Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3443/18.0T8CBR.C1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: ALTERAÇÃO DO CONTRATO
FORMA DO CONTRATO
PRESUNÇÃO JURIS TANTUM
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
DESISTÊNCIA
CLÁUSULA PENAL
Data do Acordão: 01/28/2021
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. O sentido das proposições contratuais é determinado por interpretação do contrato, devendo transcender-se a mera fixação do sentido linguístico e maximizar-se o efeito útil e a coerência entre as estipulações.

II. A presunção, consagrada no artigo 223.º do CC, de que as as partes só se vinculam pela forma especial por elas convencionada é uma presunção que pode ser ilidida quando as circunstâncias, designadamente o comportamento das partes, permite concluir o contrário.

III. Enquanto a cláusula penal “não dá nunca aos contraentes a faculdade jurídica de se desvincularem do contrato e, por isso, de deixarem licitamente de cumprir”, a cláusula de resgate ou multa penitencial “dá-lhes sempre a faculdade jurídica de se desvincularem”.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. RELATÓRIO


1. Decriativos, S.A., instaurou contra AA., ambos com os sinais dos autos, acção declarativa, de condenação, com processo comum.

Pediu a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de €116.616,83 acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese, o não pagamento do preço de variados serviços que prestou à ré em adequação e com a finalidade pretendida no “contrato de concepção e execução de hotel” firmado entre as partes, bem como de outros serviços complementares outrossim a ela prestados, mas que não ficaram contemplados pelo aludido contrato.

2. A ré contestou.

Alegou, em síntese, que alguns trabalhos / serviços da autora foram prestados livre e espontaneamente por ela sem terem sido solicitados, que outros foram pagos, que outros foram deficientemente executados ou não foram executados e que, em todo o caso, as partes acordaram que a responsabilidade pelo pagamento do preço pelos serviços prestados pertenceria a sociedade que a ré viria a criar e que foi a sociedade “L… Lda.

Consequentemente, pediu a sua absolvição da instância, por ilegitimidade e que, se assim não fosse entendido, a sua absolvição do pedido.

3. Prosseguindo a acção os seus termos, foi, em 11.04.2019, proferida sentença, na qual foi decidido:

1. Julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência,

2. Condeno a Ré AA. a entregar à Autora DECREATIVOS, S.A., a quantia de €4.600,00 (quatro mil e seiscentos euros), acrescida de juros de mora, contados desde a citação, à taxa legal civil até efectivo pagamento.

3. Absolvo a Ré dos restantes pedidos.

4. As custas são a cargo da Autora e da Ré, na proporção do decaimento”.

3. Inconformada, apelou a autora para o Tribunal da Relação …, tendo este proferido um Acórdão, em 23.06.2020, no qual se decidiu:

Termos em que se julga o recurso parcialmente procedente e, agora, condena-se a ré, a pagar ainda à autora, para além do já condenado na 1ª instância, a quantia de 31.191,95 euros.

No mais se absolvendo”.

4. Ainda inconformada, a autora interpôs recurso de revista.

Pede que a decisão recorrida seja revogada apenas na parte em que decidiu que a autora não tem direito a accionar o disposto na cláusula 3.ª, n.º 5, do contrato dos autos e condenou a recorrida no pagamento do montante de 11.191,95€ (referente à fase da adjudicação e assinatura do contrato - 1,1 primeiro pagamento), valor este confessado por esta, e que a ré seja condenada, sim, no pagamento à autora da quantia de 55.615,05€, referente à taxa aplicável de 11,90%, estabelecida para redução do contrato a Consultoria em Criatividade Estratégica (cláusula 3.ª, n.º 5), sobre o valor do contrato devidamente actualizado, conforme facto provado n.º 67 (641.408,18€ x 11,90% = 76.327,57€), deduzido o montante já pago de 20.000,00€, mantendo-se, no mais, a decisão recorrida.

A terminar, formula as seguintes conclusões:

1.ª Vem o presente recurso interposto do douto acórdão do Tribunal da Relação …, datado de 23/06/2020, notificado à aqui autora, ora recorrente, por ofício com data certificada pelo CITIUS em 25/06/2020, que julgou o recurso interposto pela ora recorrente parcialmente procedente e condenou a ré, ora recorrida a pagar ainda à autora, para além do já condenado na 1ª instância, a quantia de 31.191,95 euros, absolvendo no restante.

2.ª A recorrente entende que o Tribunal recorrido errou na decisão proferida quanto à matéria de direito, ao não considerar aplicável o disposto no nº 5 da cláusula 3ª do contrato dos autos, o que fez com argumentação, e perante factos (visto que julgou parcialmente procedente o recurso sobre a matéria de facto e alterou factos dados como provados na 1.ª Instância e aditou outro), fundamentalmente diferentes daquela que constavam da decisão proferida pela 1.ª Instância.

3.ª Face ao pedido de condenação da recorrida no pagamento da quantia de 55.615,05€, relativamente à redução do contrato a consultoria, nos termos da cláusula terceira, n.º 5, do contrato de concepção e execução de hotel, celebrado entre as partes em 02/10/2015, constante dos autos, a 1.ª instância decidiu absolver a recorrida do pedido porque, no seu entendimento, não ficou provado qualquer acordo relativamente à diferença da remuneração por parte da ré, sendo que a ser feito algum pagamento seria feito pela empresa “L....., Lda.”, já constituída à data.

4.ª O Tribunal da Relação …, face a esse mesmo pedido, entendeu absolver a recorrida porque o disposto na cláusula terceira, n.º 5, do contrato, não era aplicável porque as suas obrigações da recorrente perante a recorrida não foram integralmente cumpridas, por falta de obtenção de licenciamento para o projeto, ex vi do incumprimento da sua obrigação de apresentação do projeto de especialidades

5.ª A recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal da Relação …., uma vez que entende que a citada cláusula terceira, n.º 5 do contrato é aplicável à situação dos autos.

6.ª A cláusula terceira, n.º 5 tem a seguinte redacção: «Se após a apresentação da lista de todos os trabalhos, materiais e equipamentos, referida na alínea d), do n.º 2 desta Cláusula, o PRIMEIRO OUTORGANTE não proceder à sua aprovação nem vier a resultar das negociações um consenso entre as partes para a adjudicação dos trabalhos de construção à Segunda Outorgante, as partes acordam, desde já, reduzir o objecto do presente contrato à componente de CONSULTORIA EM CRIATIVIDADE ESTRATÉGICA elencada no quadro infra, prescindindo dos valores e da realização da componente EXECUÇÃO do presente contrato e reduzindo o valor da adjudicação para o montante e fornecimento dos serviços seguintes:

1.0CONSULTORIA EM CRIATIVIDADE ESTRATÉGICA11,90%47 600,00€
(...)(...)(...)(...)

»

7.ª Contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, a possibilidade das partes reduzirem o objecto do contrato à componente de consultoria em criatividade estratégica, definida no quadro indicada, não está dependente da obtenção de licenciamento para o projecto, mas sim da apresentação à recorrida da lista de todos os trabalhos, materiais e equipamentos, a qual nos termos das al. a) e d) do n.º 2 da mesma cláusula deveria acontecer após a aprovação do projecto de arquitectura.

8.ª Tendo resultado provado que o projecto de arquitectura foi aprovado por despacho do Presidente da Câmara de …… de 13/03/2016, ratificado pela Câmara Municipal em reunião de 21/03/2016 (facto provado n.º 32), que foram submetidas duas candidaturas ao Turismo de Portugal, uma em Abril de 2016 (facto provado n.º 34) e outra em 30/09/2016 (facto provado n.º 44), sendo que a lista de trabalhos, materiais e equipamentos havia sido já entregue e aprovada pela recorrida, visto que era com base na mesma que se justificava o valor das candidaturas, e que a recorrida simplesmente desistiu do contrato (factos provados n.ºs 46 a 50 e 60 a 62), então assistia à recorrente o direito de, nos termos da cláusula terceira, n.º 5, reduzir o objecto do contrato a Consultoria em Criatividade Estratégica.

