá, forçosamente, seguir o acima exposto, elevando-se o montante indemnizatório nos termos acima descritos.

41ª Houve um erro/lapso manifesto, por parte do TRP no que às perdas salariais diz respeito.

42ª O TRP operou uma dupla dedução, sendo que a decisão correta teria de ser a seguinte:

Ora, na sequência da apontada alteração à matéria de facto, caindo o salário mensal de € 2.000,00, resta-nos o salário mínimo da Bélgica, pelo que a apontada operação deve ser feita com tal parcela. Assim, ao valor de € 23.439,00/€ 1.562,60x15 meses) que o autor deixou de auferir há que descontar o valor que recebeu a título de subsídio por doença, €1.095,06 e € 4.000,00 de adiantamentos da ré, tendo ainda a receber da R. o valor de €18.343,94 [negrito e sublinhado nosso].

43ª Sem prejuízo de entendermos que deverá ser repristinada a sentença da 1ª instância apenas quanto a este segmento decisório [caso se proceda à alteração do valor do salário], ainda que assim não se entenda, haverá sempre que corrigir o lapso manifesto acima evidenciado.

44ª A Ré nunca formalizou em que medida assumia o sinistro, mas praticou atos que demonstram inequivocamente que o assumiu, como sejam o pagamento integral do motociclo do A. e, posteriormente, o adiantamento de 4.000€ + 10.000€.

45ª Ora, a Ré, não só não informou em que medida é que assumia o sinistro (art. 36º e 37º do DL 291/2007), como também não efetuou qualquer proposta razoável (38º do DL 291/2007), ou seja, a Ré incumpriu duplamente.

46ª Assim, sempre que uma seguradora entenda que vai ser difícil chegar a acordo com um lesado, não assume em que medida é responsável pelo sinistro (art. 36º e 37º), não apresenta proposta razoável (art. 38º e 39º) e vai adiantando pequenas parcelas indemnizatórias, por conta da indemnização final, até ver se chega, ou não, a acordo extrajudicial.

No final, caso não haja acordo, vem alegar que o facto de ter adiantado montantes não significa que esteja a assumir responsabilidade e declina a mesma – contornando os acima citados normativos.

47ª Digamos que não condenar no dobro da taxa de juro é penalizar as seguradoras que assumem o sinistro (no todo ou em parte) e que fazem propostas de indemnização (na proporção da responsabilidade assumida) – sendo, muitas destas, condenadas no dobro da taxa de juro na diferença entre aquilo que foi a proposta que fizeram e a condenação do Tribunal – cfr. Ac. TRG, de 07.12.2017, proc. 863/16.8T8VIS.G1; Ac. do STJ de 12.12.2017, proc. 1292/15.6T8GMR.S1, e, bem assim as situações em que as Seguradoras assumem a responsabilidade pelo sinistro e não apresentam proposta razoável de indemnização – ver Ac. do STJ de 15.09.2022, proc. 2374/20.8T8PNF.P1.S1.

48ª Por tudo o que foi alegado, somos da opinião que a Ré incumpriu os citados artigos 36º, 37º e 38º do DL 291/2007, devendo, por isso, ser condenada no dobro da taxa de juro.

Nestes termos e nos melhores de direito, deverá o douto Acórdão do TRP ser revogado e substituído por outro que leve em consideração o salário provado na 1ª instância e que condene nos termos peticionados;

Caso assim não se entenda, dever-se-á ordenar a remessa do processo para apuramento da verdade material - quanto ao real salário do A.;

Caso assim não se entenda, dever-se-á proceder ao cálculo do dano patrimonial futuro nos termos supra expostos, usando como critério base o disposto na Lei 98/2009 e operando-se, de seguida, uma majoração por força da maior abrangência do dano biológico, sempre considerando também o subsídio de refeição mínimo aplicado na Bélgica, tudo com vista ao cumprimento do disposto nos arts. 8º, 562º, 564º e 566º do CC e, bem assim, retificar o valor relativo às perdas salariais;

Sem prejuízo do acima exposto, deverá ainda a Ré ser condenada no dobro da taxa de juro por violação dos art. 36º, 37º, 38º e 39º do DL 291/2007, de 21.08.

Revista subordinada da R. (e contra-alegações)

1- O Recurso Excepcional de Revista, deve ser rejeitado tendo como objecto:

a) Indemnização pelo dano patrimonial futuro/perda da capacidade de ganho/dano biológico.

b) Condenação no dobro da taxa de juro.

2. Na apreciação preliminar (artº 672º nº 2 do C.P.C.), deve ser considerado que na presente Revista Excepcional não se encontram verificados os pressupostos exigidos pelo nº 1 do artº 672º do C.P.C..

3. O Acórdão ora colocado em crise não está em contradição com os Acórdãos fundamento aduzidos.

4. Os Acórdãos fundamento não versam sobre a mesma questão de direito tratada no Acórdão recorrido.

5. O Recorrente ficou afectado de um défice funcional permanente de 18 pontos com incapacidade para o trabalho habitual reconvertível e apto para outras profissões na sua área de preparação.

6. Os Acórdãos Fundamento versam sobre sinistrados que padecem de incapacidade absoluta para o trabalho habitual sem possibilidade de reconversão profissional.

7. Por não se tratar de acidente de trabalho não pode ser aplicado o disposto no artº 48º nº 3 alínea b) da Lei dos Acidentes de Trabalho.

8. No segmento do Recurso correspondente a condenação no dobro na Taxa de Juro, também a situação no Acórdão recorrido não é a mesma questão de direito de que versam os Acórdãos Fundamento.

9. No Acórdão Fundamento invocado, Acórdão do TRP de 24/02/2022 Procº 2374/20.8T8PNF.P1, refere-se:

“Não tendo a demandada contestado a sua responsabilidade pela produção do acidente que provocou a morte do sinistrado José Fernando Ribeiro e o dever de indemnizar daí decorrente, devia ter apresentado uma proposta razoável de indemnização nos termos que a sentença faz referência.”

10. No Acórdão recorrido está provado que dados os factos provados e não provados, verifica-se que nenhuma negligência se provou em relação à R. na condução do processo extrajudicial de tentativa de conciliação, tendo diligenciado para o efeito (facto 43º), apesar de ter tido dúvidas quanto à responsabilidade e à incapacidade. Razão pela qual os juros a atribuir serão fixados apenas à taxa legal, sem direito a qualquer outra indemnização”.

11. Nos termos da alínea c) do nº 1 do artº 672º do C.P.C, não existe contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre o Acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento.

Caso o Recurso de Revista Excepcional seja admitido, deve ser aceite o Recurso Subordinado interposto pela Recorrida.

12. O Tribunal recorrido fixou indemnização pelo dano patrimonial futuro na quantia de 220.000,00€.

13. O valor encontrado baseou-se num juízo de equidade.

14. Mas teve em conta para encontrar esse valor indemnizatório o seguinte:

Tendo presente jurisprudência mais recente sobre a matéria, sabendo que as tabelas matemáticas usadas para apurar a indemnização, têm um mero carácter indicativo, não substituindo, de modo algum, o recurso à equidade, utilizando a usual e básica tabela - € 1.562,60 x 14 meses x 37 anos x 0,19 = € 153.791,09, encontramos uma orientação para o cálculo do montante indemnizatório pela reparação da perda da capacidade aquisitiva futura, a apreciar segundo um juízo de equidade, tomando em consideração os vertidos critérios objectivadores, aferidores e orientadores seguidos pela jurisprudência, ou seja, sem deixar de considerar que a arbitrada indemnização para reparação pela perda da capacidade aquisitiva futura deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado deixará de perceber em razão da perda da capacidade aquisitiva futura e que se extingue no termo do período de vida, atendendo-se, para o efeito, à esperança média de vida do lesado;

15 - Essa fórmula indicadora:

€ 1.562,60 x 14 meses x 37 anos x 0,19 = € 153.791,09, considera o valor do salário mínimo auferido na Bélgica para uma incapacidade de 19 pontos, bem como uma permanência nessa situação durante 37 anos.

16 -Para efeitos de cálculo, não deve ser considerado o salário mínimo Belga, nem a incapacidade de 19 pontos, e o sinistrado não permaneceria na Bélgica durante 37 anos.

17- Para efeitos de compensação deve ser tido em conta a remuneração de 764,00€ e a incapacidade de 18 pontos.

18- A indemnização fixada a título de dano patrimonial futuro pelo Tribunal recorrido é excessiva, requerendo-se que a mesma seja alterada para valor não superior a 80.000,00€.

19- Ao decidir como o fez, o Tribunal “a quo” violou o disposto nos artºs 8º nº 3; 496º e 563º do C.Civil.

Nestes termos, e nos demais de Direito, deve ser rejeitado o Recurso de Revista Excepcional por não se verificar os pressupostos previstos nos nºs 1 e 2 do artº 672º do C.P.C.. Caso assim não se entenda: Deve ser aceite o presente Recurso Subordinado, revogando-se o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto na parte que condena a, ora, recorrente a pagar ao recorrido a quantia de 220.000,00€ a título de dano patrimonial futuro e fixando-se a mesma em valor não superior a 80.000,00€.

I.2. A título prévio, cumpre referir que, atendendo aos termos literais do recurso da R. (que condicionou o recurso subordinado à subsistência da revista excecional) foi proferido despacho liminar da relatora com o seguinte teor:


“O A. interpôs recurso de revista normal e, apenas por mera cautela, interpôs recurso de revista excecional.


Por seu turno, a R. interpôs recurso subordinado.


Os despachos de admissão dos recursos não vinculam este Tribunal (artigo 641º/3 CPC).


