Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2265/06.5TVSLB.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: URBANO DIAS
Descritores: CONTRATO PROMESSA
INCUMPRIMENTO
DIREITO À SUA RESOLUÇÃO
CONSEQUÊNCIAS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I – O prazo de 45 meses aposto num contrato-promessa de compra e venda como sendo o prazo limite para o promitente-vendedor outorgar a escritura pública de compra e venda, sob pena de incumprimento, não pode deixar de ser considerado como sendo um prazo absolutamente fixo. Estamos, pois, perante um «prazo fatal», cuja inobservância gera impossibilidade definitiva de cumprimento e a consequente resolução.
II – Como assim, o ultrapassar esse prazo coloca o promitente-vendedor, automaticamente, numa situação de incumprimento, dando azo à resolução por parte do promitente-comprador, sem necessidade de, previamente, haver interpelação admonitória.
III – A regra da interpelação admonitória só vale, para efeitos constitutivos do direito de resolução contratual, caso o prazo peremptório para o cumprimento não tenha sido fixado no momento constitutivo da obrigação.
IV – Nesta conformidade, ultrapassado o prazo limite que ambas as Partes, livremente, fixaram para o cumprimento, e em relação ao qual configuraram o seu desrespeito como causa de incumprimento, tem o obrigado fiel direito a declarar a resolução do contrato firmado, com todas as consequências daí advindas, nomeadamente, no caso, a de perceber o sinal em dobro.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I.
AA e BB, intentaram, no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, acção ordinária contra CC – Investimento Imobiliário, S.A., pedindo a sua condenação no pagamento de 268.336,32 €, com juros desde a data da interpelação (15 de Julho de 2005), correspondente ao dobro do sinal prestado, por mor da celebração de um contrato-promessa de compra e venda de lote de um lote de terreno para construção de uma moradia, com a justificação de o mesmo ter sido, por esta, incumprido.
Na contestação, a R. pediu a sua absolvição, pondo em crise, além do mais, o alegado incumprimento contratual, dado não ter sido interpelada admonitoriamente para os devidos efeitos, pelos AA., nem, tão-pouco, terem estes invocado perda de interesse na realização da prestação, a fundamentar a resolução
contratual.
A acção seguiu, depois, a sua tramitação normal até julgamento e, findo este, foi proferida sentença, a julgar a acção procedente.
Apelou, então, a R., para o Tribunal da Relação de Lisboa, mas sem êxito.
Continuando inconformada, pede, ora, revista do acórdão prolatado, a coberto das seguintes conclusões com que rematou a sua minuta:
- O Tribunal recorrido, no acórdão de 7.05.2009, considerou que os recorridos haviam resolvido o contrato-promessa de compra e venda, nos termos da cláusula 5ª do contrato-promessa, razão pela qual estaria precludida qualquer invocação de impossibilidade temporária de cumprimento.
- As partes, no contrato-promessa de compra e venda estabeleceram, na cláusula 4ª, que a escritura pública de compra e venda seria celebrada, no prazo de 30 meses, após a assinatura do contrato-promessa de compra e venda.
- Caso tal não ocorresse, as partes acordaram em que os recorridos poderiam interpelar a recorrente para proceder à marcação da escritura e, caso tal marcação não fosse efectuada no prazo de 180 dias, poderiam resolver o contrato-promessa de compra e venda, obrigando-se então a recorrente a devolver-lhe o sinal prestado, acrescido de juros calculados à taxa Euribor a 6 meses, acrescida de dois pontos percentuais.
- Temos, pois, aqui, a previsão contratual de uma condição resolutiva, (que era o decurso de certo período de tempo sem marcação de escritura pública de compra e venda pela recorrente, contando-se esse período de tempo de um acto que os recorridos, como bem salienta o Tribunal a quo, poderiam praticar, ou não), sendo que tal condição não operaria automaticamente, mas sim potestativamente, isto é, mediante manifestação de vontade nesse sentido, por parte do promitente-comprador (in casu, os recorridos).