9.ª Seguindo a argumentação e linha de raciocínio expendida pelo Tribunal da Relação …… para fundamentar a decisão de condenação da recorrida apenas no valor de 11.191,95€ - acordo para actualização do valor do contrato de 400.000,00€ para 641.408,18€ (cfr. facto provado n.º 67) e à aplicação da taxa de 5% referente à fase da adjudicação sobre este mesmo valor - face ao referido facto dado como provado, então também o valor da Consultoria em Criatividade Estratégica deveria ser actualizado da mesma forma, com a aplicação da percentagem de 11,90% sobre o montante total do contrato.

10.ª A redução do contrato a consultoria implica uma actualização do valor a receber pela recorrente para o montante de 75.615,05€ (visto que o contrato com a execução dos trabalhos seria no valor de 641.408,18€), sendo que a este valor teria de ser descontada a quantia de 20.000,00€ já pago pela recorrida, ficando em dívida a quantia de 55.615,05€.

11.ª O Tribunal a quo deveria ter condenado a recorrida não no pagamento da quantia de 11.191,95€ (referente à fase da adjudicação e assinatura do contrato - 1,1 primeiro pagamento), mas sim no montante de 55.615,05€ (referente à conversão do contrato em consultoria, prevista na cláusula terceira, n.º 5.

12.ª Decidindo nos termos assinalados, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 405.º, n.º 1 do Código Civil, bem como o disposto na cláusula terceira, n.º 5 do contrato dos autos, na medida em violou as disposições livremente estabelecidas entre as partes no âmbito da sua liberdade contratual, pelo que deve esta decisão ser revogada e substituída por outra que julgue em conformidade.

5. Interpôs recurso de revista também a ré.

Pede, por seu turno, a revogação do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ….. e pela repristinação da decisão do Juízo Central Cível de ……..

Apresenta as seguintes conclusões:

1. Reportam-se as presentes Alegações a Recurso de Revista interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ……., que julgou o recurso apresentado pela Autora parcialmente procedente e, em consequência disso, condenou a ré, a pagar ainda à autora, para além do já condenado na 1ª instância, a quantia de 31.191,95€.

2. Não está vedado a apreciação, por parte desse Supremo Tribunal de Justiça, a aplicação das normas legais que sustentam a força dos meios de prova apreciado nos autos, nomeadamente os meios de prova que suportaram o facto provado 67.

3. É inequívoco que entre as partes foi celebrado um contrato, que corresponde ao doc. nº10 junto com a PI que, nos termos da Cláusula Décima Primeira, estabelece que qualquer alteração ao contrato terá de obedecer à forma escrita com a menção da cláusula aditada.

4. Não foi efectuada qualquer prova da existência de qualquer documento assinado pelas partes, com a menção de qualquer aditamento ao contrato, nomeadamente no que respeita à alteração do montante e da alteração da cláusula Terceira.

5. Nos termos do arts. 374 e 376º do CC, temos que se considera estabelecida a autenticidade do documento, já que não foi impugnada a letra ou assinatura dele constantes, pelo que a Cláusula Decima primeira é válida entre as partes, dado que elaborada ao abrigo do princípio da liberdade contratual consagrado no artigo 405.º do Código Civil.

6. O Tribunal recorrido, ao ter dado como provado o facto 67 do elenco dos factos provados, violou o art. 374 e 376º do CC, bem como a norma do art. 405º do CC, pondo em causa a liberdade contratual estabelecida entre as partes.

7. O facto 67 do elenco dos factos provados, atenta a violação efectuada das disposições do Código Civil ser excluído daquele elenco respectivo, e, por conseguinte, improcedendo a pretensão da Recorrida, na parte em que peticiona o pagamento, pela Recorrente, do valor de 11.191,95€.

8. O Tribunal Recorrido condenou a R. no pagamento de 20.000€ a título de cláusula penal prevista na cláusula 7ª nº4 al. a) do contrato celebrado entre as partes, sendo incorrecta a interpretação efectuada do teor da cláusula, conjugada com o restante clausulado.

9. O Tribunal errou nas considerações acerca das capacidades interpretativas da Ré com respeito ao contrato, que não é jurista, mas também não é ROC, mas TOC!! , sendo que as cláusulas Sétima e Nona do contrato em causa confundem noções jurídicas, utilizando-as de forma indiscriminada, como rescisões, denúncias, desistências e resoluções.

10. Face ao teor literal das cláusulas em apreço é de concluir que partes pretenderam liquidar um montante da indemnização devida em consequência da desistência ou rescisão unilateral do contrato, tratando-se da mesma situação (apesar dos conceitos serem diferentes) sem necessidade de incumprimento contratual imputável a uma parte;

11. A cláusula Sétima estabelece uma indemnização pelos estudos e projectos e trabalhos realizados até a entrega do pedido de licenciamento, acrescentando-se apenas no nº3 da Cláusula Nona, que esses projectos de arquitetura e de Design deveriam ser devolvidos à A. , ambas visando o ressarcimento dos valores dependidos pela A. por consequência da desistência ou rescisão unilateral.

12. A apreciação do Tribunal recorrido, que refere que a clausula sétima pretende punir a desistência e indemnizar a A. pelos estudos e projectos desenvolvidos, está em contradição com o facto de reconhecer que na cláusula nona se pretende ressarcir a Recorrida das despesas efectuadas.

13. A Clausula Sétima nº 4 e Nona nº 3 visam ressarcir a A. por idênticos prejuízos, dai que não possam ser cumulativas.

14. Para o caso de assim se não entender, ao que se não concede, temos que a Cláusula Sétima nº3 esta deve ser reduzida nos termos do art. 812º do CC, considerando a matéria de facto dada como provada em 5., 17., 34. a 44., e 51. do elenco respectivo.

15. Dando-se provimento à presente Revista, o que se peticiona deve ser revogado o acórdão recorrido, absolvendo a R. do pagamento da quantia de 20.000€, ou caso assim se não entenda, seja a cláusula penal reduzida pelo Tribunal, de acordo com a equidade.

16. O Tribunal Recorrido violou, por isso e entre outros, os arts. art. 374, 376º , 405º, 798º, 811º e 812º do CC”.

6. Pugnando pela improcedência do recurso interposto pela autora, a ré apresentou ainda contra-alegações, em que conclui:

1 - Reportam-se as presentes Contra-Alegações a Recurso de Revista interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação …….., que julgou o recurso apresentado pela Autora parcialmente procedente e, em consequência disso, condenou a ré, a pagar ainda à autora, para além do já condenado na 1ª instância, a quantia de 31.191,95€, julgando não provado os restantes pedidos da A., nomeadamente no que respeita à aplicação da cláusula 3ª do contrato em apreço na presente lide.

2 - Considerando o objecto do presente recurso, e perante o disposto no art. 671º nº 3 do CPC, estamos perante um segmento decisório que foi duplamente apreciado, e que mereceu a mesma solução por duas instâncias, pelo que somos a entender que o Acórdão da Relação ……. confirmou a decisão proferida na 1.ª instância, não sendo, esse segmento decisório , passível de recurso de revista.

3 - Perante os factos dados como provados, é clarividente que não estão preenchidos os pressupostos para a aplicação da clausula 3ª nº 5 do contrato, já que (1) parte do projecto de arquitectura as especialidades não foi sequer desenvolvido, (2) não existia Lista de TODOS os trabalhos, materiais e equipamentos na data de cessação do contrato e (3) ainda não estávamos perante a fase adjudicação dos trabalhos de construção, sendo neste momento que a cláusula seria aplicável.

4 - Carece a pretensão da Recorrente, apresentada nas suas Alegações de Revista, de fundamento de facto e de direito, tendo o Tribunal Recorrido, nessa parte, feito uma correcta interpretação do contrato em face da prova, pelo que deve o Recurso improceder, com as legais consequências”.

