Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
189/12.6TELSB.P1-G.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: PROCESSO PENAL
RECURSO
JUÍZ DESEMBARGADOR
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
PRESIDENTE
CONFERÊNCIA
IMPEDIMENTOS
PRISÃO PREVENTIVA
Data do Acordão: 06/22/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - O impedimento regulado no art. 40.º do CPP é o que decorre de participação prévia no processo de um juiz que, como juiz de julgamento ou de recurso (ordinário ou de revisão), teve participação anterior nesse processo, numa fase processual anterior ou na mesma fase, nomeadamente por ter aplicado a medida de prisão preventiva. A al. a) do n.º 1 (anterior corpo) do art. 40.º do CPP visa garantir que o juiz que tenha aplicado a medida de prisão preventiva fique impedido de conhecer da causa em julgamento, recurso ou pedido de revisão.

II - Na alegação dos recorrentes, o impedimento do juiz presidente da secção criminal do tribunal da relação que presidiu à conferência, em 2021, que julgou o recurso da decisão final (acórdão condenatório), resulta da sua anterior participação, também, como juiz presidente da mesma secção criminal, no julgamento, em conferência, de recurso anterior de decisão, no mesmo processo, em 2016, de manutenção da prisão preventiva de um dos arguidos (art. 419.º do CPP).

III - De acordo com as disposições conjugadas das al. a) e d) do n.º 1 do art. 40.º do CPP, um juiz só está impedido de “intervir” em recurso relativo a processo em que tiver “proferido ou participado em decisão” de recurso anterior que tenha conhecido de decisão que aplica a prisão preventiva, mas não nos casos em que tenha “proferido ou participado em decisão” de recurso anterior que tenha conhecido de decisão que, em reexame dos pressupostos ou, em indeferimento de requerimento de substituição da medida, tenha mantido a prisão preventiva.

IV - Como resulta do elemento literal e do elemento sistemático de interpretação (nomeadamente da formulação textual dos art. 194.º e 213.º do CPP, que se referem, respetivamente, à aplicação e ao reexame e manutenção da medida, e da sua inserção sistemática), há que estabelecer distinção entre os conceitos (jurídicos) e decisões de “aplicação” e de “manutenção” da prisão preventiva.

V - No caso, o elemento histórico (trabalhos preparatórios da alteração ao art. 40.º do CPP introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25-08, na sequência da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do art. 40.º, na parte da sua redação original que permitia a intervenção no julgamento do juiz que, na fase do inquérito, decretou e posteriormente manteve a prisão preventiva do arguido – acórdão do TC n.º 186/98) e a evolução legislativa (Lei n.º 3/99, de 13-01; Lei n.º 48/2007, de 29-08; Lei n.º 20/2013, de 21-02; e Lei n.º 94/2021, de 21-12) oferecem contributo decisivo neste sentido.

VI - A questão de saber se a intervenção, na qualidade de presidente, que não votou o acórdão – limitando-se a presidir à sessão em que foi votado, aprovado e assinado pelos juízes desembargadores relator e adjunto, assim se formando maioria (art. 419.º, n.º 2, do CPP) –, pode considerar-se como “intervenção em recurso” abrangida pelo impedimento resultante da conjugação das normas das al. a) e d) do n.º 1 (anterior corpo) do art. 40.º, encontra-se prejudicada pelo facto de o anterior recurso não ter tido por objeto uma decisão que aplicou a medida de prisão preventiva, como exigido por aquela al. a).

VII - Não existindo impedimento do juiz desembargador presidente, não há que apreciar do invocado “contágio” alegadamente gerador de impedimento dos juízes desembargadores relator e adjunto que aprovaram e assinaram o acórdão de 15.12.2021, nem ocorre a nulidade cominada no art. 41.º, n.º 3, do CPP.

VIII - Não é inconstitucional a interpretação de que a previsão da al. a) do n.º 1 (anterior corpo) do art. 40.º não abrange decisões de reexame dos pressupostos ou de indeferimento de pedido de substituição e de manutenção da prisão preventiva, nem, consequentemente, a interpretação da norma extraída da conjugação das al. a) e d) no sentido de não incluírem na sua previsão “o juiz presidente da secção que tenha presidido à conferência prevista no art. 419.º do CPP, tendo dirigido os trabalhos e a discussão para julgamento, no mesmo processo, de recurso anterior que sujeite um arguido à medida de coação de prisão preventiva carcerária, mas, que não tenha votado por não se ter verificado empate entre o juiz relator e o juiz adjunto”.

Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO



1. AA, BB, "Life-Go - Comércio, Serviços e Imobiliária, Lda." "Fastwork – Comércio de Têxteis e Mobiliária, Lda.", CC, "Textiltudo, Lda", "Semma - Investimentos Têxteis, S.A.", e DD, “os sete primeiros, arguidos e recorrentes nos autos e a última, arguida e recorrida, tendo tomado conhecimento:

a)  Do despacho proferido pela Senhora Juíza Desembargadora Presidente da Secção Doutora EE, em 21 de dezembro de 2021, através do qual entendeu que relativamente à mesma (...) não se verificava a situação de impedimento prevista no artigo 40.º, alínea d) do CPP e não reconheceu (...) a situação de impedimento que lhe tinha sido oposta;

b)  Do despacho proferido pela Senhora Juíza Desembargadora Relatora Doutora FF, em 20 de dezembro de 2021, através do qual entendeu (...) não se encontrar em qualquer situação legalmente prevista de impedimento e declarou (...) não se encontrar impedida de intervir nestes autos; e

c)  Do despacho proferido pelo Senhor Juiz Desembargador 1º Adjunto Doutor GG, em 21 de dezembro de 2021, através do qual entendeu que (...) não se encontrava em qualquer situação legalmente prevista de impedimento e declarou (...) não se encontrar impedido de intervir nestes autos”

Interpõem recurso destas três decisões para o Supremo Tribunal de Justiça, requerendo “a revogação dos três despachos recorridos e a declaração do impedimento do tribunal coletivo ao qual foi atribuída competência para o julgamento dos autos de recurso penal n.º 189/12.6TELSB.P1 na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto e de cada um dos senhores juízes desembargadores que integraram esse tribunal coletivo, a saber: Doutora EE, na qualidade de presidente da secção, Doutora FF, na qualidade de relatora e Doutor GG, na qualidade de 1-º adjunto, para intervir em qualquer novo ato ou decisão pertinentes ao julgamento deste recurso, e desde logo, na conferência prevista no artigo 419.º do CPP, nos termos e por força do disposto nas alíneas a) e d) do artigo 410.º do CPP, com todos os efeitos legais daí decorrentes, mormente  o da nulidade de todo o processado deste recurso, nos termos do artigo 410.º, n.º 3, do CPP, desde o momento da atribuição à Senhora Juíza Desembargadora Presidente Doutora EE da competência para nele intervir como juíza presidente – designadamente a conferência que teve lugar e o acórdão final que veio a ser proferido”.

2. Apresentam motivação, de que extraem as seguintes conclusões (transcrição):

A.  A Senhora Juíza Presidente da Secção Doutora EE interveio neste mesmo Processo em decisão de Recurso anterior, tramitado com o n.º I89/12.6TELSB-D.P1 da mesma 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, que conheceu e decidiu manter a sujeição do Recorrente AA à medida de coação de prisão preventiva carcerária.

B.    Tal se alcança cristalinamente:

a.  Da aposição de "visto", no dia 5 de janeiro de 2016, pela Senhora Juíza Desembargadora Presidente Doutora EE, nos autos de Recurso n.° 189/I2.6TELSB-D.P1;

b.  Da inscrição em tabela, em 8 de janeiro de 2016, dos autos de Recurso n.° 189/12.6TELSB-D.P1 para julgamento pelas 14h30 do dia 13 de janeiro de 2016;

c.  Da ata da sessão em conferência do dia 13 de janeiro de 2016 para julgamento do referido Recurso n.º 189/12.6TELSB-D.P1, conhecido e julgado no mesmo dia 13 de janeiro de 2016.

C.  Não assiste razão à Senhora Juíza Desembargadora Presidente da Secção Doutora EE, no seu despacho de 21 de dezembro de 2021, impugnado através do presente Recurso, pelo qual entendeu que, relativamente à mesma (...) não se verificava a situação de impedimento prevista no artigo 40.º, alínea d) do CPP e não reconheceu (...) a situação de impedimento que lhe tinha sido oposta.

D.    Resulta da previsão do artigo 419.º do CPP:

a. Que a conferência é composta pelo presidente da secção, pelo relator e pelo juiz adjunto;

b.  Que os trabalhos e a discussão são dirigidos pelo presidente;

c.  Que é a conferência que julga o recurso quando o mesmo não deva ser julgado em audiência; e

d.  Que quando não seja possível formar-se maioria com os votos do relator e do juiz-adjunto, o presidente da secção vota, para desempatar.