- Os recorridos nunca procederam à interpelação da recorrente para marcar a escritura pública de compra e venda, pelo que nunca começou sequer a contar-se o prazo de 180 dias, de que dependia a possibilidade de nascimento do direito potestativo, de fazer operar a mencionada condição resolutiva, com a consequência contratualmente prevista.
Se se entender que os recorridos resolveram o contrato-promessa de compra e venda, nos termos da cláusula 5ª do mesmo, então teriam direito ao valor do sinal prestado, acrescido de juros à taxa Euribor, a 6 meses, acrescido de 2 pontos percentuais.
- Se se entender que os recorridos resolveram o contrato-promessa de compra e venda, nos termos da cláusula 6ª do mesmo, como resultou, aliás, provado (ver factos vertidos sob o ponto 4 da matéria fixada pela 1ª instância), então ter-se-á de julgar a questão suscitada pela recorrente sobre a impossibilidade temporária de cumprimento, na medida em que essa cláusula expressamente previa que se considerava incumprimento definitivo a não celebração da escritura pública, no prazo de 45 meses, por causa exclusivamente imputável à recorrente.
- Tendo o Tribunal de 1ª instância dado como provado que os recorridos resolveram o contrato-promessa de compra e venda nos termos da cláusula 6ª do mesmo, o Tribunal ad quem terá de revogar a decisão do Tribunal a quo e julgar a questão suscitada pela recorrente nas suas alegações de recurso de 1ª instância, no que respeita à impossibilidade temporária de cumprimento, na medida em que é necessário apurar se a não celebração do contrato prometido se ficou a dever a causa exclusivamente imputável à recorrente.
- A recorrente não marcou a celebração da escritura pública de compra e venda devido a um atraso na construção da moradia prometida vender, o qual se deveu ao facto de a Câmara Municipal se ter atrasado na emissão da licença de construção e de utilização para a mesma.
- Pelo que se deve considerar que à recorrente não é exclusivamente imputável o facto de não se ter celebrado a escritura pública de compra e venda, no prazo de 45 meses, previsto no nº 6, da cláusula sexta do contrato-promessa de compra e venda.
Assim, como disposto no artigo 792° do Código Civil, a R. não responde pela mora no cumprimento da prestação.
- Razão pela qual deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido e proferindo-se decisão que absolva a recorrente do pedido.
- O Tribunal recorrido violou o disposto no artigo 808° do Código Civil.
- Determina o artigo 808° do Código Civil, que se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, considera-se, para todos os efeitos, não cumprida a prestação, devendo tal perda de interesse ser apreciada objectivamente.
- Por seu turno, o artigo 436° do Código Civil determina que a resolução do contrato se faz por comunicação à outra parte, tornando-se eficaz quando chega ao conhecimento desta.
- Deste modo, o contrato-promessa em apreço deve, efectivamente, ser julgado resolvido em 15.07.2005 – V. ponto nº 3 da matéria fixada pela 1ª instância.
- E é, nesta data e com referência a esta data, que devem ser apreciadas as condições em que esta resolução foi efectivada.
- Os recorridos não interpelaram admonitoriamente a recorrente ao cumprimento antes de resolver o contrato-promessa de compra e venda.
- Pelo que se torna necessário aferir se, em 13.07.2005, o credor perdeu o interesse que tinha na prestação.
- A perda de interesse é uma conclusão jurídica, que terá de se basear em factos que sustentem essa mesma conclusão.
- No caso dos autos, não só não foi alegado qualquer facto que sustente a conclusão de que os recorridos perderam interesse na prestação da recorrente, como, consequentemente, não foi dado como provado qualquer facto que sustente essa conclusão.
- Dos factos fixados na 1ª instância, resulta inequívoco que, em 13.07.2005, os recorridos não haviam perdido o interesse na prestação da recorrente, na medida em que desses factos resulta que, em 20.09.2005, os recorridos mantinham o interesse na prestação da recorrente.
- Razão pela qual, no caso sub iudice, o decurso do prazo, até ao dia 13.07.2005, não pode ser considerado como fundamento para se concluir a perda de interesse dos recorridos na celebração do negócio.