8. Em 27.10.2020, proferiu o Exmo. Relator do Tribunal da Relação ….. despacho de admissão em que dizia:

Admito os recursos. São de revista.

Sobem imediatamente, nos autos, e com efeito meramente devolutivo. Notifique”.


*


Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), após pareciar as alegações produzidas em ambos os recursos, podem elencar-se as seguintes duas questões:

I. Questão resultante do recurso interposto pela autora Decriativos, S.A.

1.ª) se o disposto no n.º 5 da cláusula 3.ª do contrato é aplicável ao caso dos autos e, consequentemente, a ré deve ser condenada no pagamento do montante de 55.615,05 euros, respeitante à conversão do contrato em consultoria.

II. Questões resultantes do recurso interposto pela ré AA.

1.ª) se a alteração da decisão sobre a matéria de facto implicou a violação de regras do Direito probatório material; e

2.ª) se a ré deve ser adicionalmente condenada no pagamento do montante previsto na cláusula 7.º, n.º 4, al. a).


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II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:

1. Na sequência de contactos e de reuniões relativamente a projectos de investimento hoteleiro apresentados pela Autora a pedido da Ré, a Ré e o Sr. CC., na qualidade de arrendatários, celebraram um contrato de arrendamento do Monte ….. com o seu proprietário, com cláusula de opção de compra e após constituíram uma sociedade comercial, que seria a responsável pelo projecto a desenvolver pela Autora, que respeitava à concepção e execução de um novo conceito hoteleiro temático naquele local, com base no conceito de “chave na mão” e para a qual passaria também o contrato de arrendamento.

2. O arrendamento do Monte …..  pela Ré e o Sr. CC. foi promovido pela Autora.

3. A Ré e o Sr. CC. passaram a residir, após a assinatura do contrato de arrendamento acima mencionado, no Monte ….. , explorando a unidade hoteleira nas condições que esta tinha à data, na esperança da concretização dos planos definidos pela Autora com a maior brevidade.

4. O representante da Autora, DD., sugeriu que para suportar os projectos a submeter, fosse criada uma sociedade, para onde passariam todas as obrigações decorrentes dos serviços que aquela se propunha efectuar, sendo este requisito a para candidatura aos apoios comunitários.

5. Autora e Ré acordaram entre si a celebração de um contrato designado como “CONTRATO DE CONCEPÇÃO E EXECUÇÃO DE HOTEL”, que assinaram em 02 de Outubro de 2015.

6. No referido contrato, a Ré consta como Primeira Outorgante e a Autora como Segunda Outorgante.

7. Em consequência do referido contrato, cabia à Autora a execução de um novo conceito hoteleiro temático, com vista à requalificação do Monte …..  (cfr. Cláusula Primeira – Objecto e Âmbito) e, por sua vez, à Ré competiria, como obrigação principal, o pagamento da quantia de €400.000,00 correspondente aos serviços efetuados por aquela (cfr. Cláusula Terceira).

8. Na prossecução do objecto definido a Autora obriga-se perante a Ré a assumir toda a gestão técnica e operacional da intervenção a realizar, quer na concepção, quer na execução do projecto, designadamente, no que respeita a (cfr. Cláusula Primeira, n.º 2):

i. Preparação de projectos e obtenção de licenças para a sua execução;

ii. Selecção, contratação de empreiteiros, sub-empreiteiros e respectivos pagamentos; iii. Contratação de pessoal de fiscalização;

iv. Gestão operacional;

v. Informar de todas as diligências levadas a cabo.

9. Serão ainda encargos da Autora (cfr. Cláusula Segunda, n.º 2):

a. Desenvolvimento dos trabalhos e projectos de arquitectura, que se revelem necessários (…); b. Preparação de todos os elementos necessários à concretização do projecto (…);

c. Desenvolvimento do projecto de design de interiores e lista de materiais a apresentar à Ré, no prazo e 90 dias após a aprovação dos projectos de arquitectura (…);

d. Fiscalização e gestão do projecto (…);

e. Garantia do cumprimento de todas as normas aplicáveis à concepção e execução do projecto (…); f. Desenvolvimento de estudo de viabilidade económica e financeira;

g. Serviços de design gráfico e de comunicação;

h. Preparar as candidaturas que se revelem necessárias ao bom cumprimento das cláusulas anteriores, designadamente, os necessários à obtenção de apoios financeiros ao investimento e à execução do projecto.

10. No que diz respeito ao pagamento da quantia de €400.000,00 a cargo da Ré (cfr. Cláusula Terceira), esta subdividia-se em 10 fases, entre as quais, a primeira fase ou primeiro pagamento no dia da adjudicação e assinatura do Contrato e a segunda fase ou segundo pagamento no dia do início das obras (cfr. Cláusula Terceira, n.º 3).

11. O pagamento (parcial) desta fase foi realizado através da entrega pela Ré à Autora de 3 cheques nas seguintes quantias, tal como previsto na Cláusula Terceira, n.º 3:

- Cheque no valor de €6.700,00 em 02/10/2015; - Cheque no valor de €6.650,00 em 02/11/2015; - Cheque no valor de €6.650,00 em 30/12/2015.

12. A Autora compromete-se a desenvolver e preparar a submissão de uma candidatura aos apoios ao investimento no turismo em nome da Ré (cfr. Cláusula Terceira, n.º 4) e, caso a candidatura não venha a ser aprovada, ambas as partes acordam em submeter novas candidaturas até à obtenção da aprovação referida, sem qualquer custo acrescido para a Ré (cfr. alínea a); Se por qualquer motivo não imputável à Ré não for possível a aprovação da candidatura ao apoio financeiro ao investimento e já se tenham verificado três ou mais tentativas/candidaturas sobre o mesmo projecto, a Autora não receberá da Ré qualquer pagamento adicional ao devido e pago no acto da adjudicação e assinatura do contrato (…) (cfr. alínea b));

13. Se após a apresentação da lista de todos os trabalhos, materiais e equipamentos, referida na alínea d) do n.º 2 desta Cláusula, a Ré não proceder à sua aprovação nem vier a resultar das negociações um consenso entre as partes para a adjudicação dos trabalhos de construção à Autora, as partes acordam, desde já, reduzir o objecto do presente contrato à componente de CONSULTORIA EM CRIATIVIDADE ESTRATÉGICA elencada no quadro infra, prescindindo dos valores e da realização da componente EXECUÇÃO do presente contrato e reduzindo o valor da adjudicação para o montante e fornecimento dos serviços seguintes: (…) €47.600,00” (cfr. Cláusula Terceira, n.º 5).

14. A data prevista para início dos trabalhos de requalificação acordada entre as partes é 03 de Outubro de 2016 (cfr. Cláusula Quarta, n.º 4).

15. Prevê ainda o contrato, concretamente na alínea a) do n.º 4 da Cláusula Sétima que no caso da Ré desistir unilateralmente do investimento objecto do presente Contrato:

a. se a desistência ocorrer após a entrega do pedido de licenciamento nas entidades competentes, a Autora terá direito a receber da Ré, a título de indemnização pelos estudos, projectos e trabalhos realizados, a quantia de €20.000,00, acrescidos de IVA à taxa legal em vigor;

b. se a desistência ocorrer após aprovação do apoio financeiro ao investimento no turismo, a Autora terá direito a receber da Ré, a título de indemnização pelos estudos, projectos, trabalhos realizados e elaboração da candidatura aos apoios ao turismo, a quantia de €47.600,00, acrescidos de IVA à taxa legal em vigor”.

16. Prevê ainda o contrato na Cláusula Nona, n.º 3, que em caso de rescisão unilateral do presente contrato por parte da Ré por motivo não imputável à Autora, esta terá direito, se a rescisão ocorrer antes da concretização do segundo pagamento previsto no n.º 3 da Cláusula Terceira, a manter a quantia entretanto já recebida como primeiro pagamento perdendo a Ré o direito a utilizar qualquer dos projectos de arquitectura e design de interiores elaborados pela Autora e que retornam à sua posse e propriedade.