E. Da análise do processado nos autos do Recurso n.° 189/12.6TELSB-D.P1, resulta que:

a.  A Senhora Juíza Desembargadora Presidente Doutora EE recebeu o Recurso n.° 189/12.6TELSB-D.P1 e após o seu visto, no dia 5 de janeiro de 2016, nos termos previstos no artigo 418.°, n.° 1 do CPP;

b.  A Senhora Juíza Desembargadora Presidente Doutora EE integrou a Conferência também composta pelos Senhores Juízes Desembargadores Doutor HH e Doutora II, que foi formada para julgamento do Recurso n.º 189/12.6TELSB-D.P1;

c.  A Senhora Juíza Desembargadora Presidente Doutora EE dirigiu os trabalhos e a discussão da Conferência para julgamento do dito recurso, no dia 13 de janeiro de 2016, que culminou com a prolação de acórdão de manutenção da decisão do Juiz de Instrução Criminal da primeira instância de sujeitar novamente, após o reexame previsto no artigo 213.° do CPP, o Recorrente AA à medida de coação de prisão preventiva carcerária; sendo que, conforme entendimento doutrinal e jurisprudencial, para os efeitos do artigo 40.º, alínea a) do CPP, a manutenção de medida de coação de prisão preventiva, nos termos do artigo 213.° do CPP, equivale à aplicação de tal medida; e

d. A Senhora Juíza Desembargadora Presidente Doutora EE só não assinou a decisão proferida nos autos do dito Recurso n.° I89/12.6TELSB-D.P1 porque tinha sido formada maioria com os votos do Senhor Juiz Relator e da Senhora Juíza Adjunta, mas, participou na Conferência que julgou o recurso e interveio e dirigiu os trabalhos e a discussão que concluiu pela manutenção da decisão do Juiz de Instrução Criminal da primeira instância de sujeitar novamente, após o reexame previsto no artigo 213.° do CPP, o Recorrente AA à medida de coação de prisão preventiva carcerária.

F.  A Senhora Juíza Desembargadora Presidente da Secção Doutora EE encontra-se em situação de impedimento para intervir em qualquer ato ou decisão pertinentes ao julgamento do Recurso penal n.º 189/12.6TELSB.P1 e, mormente, na Conferência prevista no artigo 419.º do CPP.

G.   Encontrando-se a Senhora Juíza Desembargadora Presidente da Secção Doutora EE numa situação de impedimento originário, tal impedimento contagia aos demais Senhores Juízes Desembargadores que constituem o Tribunal Coletivo ao qual foi atribuída competência para o Julgamento deste Recurso, a saber: a Senhora Juíza Desembargadora Relatora Doutora FF e o Senhor Juiz Desembargador 1.º Adjunto Doutor GG.

H. Os motivos de impedimento de um membro do Tribunal Coletivo, in casu, da Senhora Juíza Desembargadora Presidente da Secção Doutora EE, para intervir em qualquer novo ato ou decisão pertinentes ao Julgamento deste Recurso, não podem deixar de se estender a todos os restantes membros desse mesmo Tribunal; o que já foi reconhecido e decidido pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, mormente em Acórdão de 9 de maio de 2000, proferido no processo Sander contra o Reino Unido, com a seguinte lapidar conclusão: "Tratando-se de um tribunal colectivo ou do júri, basta a parcialidade de um dos seus membros para inquinar toda a actividade do tribunal".

I. Assim, encontra-se o Tribunal Coletivo, que os referidos Senhores Juízes Desembargadores constituem: Doutora EE, na qualidade de Presidente da Secção, Doutora FF, na qualidade de Relatora e Doutor GG, na qualidade de 1.º Adjunto, impedido de intervir em qualquer novo ato ou decisão pertinentes ao Julgamento deste Recurso, e desde logo na Conferência prevista no artigo 419.° do CPP, nos termos e por força do disposto nas alíneas a) e d) do artigo 40.° do CPP.

J. E mostra-se todo o processado deste Recurso nulo, nos termos do artigo 41.º, n.º 3 do CPP, desde o momento da atribuição à Senhora Juíza Desembargadora Presidente Doutora EE da competência para nele intervir como Juíza Presidente - designadamente, e sem prescindir, a Conferência que teve lugar e o Acórdão final que veio a ser proferido.