- Se se considerar, como o considerou o Tribunal recorrido, que um determinado decurso de prazo (qual?) é passível de transformar a mora em incumprimento (sem que ocorra interpelação admonitória e sem que se aleguem e provem factos consubstanciadores de uma perda de interesse objectiva na concretização do negócio) estar-se-á a subverter a previsão e estatuição do artigo 808° do Código Civil.
Responderam os recorridos, em defesa da manutenção do acórdão sob censura.
II.
As instâncias fixaram os seguintes factos:
1 – Os AA. celebraram com a R. contrato-promessa de compra e venda do lote de terreno para a construção de uma moradia designada por “Lote .......”, com a área de 410,20 m2, sito na Quinta da ......., freguesia da ......., concelho de Palmela, que integra o processo de loteamento nº 7/2001, aprovado pela Câmara Municipal de Palmela, correspondente ao empreendimento turístico denominado “Palmela ......... Sports Residence”, do qual a R. é dona e legitima proprietária.
2 – O preço acordado para a compra e venda foi de € 223.613,59, tendo os AA. entregue à R., a título de sinal e princípio de pagamento, os seguintes montantes:
a) A quantia de € 22.361,36 – na data da assinatura do contrato-promessa;
b) A quantia de € 11.180,68 – 90 dias, após a assinatura do contrato-promessa;
c) A quantia de € 22.361,36 – 120 dias, após a assinatura do contrato-promessa;
d) A quantia de € 11.180,68 – 270 dias, após a assinatura do contrato-promessa;
e) A quantia de € 22.361,36 – 360 dias, após a assinatura do contrato-promessa;
f) A quantia de € 11.180,68 – 450 dias após a assinatura do contrato-promessa;
g) A quantia de € 11.180,68 – 540 dias, após a assinatura do contrato-promessa;
h) A quantia de € 11.180,68 – 630 dias, após a assinatura do contrato-promessa;
i) A quantia de € 11.180,68 – 720 dias, após a assinatura do contrato-promessa,
no montante total de € 134.168,16, entregues a título de sinal e princípio de pagamento.
3 – Nos termos da Cláusula Quarta do Contrato, “…A escritura pública de compra e venda será celebrada em dia, hora e Cartório Notarial a designar pela Promitente-Vendedora, até ao termo de 30 (trinta) meses após a assinatura do presente Contrato-Promessa de Compra e Venda, obrigando-se esta a avisar o Promitente Comprador, por carta registada com aviso de recepção com a antecedência mínima de oito dias da data marcada…”.
4 – Por carta datada de 13 de Julho de 2005, subscrita pelo A. e dirigida à R. e por esta recebida, em 15 de Julho de 2005, junta a fls. 24 e 25, e sob a referência “Resolução do Contrato Promessa de Compra e Venda”, diz-se que: – “…(…) …AA, na qualidade de Promitente-Comprador do lote designado por “Lote nº .......”, com a moradia correspondente ao projecto J 2, vem pela presente, nos termos e para os efeitos constantes da Cláusula Sexta do Contrato-Promessa de Compra e Venda celebrado com V. Exas., no passado dia 12 de Outubro de 2001, proceder à resolução do mesmo (…) …. (…) …Face ao exposto, venho pela presente resolver o Contrato-Promessa de Compra e Venda, celebrado no passado dia 12 de Outubro de 2001, com fundamento em incumprimento definitivo do mesmo por parte de V. Exa., exigindo ainda que me sejam restituídas, em dobro, todas as importâncias já entregues, ao abrigo do mesmo, que nesta data ascendem a 134.168,16 Euros, pelo que reclamo, desde já, o pagamento de 268.336,32 Euros (…)”.
5 – Por carta datada de 20/09/2005, subscrita pelo A. e dirigida à R., sob a referência “Resolução do Contrato Promessa de Compra e Venda”, e junta a fls. 22, diz-se que: – “…(…) venho interpelar V. Exas. para cumprirem com as obrigações previstas no Contrato-Promessa de Compra e Venda mutuamente celebrado a 12 de Outubro de 2001, até ao próximo dia 28 de Setembro de 2005, sendo que, após essa data, o referido contrato se considerará definitivamente incumprido por V. Exas. (…) …”.