Assim, nada obstando, e uma vez que a Relação manteve um dos segmentos (absolvição do pedido da condenação no dobro da taxa de juro) e operou uma reformatio in melius, quanto ao outro (danos futuros/perda da capacidade geral de ganho/dano biológico), mas com motivação essencialmente diferente, em ambos os casos, naturalmente que, tendo-se por não verificada a dupla conforme, o recurso ter-se-á de admitir como revista normal (artigo 671º/3 CPC).


Atendendo ao exposto, e vistos os termos do recurso da R., notifique as partes a fim de se pronunciarem sobre a subsistência do recurso subordinado.


Assim e vistas as posições de ambas as partes face a este despacho (subsistência do recurso por parte da R. e a não oposição por parte do A.) e os concretos termos das alegações da R., afigura-se que, apesar de o recurso independente ter sido recebido como revista normal (há falta de convergência decisória na parte do dano por perda da capacidade de ganho e fundamentação essencialmente diferente na parte relativa à condenação no dobro da taxa de juro - facto n.º 43º), cabe dentro da amplitude da formulação literal do recurso da R. a admissão do recurso subordinado”1.


I.3. Como é sabido, e face ao disposto nos artigos 635º/1 e 639º/3 e 608º, todos do CPC, o objeto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações sobre a matéria debatida nos autos - a menos que se trate de questões do conhecimento oficioso – com ressalva das questões prejudicadas pela solução encontrada para outras.


Ponderados ambos os recursos, no caso em apreço, está fundamentalmente em causa: (i) saber se a matéria de facto fixada pelas instâncias é sindicável pelo STJ; (ii) aferir dos valores concretos das parcelas da indemnização. Neste âmbito importa decidir se: (a) a Relação efetuou, por lapso, uma dupla dedução no que às perdas salariais diz respeito, lapso que deve ser retificado; (b) deve somar-se ao salário mínimo belga o subsídio de alimentação mínimo belga (7,30€/dia x 22 x 11); (c) a fórmula de cálculo do quantitativo fixado a título de dano patrimonial futuro/dano biológico deve seguir o estabelecido na LAT ou se deve ser reduzido o quantitativo fixado pela Relação mesmo que se entenda de modo diferente; (d) deve ser ponderado o facto de o A. padecer de IPATH (o que implica uma majoração); (e) justifica-se a condenação da R. no dobro da taxa de juro (por alegado incumprimento pela R. dos citados artigos 36º, 37º e 38º do DL 291/2007).


II. 2. Fundamentação


II.2.1. Em segunda instância foi fixada a seguinte matéria de facto:

1. No dia 21/09/2018, cerca das 17 horas, na E.N. ..., na ..., freguesia de ..., concelho de ..., ocorreu um embate, em que foram intervenientes os seguintes condutores e veículos: o A./AA, na qualidade de condutor do motociclo de matrícula ..-..PH, marca Yamaha, modelo YZF, de cor branca, do ano de 2000 e BB, residente na Rua ..., concelho de ..., como condutor do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-EB-.., marca Hyundai.

2. O A. circulava, a velocidade não concretamente apurada, com o sentido de marcha ... e o condutor do EB provinha, naquele momento, a velocidade não concretamente apurada, da zona de acesso da Avenida ... – via que entronca à direita, atento o sentido de marcha do A. – e pretendia circular com o sentido de marcha contrário ao do A., ou seja, ... – cidade do ....

3. O A. seguia na E.N. ... e porque os semáforos se encontravam com sinal luminoso vermelho, imobilizou o seu motociclo (..-..-PH) e aguardou que o sinal luminoso passasse a verde.

4. Quando o sinal luminoso passou a verde, o A., que circulava com o capacete colocado, arrancou e, quando já tinha percorrido cerca de 60 metros e estava a chegar à intersecção da E.N. ... com a Avenida ..., sem que nada o fizesse prever, surgiu-lhe o veículo EB, provindo da zona de acesso da Avenida ..., sendo que o seu condutor atravessou o EB na E.N. ..., cortando a linha de marcha ao A..

5. O A., apesar do atravessamento repentino do EB, ainda tentou evitar o embate, todavia, dada a curta distância entre o seu veículo e o ponto de entrada, na via, do EB, foi-lhe impossível evitar a colisão.

6. O embate aconteceu entre a parte frontal do motociclo do A. e a parte lateral esquerda, junto à roda da frente, do EB.

7. O A. ficou imobilizado na faixa onde circulava, mesmo junto ao EB.

8. Tanto o A. como o condutor do EB conhecem, desde há vários anos, o entroncamento onde ocorreu o evento e ambos sabiam que no local onde a dita Avenida ... entronca na E.N. ... existe um sinal de Stop que obriga a parar a quem circula pela Avenida ....

9. Os senhores agentes que estiveram no local do evento a tomar conta da ocorrência registaram medidas, sinalizaram o local provável de embate e outros elementos que julgaram pertinentes e tomaram declarações aos intervenientes, conforme documento 2 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

10. O A. foi assistido no local, inicialmente pelos Bombeiros e, posteriormente, pela viatura VMER.

11. Ainda no local, foi imobilizado (já sem capacete), com colar cervical e plano duro.

12. Porque a sua situação clínica se estava a agravar, foi transportado para o serviço de urgência do Centro Hospitalar ... (CH...), sob perfusão de Midazolem.

13. Deu entrada no Serviço de Urgência às 18h44m58s e, na triagem de Manchester, (efetuada pelo Enfermeiro CC) foi-lhe atribuído a pulseira vermelha (emergente) - situação muito grave (enquadrada como grande traumatismo), conforme documento 3 da PI cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

14. Foi inicialmente avaliado pelo serviço de Medicina Interna, pelo Dr. DD, que fez constar que o AA fez analgesia, morfina e fentanil e, posteriormente, foi avaliado conjuntamente com o serviço de Cirurgia Geral onde lhe foram efectuados um conjunto de meios complementares de diagnóstico e terapêutica (MCDT`s).

15. Foi sujeito a uma intervenção cirúrgica logo após o internamento, de redução fechada da fractura com fixação interna-Fémur Ortopedia, pela seguinte equipa: Cirurgião principal – Dr. EE; Cirurgião Ajudante – Dr. FF e Dr. GG e Anestesista principal – Dra. HH.

16. Esteve internado, tendo tido alta hospitalar no dia 05.10.2018, tendo-lhe sido diagnosticadas, designadamente, as seguintes lesões: fractura de dente superior; fractura apófises transversas de C7 e D1; contusão da glândula SR direita; fractura do corpo da omoplata direita; fractura do 1/3 médio da clavícula esquerda; fractura dos arcos costais direitos (1º, 2º, 4º e 7º); hemopneumotórax esquerdo - drenado a 21.09.2018 e retirado dreno a 25.09.2018; provável contusão da supra renal direita; fractura transtrocantérica do fémur esquerdo (envolvendo o pequeno e o grande troncânter); fractura cominutiva diafisária proximal do fémur esquerdo, com sobreposição dos topos - redução e encavilhamento com vareta Gamma 3, tudo conforme documentos 3 a 5 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

17. Ao longo do internamento, além da referida cirurgia, o A. permaneceu com colar cervical colocado e foi sujeito a tratamentos de enfermagem, nomeadamente colocação de drenos, aspiração e tratamento da ferida cirúrgica, tratamentos esses que foram dolorosos.

18. A partir da data em que teve alta hospitalar permaneceu em casa, praticamente imobilizado e com necessidade de ajuda de terceira pessoa, por ordem médica, até inícios de fevereiro, data em que começou a fazer fisioterapia no CH..., 03 vezes por semana e a ser seguido em Ortopedia pelo Dr. EE.

19. Desde janeiro até agosto de 2019, o AA foi sendo seguido em ortopedia (consulta externa) e efetuou fisioterapia no CH..., e em agosto de 2019 foi informado no CH... de que, pese embora necessitasse de manter tratamento de fisioterapia, teria de o fazer em clínica privada.

20. Desde agosto de 2019, o AA é seguido na Clínica Médica ... S.A., do ..., tendo efetuado fisioterapia 05 vezes por semana, numa primeira fase e, neste momento, encontra-se a fazer fisioterapia 03 vezes por semana – situação de necessidade que deverá manter-se até informação médica em contrário.

21. Após o acidente o A. ficou a padecer das seguintes sequelas: fractura de dente superior (n.º 12); deformidade clavicular visível; cicatrizes ao longo do corpo, mais especificamente duas na zona da anca, de 2 cm e 3 cm (queloides), 3 cm e 1cm no 1/3 distal lateral da coxa, 2 cm na face anterior do joelho; dores no membro superior direito.

22. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 31/12/2019, com défice funcional temporário total de 15 dias, parcial de 452 dias e com repercussão na actividade profissional total de 376 dias e de repercussão na actividade profissional parcial de 91 dias. O quantum doloris é fixado em 4/7, tendo o A. dores que se mantêm; o dano estético é fixado em 2/7; e a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer em 3/7. O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é de 18 pontos, sendo as sequelas impeditivas da actividade profissional habitual, mas compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional, designadamente, como porteiro de edifícios e estafeta.

23. O A. necessita de ajudas técnicas permanentes, tais como, ajudas medicamentosas, tratamentos médicos regulares e observação em consultas médicas, além da possibilidade de nova intervenção cirúrgica para extracção de material de osteossíntese.

24. O AA estava a trabalhar na Bélgica há cerca de 3 anos, sendo que à data do acidente se encontrava a exercer as funções de carpinteiro de cofragem na empresa S... Imobiliária e Construção S.A., a auferir um vencimento 15,2699€/hora e subsídio de alimentação de 26,91€/dia, sendo o vencimento base bruto de 2.646,73€, conforme doc. 06 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (alterado pela Relação, conforme consta da nota de rodapé)2.

25. Em termos líquidos o AA auferia valores médios mensais na ordem dos 2.000€/mês, existindo variações consoante o número de horas que trabalhasse (eliminado pela Relação)3.