17. A Ré entregou à Autora três cheques pré-datados nas seguintes quantias, tal como previsto na Cláusula Terceira, n.º 3, do aludido contrato:

- Cheque no valor de €6.700,00 em 02/10/2015; - Cheque no valor de €6.650,00 em 02/11/2015; - Cheque no valor de €6.650,00 em 30/12/2015.

18. O representante da Autora, DD., sugeriu que para suportar os projectos a submeter, fosse criada uma sociedade, para onde passariam todas as obrigações decorrentes dos serviços que aquela se propunha efectuar, sendo este requisito para candidatura aos apoios comunitários,

19. Em cumprimento do projecto e do que tinha sido acordado entre as partes, a Ré e o Sr. CC. constituíram, seguindo as instruções da Autora, a sociedade “L....... Lda.”, que tinha como actividade principal o turismo no espaço rural, e secundária a organização de actividades de animação turísticas e outras actividades de diversão e recreativas, de que ambos eram sócios, e que iniciou a sua actividade em 16 de Março de 2016.

20.[1] A sociedade foi constituída, por exigência legal de apresentação à candidatura ao Portugal 2020, continuando os serviços não atinentes a tal candidatura a serem prestados pela autora à ré.

21. Tendo o contrato de arrendamento inicialmente celebrado com a Ré e o Sr. CC. com os proprietários do Monte …..  sido alterado, e passando a nele figurar a referida sociedade, o que de resto foi efectuado sob as orientações da Autora.

22.[2] A Autora faturou, à sociedade “L..... Lda.” o valor do levantamento topográfico que foi necessário efetuar para apresentação do projeto.

23. Tendo o(s) projecto(s) apresentados no âmbito da(s) Candidatura(s) Portugal 2020, sido efectuado(s) também em nome da referida sociedade “L..... Lda.”.

24. A Autora iniciou o desenvolvimento do projeto de arquitetura, com a realização do levantamento da unidade e respetivas medições por parte da sua equipa.

25.[3] No âmbito e para as finalidades do contrato, a autora procedeu à criação e divulgação de programas turísticos de forma que foram concebidos entre Outubro de 2015 e Dezembro de 2016, nomeadamente:

- Criação de programas turísticos; - Definição de preços de venda; - Design gráfico de Banners; - Design gráfico de flyers; - Design gráfico de newsletter; - Design de logótipo; - Tratamento e seleção de imagens; -Registo de domínio de alojamento de site (www.monte.......com) - Criação de website (não concluído); -Redesign do website antigo; - Envio de newsletters; - Consultoria de apoio financeiro. Tudo no valor não concretamente apurado»

26.[4] A Autora prestou à ré toda a consultoria de apoio financeiro ao realizar quer o plano de negócios quer a análise de viabilidade, como ainda na prospecção dos Bancos aquando da análise do crédito (entretanto recusado), o envio de informações para o programa “INVEST +”; bem como todo o apoio para desenvolver o projecto, newsletter e promoção.

27. No âmbito do Design gráfico e comunicação, a actuação da Autora estendeu-se desde a criação de um website até ao registo do domínio de alojamento de site, prestação de serviços de promoção e marketing da unidade e alojamento de serviço de e-mail.

28. A Autora criou ainda programas turísticos e enviou newsletters por si desenvolvidas, e das quais aqui se juntam, unitariamente, quarenta e três que foram devidamente enviadas.

29. A Autora desenvolveu flyers para promover o espaço.

30.[5] Tudo isto quer a pedido da Ré quer por iniciativa da Autora, o que aquela ia aceitando

31. No dia 28 de Janeiro de 2016 foi submetida para licenciamento na câmara Municipal de … o Projecto de Arquitectura desenvolvido para a requalificação e ampliação da unidade do Monte ….. .

32.[6] Por despacho do Presidente da Câmara de … de 13/03/2016, ratificado pela Câmara Municipal em reunião de 21/03/2016, foi aprovado o projecto de arquitectura elaborado pela autora e submetido a aprovação Camarária pela ré.

33. Ficou estabelecido com a entidade licenciadora um prazo de 6 (seis) meses para a entrega dos projectos das especialidades, fixando-se a data limite de entrega dos mesmos no dia 11 de Outubro de 2016.

34. Em Abril de 2016 foi submetida a candidatura aos apoios comunitários no âmbito do aviso 02/SI/2016 de Empreendorismo Qualificado e Criativo.

35. A candidatura foi submetida contendo o valor de investimento global de €641.408,18 (seiscentos e quarenta e um mil, quatrocentos e oito euros e dezoito cêntimos) – valor resultante da requalificação da unidade hoteleira, após todas as negociações com a Ré e o Sr. CC..

36. No dia 22 de Junho de 2016, o “Turismo de Portugal” comunicou a intenção de emissão de parecer desfavorável por considerarem que: “O projecto em apreço visa a remodelação de um alojamento local já existente em …… – Monte …..  – com a introdução de novos conceitos associados ao alojamento. Nos termos do n.o 6 do art. 21o, que estabelece as tipologias de projetos suscetíveis de apoio (...) para a área de empreendedorismo qualificado e criativo consideram -se enquadráveis os projetos cujos investimentos sejam de natureza inovadora, relacionados com a criação de um novo estabelecimento.”

37. A candidatura apresentada pela Autora revelou-se assim inadequada para os fins pretendidos, pois que a mesma se destinava à criação de um novo estabelecimento e não à remodelação.

38. A Autora informou a Ré da inviabilidade da candidatura e da necessidade e de apresentar outra.

39. Não havendo viabilidade para apresentação de alegações contrárias, a Autora aconselhou a Ré a desistir da candidatura, de forma a viabilizar a submissão de nova candidatura na fase que se encontrava a decorrer até 30 de Setembro de 2016.

40. A Ré não teve outra opção senão adiar, a pedido da Autora, o projecto de especialidades a apresentar junto da Câmara Municipal de ……, pois a nova candidatura apenas poderia ser apresentada até 30 de Setembro de 2016, no âmbito do aviso 12/SI/2016 “Inovação Produtiva”, pelo que a Autora teria ainda tempo para desenvolver o projecto de especialidades a apresentar junto da Câmara Municipal, tendo solicitado por isso, à Ré, que efectuasse um pedido de prorrogação do prazo, o que esta fez, de acordo com as ordens e solicitações da Autora, tendo sido concedido, como prazo final para apresentação do projecto de especialidades, o dia 17/01/2017.

41. Nessa sequência, a Autora deu início aos trabalhos para desenvolvimento dos projectos, tendo para o efeito agendado uma reunião de visita dos engenheiros à unidade objecto do projecto para o dia 05/09/2016.

42. Por se aproximar a data de entrega dos projectos de especialidades junto da Câmara Municipal de …, que havia ficado agendado para o dia 11 de Outubro de 2016, a Autora preparou e entregou um ofício com pedido de prorrogação do referido prazo no dia 7 de Setembro de 2016.

43. Tal pedido foi aceite a 23 de Setembro de 2016, conforme comunicação do despacho no qual consta o prazo limite final para entrega das especialidades de 17/01/2017.

44. A Autora procedeu de acordo com o previamente acordado, desenvolvendo a nova candidatura a apoios comunitários, a qual submeteu a 30 de Setembro de 2016, desta vez enquadrada no aviso 12/SI/2016 “INOVAÇÃO PRODUTIVA”.

45.[7] A partir de setembro de 2016, e considerando as vicissitudes que o processo do projeto estava a tomar, a ré passou a demonstrar alguma apreensão sobre a viabilidade e proficuidade do mesmo.

46. Assim, em 23 de Outubro de 2016, a Ré e o Sr. CC., na qualidade de sócios da sociedade “L...., Lda.”, solicitando à Autora a realização de uma reunião com urgência, que apenas se realizou em 12 de Dezembro de 2016.