6 – Por carta datada de 18/10/2005, subscrita pela R. e dirigida ao A., sob a referência “Aldeamento Turístico ................ Lote nº “.......”, e junta a fls. 27 e 28, diz-se que: - “…(…) … Vimos informar que a moradia que V. Exa. prometeu comprar encontra-se concluída, pelo que V. Exa. pode agendar uma vistoria à mesma, junto dos nossos Serviços de Apoio ao Cliente, tendo em vista a sua entrega no mais breve espaço de tempo possível. Não obstante e porque a outorga da escritura pública de compra e venda não é, neste momento, possível devido a atrasos na Câmara Municipal de Palmela, no processo de emissão da competente licença, dado que V. Exa. manifestou interesse em desvincular-se do contrato-promessa de compra e venda celebrado em 12.10.2001, a CC vem apresentar a V. Exa. a seguinte proposta: a) concessão de um prazo de seis meses a fim de permitir que V. Exa. possa ceder a sua posição contratual no referido contrato-promessa, pelo preço que entender por conveniente, com o novo interessado na aquisição; b) a CC disponibiliza os seus meios, nomeadamente o seu stand de vendas no aldeamento turístico Palmela ........, para permitir que, mais facilmente, se encontrasse um interessado na aquisição; e c) no fim do prazo de seis meses, caso nem a CC nem V. Exa. tenham conseguido encontrar um interessado na aquisição, a CC restitui as quantias que recebeu de V. Exa., acrescidas dos juros, calculados à taxa Euribor a seis meses, acrescida de dois pontos percentuais, desde a data das respectivas entregas até à data da efectiva restituição. (…) …”.
7 – Por carta datada de 31/10/2005, subscrita pelo A. e dirigida à R., sob a referência “Resolução do Contrato-Promessa de Compra e Venda”, e junta a fls. 23, diz-se que: – “…(…) …Na sequência da minha carta de 20 de Setembro de 2005 e da vossa carta de 18 de Outubro de 2005 de que acuso a recepção, venho reiterar que o Contrato-Promessa de Compra e Venda celebrado com V. Exas., a 12 de Outubro de 2001, se encontra definitivamente incumprido por V. Exas., pelo que qualquer das propostas apresentadas para resolução deste diferendo é de todo inaceitável. (…) …”.
8 – No ponto 6 da cláusula sexta do “Promessa de Compra e Venda”, de fls. 12 a 21, diz-se que: –“…(…) …6. Considera-se incumprimento, para o efeito do número anterior, a não realização da escritura pública de compra e venda, por causa imputável exclusivamente à PROMITENTE-VENDEDORA, no prazo de 45 (quarenta e cinco) meses, a contar da data da assinatura do presente contrato promessa de compra e venda. (…) …”.
9 – No âmbito do Protocolo assinado entre a Câmara Municipal de Palmela e MECMINOP – Sociedade Técnica de Máquinas e Equipamentos Industriais, S.A., em 10/01/2001, junto a fls. 51 a 58, e com vista à melhoria das infra-estruturas da ......., a C. M. Palmela obrigou-se a emitir Alvará de Loteamento, no prazo de dez dias, a contar do seu requerimento, satisfeitas pela MECMINOP as condições constantes nos artigos 29º e 30º do Decreto-Lei nº 448/91.
10 – Por requerimento, datado de 06/03/2003, junto a fls. 59 e 60, e entregue na C. M. Palmela em 10.03.2003, subscrito pela MECMINOP – Sociedade Técnica de Máquinas e Equipamentos Industriais, S.A. e dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de Palmela, foi requerida a autorização de obra de edificação (Moradia e Piscina), a levar a efeito na Urbanização Turística Palmela ......... – Lote ......., freguesia de ......., daquele concelho.