26. A entidade patronal disponibilizava casa, suportava todas as despesas com as deslocações internas e ainda pagava viagens a Portugal (de avião) de 03 em 03 meses para os trabalhadores visitarem a família.

27. Desde a data do acidente que o A. não voltou mais a trabalhar e nunca mais poderá voltar a desempenhar a sua profissão de carpinteiro de cofragens.

28. Desde o acidente o A. apenas recebeu 1.095,06€ por se encontrar de baixa pela Segurança Social e, ainda, o montante de 4.000,00€ a título de adiantamento por conta da indemnização por parte da Ré, conforme docs. 7 e 8 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

29. O A. nasceu a 05/02/1977.

30. Antes do acidente o A. praticava, sempre que podia, futsal e nadava, o que deixou de poder fazer, deixando-o deprimido e revoltado.

31. O AA era uma pessoa alegre e bem-disposta e, actualmente, devido às limitações de que ficou a padecer e à baixa autoestima, passou a isolar-se.

32. Passou a sentir dificuldades nas tarefas do dia-a-dia, como seja, a subir e descer escadas.

33. O Autor foi informado pelo médico que não poderá voltar a circular de mota, dado o posicionamento de condução que tal implica, conduzindo veículo automóvel, mas com dificuldades.

34. O Autor, por força do acidente, ainda teve os seguintes danos: a sua moto foi considerada em situação de perda total, tendo a Ré já indemnizado o A. na totalidade por esses danos; o seu capacete ficou destruído, assim como as calças, o casaco de cabedal, este no valor de € 200,00, e o telemóvel (marca Samsung), que lhe tinha custado a quantia de € 227,49, conforme documentos juntos na PI sob os n.ºs 9 e 10, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

35. O A. tem realizado sessões de fisioterapia na Clínica Médica ..., já tendo suportado o valor de € 424,00, conforme documento 11 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

36. Sempre que foi efectuar tratamentos/consultas ao CH... em ..., o A. foi acompanhado por familiares, sendo que a maioria das vezes foi com a sua irmã, II, e tal transporte foi sempre efectuado no seu automóvel, desde a habitação do A. em ..., designadamente para tratamentos de fisioterapia nos seguintes dias, conforme doc. 12 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido: janeiro de 2019 - dias 4, 7, 9, 11, 14, 18, 21 e 28; fevereiro de 2019 - dias 1, 4, 6, 8, 11, 13, 18, 20, 22 e 25; março de 2019 - dias 1, 4, 6, 8, 11, 13, 20, 22, 25, 27 e 29; abril de 2019 - dias 1, 3, 5, 8, 10, 15, 17 e 29; maio de 2019 - dias 3, 6, 8, 13, 15, 17, 20 e 22; junho de 2019 - dias 17, 19, 21, 24, 26 e 28; julho de 2019 - dias 1, 3, 5, 8, 10, 17, 22, 24, 26 e 29; e agosto de 2019 - dias 2, 7, 9 e 12; e para consultas externas nos seguintes dias: 30.01.2019, 27.02.2019, 27.03.2019, 26.04.2019, 24.05.2019, 15.07.2019 e 05.08.2019.

37. Quando o A. passou a efetuar fisioterapia na Clínica Médica ..., em ..., o procedimento foi o mesmo, tendo-se deslocado da sua habitação à Clínica ..., do ..., nos seguintes dias, conforme documento 13 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido: Agosto de 2019 - dia 30; Setembro de 2019 - dias 2, 3, 4, 5, 6, 9, 10, 11, 12, 13, 16, 17, 18, 19, 20, 23, 24, 25, 26, 27, e 30; Outubro de 2019 - dias 1, 2, 3, 4, 7, 8, 9, 10, 11, 14, 15, 16, 17, 18, 21, 22, 23, 24, 25, 28, 29, 30, 31; Novembro de 2019 - dias 4, 5, 6, 7, 8, 11, 12, 13, 14, 15, 18, 19, 20, 21, 22, 25, 26, 27, 28, 29; Dezembro - dias 2,3, 4, 5, 6, 9, 10, 11, 12, 13, 16, 17, 18, 19, 20; Janeiro - dias 6, 8, 10, 13, 15, 17, 20, 22, 24, 27, 29, 31; Fevereiro - 4.

38. O A., por forma a ter acesso à participação do acidente, teve de proceder ao pagamento de uma certidão no montante de €162,00, conforme doc. 14 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

39. O A., entre o período de 08.10.2018 e 08.02.2019 (4 meses), permaneceu em sua casa, contudo, precisou de ajuda de terceira pessoa para as tarefas básicas, como tomar banho, vestir-se, cozinhar, tendo-lhe sido prestado auxílio pela sua irmã II.

40. À data do acidente encontrava-se transmitida para a Ré a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-EB-.., através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º .......95.

41. Quem circula na rua paralela à Avenida ... e para entrar na mesma, tem de usar o mesmo acesso da Avenida ....

42. A velocidade máxima permitida no local é de 50 km/h, sendo o local uma recta com boa visibilidade, e no dia do acidente o tempo estava bom e o piso seco.

43. A ré não apresentou proposta razoável de indemnização4.

44. No âmbito da providência cautelar de arbitramento de reparação provisória que se encontra apensa a estes autos, a R. já adiantou ao A. o valor total de € 10.000,00.

45. O A. tem o 6º ano de escolaridade5.

Factos não provados

A. O A. ficou a claudicar do membro inferior esquerdo.

B. O A. ficou a padecer de um prejuízo sexual de 2/7.

C. Eliminado pela Relação6.

D. O A. está impedido de exercer qualquer profissão da sua área de aptidão, não sendo possível a reconversão profissional.

E. O seu desempenho profissional era de excelência e tinha expectativa de vir a ser promovido a encarregado, o que implicaria passar a auferir um valor hora superior e, consequentemente, a auferir um vencimento mensal líquido superior a 2.500,00€.

F. O veículo automóvel que conduzir terá de ser adaptado, com “mudanças automáticas”, pois o esforço que terá de fazer para inserir as mudanças não é compatível com a força que tem no seu braço direito.

G. A sua irmã deixou de fazer horas de serviço doméstico para lhe prestar auxílio, tendo o A. se comprometido a pagar-lhe a quantia de 350€/mês pela ajuda que esta lhe prestou.

H. O veículo EB circulava na via paralela à Avenida ..., donde provinha para entrar na Avenida ... e não provinha da Avenida ....

I. O sinal de stop de Avenida ... não é visível para quem circula na rua paralela à Avenida ....

J. O condutor do EB antes de entrar na Avenida ... parou o veículo, olhou para a direita e para a esquerda e como não visualizasse trânsito em circulação reiniciou a sua marcha, e quando se encontrava já na referida Avenida, o veículo conduzido pelo A. arrancou em alta velocidade, circulando a mais de 50 km/h.

K. Quando o EB reiniciou a marcha, o PH ainda estava parado nos semáforos, que só chegou, entretanto ao local, devido à sua velocidade.

II.2.1. Recurso de facto (do A).

O A. pretende que a decisão do tribunal da Relação quanto aos pontos 24 e 25 seja revertida à matéria decidida pela primeira instância onde se consignou que:

24. O AA estava a trabalhar na Bélgica há cerca de 3 anos, sendo que à data do acidente se encontrava a exercer as funções de carpinteiro de cofragem na empresa S... Imobiliária e Construção S.A., a auferir um vencimento 15,2699€/hora e subsídio de alimentação de 26,91€/dia, sendo o vencimento base bruto de 2.646,73€, conforme doc. 06 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (alterado pela Relação, conforme consta da nota de rodapé)7.

25. Em termos líquidos o AA auferia valores médios mensais na ordem dos 2.000€/mês, existindo variações consoante o número de horas que trabalhasse (eliminado pela Relação)8.


Por seu turno, no Tribunal da Relação, o facto 25 foi levado aos factos não provados e o facto n.º 24 passou a ter a seguinte redação: “O AA estava a trabalhar na Bélgica há cerca de 3 anos, sendo que à data do acidente se encontrava a exercer as funções de carpinteiro de cofragem na empresa S... Imobiliária e Construção S.A.”.


Como é sabido, da matéria de facto não cabe, em regra, recurso para o STJ.


Ressalvam-se as situações em que estejam “em causa as regras de direito que condicionam a admissibilidade ou estabelecem a força probatória de certo meio de prova”; “as regras de repartição do ónus de prova” ou “o procedimento processual que condiciona a aplicação do artigo 662º CPC”9.


Estas situações delimitam os poderes de cognição do STJ em matéria de facto, ao abrigo do artigo 674º/3 (fundamentos da revista - sobre o erro na apreciação das provas e fixação dos factos materiais), conjugado com o artigo 682º/1 e 2 (termos em que julga o tribunal de revista) e o artigo 662º CPC (modificabilidade da decisão de facto pela Relação).

Este preceito, na parte relevante, diz expressamente que:

1. - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

2. - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
(…).
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta.

(…).

4 – Das decisões da Relação previstas nos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.


Na doutrina, na esteira do que ensina Abrantes Geraldes: “ao STJ, em regra, apenas está cometida a reapreciação de «questões de direito» (art. 682º, n.º 1), assim se distinguindo das instâncias encarregadas também da delimitação da matéria de facto e da modificabilidade da decisão sobre tal matéria. A sua intervenção na decisão da matéria de facto está limitada aos casos previstos nos art.s 674º, n.º 3 e 682º, n.º 3, o que exclui a possibilidade de interferir no juízo da Relação sustentado na reapreciação de meios de prova sujeitos ao «princípio da livre apreciação», como são os depoimentos testemunhais e documentos sem força probatória plena ou o uso de presunções judiciais. Não está, porém, vedado legalmente ao Supremo verificar se o uso de presunções judiciais pelo Tribunal da Relação ofende qualquer norma legal, se padece de alguma ilogicidade ou se parte de factos não provados”10.