47. Na referida reunião, a Ré e o seu companheiro manifestaram à Autora a sua indecisão na manutenção do projecto inicial, solicitando que esta lhe remetesse a factura do valor em dívida para liquidação do montante referente ao IVA.

48.[8] E que, se existisse qualquer outro montante a pagar, para fazer a indicação do mesmo.

49. Da mesma forma, também a Ré e o seu companheiro, na qualidade de sócios da sociedade “L...., Lda.” transmitiram a sua indecisão na manutenção do contrato de arrendamento ao senhorio, atendendo às dificuldades que encontraram na concretização do projecto.

50.[9] No final de Outubro de 2016 a ré e o Sr CC. (por si e na qualidade de sócios da sociedade L..... Lda.) comunicaram ao senhorio que pretendiam que o contrato de arrendamento cessasse no final de Dezembro desse mesmo ano.

51. No final do ano de 2016, data em que foi tomada a referida decisão, a Autora ainda não tinha apresentado o projecto de especialidades junto da Câmara Municipal de …...

52. E ainda não tinha sido concluída a candidatura ao Projecto Portugal 2020, sobre a qual tinha recaído um pedido de esclarecimento, desconhecendo-se se a mesma iria seria deferida.

53.[10] Pelo que, até aquela data, e para além dos trabalhos/serviços mencionados nos pontos 25 e 26, a Autora efectuou o projecto de arquitectura (sem projecto de especialidades) e apresentou a candidatura a fundos comunitários, estando decorrido mais de um ano sobre a data em que a Ré e o Sr. CC. se deslocaram para o Monte ….. .

54. A Autora solicitou ao gabinete de engenharia que suspendesse os trabalhos.

55. No dia 14 de Dezembro de 2016, o proprietário do “Monte …. ”, o Sr. EE., enviou um e-mail ao Dr. DD., director criativo da Autora, comunicando que a Ré lhe havia informado a sua intenção de rescindir o contrato de arrendamento da unidade.

56. No dia 23 de Dezembro a Autora respondeu ao referido e-mail, solicitando a confirmação da rescisão, tendo sido confirmado que a mesma produziria efeitos no final do ano de 2016.

57.[11]No dia 27 de Dezembro de 2016, e no seguimento da candidatura submetida a Autora recebeu um pedido de esclarecimentos complementares, através da plataforma do “Balcão 2020”.

58.[12] O referido pedido foi imediatamente enviado para os e-mails de contacto da promotora e da Autora, tendo sido estabelecido o prazo limite de 10 de Janeiro de 2017.

59. No dia 1 de Janeiro de 2017 foi remetido um e-mail à Ré comunicando o apuramento dos montantes a pagar pela rescisão do contrato, de forma a que a mesma tomasse a decisão em consciência e ponderando todas as eventualidades.

60. No dia 2 de Janeiro de 2017 o Dr. DD. enviou um e-mail solicitando o esclarecimento do silêncio face a ambas as situações de forma a proceder em conformidade.

61. A Autora enviou novo e-mail, no dia 10 de Janeiro, reforçando o teor dos e-mails anteriores, informando ainda que nas 23h59 desse dia terminava o prazo de resposta ao pedido de esclarecimento, o que implicaria a desistência automática da candidatura.

62. No dia 11 de Janeiro de 2017 o Turismo de Portugal emitiu uma comunicação automática a informar da desistência administrativa da candidatura por falta de resposta.

63. Face a tal comunicação, foi enviado um e-mail à Ré, no dia 12 de Janeiro de 2017, informando o teor daquela, pedindo novamente o pagamento do valor total em dívida pelos serviços prestados no âmbito do contrato celebrado, no total de €64.494,63 (sessenta e quatro mil, quatrocentos e noventa e quatro euros e sessenta e três cêntimos).

64. No dia 18 de Janeiro de 2017 a Ré remeteu uma carta dirigida à Autora, contestando os valores apresentados para rescisão de contrato.

65. Em 04/12/2017, a A. emitiu a factura referente aos serviços prestados no âmbito do contrato celebrado.

66. A Autora remeteu a factura emitida, a qual foi devolvida tendo novamente a Autora insistido por missiva datada de 19/02/2018, sem que tenha sido, até à data, efectivado qualquer pagamento na sequência de carta de interpelação acompanhada da respectiva fatura n.º …./16, com o recálculo dos valores em dívida referentes ao contrato por si assinado, no montante global de €92.016,83, como segue:

“Exma. Senhora,

Na sequência de incumprimento contratual perpetrado por V. Exa., vimos pelo presente solicitar a V. Exa. o pagamento dos montantes em falta, que se justificam nos seguintes termos:

- € 55.615,05 (cinquenta e cinco mil, seiscentos e quinze euros e cinco cêntimos), os quais correspondem à redução do contrato a consultoria por se encontrarem devidamente preenchidos os pressupostos da Cláusula Terceira, n.º 5, calculado sobre o valor de investimento global de € 641.408,18 (seiscentos e quarenta e um mil, quatrocentos e oito euros e dezoito cêntimos). Ao valor alcançado, fruto do recálculo, foi abatido o pagamento por V. Exas. efectuado, de € 20.000,00. (75.615,05-20.000,00=55.615,05).

- 36.401,78 (trinta e seis mil euros, quatrocentos e um euros e setenta e oito cêntimos) – correspondentes ao desenvolvimento de peças de comunicação e envio, conforme mapas de medição em anexo.

Solicitamos, ainda, o pagamento do IVA que se acha em falta, referente à factura 113/145, no montante de € 4.600,00 (quatro mil e seiscentos euros) – também em anexo.

Caso não seja efectuado o pagamento no prazo máximo de dez dias, e porque temos vindo a insistir ao longo de demasiado tempo, não nos restará outra opção senão a de instaurar a competente acção declarativa, na qual serão peticionados todos os valores devidos contratual e legalmente.

Com os melhores cumprimentos, Junta: 3 (Três) Documentos.”

67.[13] O valor de 400.00,00 euros do preço do contrato, foi aquando da sua execução, alterado para a quantia de € 641.408,18, aceitando a ré satisfazer à autora o acréscimo de tal diferença relativamente à primeira prestação, no montante de 11.191,95 euros.


O DIREITO

Questão (prévia) da admissibilidade dos recursos

Como é sabido, é possível, por vezes, delimitar nas decisões das instâncias certos segmentos decisórios; estes segmentos podem ser analisados separadamente para o efeito da dupla conforme (cfr. artigo 671.º, n.º 3, do CPC)[14].

Acontece isto in casu, verificando-se que a questão suscitada no recurso interposto pela autora já foi apreciada e decidida – decidida no mesmo sentido – por ambas as instâncias.

O Tribunal de 1.ª instância decidiu que o n.º 5 da cláusula 3.ª não era aplicável ao caso dos autos, afirmando:

(…) ao contrário do que a Autora entende, nos termos da cláusula Terceira, n.º 5, o montante aí fixado implicava sempre a aprovação do projecto e a adjudicação dos trabalhos, como se pode facilmente constatar dos pontos 1.4 (Engenharias) e 1.5. (Paisagismo), ou seja, implicava a apresentação dos projectos de especialidades, o que no caso concreto ainda nem tinha sucedido”.

E o Tribunal da Relação … confirmou esta decisão, afirmando, por sua vez:

Acompanha-se, perante os facto provados, que o caso não se subsume na previsão do nº5 da clausula 3ª, já que a autora não tinha ainda consecutido plenamente as suas obrigações perante a ré por falta de obtenção de licenciamento para o projeto, ex vi do incumprimento da sua obrigação de apresentação do projeto de especialidades.

Ora, quando assim é, ou seja, quando o Tribunal da Relação confirma, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente a decisão do Tribunal de 1.ª instância, configura-se uma situação de dupla conforme, o que conduz à inadmissibilidade da revista normal (cfr. artigo 671.º, n.º 3, do CPC).

Sobre este ponto já se pronunciaram a autora e a ré.