11 – Por carta datada de 13/06/2003, junta a fls. 63, subscrita pelo Director de Departamento de Gestão Urbanística, por Subdelegação de Competência, da Câmara Municipal de Palmela e dirigida à MECMINOP – Sociedade Técnica de Máquinas e Equipamentos Industriais, S.A., foi esta notificada da aprovação da construção e para, no prazo de um ano, requerer a emissão do alvará de autorização de construção.
12 – Por requerimento, datado de 23/06/2003, junto a fls. 64 e 65, subscrito pela MECMINOP – Sociedade Técnica de Máquinas e Equipamentos Industriais, S.A. e dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de Palmela, foi requerida a emissão do alvará de construção.
13 – Em 11/07/2003, emitiu a Câmara Municipal de Palmela o “Alvará de Obras de Construção Nº 370/03”, cuja cópia foi junta a fls. 66, o qual titula a aprovação das obras que incidem sobre o prédio, sito em Palmela Village, Lote ......., da freguesia de ......., descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela, sob o nº 00000000000, e omisso na matriz, da respectiva freguesia de ........
14 – Em 12/01/2006, emitiu a Câmara Municipal de Palmela o “Alvará de Utilização nº 00/0000”, junto a fls. 67, em nome de CC Investimento Imobiliários, S.A., que titula a autorização de utilização do edifício, sito em Palmela Village, Lote ......., da freguesia de ......., inserido no prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela, sob o nº 0000000/000000, e inscrito na matriz urbana, sob o artigo 9167, da respectiva freguesia, a que corresponde o alvará de Obras de Construção nº 370/03, emitido 11/07/2003, a favor de MECMINOP – Sociedade Técnica de Máquinas e Equipamentos Industriais, S.A..
15 – O contrato referido em A) foi celebrado em 12/10/2001;
16 – Decorrido o prazo referido em D), a R. não marcou a escritura pública.
III.
Quid iuris?
Está apenas em causa saber se a recorrente incumpriu o contrato-promessa que celebrou com os AA., dando, assim, azo, a que estes tenham direito a perceber o peticionado, com apoio no que estabelece o artigo 442º, nº 2, do Código Civil.
Em perfeita liberdade (artigo 405º, nº 1, do Código Civil), as Partes estabeleceram, na cláusula 6ª do contrato ajuizado, que “considera-se incumprimento, para efeito do número anterior, a não realização da escritura pública de compra e venda, por causa exclusivamente imputável à PROMITENTE VENDEDORA, no prazo de 45 (quarenta e cinco) meses a contar da data da assinatura do presente contrato promessa de compra e venda”.
Está, definitivamente, assente que o contrato-promessa que as Partes celebraram teve lugar no passado dia 12 de Outubro de 2001.
Decorridos os citados 45 meses, a escritura não foi outorgada, facto que constitui “incumprimento” tal como as Partes, livremente, o estipularam.
O A. estribou-se, precisamente, no teor da dita cláusula 6ª para, na carta que dirigiu à R., em 13 de Julho de 2005, lhe exigir a importância ora reclamada.
As instâncias evidenciaram já a falta de razão da recorrente.
Além do que elas enfatizaram, resta-nos chamar à colação o ensinamento de João de Matos Antunes Varela que, com particular interesse para a solução do problema, diz que “há casos, porém, em que, não sendo a prestação efectuada dentro de certo prazo, seja qual for a razão do não cumprimento, a obrigação se considera definitivamente não cumprida. São, de um modo geral, os casos de prestação com termo absolutamente fixo ou em que a demora no cumprimento faz desaparecer o interesse do credor na prestação” (Das Obrigações em geral, Vol. II, 6ª edição, página 79).
De igual modo, João Calvão da Silva não deixa, também de chamar a atenção para o facto de “por vezes, as partes, no momento da celebração do contrato, determinarem, expressa ou tacitamente, como essencial o termo fixado”, notando que a essencialidade deste tanto pode ser considerada do ponto de vista objectivo, como considerado subjectivamente. Neste caso – salienta – “a vontade das partes pode ser … no sentido de ver no termo fixado o prazo-limite (termo subjectivo absoluto), para o adimplemento, findo o qual há incumprimento definitivo, fundamento imediato da resolução; ….” (Sinal E Contrato Promessa, 11ª Edição, Revista e Aumentada, páginas 138 e 139).