Neste âmbito, este autor refere, ainda, que: “a) Se forem desconsiderados factos que se mostrem necessários para constituir base suficiente para a decisão de direito, o Supremo pode determinar a baixa do processo para o efeito, nos termos do art. 682º, n.º 3.


b) O Supremo pode intervir quando, na circunscrição dos factos provados ou não provados, as instâncias tenham desatendido disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova («maxime», documento legalmente necessário para a prova de certo facto) ou tenham desconsiderado disposição igualmente expressa que defina a força de determinado meio de prova (art.º 674, n.º 3), como ocorre com documentos autênticos, com a confissão ou com o acordo das partes estabelecido no processo e que seja relevante.


c) O Supremo reiteradamente vem assumindo o entendimento de que, embora não possa censurar o uso feito pela Relação dos poderes conferidos pelo art. 662, n.ºs 1 e 2, já «pode verificar» se a Relação, ao usar tais poderes, agiu dentro dos limites traçados pela lei para os exercer. Por isso, quando no âmbito da revista tal questão seja suscitada, se constate o incumprimento dos deveres legais nessa área, o processo deve ser remetido à Relação, a fim de lhes ser dado cumprimento”11.


Vejamos.


A matéria sob crítica respeita ao salário auferido pelo A., ao tempo do acidente.


No seu juízo probatório, a Relação ponderou a “declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, da norma contida no n.º 7 do artigo 64.º do SORCA”, por se entender estar fora de causa que “ao autor apenas seja permitido provar os rendimentos do trabalho com base na declaração de IRS.


A Relação ponderou, ainda, que: “foi produzida prova, para além das declarações de IRS, decisivamente, com os recibos de vencimento, desprezando, aqui a prova testemunhal.


E a prova documental é, irremediavelmente, contraditória e não conciliável entre si.


Prova documental atinente, invariavelmente, a documentos particulares, cfr. artigos 369.º e 373.º/1 CCivil”. Acrescentou que as declarações que aqui favorecem o A., não constituem qualquer declaração confessória até porque foram efetuadas pela R. que é um terceiro.


Concluiu no sentido de que “Está fora de causa a possibilidade de os aludidos documentos estarem dotados de força probatória plena contra a ré”.


Por seu turno, o recorrente assume que: “É verdade que existe desconformidade entre aquilo que consta nas declarações de rendimento e na Segurança Social, mas isso não justifica que se desconsiderem os recibos juntos – recibos que apenas espelham aquilo que é a prática habitual” E acrescenta que: “Desconsiderar os recibos e a prova testemunhal (nomeadamente o depoimento do colega de trabalho) por causa das declarações de rendimentos é, de certa forma, contornar o que veio estabelecido no Ac. TC 221/2019, de 13.05, e violar, sem necessidade e de forma até algo com alguma desumanidade, o princípio da tutela jurisdicional efetiva, na vertente da garantia de um processo equitativo, consagrada no art. 20.º, n.º 4, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, ambos da CRP, e do direito à justa reparação dos danos, decorrente do art. 2.º da CRP - inconstitucionalidade que ora se invoca. Tal violação deveria levar a que se considerasse como provados os factos 24 e 25 da sentença”.


Como se vê, não está em causa a admissibilidade ou a força probatória de um meio de prova de valor tabelado. Não têm essa categoria os recibos de vencimento, as declarações de IRS e, bem assim, os depoimentos das testemunhas ouvidas, aqui em questão. Não está em causa qualquer meio de prova a que possa ser atribuído valor de declaração confessória para efeitos do artigo 358º CC.


Acresce que o caráter inconciliável dos meios de prova não pode ser confundido com a contradição entre factos.


Ao invés, como se vê do texto transcrito, o A. coloca em questão a valoração pela Relação sobre os meios de prova sujeitos à livre apreciação do tribunal (prova testemunhal e por documentos particulares, sem valor fixado por lei), não se detetando qualquer conexão que pusesse em perigo o princípio da tutela jurisdicional efetiva.


Relativamente ao alegado uso incorreto dos poderes da Relação em matéria de decisão de facto (artigo 662º CPC), o STJ tem poderes para conhecer do recurso de facto quando: “sejam suscitadas questões relacionadas com o modo como a Relação aplicou as normas de direito adjetivo conexas com a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, «maxime» quando seja invocado pelo recorrente o incumprimento de deveres previstos no art. 662º “.


Neste âmbito o aqui A. sustenta que: “12ª (…) o TRP tendo ficado, como ficou, com dúvidas acerca da retribuição do A., não só poderia, como, aliás e inclusive, até deveria ter ordenado a remessa dos autos à 1ª instância para, em abono da verdade material, se esclarecerem tais questões. 13ª Não tendo atuado da forma suprarreferida, o TRP violou um autónomo poder-dever de indagação oficiosa, ao qual está vinculado, violando o citado artigo [411º CPC] e um dos princípios orientadores da reforma do CPC – o princípio do inquisitório – sendo que semelhante atuação consubstancia nulidade – que ora se invoca. 14ª Repete-se que se o TRP entendia que as provas eram inconciliáveis (do que discordamos), deveria ordenar a baixa do processo para a primeira instância para que tal facto fosse esclarecido em prol da descoberta da verdade material (art. 662º, nº 2, al. c) do CPC) - trata-se de um poder-dever!”


É de notar que a Relação, ao contrário de uma abordagem superficial, foi bastante clara e circunstanciada na ponderação dos meios de prova e na valoração dos mesmos para fundar a manutenção/alteração dos factos.


Em particular, ponderou os meios de prova sobre os factos 24 e 25 (emitindo um juízo de eliminação do ponto 25 dos factos provados e de redução do conteúdo do facto 24 fixado pela primeira instância).


Ora, à luz das citadas premissas normativas, a crítica do recorrente exprime não um incorreto uso dos poderes/deveres, relativos à modificabilidade da decisão de facto, mas a mera discordância relativamente ao resultado obtido pela Relação. Não só não vem identificado qualquer dos vícios (deficiência, obscuridade ou contradição sobre factos) que impusessem a anulação da decisão na parte afetada como também nada vem alegado que motive legalmente a ampliação da matéria de facto. Isso naturalmente jamais poderia servir de pretexto para fundar uma segunda oportunidade de prova.


Não se vê, pois, que tenha sido violada qualquer norma processual conexa com o exercício dos poderes cometidos à Relação pelo artigo 662º, maxime o artigo 411º CPC.


Nada vem demonstrado no sentido do mau uso daqueles poderes legais, ou na violação do citado preceito pela Relação 12. Não podendo, deste modo, proceder a nulidade associada à violação do princípio do inquisitório.


Por fim, o A. invoca a violação: “do art. 20.º, n.º 4, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, ambos da CRP, e do direito à justa reparação dos danos, decorrente do art. 2.º da CRP - inconstitucionalidade que ora se invoca, para daí retirar que tal violação deveria levar a que se considerassem como provados os factos 24 e 25 da sentença”.


Baseia esta afirmação no entendimento de que: “Desconsiderar os recibos e a prova testemunhal (nomeadamente o depoimento do colega de trabalho) por causa das declarações de rendimentos é, de certa forma, contornar o que veio estabelecido no Ac. TC 221/2019, de 13.05, e violar (…) o princípio da tutela jurisdicional efetiva, na vertente da garantia de um processo equitativo”.


Percorrendo o Ac. TC convocado pelo recorrente verificamos que ali se: “Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República em matéria de direitos, liberdades e garantias prevista no artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, da norma constante no n.º 7 do artigo 64.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 153/2008, de 6 de agosto, segundo a qual, nas ações destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado, no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao mesmo, o tribunal apenas pode valorar os rendimentos líquidos auferidos à data do acidente, que se encontrem fiscalmente comprovados, após cumprimento das obrigações declarativas legalmente fixadas para tal período”13.


Ora, no presente caso, como anteriormente se viu do excerto transcrito, a Relação afastou-se do entendimento que suscitou o juízo de inconstitucionalidade formulado pelo Acórdão do TC: muito pelo contrário, teve em consideração o citado aresto.


Por isso, entendemos não estar devidamente identificado e não demonstrado o alegado vício de inconstitucionalidade.


Em suma: a pretensão do A. sobre a matéria de facto excede os poderes de cognição deste Supremo Tribunal, pelo que dela não se pode tomar conhecimento.


II.2.2. Apreciando


Uma vez que as questões suscitadas no recurso subordinado (da R.) versam sobre questões que foram objeto do recurso independente (do A.), conhecer-se-á em simultâneo das questões suscitadas em ambos os recursos.


Recorda-se que cumpre resolver: a questão do valor da indemnização, cabendo aqui determinar se: (a) a Relação efetuou por lapso uma dupla dedução no que às perdas salariais diz respeito, lapso que deve ser retificado; (b) é de somar ao salário mínimo belga o subsídio de alimentação mínimo belga (7,30€/dia x 22 x 11); (c) a fórmula de cálculo do quantitativo fixado a título de dano patrimonial futuro/dano biológico deve seguir o estabelecido na LAT; (d) mesmo que se entenda de modo diferente, deve ser ponderado o facto de o A. padecer de IPATH (o que implica uma majoração) e se (e) se justifica a condenação da R. no dobro da taxa de juro.


II.2.2.1. Quanto à questão do valor da indemnização


Quanto ao alegado lapso


O A. alega que a Relação efetuou por lapso uma dupla dedução no que às perdas salariais diz respeito, lapso que deve ser retificado.