K. As normas dos artigos 40.º, alíneas a) e d) e 419.º, ambos do CPP, são inconstitucionais na interpretação normativa que não inclua na previsão do artigo 40.°, alíneas a) e d) do CPP o Juiz Presidente da Secção que tenha presidido à conferência prevista no artigo 419.° do CPP, tendo dirigido os trabalhos e a discussão para julgamento, no mesmo Processo, de Recurso anterior que sujeite um arguido à medida de coação de prisão preventiva carcerária, mas, que não tenha votado por não se ter verificado empate entre o juiz relator e o juiz adjunto; inconstitucionalidade que decorre da violação: dos direitos e garantias de defesa do arguido, previstos no artigo 32.° da Constituição da República, inclusive do direito ao Juiz natural, garantido constitucionalmente no artigo 32.º, n.º 9 da Lei Fundamental e do princípio basilar do processo penal, garantia e direito fundamental dos arguidos, da imparcialidade do tribunal e dos juízes, que decorre dos artigos 202.º, n.ºs 1 e 2 e 203.º da Constituição da República; dos direitos fundamentais de acesso ao Direito, à tutela jurisdicional efetiva e ao processo equitativo, consagrados no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4 da Constituição da República, no artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no artigo 6.º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no artigo 14.º, n.º 1 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e no artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do princípio da legalidade, consagrado no artigo 29.º, n.º 1 da Lei Fundamental e ainda do próprio conceito e princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição, concretamente do princípio do Estado de Direito Democrático no domínio da administração da justiça; sendo que a invocação das normas internacionais violadas resulta de se tratar de preceitos diretamente aplicáveis, que vigoram na ordem jurídica interna e vinculam todas as entidades públicas e privadas, nos termos dos artigos 8.º e 18.º da Lei Fundamental (…).”

3. Na resposta, o Senhor Procurador-Geral Adjunto na Relação do Porto defende a improcedência do recurso, terminando nos seguintes termos:

“Cremos não assistir razão aos recorrentes. (…)

Nas alíneas c) e d), sendo a última a que para aqui importa, estão previstas situações subjectivas, não pessoais mas de ligação funcional em momento anterior com o processo.

Há aqui que ter em conta, qual foi a intervenção do juiz e da sua intensidade, a fim de se apurar se tal intervenção é capaz de gerar imparcialidade. (…)

Com o fundamento de não ter votado a decisão afirma a Senhora Juíza Presidente da Secção no seu despacho agora recorrido: Não tendo votado a decisão anteriormente proferida nesse processo, entendo que não se verifica (aqui) a situação de impedimento prevista no art.º 40.º, d) do CPP.

Tal afirmação afigura-se-nos correcta, para que houvesse impedimento, por exigência legal, era necessário que o juiz tivesse “Proferido ou participado em decisão de recurso”, o que não é o caso.

A decisão de recurso foi tomada por unanimidade, ou seja, pelo Relator e 1º Adjunto, sendo que a Presidente da Secção não proferiu nem participou na decisão.

Mas mesmo que a Presidente da Secção tivesse participado na decisão que no caso não se verificou sempre se poderia dizer que o nível e a intensidade de comprometimento não justificavam o impedimento.

Lembramos o que a este respeito é referido pelo Senhor Juiz Conselheiro Henriques Gaspar [anotação ao artigo 40.º, CPP anotado]:

Nos casos de participação em recurso de decisão instrutória ou da aplicação das medidas de coacção, o nível e a intensidade de comprometimento com a matéria da causa podem igualmente gerar dúvidas sobre a existência de prejuízo ou preconceito, justificando o impedimento.

Por todo o exposto julgamos poder concluir pela inexistência do impedimento, como de resto concluiu a Senhora Juíza Desembargadora Presidente da Secção.

Solucionada esta questão o recurso quanto aos despachos da Senhora Juíza Desembargadora FF, relatora do acórdão e do Senhor Juiz Desembargador que interveio como Juiz-Adjunto também se mostra solucionada pois, como estes referem, em relação a eles nenhum fundamento é invocado por referência às situações previstas nos arts. 39.º e 40.º do CPPenal, sendo apenas alegado que a situação de impedimento que imputam à Exma. Presidente da Secção contaminou a sua intervenção.

Cabe ainda referir que no acórdão (final) proferido nestes autos a Senhora Juíza Desembargadora Presidente da Secção, não teve participação na decisão pois também aqui não foi chamada a desempatar e por isso mesmo não votou a decisão.