Recorrendo às regras interpretativas, que nos são “impostas” pelos artigos 236º a 238º, do Código Civil, não vemos que outra possa ter sido a intenção das Partes, ao inserirem no contrato, a dita cláusula 6ª, com este preciso sentido de consagração de um prazo absolutamente fixo para a realização da escritura, configurando o seu desrespeito como incumprimento imputável à promitente-vendedora.
E não será despiciendo lembrar que uma das questões suscitadas pela própria recorrente, na apelação interposta para a Relação de Lisboa, foi precisamente, impugnando o juízo probatório firmado na 1ª instância, a relativa à data da celebração do contrato, pretendendo fazer vingar a ideia de que o mesmo não teria sido celebrado a 12 de Outubro de 2001, mas sim em data posterior (concretamente a 16 de Outubro de 2001, facto que tornava inócua a invocação de incumprimento, por parte dos AA., tal como foi feita, “cirurgicamente”, através da carta enviada à R., em 13 de Julho de 2005), o que nos permite pensar que, no seu consciente, pairou a ideia de incumprimento, por ultrapassagem do prazo de 45 meses, consagrado na dita cláusula 6ª, como acabou por acontecer (cfr. resposta dada ao quesito 1º).
Este sentido é o que surpreendemos na carta que a R. enviou aos AA., datada de 18/10/2005 (três meses passados sobre a recepção da que estes lhe enviaram a resolver o contrato), a não contrariar, minimamente, a razão destes e na qual, até, lhes apresentou uma proposta, dado o seu interesse em se desvincularem do contrato-promessa, carta esta que mereceu pronto repúdio, na resposta (“pelo que qualquer das propostas apresentadas para a resolução deste diferendo é, de todo, inaceitável”).
É, pois, perante este quadro que somos forçados a concluir pela natureza peremptória do prazo que as Partes, livremente, fixaram, na dita cláusula 6ª, como limite para o cumprimento por parte da aqui R./recorrente.
Não deixaremos de dizer uma palavra, breve que seja, sobre a carta, aludida no ponto nº 5 dos factos assentes, que o A. enviou à R. já depois de ter resolvido o contrato e na qual aquele insiste com esta pelo cumprimento do contrato até 28 de Setembro de 2005, sob pena de o mesmo ser considerado resolvido.
O que se pode dizer é que é de todo incompreensível o seu teor, tanto mais que, atento o preceituado no artigo 436º, nº 1, do Código Civil, a resolução já tinha produzido os seus efeitos, através da carta de 13 de Julho desse mesmo ano.
Incompreensão a que não é estranha a forma como, logo de seguida, na carta/resposta, enviada à R., em 31 de Outubro de 2005, alude, inter alia, à carta de 20 de Setembro desse ano, para reforçar a ideia de resolução do contrato, repudiando, como já afirmado, a ideia da recomposição de interesses apressadamente proposta pela R..
Esta incompreensão pela atitude do A. não nos impediu, contudo, de chegar aos resultados interpretativos expostos, a respeito da natureza do prazo fixado no contrato-promessa.
Indagamos, pois, o significado daquele prazo de 45 meses aposto na cláusula 6ª, e, tal como o fizeram as instâncias, não temos pejo em dizer que, por via do facto de a escritura não ter sido celebrada até então, estamos perante uma situação de incumprimento por causa exclusivamente imputável à promitente-vendedora. Seguimos, assim, a metodologia proposta por José Carlos Brandão Proença: estamos mesmo perante um prazo a que Sacco chama de «prazo fatal» –
a sua inobservância gera impossibilidade definitiva de cumprimento e a consequente resolução (Do Incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral – A Dualidade Execução Específica-Resolução, páginas 109 a 111).