A este propósito, o A. refere expressamente que: “Por sua vez, o TRP a este respeito referiu o seguinte:


Ora, na sequência da apontada alteração à matéria de facto, caindo o salário mensal de € 2.000,00, resta-nos o salário mínimo da Bélgica, pelo que a apontada operação deve ser feita com tal parcela. Assim, ao valor de € 23.439,00/€ 1.562,60x15 meses) que o autor deixou de auferir há que descontar o valor que recebeu a título de subsídio por doença, €1.095,06 e € 4.000,00 de adiantamentos da ré, tendo ainda a receber da R. o valor de €18.343,94 […].


E, assim, em conformidade a alínea a) do dispositivo passará a ter a seguinte redacção:


a) a título de danos patrimoniais a quantia global de € 16.120,19, valor obtido após a compensação que se efectua [pelos valores já recebidos] da condenação global em € 21.215,25, acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.


O A. entende deve corrigir-se o lapso e que o que deve passar a constar é que:


a) a título de danos patrimoniais a quantia global de € 18.343,94, valor obtido após a compensação que se efectua [pelos valores já recebidos] da condenação global em € 23.439,00, acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento”.


A R., não se opôs a esta pretensão.


Afigura-se-nos que neste aspeto assiste razão ao A., como resulta dos próprios termos do acórdão.


No entendimento de que prevalece o cálculo com base no salário ficcionado de €1.562,60 x15 meses, o total cifra-se em €23.439. Deduzindo a este valor a soma dos valores adiantados, no montante de 5.095,06, obtém-se, de facto, um produto da ordem dos €18.343,94.


Assim, sem prejuízo do que for de salvaguardar, é de corrigir a al. a) do dispositivo do acórdão, nos seguintes termos:


a) a título de danos patrimoniais a quantia global de € €18.343,94, valor obtido após a compensação que se efetua [pelos valores já recebidos] da condenação global em € €23.439.


Quanto ao cálculo da indemnização pelo dano patrimonial futuro/dano biológico


O A. critica o cálculo da indemnização pelo dano patrimonial futuro/dano biológico, que considera violar os artigos 562º, 564º e 566º e, bem assim, o art. 8º, todos do C.C.. para tanto baseia-se na ponderação de três parâmetros: integração no cálculo do subsídio mínimo de alimentação na Bélgica; a utilização da fórmula da LAT; em via subsidiária, se cumpre proceder à integração da IPATH, enquanto fator de majoração do valor da indemnização.


Por seu turno, no recurso subordinado, a R sustenta que a indemnização por perda da capacidade de ganho deve ser reduzida.


Importa ter presente que para calcular a perda de ganho prevalece a designada teoria da diferença que conduz ao cálculo da "diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos" (artigo 566º /2 CC).


Além disso, o critério fundamental de fixação da indemnização é a equidade (artigo 566º/3 CC). A este propósito, tem-se defendido na Jurisprudência que: “(cfr., por exemplo, o acórdão de 28 de Outubro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. n0272/06.7TBMTR.Pl .SI, em parte por remissão para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, www.dgsi.pt, proc. no 3812002.Sl), "a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito» ' se é chamado a pronunciar-se sobre "o cálculo da indemnização " que "haja assentado decisivamente em juízos de equidade ", não lhe "compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio» ". Cfr. ainda os acórdãos de 10 de Outubro de 2012, www.dgsi.pt, proc. 643/2001.G1.Sl ou de 21 de Fevereiro de 2013, www.dgsi.pt, proc.nº2044/06.OTJVNF.P1.S1;


- A utilização de critérios de equidade não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade. A prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso (acórdão de 22 de Janeiro de 2009, proc. 07B4242, www.dgsi.pt).


Ainda na delimitação dos parâmetros da indemnização, este Supremo Tribunal entendeu que: «os danos futuros decorrentes de uma lesão fisica "não [se] reduzem à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física) por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução (cfr. também os acórdãos deste Supremo. Tribunal de 28 de Outubro de 1999, proc. no 99B717, e de 25 de Junho de 2002, proc. no 02A1321, disponíveis em www.dgsi.pt).» acórdão de 30 de Outubro de 2008 (www.dgsi.pt proc. n o 07B2978) e a perda de rendimento que dela resulte, ou a necessidade de um acréscimo de esforço para a evitar (cfr. o acórdão de 20 de Outubro de 2011 (www.dgsi.pt, proc. n.º 428/07,5TBFAF. GI-SI)”14.


Atendendo aos termos do debate nestes autos, importa lembrar que a jurisprudência tem sustentado que as fórmulas matemáticas não constituem o critério determinante do cálculo da indemnização, mas “mero instrumento de trabalho, com função adjuvante da avaliação equitativa”.


Cumpre ainda ter em conta que: o “juízo de equidade” das instâncias deve ser mantido salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade, isto é, se o critério adotado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adotados, numa jurisprudência evolutiva e atualística”15.


Recordados estes contornos, vejamos então o caso em apreço.


Quanto à questão de saber se é de somar, ao salário mínimo belga, o subsídio de alimentação mínimo belga (7,30€/dia x 22 x 11)


Na Petição Inicial, o A. alegou a este propósito que auferia “(…) subsídio de alimentação de €26,91” (artigo 34º).


Sucede que o que se mostra assente no ponto 24 dos factos provados não revela que o A. recebesse subsídio de refeição que, à luz quer do ordenamento belga quer do português, não constitui uma componente necessária da retribuição, nem vem alegada a existência de convenção coletiva que o impusesse neste caso16. O seu recebimento teria, pois, de ser demonstrado, o que, patentemente, não foi o caso.


Em bom rigor, tudo leva a crer que o A. estava vinculado por um contrato de trabalho transnacional (por envolver a prestação de trabalho de um trabalhador português na Bélgica – n.º 24 dos factos), o que tornaria curial aferir da lei aplicável para determinar, com precisão, a concreta estrutura da retribuição do A.. Na realidade, a estrutura da retribuição é variável, tendo uma componente de retribuição base, a qual tem de integrar, pelo menos, o mínimo legal estabelecido por lei ou CCT.


A ela podem acrescer outros valores fixos ou variáveis, entre os quais o subsídio de alimentação. Todavia, como é da experiência comum, nem todas as empresas efetuam o pagamento de quantias a este título. Como tal, tem de ser demonstrado que essa prestação foi convencionada.


No presente caso, constata-se que não foi junta a lei belga aplicável, sabido que na Bélgica, em regra, em matéria de salário mínimo, prevalecem os CCT (Convenções Coletivas de Trabalho)17. Porém, não seria útil ou sequer adequado determinar a respetiva junção, porquanto, nada se provou acerca dos elementos de facto reveladores de ter sido convencionada ou de estar a ser paga ao A. habitualmente essa parcela, o que retiraria sentido útil àquela diligência.


Assim, não é legítimo ficcionar sequer o valor mínimo do subsídio de alimentação, para efeitos do cálculo da indemnização como pretende o A..


Deste modo improcede, neste particular a pretensão do A..


Quanto à pretendida utilização do que se estabelece na LAT para encontrar a fórmula de cálculo da indemnização por dano patrimonial futuro/dano biológico


O A. invoca a este propósito que: “ (…) No recurso para Relação peticionou o aumento do quantum indemnizatório, pedindo a consideração pelo critério fixado na LAT, como critério base, para o cálculo da indemnização. O TRP nada disse a propósito dessa (…) alegação fundada, aliás, na sua efetiva utilização em situações exatamente iguais a estas, apenas com a particularidade adicional de não consubstanciarem, igualmente e também, acidente de trabalho. Existe, por isso, omissão de pronúncia que gera nulidade”.


No recurso subordinado, naturalmente, a R. opôs-se.


Importa recordar que a equidade é o critério legal para determinar a indemnização por danos patrimoniais futuros (artigo 566/3 CC).


As fórmulas matemáticas, como é sabido, têm uma ponderação na determinação do montante da indemnização a fim de evitar, nomeadamente, cálculos tão díspares que se convertam em desigualdades.


Independentemente da aferição do critério para cálculo da indemnização, neste caso não se compreende a pretensão de aplicação da LAT (tout court), quando é certo que é o próprio A. que afirma na conclusão 23ª da apelação que: “O presente acidente não consubstanciou acidente de trabalho. É consabido que o seguro obrigatório aqui em apreço tem uma cobertura mais abrangente do que o seguro de acidentes de trabalho”.


Aliás, a construção do raciocínio do A. na mesma peça processual é feita no condicional, como patentemente resulta das conclusões 28ª a 30ª.


Ora, sendo o próprio A. a admitir que não estamos perante um acidente de trabalho, não se deteta a que título seria legítima a aplicação da fórmula estrita que decorre da LAT que se destina: “à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho18 e doenças profissionais”, tudo isto, naturalmente, sem prejuízo do critério para cálculo da indemnização.


Com efeito, a legislação em matéria de acidentes de trabalho tem caráter especial, sendo aplicável diretamente aos casos em que, em geral, cumpra determinar a indemnização por danos derivados de acidente laboral, mas não também aos casos de acidente de viação (que não sejam também de trabalho), sem prejuízo do que tiver de ser ponderado em função das circunstâncias concretas do caso.


O A. defende a aplicação analógica da LAT, mas em matéria de direito civil não há qualquer vazio normativo que a justificasse.


O cálculo previsto na LAT supõe a aplicação da nova Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais19 prevista pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, o qual aprovou também a Tabela Indicativa para a Avaliação da Incapacidade em Direito Civil20.

Portanto, pelo menos pela diferença entre as tabelas aplicáveis não seria rigoroso adotar o cálculo de harmonia com a LAT (cf. nomeadamente o artigo 48º).


A este propósito o A. convoca jurisprudência deste tribunal para sustentar a sua pretensão.


Todavia, numa brevíssima síntese no que toca à jurisprudência deste Tribunal, verifica-se que o que estava em causa era coisa diversa do pretendido pelo A.: numa das situações, o evento lesivo revestia-se simultaneamente da natureza laboral e civil”; noutra, o que se discutia era o próprio conceito de retribuição21. De qualquer modo, sem alusão propriamente à adoção de uma fórmula consentânea com a LAT.