Vale o referido para se poder afirmar que mesmo que houvesse impedimento este não teria qualquer relevância porque a Juíza impedida não votou a decisão nem teve qualquer participação no decidido.

Em conclusão diremos que os despachos recorridos devem ser julgados válidos e mantidos, consequentemente não poderá ser atendida a nulidade invocada pelos recorrentes.”

4. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, para os efeitos do disposto no artigo 416.º do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça emitido parecer, também no sentido da improcedência do recurso, nos seguintes termos:

“(…) Foi ao abrigo das normas das alíneas a) e d) do artigo 40.º do CPP (…) que os recorrentes suscitaram os incidentes de impedimento de juiz no Tribunal da Relação do Porto que, não reconhecidos, levou à interposição do recurso em presença.

Os pedidos de recusa e escusa, na medida em que põem em causa a imparcialidade da justiça e o princípio do juiz natural, pressupõem situações excepcionais, fundadas em suspeita séria e grave, objectivamente adequada a gerar desconfiança sobre a imparcialidade na administração da justiça em determinado caso concreto, que só pela ponderação do circunstancialismo concreto se poderá decidir (Acórdão de 0-04-2014, do S.T.J, proferido no processo n.º 287/12.6JACBR.C1-A.S1 - 3.ª Secção).

E o que aqui está em causa, concretamente, é a natureza da participação da Senhora Desembargadora Presidente da Secção Criminal, e a sua essencialidade, no julgamento do recurso penal tramitado em apenso aos autos principais, sob o n.º 189/12.6TELSB-D.P1, interposto da decisão que havia determinado a sujeição do arguido AA à medida de coacção de prisão preventiva, em cujo âmbito foi proferido acórdão em 13.01.2016 que manteve a decisão por essa via impugnada.

Sendo inquestionável a participação da Senhora Desembargadora Presidente da Secção Criminal nesse recurso, inquestionável é também que essa participação teve lugar em sede de conferência, na qualidade de Presidente da Secção Criminal em que lhe coube a direcção dos trabalhos, sem que, porém, tivesse votado a decisão aí proferida, a qual foi tirada por unanimidade dos Senhores Juízes Relator e Adjunta, nos termos previstos no artigo 419.º, n.º 2, do C.P.P. (cfr. acta da sessão em conferência de 13.01.2016).

Foi, aliás, por esta a razão, por não ter votado decisão anteriormente proferida no processo, com os referidos contornos de manutenção da decisão que aplicou a medida de prisão preventiva, que a Senhora Desembargadora Presidente da Secção Criminal não reconheceu a situação de impedimento que lhe foi oposta, nos termos do disposto no artigo 40.º, alínea d), do C.P.P.

O que se afigura isento de crítica porquanto, na realidade, a decisão em questão foi tomada com os votos coincidentes dos Senhores Desembargadores Relator e Adjunta, o que tornou dispensável a intervenção da Presidente da Secção no desfecho do recurso, o mesmo é dizer que não proferiu nem participou na tomada de decisão, procedimento inteiramente conforme ao n.º 2 do artigo 419.º do C.P.P.

Como, aliás, sucedeu no julgamento dos recursos em apreciação no Tribunal da Relação do Porto no processo principal, já que também aí a decisão foi tomada com os votos coincidentes dos Senhores Desembargadores Relatora e Adjunto, como o assinala o Senhor Procurador-Geral Adjunto nesse tribunal na resposta que apresentou ao recurso.

Assim sendo, não ocorrendo impedimento da Senhora Desembargadora Presidente da Secção Criminal, nenhum impedimento se verifica também no que respeita aos Senhores Desembargadores Relatora e Adjunto, relativamente aos quais apenas vem invocado um efeito de “contaminação”, desprovido de sustentação legal.

7 – Nestes termos, e pelo que antecede, acompanhando a posição do Ministério Público no Tribunal da Relação do Porto, emite-se parecer no sentido de dever ser julgado improcedente o recurso interposto pelos arguidos (…)”

5. Notificados para responder, nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, os recorrentes nada disseram.

6. Colhidos os vistos e não tendo sido requerida audiência, o recurso foi remetido à conferência – artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP.