Pronunciou-se a autora, na qualidade de recorrente, dizendo:

Como, de seguida, iremos analisar com maior detalhe, o Tribunal da Relação … deu parcial razão à aqui recorrente no que respeita a alguns dos pontos da matéria de facto impugnada, sendo que no que respeita à aplicação do direito e subsequente condenação da recorrida também foi dada parcial procedência à pretensão recursiva.

Encontrando-se, neste momento, a factualidade definitivamente fixada, a recorrente continua a entender que, face aos factos provados, a solução jurídica alcançada pelo Tribunal não é mais correcta, pelo que impõe-se a interposição do presente recurso tendo em vista a correcta realização do direito.

Na verdade, e com o devido respeito por melhor opinião, o Tribunal recorrido errou ao não considerar aplicável o disposto no nº 5 da cláusula 3ª do contrato dos autos, o que fez com argumentação, e perante factos, fundamentalmente diferentes daquela que constavam da decisão proferida pela 1.ª Instância, como se irá demonstrar mais adiante.

A este propósito, veja-se o decidido pelo STJ em 01-04-2014 - Revista n.º 2024/11.3TVLSB.L1.S1 - 1.ª Secção - Maria Clara Sottomayor (Relatora) – Sebastião Póvoas - Moreira Alves:

«I - Com o DL n.º 303/2007, de 24-08 – que alterou o CPC –, quis o legislador restringir os recursos de revista a questões de direito controversas, cuja decisão seja distinta nas instâncias ou em que, apesar de coincidentes, exista um voto de vencido no acórdão recorrido.

II - No novo CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, alargou-se possibilidade de recurso a casos em que as decisões são coincidentes, mas assentaram numa fundamentação essencialmente diversa.»

Assim, o presente recurso de revista é admissível, pelo que passaremos, de imediato, a analisar o seu objecto já sumariamente enunciado”.

E pronunciou-se a ré, na qualidade de recorrida, dizendo:

o Tribunal, em sede de recurso e acompanhando a decisão de 1ª instância , decidiu que“, perante os factos provados, que o caso não se subsume na previsão do nº5 da clausula 3ª, já que a autora não tinha ainda consecutido plenamente as suas obrigações perante a ré por falta de obtenção de licenciamento para o projeto, ex vi do incumprimento da sua obrigação de apresentação do projeto de especialidades.”

Quanto a este elemento decisório, de aplicação da cláusula em causa do contrato e, em consequência, no que respeita à condenação da R. no pagamento de 55.615,05€, temos que a primeira instância e o Tribunal da Relação …… assumiram a mesma posição de direito, independentemente da alteração da matéria de facto efectuada.

Assim, sufragamos entendimento das instâncias superiores que “perante uma situação em que as decisões das Instâncias sejam compostas por segmentos dispositivos distintos, independentes e autónomos, sem qualquer conexão normativa entre si, o conceito de dupla conforme previsto no art.º 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, deve ser aferido separadamente em relação a cada um deles.”

Ainda, “não obsta à existência de uma relação de dupla conformidade, nos termos do n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, a circunstância de o Tribunal da Relação, face ao recurso interposto quanto à decisão de 1ª instância incidente sobre a matéria de facto, ter modificado em parte a matéria de facto, quando essa alteração não teve influência no sentido de ser alterada a decisão recorrida ou a sua fundamentação.”2 Somos, por isso, a defender, que considerando o objecto do presente recurso, e perante o disposto no art. 671º nº3 do CPC, que estamos perante um segmento decisório que foi duplamente apreciado, e que mereceu a mesma solução, pelo que somos a entender que o Acórdão da Relação ……. confirmou a decisão proferida na 1.ª instância, não sendo, esse segmento decisório , passível de recurso de revista.

Conclui-se, em face do que acima se deixou exposto, que o presente recurso não deve ser admitido, o que se requer com as legais consequências”.

Tem razão a autora quando afirma que foi alterada a decisão sobre a matéria de facto. Quanto ao problema em apreço, contudo, a razão final cabe à ré, aqui recorrida.

A alteração da decisão sobre a matéria de facto só poderia resultar no afastamento da dupla conforme se tivesse adquirido relevância para a decisão sobre a questão de direito[15]. Ora, a questão em causa no recurso da autora é decidida pelo Tribunal recorrido independentemente dos factos por ele aditados ou alterados. O Tribunal recorrido confirmou, pois, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diversa, a decisão do Tribunal de 1.ª instância quanto à questão que é suscitada agora no recurso da autora.

Esta dupla conformidade de decisões impede a admissibilidade do recurso de revista por via normal interposto pela autora (cfr. artigo 671.º, n.º 3, do CPC).

Veja-se agora o recurso interposto pela ré.

É verdade que a 1.ª questão suscitada neste recurso respeita à reapreciação da matéria de facto e que a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça neste domínio é meramente residual.

Apesar de tudo, o Supremo Tribunal de Justiça tem o poder / dever de garantir a observância das regras de Direito probatório material e de mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, conforme resulta do n.º 3 do artigo 674.º e do n.º 3 do artigo 682.º do CPC[16].

Mais precisamente, e como se diz no primeiro destes dispositivos, “[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais não pode ser objecto de recurso de revista”, mas o Supremo Tribunal de Justiça pode alterar a decisão proferida pelo tribunal recorrido no respeitante à matéria de facto quando, nessa fixação, tenha havido “ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova” – quer dizer: quando tenha sido dado como provado determinado facto sem que tenha sido produzido o meio de prova de que determinada disposição legal faz depender a sua existência, quando tenha sido dado como provado determinado facto por ter sido atribuído a determinado meio de prova uma força probatória que a lei não lhe reconhece ou quando tenha sido dado como não provado determinado facto por não ter sido atribuído a determinado meio de prova a força probatória que a lei lhe confere[17].

Nada impede, assim, que se aprecie o recurso interposto pela ré.

Aprecie-se, pois, as duas questões nele suscitadas.


*


1.ª questão: Da alegada violação dos artigos 374.º e 376.º do CC

A ré alega, nas suas conclusões de revista, que, ao aditar o facto 67 ao elenco de factos provados, o Tribunal a quo violou certas normas de Direito probatório material, mais precisamente as normas dos artigos 374.º e 376.º do CC (cfr. conclusões 2 a 7 e 16).

Do facto provado 67 consta que o valor de 400.00,00 euros do preço do contrato foi, aquando da sua execução, alterado para a quantia de 641.408,18 euros, aceitando a ré satisfazer à autora o acréscimo de tal diferença relativamente à primeira prestação, no montante de 11.191,95 euros.

Este facto foi, com efeito, aditado pelo Tribunal da Relação ….. ao elenco dos factos provados no âmbito da reapreciação da decisão sobre a matéria de facto.

A fundamentação do Tribunal foi a seguinte:

O novo aumentado valor do investimento, de € 641.408,18, atingido aquando da apresentação da 2ª candidatura aos apoios comunitários, já está provado no ponto 35.

Inexistindo impugnação deste facto ele sedimentou-se.

No atinente à atualização do valor do contrato em função do valor global da referida candidatura.

A autora alegou na pi. que o valor de 400.000,00 euros que consta no contrato como preço da sua execução foi um valor «estimado.»

Um valor estimado é um valor, até certo ponto, potencialmente aleatório e, assim, modificável.

O conceito de aleatoriedade afasta a ideia de certeza e inelutável imutabilidade futura, antes contém em si mesmo a possibilidade de alteração.

Esta aleatoriedade parece estar imanente ao jaez do presente contrato o qual se assume como de conceção, gestão e execução, e, assim, encerra uma complexidade tal que pode fazê-lo depender, vg. na definição definitiva do seu quantum, de muitas vicissitudes e condicionantes.

No caso vertente assim foi, vindo-se a alterar o valor para mais (podendo, em tese, ter-se até alterado para menos).