Ora, neste caso, é o próprio A. a excluir, na sua alegação, a natureza laboral do acidente.


Sucede que, no acórdão recorrido, o TRP tomou em consideração nomeadamente que: “sabendo que as tabelas matemáticas usadas para apurar a indemnização, têm um mero carácter indicativo, não substituindo, de modo algum, o recurso à equidade, utilizando a usual e básica tabela - € 1.562,60 x 14 meses x 37 anos x 0,19 = € 153.791,09, encontramos uma orientação para o cálculo do montante indemnizatório pela reparação da perda da capacidade aquisitiva futura, a apreciar segundo um juízo de equidade”.


Quer isto dizer que foi apreciada a questão do quantum indemnizeatur recorrendo ao cálculo tido por adequado, não tendo sido adotado qualquer outro, pelo que há que considerar implicitamente afastado o critério que decorre da LAT.


Por conseguinte, não se identifica a invocada nulidade, limitando-se o A. recorrente a apontar uma razão de mera divergência.


Em via subsidiária,

Quanto à questão de saber se deve ser ponderado o facto de o A. padecer de IPATH (a implicar majoração)

O A. entende que lhe assiste o direito à bonificação de 1.5% pelo facto de padecer de IPATH (não mais poder exercer a sua profissão habitual).


Sucede que, nos cálculos efetuados pela Relação foi tido em conta a IPATH fixada ao A., pois do acórdão sob crítica colhe-se a este propósito, nomeadamente, que:


“Com efeito, a IPATH, reportada a carpinteiro de cofragens na área da construção civil, de que ficou a padecer não abrange toda e qualquer outra profissão da sua área de aptidão. E, por outro lado, nunca ninguém afirmou – nem o autor o invoca - não ser possível a sua reconversão profissional. Donde não se pode julgar como provado, nem que o autor está impedido de exercer outra profissão na área da sua aptidão, nem que não é possível a sua reconversão profissional .“


Acrescentou-se que: “ficou com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) o que consubstancia um caso em que o autor não é reconvertível em relação ao seu posto de trabalho; do ponto de vista funcional poderá, em teoria, vir a desempenhar profissões como estafeta ou porteiro (mas sem grande exigência física!) - sendo aconselhado plano de reabilitação e reintegração profissional; “.


E na valoração o Tribunal da Relação enfatizou que: “Na decisão recorrida apesar de se encontrar enunciada a questão da conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do autor, bem como, o facto de poder exercer outras actividades compatíveis com a sua área técnica de preparação (o equivalente a uma reconversão), o certo é que não se atentou nos seguintes parâmetros.


Por um lado, o exercício de outras actividades, em “reconversão”, ainda que possíveis, e já de si limitativas, pressupõem que sejam adequadas e compatíveis com as limitações físicas que o autor apresenta, quer, num dos membros superiores, quer num dos inferiores.


Actividades, que, em tais condições, não se apresentam fáceis de encontrar/contratualizar, mesmo depois de cumprido o plano de reabilitação e reintegração profissional.


Isto é, as apontadas sequelas e o fixado défice funcional conduzem a uma clara perda de chance ou de oportunidades profissionais, frustrando ou limitando fortemente o leque de escolha das suas opções de atividades profissionais a desempenhar no futuro.


Da mesma forma, não foi valorada a questão atinente com o dano biológico-evento, traduzido na lesão à integridade físico-psíquica, à saúde da pessoa em si, com repercussão negativa, a implicar esforços suplementares na vida corrente.


Assim, verificando-se uma falha na ponderação dos contornos do caso concreto, considera-se mais adequada à real situação do autor, a fixação da indemnização num patamar superior - ainda que não pelos fundamentos por si aduzidos - fixando-se o valor da indemnização total a título de danos futuros, lucros cessantes, englobando o dano biológico evento e consequência, no equivalente a € 220.000,00, que, cremos, num juízo prudencial e casuístico, melhor se adequa.


Este valor insere-se dentro do arco consentido pela margem de discricionariedade que o recurso à equidade legitima”.


Fica, assim, patente que o Tribunal da Relação na ponderação que fez do valor da indemnização, elevando de modo significativo o valor que havia sido fixado pela primeira instância (em €70.000), teve em mente a IPATH (incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual).


O A. convoca a seu favor a jurisprudência deste Tribunal, plasmada no Ac. STJ de 22.10.2009, 3138/06.7TBMTS.P1.S1.


Sucede que neste aresto entendeu-se que: “No caso de perda total da capacidade de trabalho para o exercício da profissão habitual, há, pois, que calcular o montante que o lesado deixou e vai deixar de auferir até ao fim presumível da vida activa. Decerto que não podemos fazer imediatamente corresponder esse montante ao da indemnização. Pode dar-se o caso de o lesado, a nível geral, ter apenas uma incapacidade parcial e, consequentemente, ter possibilidade de auferir alguns proventos noutra actividade (o que aqui pouco releva porque não se demonstrou essa possibilidade de reconversão – cfr-se, a este propósito, em www.dgsi.pt, os Ac.s deste Tribunal de 11.12.2003, 25.09.2007 e 23.10.2008); e o próprio fim da vida activa não deixa de corresponder a uma previsão, porquanto tanto pode vir a ter lugar antes, como depois, da idade, de 70 anos, que, ultimamente, este Tribunal vem tomando como referência (vejam-se, no referido sítio, os Acórdãos de 31-3-2004, 15-3-2005, 7.4.2005, 9-6-2005, 14-6-2005, 19-12-2006, de 72-2-2008 e 30.6.2009). Além disso, outros factores correctivos há a ter em conta como o do recebimento antecipado de todo o montante, este particularmente relevante, já que, por regra, o dinheiro vai produzindo rendimento real (…)”.


Porém, não se deteta que os critérios explanados pela Relação se afastem daquele entendimento.


O recorrente convoca o artigo 13º da CRP, mas sem demonstrar propriamente em que se traduz o vício de inconstitucionalidade.


Como quer que seja e porque o princípio da igualdade pode, de facto, ter uma projeção crítica quando se recorre – como é necessariamente o caso – ao critério da equidade, naturalmente que tem de se lançar mão da evolução da jurisprudência em casos congéneres.


Neste âmbito debruçou-se o STJ por diversas vezes, nomeadamente, nos seguintes arestos: Ac. STJ 2.6.2016 na revista n.º 2603/10 (em que estava em causa um défice funcional da ordem dos 18%, com um quantum doloris de 5/7, e um dano estético de 2/7, em que a indemnização fixada foi da ordem dos €150.000); Ac STJ de 10.12.2019, na Revista n.º 32/14 (em que estava em causa um défice funcional da ordem dos 19% e um vencimento de € € 900, tendo sido fixada uma indemnização no montante de €90.000); Ac. STJ 28.5.2015, na revista n.º 3654/07, com um salário de €1.000, tendo sido fixada incapacidade para a profissão habitual, a indemnização fixada ascendeu a €155.000); Ac. STJ de 11.5.2022, na revista n.º 3028/17, ( défice funcional de 18%, um quantum doloris de 5/7; e um vencimento € 2.700, foi fixada uma indemnização de €110.000). Por sua vez, o Ac. STJ de 19.05.2020, na revista n.º 376/15 (numa situação em que o lesado, mecânico de profissão, tinha 33 anos e ao qual foi fixado um défice funcional da ordem dos 25%, foi fixada uma indemnização da ordem dos €252.000).


Ora, o valor encontrado pela Relação face aos apontados dados de facto, inscreve-se perfeitamente nos contornos delimitados pela jurisprudência corrente deste tribunal pelo que não se demonstra qualquer desvio das regras da equidade e da sua projeção no princípio da igualdade.

Quanto à questão da pretendida condenação da R. no dobro da taxa de juro (por alegado incumprimento pela R. dos citados artigos 36º, 37º, 38º e 39º do DL 291/2007).

A título prévio, dir-se-á que a sentença de primeira instância decidiu no sentido de que: “Dados os factos provados e não provados, verifica-se que nenhuma negligência se provou em relação à R. na condução do processo extrajudicial de tentativa de conciliação, tendo diligenciado para o efeito (facto 43º), apesar de ter tido dúvidas quanto à responsabilidade e à incapacidade. Razão pela qual os juros a atribuir serão fixados apenas à taxa legal, sem direito a qualquer outra indemnização.


Logo, tem o A. direito a juros legais vincendos a contar desde a data de citação, relativamente aos danos patrimoniais (sem necessidade de qualquer outra actualização, tendo em conta a data do acidente e da citação, começando a partir de então a contar os respectivos juros)”.


Por seu turno, o acórdão recorrido, nesta matéria alterou o n.º 43º dos factos no sentido de que “A ré não apresentou proposta razoável de indemnização”.


Ora, verificamos, pois, que o suporte factual de ambas as decisões não é o mesmo, pelo que a questão da dupla conforme não seria equacionável.


Vejamos então a questão colocada,


O A. entende que a R. nunca formalizou em que medida assumia o sinistro, mas praticou atos que demonstram inequivocamente que o assumiu, como sejam o pagamento integral do motociclo do A. e, posteriormente, o adiantamento de 4.000€ + 10.000€. Não só não informou em que medida é que assumia o sinistro (art. 36º e 37º do DL 291/2007), como também não efetuou qualquer proposta razoável (38º do DL 291/2007), ou seja, a R. incumpriu duplamente. E conclui que a R. incumpriu os citados artigos 36º, 37º e 38º do DL 291/2007, devendo, por isso, ser condenada no dobro da taxa de juro.