É bem certo que, como bem salienta João Baptista Machado, o prazo da prestação não é, em regra, um elemento essencial na economia do contrato: “não é esta, porém, a regra, segundo os usos da vida. A regra é antes a de que o termo essencial subjectivo tem o sentido de uma simples cláusula resolutiva e que o termo subjectivo absolutamente essencial tem carácter excepcional”.
Mas, como não deixa de salientar, a regra comporta excepções e daí que “pode designadamente estipular-se de antemão, no momento da conclusão do contrato ou posteriormente, o prazo limite para efeitos do disposto na 2ª parte do nº 1 deste artigo (808º)”.
E, neste regime excepcional, para além dos casos referidos por Antunes Varela, na obra supra citada, não deixa de referir, entre outros, o caso de o promitente comprador poder, desde logo, declarar-se desvinculado se o promitente vendedor não outorgar a escritura até ao fim de certo prazo. E remata mesmo: “sendo tais cláusulas estipuladas com a cominação de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida, seguir-se-ão os efeitos do art. 801”.
De acordo com este ilustre Professor, na dúvida, ou seja, “se de um concurso inequívoco de circunstâncias se não concluir com segurança que o termo é absoluto, ele deve ser interpretado como relativo. Deste modo, no caso de ter sido estipulado um termo essencial com declaração de que a realização da prestação após o prazo-limite não valerá como cumprimento, ou que uma das partes se reserva o direito de não aceitar o cumprimento posterior a essa data, deverá entender-se que o credor pode, vencido infrutiferamente o prazo, declarar a resolução do contrato, ou recusar a prestação e considerar a obrigação como definitivamente não cumprida, nos termos do art. 801º” (Obra Dispersa, Vol. I, Pressupostos da Resolução Por Incumprimento, páginas 187 a 190).
Torna-se, assim, evidente que, ao contrário do que defende a recorrente, não faz sentido, no caso que nos ocupa, a invocação da fixação de prazo admonitório, com vista a determinar o seu incumprimento.
É que, como defende, com toda a clareza, João Calvão da Silva, nada impede que “o prazo-limite ou prazo peremptório do cumprimento possa ser estipulado no momento da constituição da obrigação”, certo que “a interpelação admonitória não tem já sentido se esse prazo-limite foi fixado ex ante” (Estudos De Direito Civil e Processo Civil, Pressupostos da resolução por incumprimento, página160).
Como já dito, as instâncias, no desempenho do seu papel de resolução da chamada “questão-de-facto”, tiraram a limpo a natureza do prazo que as Partes livremente fixaram, como sendo um prazo com termo essencialmente absoluto.
Caminhando o mesmo carreiro interpretativo que as instâncias calcorrearam, na ânsia de efectivo e eficaz controlo que nos está conferido, acabamos por concluir que não houve qualquer atropelo às regras interpretativas. E dentro do campo específico da nossa competência, analisando a “questão-de-direito”, à luz dos ensinamentos doutrinais citados, a outra conclusão não podemos chegar que não seja a de total acerto das decisões impugnadas.
Desta forma, perante o ultrapassar do prazo, absolutamente fixo, que as Partes, de livre vontade, houveram por bem fixar, atribuindo expressamente o seu desrespeito a uma situação de incumprimento, caídos estamos perante uma situação de resolução perfeitamente enquadrada na previsão do artigo 801º do Código Civil, facto que nos obriga a concluir, tal como o fizeram as instâncias, que a carta dos AA. enviada à R., em 13 de Julho de 2005, teve como efeito necessário a declaração de destruição do programa contratual que firmaram 45 meses antes, mais concretamente em 12 de Outubro de 2001.
Será preciso mais dizer para demonstrar a falta de razão da recorrente?
Cremos bem que não. A não ser que queira que se evidencie uma, por ora, encapotada, litigância de má fé.
Dito isto, perde relevo tudo o que fez verter nas suas conclusões.

IV.
Ex positis, nega-se a revista e condena-se a recorrente no pagamento das respectivas custas.

Supremo Tribunal de Justiça, aos 09 de Fevereiro de 2010
Urbano Dias (Relator)
Paulo Sá
Mário Cruz