Decorre de todo o processo que as próprias partes admitiram esta incerteza quanto ao decorrer de todo o processo admitindo a necessidade de operara adaptações e mudanças em função das vicissitudes e necessidades que fossem surgindo.

Assim, e nos dizeres das partes, o valor do projeto aumentou para a mencionada verba porque foi adicionado um quarto à casa e foi comprado um barco.

Ora vistos os depoimentos das partes – rectius o da testemunha da autora DD. e o da própria ré – e as mensagens via internet trocadas entre estes, conclui-se que a ré aceitou tal valor.

Efetivamente, ela anuiu perante o DD. pagar a diferença da 1ª prestação, decorrente de tal aumento para a quantia de € 641.408,18, no montante de 11.191,95 euros.

E apenas não pagou porque invocou dificuldades de liquidez no momento. Por conseguinte, justifica-se a prova do seguinte facto adicional:

67 - O valor de 400.00,00 euros do preço do contrato, foi, aquando da sua execução, alterado para a quantia de € 641.408,18, aceitando a ré satisfazer à autora o acréscimo de tal diferença relativamente à primeira prestação, no montante de 11.191,95 euros”.

A ré alega, precisamente, que:

3. É inequívoco que entre as partes foi celebrado um contrato, que corresponde ao doc. nº10 junto com a PI que, nos termos da Cláusula Décima Primeira, estabelece que qualquer alteração ao contrato terá de obedecer à forma escrita com a menção da cláusula aditada.

4. Não foi efectuada qualquer prova da existência de qualquer documento assinado pelas partes, com a menção de qualquer aditamento ao contrato, nomeadamente no que respeita à alteração do montante e da alteração da cláusula Terceira.

5. Nos termos do arts. 374 e 376º do CC, temos que se considera estabelecida a autenticidade do documento, já que não foi impugnada a letra ou assinatura dele constantes, pelo que a Cláusula Decima primeira é válida entre as partes, dado que elaborada ao abrigo do princípio da liberdade contratual consagrado no artigo 405.º do Código Civil”.

Mas não lhe assiste razão.

Equacionar a hipótese de ter sido acordada entre as partes uma actualização ao valor do contrato inicialmente estipulado não significa pôr em causa o valor probatório do documento que constitui suporte material do contrato nem, consequentemente, pôr em causa a validade ou eficácia de alguma das suas cláusulas, pelo que nem o artigo 374.º do CC, sobre a autoria e da letra e da assinatura, nem o artigo 376.º do CC, sobre a força probatória do documento particular, foram ofendidos.

Antes de mais, diga-se, com Manuel Carneiro da Frada, que “as declarações contratuais não têm de ter um sentido único, definível para todo o sempre. Sobretudo quando elas visam criar uma disciplina para uma ligação contratual prolongada que enfrentará necessariamente várias vicissitudes, não (plenamente) antecipáveis pelos sujeitos[18].

Reforçando o ponto / indo mais longe, António Menezes Cordeiro afirma que “os factos posteriores ao comportamento interpretando (designadamente, o modo como o negócio foi executado) relevam, por exemplo, para concluir acerca do entendimento das partes quanto ao sentido do negócio (especialmente relevante no caso dos contratos duradouros, em que é normal que, durante o período de vigência, as partes ajustem o negócio à alteração das circunstâncias envolventes)[19].

É certo que, através da cláusula 11.ª, as partes convencionaram que as alterações ou os aditamentos ao contrato apenas seriam válidos se constassem de documento escrito, assinado por ambas as partes. Estipularam, assim, por esta via uma forma especial para a declaração, conforme previsto no artigo 223.º, n.º 1, 1.ª parte, do CC.

Mas, como resulta do mesmo artigo 223.º, n.º 1, 2.ª parte, do CC, isto apenas permite presumir que as partes se não quiseram vincular senão pela forma convencionada. Esta presunção é meramente relativa, havendo a possibilidade de ela ser ilidida por prova em contrário (cfr. artigo 350.º, n.º 2, do CC).

Sobre a possibilidade de ilisão desta presunção existe unanimidade da doutrina.

Afirma, por exemplo, António Menezes Cordeiro: “As partes podem, de comum acordo, não observar o combinado: haverá então uma revogação (distrate) da prévia convenção de forma, desde que as circunstâncias do caso permitam mesmo concluir pela vontade de suprimir o antes acordado[20].

Afirma Manuel Pita: “O que verdadeiramente está em causa é a presunção de que as partes não se querem vincular senão por aquela forma que convencionaram; ora, se, apesar disso, as partes se comportarem como vinculadas ao negócio menos solene que realizaram, a presunção cai, situação em que se entende ter havido uma verdadeira revogação da convenção sobre a forma[21].

E afirma Joana Vasconcelos: “Porém, e porque esta presunção – como a que se lhe segue, no n.º 2 –, é, nos termos gerais do artigo 350.º, n.º 2, relativa (iuris tantum), pode ser elidida mediante prova em contrário. E tal prova resultará das circunstâncias do caso, sempre que estes evidenciem que as partes, cientes da prévia fixação de uma forma mais exigente para o negócio quiseram, não obstante, vincular-se sem sujeição à mesma, por tal modo revogando ou derrogando a convenção quanto à forma por si outorgada (HÖRSTER, 1992: 442; OLIVEIRA ASCENSÃO, 2003: 63)[22].

Aquilo que aconteceu foi, então, que o Tribunal recorrido, considerando a prova produzida (depoimentos das partes, designadamente da ré, e mensagens trocadas entre as partes), deu aquela presunção por ilidida, ou seja, que as partes haviam manifestado a vontade de se vincular – e se haviam vinculado – por outra forma.

Resta, pois, concluir que o aditamento do facto 67 não comporta violação do Direito probatório material, pelo que se confirma, nesta parte, a decisão do Tribunal recorrido e, consequentemente, o segmento decisório respeitante à condenação da ré no pagamento do montante de 11.191,95 euros (alteração do valor inicial da primeira prestação da ré em resultado da alteração do valor do contrato).


2.ª questão: Da condenação adicional da ré no pagamento do montante previsto na cláusula 7.º, n.º 4, al. a)

Fundamentalmente, a ré contesta a sua condenação no pagamento adicional de 20.000 euros com fundamento na cláusula 7.ª, n.º 4, al. a), alegando, nas suas conclusões de revista, que as cláusulas 7.ª, n.º 4, al. a), e 9.ª, n.º 3, não podem ser aplicadas cumulativamente (cfr. conclusões 8 a 16).

Porque essenciais para compreender esta questão, devem convocar-se os factos provados 15, 16 e 17:

15. Prevê ainda o contrato, concretamente na alínea a) do n.º 4 da Cláusula Sétima que no caso da Ré desistir unilateralmente do investimento objecto do presente Contrato:

a. se a desistência ocorrer após a entrega do pedido de licenciamento nas entidades competentes, a Autora terá direito a receber da Ré, a título de indemnização pelos estudos, projectos e trabalhos realizados, a quantia de €20.000,00, acrescidos de IVA à taxa legal em vigor;

b. se a desistência ocorrer após aprovação do apoio financeiro ao investimento no turismo, a Autora terá direito a receber da Ré, a título de indemnização pelos estudos, projectos, trabalhos realizados e elaboração da candidatura aos apoios ao turismo, a quantia de €47.600,00, acrescidos de IVA à taxa legal em vigor”.

16. Prevê ainda o contrato na Cláusula Nona, n.º 3, que em caso de rescisão unilateral do presente contrato por parte da Ré por motivo não imputável à Autora, esta terá direito, se a rescisão ocorrer antes da concretização do segundo pagamento previsto no n.º 3 da Cláusula Terceira, a manter a quantia entretanto já recebida como primeiro pagamento perdendo a Ré o direito a utilizar qualquer dos projectos de arquitectura e design de interiores elaborados pela Autora e que retornam à sua posse e propriedade.