Diga-se de passagem que a R.22, no recurso subordinado não levou em linha de conta a alteração ao facto n.º 43, ao afirmar que: nenhuma negligência se provou em relação à R. na condução do processo extrajudicial de tentativa de conciliação, tendo diligenciado para o efeito (facto 43º), apesar de ter tido dúvidas quanto à responsabilidade e à incapacidade. Razão pela qual os juros a atribuir serão fixados apenas à taxa legal, sem direito a qualquer outra indemnização”.


Na verdade, importa ter em atenção que o ponto 43º dos factos, na Relação, passou a ter a seguinte redação: “A ré não apresentou proposta razoável de indemnização”, substituindo, assim o facto original que tinha a seguinte redação: “A R. iniciou conversações extrajudiciais com o A., tendentes à resolução extrajudicial do litígio, que não lograram obter sucesso”.


O quadro normativo que importa ter presente centra-se em torno dos artigos 36º a 39º do DL 291/2007, de 21.08 (vulgo SORCA)23.


O artigo 36º/1/e) (epígrafe: Diligência e prontidão da empresa de seguros) prescreve:


1 - Sempre que lhe seja comunicada pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo terceiro lesado a ocorrência de um sinistro automóvel coberto por um contrato de seguro, a empresa de seguros deve:


a) Proceder ao primeiro contacto com o tomador do seguro, com o segurado ou com o terceiro lesado no prazo de dois dias úteis, marcando as peritagens que devam ter lugar;


b) Concluir as peritagens no prazo dos oito dias úteis seguintes ao fim do prazo mencionado na alínea anterior;


c) Em caso de necessidade de desmontagem, o tomador do seguro e o segurado ou o terceiro lesado devem ser notificados da data da conclusão das peritagens, as quais devem ser concluídas no prazo máximo dos 12 dias úteis seguintes ao fim do prazo mencionado na alínea a);


d) Disponibilizar os relatórios das peritagens no prazo dos quatro dias úteis após a conclusão destas, bem como dos relatórios de averiguação indispensáveis à sua compreensão;


e) Comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de 30 dias úteis, a contar do termo do prazo fixado na alínea a), informando desse facto o tomador do seguro ou o segurado e o terceiro lesado, por escrito ou por documento electrónico;


f) Na comunicação referida na alínea anterior, a empresa de seguros deve mencionar, ainda, que o proprietário do veículo tem a possibilidade de dar ordem de reparação, caso esta deva ter lugar, assumindo este o custo da reparação até ao apuramento das responsabilidades pela empresa de seguros e na medida desse apuramento.


2 - Se a empresa de seguros não detiver a direcção efectiva da reparação, os prazos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior contam-se a partir do dia em que existe disponibilidade da oficina e autorização do proprietário do veículo.


3 - Existe direcção efectiva da reparação por parte da empresa de seguros quando a oficina onde é realizada a peritagem é indicada pela empresa de seguros e é aceite pelo lesado.


4 - Nos casos em que a empresa de seguros entenda dever assumir a responsabilidade, contrariando a declaração da participação de sinistro na qual o tomador do seguro ou o segurado não se considera responsável pelo mesmo, estes podem apresentar, no prazo de cinco dias úteis a contar a partir da comunicação a que se refere a alínea e) do n.º 1, as informações que entenderem convenientes para uma melhor apreciação do sinistro.


5 - A decisão final da empresa de seguros relativa à situação descrita no número anterior deve ser comunicada, por escrito ou por documento electrónico, ao tomador do seguro ou ao segurado, no prazo de dois dias úteis após a apresentação por estes das informações aí mencionadas.


6 - Os prazos referidos nas alíneas b) a e) do n.º 1:


a) São reduzidos a metade havendo declaração amigável de acidente automóvel;


b) Duplicam aquando da ocorrência de factores climatéricos excepcionais ou da ocorrência de um número de acidentes excepcionalmente elevado em simultâneo.


7 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, a empresa de seguros deve proporcionar ao tomador do seguro ou ao segurado e ao terceiro lesado informação regular sobre o andamento do processo de regularização do sinistro.


8 - Os prazos previstos no presente artigo suspendem-se nas situações em que a empresa de seguros se encontre a levar a cabo uma investigação por suspeita fundamentada de fraude.


O artigo 37.º (epígrafe: diligência e prontidão da empresa de seguros na regularização dos sinistros que envolvam danos corporais) dispõe:

1- Sempre que lhe seja comunicada pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo terceiro lesado a ocorrência de um sinistro automóvel coberto por um contrato de seguro e que envolva danos corporais, a empresa de seguros deve, relativamente à regularização dos danos corporais:

a) Informar o lesado se entende necessário proceder a exame de avaliação do dano corporal por perito médico designado pela empresa de seguros, num prazo não superior a 20 dias a contar do pedido de indemnização por ele efectuado, ou no prazo de 60 dias a contar da data da comunicação do sinistro, caso o pedido indemnizatório não tenha ainda sido efectuado;

b) Disponibilizar ao lesado o exame de avaliação do dano corporal previsto na alínea anterior no prazo máximo de 10 dias a contar da data da sua recepção, bem como dos relatórios de averiguação indispensáveis à sua compreensão;

c) Comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de 45 dias, a contar da data do pedido de indemnização, caso tenha entretanto sido emitido o relatório de alta clínica e o dano seja totalmente quantificável, informando daquele facto o tomador do seguro ou o segurado e o terceiro lesado, por escrito ou por documento electrónico.

2 - Sempre que, no prazo previsto na alínea c) do número anterior, não seja emitido o relatório de alta clínica ou o dano não seja totalmente quantificável:

a) A assunção da responsabilidade aí prevista assume a forma de «proposta provisória», em que nomeia especificamente os montantes relativos a despesas já havidas e ao prejuízo resultante de períodos de incapacidade temporária já decorridos;

b) se a proposta prevista na alínea anterior tiver sido aceite, a empresa de seguros deve efectuar a assunção da responsabilidade consolidada no prazo de 15 dias a contar da data do conhecimento pela empresa de seguros do relatório de alta clínica, ou da data a partir da qual o dano deva considerar-se como totalmente quantificável, se posterior.

3 - À regularização dos danos corporais é aplicável o previsto no artigo anterior no que não se encontre fixado no presente artigo, contando-se os prazos aí previstos a partir da data da apresentação do pedido de indemnização pelo terceiro lesado, sem prejuízo da aplicação da alínea b) do n.º 6 desse artigo ter como limite máximo 90 dias.

4 - Relativamente à regularização dos danos materiais sofridos por lesado a quem o sinistro haja igualmente causado danos corporais, a aplicação do previsto no artigo anterior nos prazos aí previstos requer a sua autorização, que lhe deve ser devidamente enquadrada e solicitada pela empresa de seguros.

5 - Não ocorrendo a autorização prevista no número anterior, a empresa de seguros diligencia de novo no sentido aí previsto passados 30 dias de ter tomado conhecimento do sinistro sem que entretanto lhe tenha sido apresentado pedido de indemnização pelo lesado, podendo todavia este opor-se de novo à aplicação então dos prazos em causa.

O artigo 38.º (epígrafe: Proposta razoável), estatui:

1 - A posição prevista na alínea e) do n.º 1 ou no n.º 5 do artigo 36.º consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte.

2 - Em caso de incumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas no número anterior, quando revistam a forma dele constante, são devidos juros no dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso sobre o montante da indemnização fixado pelo tribunal ou, em alternativa, sobre o montante da indemnização proposto para além do prazo pela empresa de seguros, que seja aceite pelo lesado, e a partir do fim desse prazo.

3 - Se o montante proposto nos termos da proposta razoável for manifestamente insuficiente, são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1 até à data da decisão judicial ou até à data estabelecida na decisão judicial.

4 - Para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por proposta razoável aquela que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado.

O artigo 39.º (epígrafe: Proposta razoável para regularização dos sinistros que envolvam danos corporais) estabelece:

1. “A posição prevista na alínea c) do n.º 1 ou na alínea b) do n.º 2 do artigo 37.º consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte”;

2 - Em caso de incumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas no número anterior, quando revistam a forma dele constante, é aplicável o previsto nos n.os 2 e 3 do artigo anterior.

3 - Todavia, quando a proposta da empresa de seguros tiver sido efectuada nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, os juros nos termos do número anterior são devidos apenas à taxa legal prevista na lei aplicável ao caso e sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, e, relativamente aos danos não patrimoniais, a partir da data da decisão judicial que torne líquidos os montantes devidos.

4 - Relativamente aos prejuízos futuros, a proposta prevista no n.º 1 pode ser limitada ao prejuízo mais provável para os três meses seguintes à data de apresentação dessa proposta, excepto se já for conhecido o quadro médico e clínico do lesado, e sem prejuízo da sua futura adaptação razoável.

5 - Para os efeitos previstos no n.º 3, na ausência, na Tabela nele mencionada, dos critérios e valores de determinação do montante da indemnização correspectiva a cada lesão nela prevista, são aplicáveis os critérios e valores orientadores constantes de portaria aprovada pelos Ministros das Finanças e da Justiça, sob proposta do Instituto de Seguros de Portugal.

6 - É aplicável ao presente artigo o disposto no n.º 4 do artigo anterior”.

A Relação ponderou, no essencial, este quadro normativo e ainda que: “Obviamente que, se como bem refere o autor, o que aqui se pretende é salvaguardar os legítimos direitos das vítimas de acidentes de viação, indemnizando-as tão breve quanto possível, de preferência extrajudicialmente, para o que se impõe às seguradoras uma postura activa e verdadeiramente colaborante, sujeitando-as a sanções cíveis, quando não atuarem em conformidade com o que lhes é exigível, então, manifestamente, que no caso não se verificam os pressupostos de que dependem a procedência da sua pretensão.


Com efeito. Como vimos a ré indemnizou o autor pelo valor do motociclo e adiantou-lhe os valores de € 4.000,00 por conta das perdas salariais e € 10.000,00, por conta da indemnização pela perda da capacidade de ganho.


O que não significa, como pretende o autor que haja “assumido o sinistro”, donde não se verifica a previsão legal que invoca “no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte", a seguradora ter de apresentar ao sinistrado uma "proposta razoável de indemnização".


Proposta que não apresentou, em termos formais e as verbalmente apresentadas, não indicavam o valor.


Mas daqui até se poder qualificar a postura da ré como pouco transparente – como faz – o autor – vai uma longa distância.


Como nenhum sentido faz no caso concreto, concluir – como faz o autor - que se não pode beneficiar, a opção estratégica, do infractor.


Improcede, pois este segmento do recurso”.


Nota-se, pois, que há aqui dois regimes fundamentais: um relativo a danos materiais e outro relativo que envolve também danos corporais.


Vejamos.


Estamos em presença de um caso em que se discute nos autos nomeadamente a indemnização por danos corporais. Neste contexto, é convocado de imediato o artigo 37/1/a) e c) que, na previsão repete, no essencial, o artigo 36/1/e), relativo ao dever geral de comunicar por parte da seguradora.


No que tange à formulação de proposta razoável, rege o artigo 39/1 (relativo à forma como se consubstancia a comunicação em caso de danos corporais), 2 e 6 (relativos ao incumprimento do dever previsto no n.º 1 sobre o conceito de proposta razoável). É verdade que a R. já adiantou ao A. os valores de 4.000€ + 10.000€ (factos 28 e 44).


Todavia, não podemos meramente cotejar a soma desses valores (€14.000) com os que aqui estão em causa (220.000+€18.343,94), para aferir do desequilíbrio entre os valores que correspondem ao total da indemnização por danos materiais e pelo dano biológico e o valor adiantado (artigo 38/4).


Com efeito, no que aqui importa, há que ter em conta que o acórdão recorrido alterou o n.º 43 dos factos no sentido de que: “A ré não apresentou proposta razoável de indemnização”. Todavia, o qualificativo “razoável” supõe um juízo conclusivo, de comparação, que não tem qualquer suporte na matéria de facto. Assim, o teor do ponto 43º, tal como resulta consignado, não pode levar-se em consideração. Além disso, por ter uma unidade de sentido, não se afigura sequer cindível. Não pode, pois, ser tomada em conta, no todo ou em parte, a matéria ali vertida (artigo 607/4 CPC)24.


Acresce que, neste âmbito, o facto de terem sido efetuados aqueles adiantamentos, revela que alguma informação terá chegado ao conhecimento da seguradora. Todavia, não é legítima a extrapolação quanto ao teor dessa informação, para daí retirarmos, como se disse, a ilação acerca de um patente desequilíbrio entre a informação realmente prestada e uma eventual proposta da seguradora, à luz do que se pressupõe na previsão legal.


Enfim, não vá sem se dizer que a P.I. nada aduz sobre o pedido de indemnização, o qual se pode entender que marca o início da contagem dos prazos pelo menos quanto aos danos corporais.


Além disso, não se sabe se à data do oferecimento das quantias já estavam quantificados os danos, no todo ou em parte.


Portanto, nada foi provado nem substancialmente alegado por forma a preencher a previsão dos citados incisos legais quer pelo A. quer pela R.. Se era à R. que cumpria a prova dos factos impeditivos do direito do lesado, era a este que cumpria a prova dos pressupostos do seu direito: responsabilidade assumida pela R e em que medida (note-se que na contestação a R. assumira 50%); danos quantificáveis à luz dos citados preceitos e pedido de indemnização).


Ora, esse ónus não foi cumprido, pelo que não pode proceder também nesta parte o recurso interposto.


III. DECISÃO


Pelo exposto, e de harmonia com as disposições legais citadas, concedendo parcial provimento ao recurso principal e negando provimento ao recurso subordinado, decide-se:

a. corrigir o lapso manifesto no tocante aos danos patrimoniais, condenando-se a R. a pagar ao A., a título de danos patrimoniais, a quantia global de €18.343,94, valor obtido após a compensação que se efetua [pelos valores já recebidos] da condenação global em € €23.439,00.

b. manter no mais o decidido.

Custas: a cargo do A., no recurso principal, e da R., no recurso subordinado.

Lisboa, 31 de janeiro de 2024

Maria Amélia Alves Ribeiro (Relatora)

Graça Amaral

Maria Olinda Garcia

_________________________________________________

1. Uma vez que estamos perante uma ação de responsabilidade civil extracontratual fundada em facto ilícito, como pano de fundo da admissibilidade do recurso, importa ter em conta o AUJ n.º 7/22, de 20.09.22 (DR, n.º 201/2022, S!, de 18.10.2022) , em cujo segmento uniformizador se colhe que: “Em acção de responsabilidade civil extracontratual fundada em facto ilícito, a conformidade decisória que caracteriza a dupla conforme impeditiva da admissibilidade da revista, nos termos do artigo 671.º, n.º 3, do CPC, avaliada em função do benefício que o apelante retirou do acórdão da Relação, é apreciada, separadamente, para cada segmento decisório autónomo e cindível em que a pretensão indemnizatória global se encontra decomposta”.↩︎

2. Este facto foi alterado pelo Tribunal da Relação, tendo passado a ter o seguinte teor: “O AA estava a trabalhar na Bélgica há cerca de 3 anos, sendo que à data do acidente se encontrava a exercer as funções de carpinteiro de cofragem na empresa S... Imobiliária e Construção S.A.”.↩︎

3. Este ponto foi eliminado pela Relação que o levou ao elenco dos factos não provados.↩︎

4. Esta matéria é desconsiderada, atendendo às razões que adiante se indicam, consignando-se, todavia, que: a Relação alterou o ponto 43º que passou a ter a redação acima consignada. Na formulação original constava que: “A R. iniciou conversações extrajudiciais com o A., tendentes à resolução extrajudicial do litígio, que não lograram obter sucesso (nota de rodapé, na página 35 do acórdão).↩︎

5. Facto acrescentado e, concomitantemente, eliminado do elenco dos factos não provados.↩︎

6. Este ponto, que passou para os factos provados, tinha a seguinte versão: “O A. tem o 6º ano de escolaridade”.↩︎

7. Este facto foi alterado pelo Tribunal da Relação, tendo passado a ter o seguinte teor: “O AA estava a trabalhar na Bélgica há cerca de 3 anos, sendo que à data do acidente se encontrava a exercer as funções de carpinteiro de cofragem na empresa S... Imobiliária e Construção S.A.”.↩︎

8. Este ponto foi eliminado pela Relação que o levou ao elenco dos factos não provados.↩︎

9. Maria dos Prazeres Beleza (Apts. informais acerca do Recurso de Revista) e, entre muitos outros, cf. Ac. STJ de 29.10.2019, na Revista n.º 1012/15.5T8VRL-AU.G1.S2.↩︎

10. Entre outros, cf. Ac. STJ, 07.07.2016, Processo n.º 487/14, www.dgs.pt, apud, Abrantes Geraldes, António Santos, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, Coimbra, Almedina, 2022, p. 481.↩︎

11. Op. cit. p.p. 363 e 364.↩︎

12. Cf., entre outros, Ac.s STJ de 03.05.2018, Processo n.º 1345/13 e de 24.05.2018, Processo 90/13, www.dgsi.pt, apud Abrantes Geraldes, António Santos, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, Coimbra, Almedina, 2022, p. 363, nota 572. Numa situação diferente, mas na mesma linha de raciocínio, para melhor elucidar a questão, cf. Ac. STJ de 11.002.2016, Processo 907/13, relator Abrantes Geraldes, apud op. cit..↩︎

13. Diário da República n.º 91/2019, Série I de 2019-05-13.↩︎

14. Apud, entre outros, Ac. STJ de 23.05.2019, na revista n.º 2476/16.5T8BRG.G1.S2.↩︎

15. Ac. STJ de 30.03.23, na Revista n.º 15945/18.3T8PRT.P1.S1.↩︎

16. Artigo 260 º do Código de Trabalho.↩︎

17. Porque primariamente são estas que estabelecem as remunerações mínimas para os respetivos setores.↩︎

18. Cujo conceito, aliás, a lei delimita e não tem qualquer incidência no caso em apreço (artigo 8º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais), na redação anterior à redação introduzida pela Lei n.º 83/2021, de 06 de dezembro.↩︎

19. E revoga o Decreto-Lei n.º 341/93, de 30 de setembro.↩︎

20. Publicado em Diário da República - Série I, N.º 204, de 23.10.2007. “Aquela tabela tem por objetivo fornecer as bases de avaliação do dano corporal ou prejuízo funcional sofrido em consequência de acidente de trabalho ou de doença profissional, com redução da capacidade de ganho”.↩︎

21. Ac. STJ de 29.03.2022, Proc. 119/19.4T8STR. E1.S1 e Ac. STJ de 12.06.2018, Proc. 1842/15.8T8STR.E1.S1 e Ac STJ 09.03.2022, proc. 959/15.3T8ALM.L1.S1↩︎

22. A qual nos artigos 35º e 36º da contestação (o que não se confunde com as diligências prévias) referiu ter proposto ao A. uma divisão de responsabilidades na proporção de 50% para cada veículo, divisão essa que o A. alegadamente não aceitou.↩︎

23. Estabelece o regime do "Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel" (Regularização dos sinistros) - vulgo: SORCA, Ret. n.º 96/2007, de 19/10 e alterado pelo DL n.º 153/2008, de 06/08 e pela Lei n.º 32/2023, de 10/07.↩︎

24. Entre muitos outros, Ac. STJ de 09.01.2024, na revista 5766/20.9T8GMR.G1.S1 (relator: Pedro de Lima Gonçalves).↩︎