17. A Ré entregou à Autora três cheques pré-datados nas seguintes quantias, tal como previsto na Cláusula Terceira, n.º 3, do aludido contrato:

- Cheque no valor de €6.700,00 em 02/10/2015; - Cheque no valor de €6.650,00 em 02/11/2015; - Cheque no valor de €6.650,00 em 30/12/2015.

A interpretação do contrato – de qualquer contrato – deve ser feita no horizonte do declaratário normal (cfr. artigo 236.º, n.º 1, do CC). Este convoca diversos factores de ponderação e permite / obriga a transcender a mera fixação do sentido linguístico[23] e maximizar o efeito útil e a coerência das proposições contratuais.

Fazendo uma interpretação deste tipo[24], conclui-se que a cláusula 7.ª, n.º 4, al. a), visa regular os efeitos da desistência da ré.

É, com efeito, possível, as partes (ou alguma das partes) reservarem para si a faculdade de se desvincularem livremente do contrato mediante o pagamento de uma determinada soma. Sempre que tal ocorra – explica António Pinto Monteiro – “[d]eixará de poder exigir-se o cumprimento do contrato, dada a faculdade de arrependimento, que nele se convenciona[25].

Trata-se de uma cláusula de resgate ou multa penitencial, em que se dispõe sobre os efeitos da desistência (lícita), e não de uma cláusula penal, em que se dispõe sobre os efeitos do não cumprimento (ilícito).

A diferença entre a cláusula de resgate e a clausula penal é fácil de entender. Parafraseando Nuno Manuel Pinto Oliveira: enquanto a cláusula penal “não dá nunca aos contraentes a faculdade jurídica de se desvincularem do contrato e, por isso, de deixarem licitamente de cumprir”, a multa penitencial “dá-lhes sempre a faculdade jurídica de se desvincularem[26].

Esclarecida a função da cláusula 7.º, n.º 4, al. a), resta saber se ela se aplica ao presente caso, sabido que, ao abrigo da cláusula 9.º, n.º 3, a autora tem o direito de reter a quantia entretanto recebida como primeiro pagamento.

Quase sempre a interpretação dos contratos suscita dificuldades e o contrato dos autos não é excepção.

Tentando, no entanto, fixar a vontade das partes à luz do contrato no seu todo e ultrapassar as dúvidas que inevitavelmente decorrem da localização / autonomização das cláusulas contratuais e da linguagem jurídica mais ou menos imprecisa nelas usada, propende-se para entender que a vontade das partes é a de que a cláusula 7.ª, n.º 4, al. a), regule a hipótese especial em causa nos autos (desistência após a entrega do pedido de licenciamento).

Dispõe-se nesta cláusula, sem condicionamentos ou restrições, que, para compensar o conjunto de encargos relacionados com os estudos, projectos e trabalhos que a autora tenha realizado até esta altura, no quadro do contrato, ela tem direito a receber 20.000 euros.

Assim, além do direito a reter o primeiro pagamento efectuado, ao abrigo da cláusula 9.ª, n.º 3, entende-se, no seguimento da interpretação do Tribunal recorrido, que a autora terá também direito a receber a quantia prevista na cláusula 7.ª, n.º 4, al. a), ou seja, 20.000 euros.


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III. DECISÃO

Pelo exposto, decide-se:

I. julgar inadmissível o recurso interposto pela autora; e

II. negar provimento ao recurso interposto pela ré, confirmando-se a decisão do Tribunal recorrido.


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Custas dos recursos pela autora e pela ré na proporção do respectivo decaimento.

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Catarina Serra (Relatora)

Rijo Ferreira

Cura Mariano


Nos termos do artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1.05, declaro que o presente Acórdão tem o voto de conformidade dos restantes Exmos. Senhores Juízes Conselheiros que compõem este Colectivo, sendo que o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Rijo Ferreira ficou vencido quanto à admissibilidade do recurso interposto pela Autora, dado entender não se verificar uma situação de dupla conforme por inexistir segmentação decisória susceptível de autonomização.

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[1] Facto resultante da alteração da decisão sobre a matéria facto pelo Tribunal recorrido.
[2] Facto resultante da alteração da decisão sobre a matéria facto pelo Tribunal recorrido.
[3] Facto resultante da alteração da decisão sobre a matéria facto pelo Tribunal recorrido.
[4] Facto resultante da alteração da decisão sobre a matéria facto pelo Tribunal recorrido.
[5] Facto resultante da alteração da decisão sobre a matéria facto pelo Tribunal recorrido.
[6] Facto resultante da alteração da decisão sobre a matéria facto pelo Tribunal recorrido.
[7] Facto resultante da alteração da decisão sobre a matéria facto pelo Tribunal recorrido.
[8] Facto resultante da alteração da decisão sobre a matéria facto pelo Tribunal recorrido.
[9] Facto resultante da alteração da decisão sobre a matéria facto pelo Tribunal recorrido.
[10] Facto resultante da alteração da decisão sobre a matéria facto pelo Tribunal recorrido.
[11] Facto resultante da alteração da decisão sobre a matéria facto pelo Tribunal recorrido.
[12] Facto resultante da alteração da decisão sobre a matéria facto pelo Tribunal recorrido.
[13] Facto resultante da alteração da decisão sobre a matéria facto pelo Tribunal recorrido.

[14] Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.01.2019, Proc. 4378/16.6T8VCT.G1.S1 (disponível em dgsi.pt). Cfr., ainda, no mesmo sentido, por exemplo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10.04.2014, Proc. 2393/11.5TJLSB.L1.S1, de 27.04.2017, Proc. 300/14.2TBOER.L2.S1, de 4.10.2018, Proc. 1267/16.8T8VCT.G1.S1, de 6.11.2018, Proc. 452/05.2TBPTL.G2.S1 (relatado pela presente Relatora), de 21.02.2019, Proc. 1589/13.0TVLSB-A.L1.S1, e de 23.05.2019, Proc. 2222/11.0TBVCT.G1.S1 (todos disponíveis em www.dgsi.pt).
[15] Cfr., entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 2019, Proc. 5293/15. 6T8VNG.P1, e de 7 de Novembro de 2019, Proc. 2449/15.5T8PDL.L1.S1 (disponíveis em www.dgsi.pt).
[16] Sobre isto cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018 (5.ª edição), pp. 397 e s. e pp. 431 e s.
[17] Cfr., neste sentido, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.10.2009, Proc. n.º 474/04.0TTVIS.C1.S1 (disponível em www.dgsi.pt).
[18] Cfr. Manuel Carneiro da Frada, “Sobre a interpretação do contrato”, in: Forjar o Direito, Coimbra, Almedina, 2015, pp. 14-15.
[19] Cfr. António Menezes Cordeiro, Código Civil comentado – I – Parte Geral, Coimbra, Almedina, 2020, p. 694 (nota 8).
[20] Cfr. António Menezes Cordeiro, Código Civil comentado – I – Parte Geral, cit., p. 647.
[21] Cfr. Manuel Pita, in: Código Civil Anotado, volume I, Lisboa, Almedina, 2017, p. 275.
[22] Cfr. Joana Vasconcelos, in: Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, 2014, pp. 502-503.
[23] Como diz Manuel Carneiro da Frada (“Sobre a interpretação do contrato”, cit., p. 13), “as proposições contratuais revelam-se com muita frequência extremamente incertas no seu significado, pelo que a fixação do seu sentido não pode ser procurada no plano meramente linguístico”.
[24] Como admite Rui Pinto Duarte (A interpretação dos contratos, Coimbra, Almedina, 2016, pp. 17-18), as regras sobre interpretação dos contratos tornam-se decisivas nos casos de sujeição ao tribunal de litígios envolvendo contratos, sendo um dos seus destinatários privilegiados o juiz.
[25] Cfr. António Pinto Monteiro, Cláusula penal e indemnização, Coimbra, Almedina, 1990, p. 185.
[26] Cfr. Nuno Manuel Pinto Oliveira, Ensaio sobre o sinal, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, p. 46 (sublinhados do autor / interpolação nossa).