II. Fundamentação

7. Dos documentos cuja cópia consta da certidão junta aos autos resulta provado que:

7.1. Por acórdão de 7.4.2017 do tribunal coletivo do Juízo Central Criminal do Porto (Juiz 5), foi decidido:

a) Condenar o arguido BB, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, na pena de 5 anos de prisão;

b) Condenar o arguido AA, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, na pena de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução;

c) Condenar o arguido CC, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução;

d) Condenar a arguida DD, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução;

e) Condenar a sociedade “Semma – Investimentos Têxteis, S.A”, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, na pena de 1.100 dias de multa à taxa diária de 2.000 euros;

f) Condenar a sociedade “Textiltudo, Lda.”, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, na pena de 1.100 dias de multa à taxa diária de 2.000 euros;

g) Condenar a sociedade "Fastwork – Comércio de Têxteis e Mobiliária, Lda.", pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, na pena de 600 dias de multa à taxa diária de 2.000 euros;

h) No que dizia respeito “aos objetos apreendidos na residência do arguido BB ou noutros locais mas a este pertencentes ou propriedade de algumas das suas sociedades utilizadas no esquema fraudulento que resultou provado – ainda que algumas assumam a qualidade de terceiros em relação a estes autos” – aqui incluída a sociedade “Life-Go – Comércio, Serviços e Imobiliária, Lda.” (“que assumiu a qualidade de arguida no âmbito destes autos, mas relativamente á qual, no decurso do julgamento, foi decidida a separação dos processos”) – foram estes declarados perdidos a favor do Estado, “por ser manifesto que são produto da prática do crime, que resultou para o arguido numa vantagem patrimonial de 7 milhões de euros e para a qual as referidas sociedades deram o seu total contributo – art. 109.º e 110.º do CP”.

7.2. Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto, por todos os arguidos, exceto pela arguida DD, bem como pela sociedade “Life-Go – Comércio, Serviços e Imobiliária, Lda.”.

7.3. Foi também interposto recurso pelo Ministério Público tendo por objeto a absolvição dos arguidos BB, AA, CC e DD da prática de um crime de associação criminosa.

7.4. Por acórdão de 15.12.2021, votado em conferência presidida pela Senhora Juíza Desembargadora EE e assinado pela Senhora Juíza Desembargadora relatora FF e pelo Senhor Juiz Desembargador GG, para além do mais:

a) Foram julgados improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos AA, CC, BB e "Semma - Investimentos Têxteis, S.A.", mantendo-se a decisão recorrida;

b) Na procedência parcial do recurso interposto pela sociedade "Fastwork – Comércio de Têxteis e Mobiliária, Lda.", foi esta condenada na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de 2000 euros, no total de € 600 000;

c) Foi julgado improcedente o recurso da sociedade “Life-Go - Comércio, Serviços e Imobiliária, Lda”, mantendo-se a decisão recorrida:

d) Foi julgado procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, foram os arguidos BB, AA, CC e DD condenados pela prática de um crime de associação criminosa e, em cúmulo jurídico: o arguido BB, na pena de 7 anos e 6 meses de prisão; os arguidos AA, CC e DD, respetivamente, nas penas de 5 anos de prisão, 4 anos e 3 meses de prisão e 3 anos e 9 meses de prisão, todas suspensas na sua execução.

7.5. Invocando notificação, em 16.12.2021, do despacho proferido pela Senhora Juíza Desembargadora relatora, em exame preliminar do recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto, nos termos do artigo 417.º, n.º 7, do CPP, os recorrentes AA, BB, CC, “Life-Go - Comércio, Serviços e Imobiliária, Lda”, e "Fastwork – Comércio de Têxteis e Mobiliária, Lda.", para além de anunciarem a sua pretensão de reclamar desse despacho para a conferência, nos termos do n.º 8 do mesmo preceito, requereram, por requerimento apresentado no dia 19.12. 2021 (fls. 22257 a 22260 do processo principal), que fosse reconhecido e declarado “o impedimento do tribunal coletivo” e de cada um dos juízes desembargadores que o constituíam com fundamento em que a Senhora Juíza Desembargadora presidente EE se encontrava “originariamente” em “situação de impedimento” –  alegando que esta “interveio em decisão de anterior recurso”, decidido em conferência no dia 13.1.2016, que “decidiu manter a decisão do juiz de instrução da primeira instância de sujeitar novamente, após o reexame previsto no artigo 213.º, o recorrente AA à medida de prisão preventiva” –, situação que “contagia este impedimento aos demais Senhores Juízes Desembargadores que constituem o tribunal ao qual foi atribuída competência para o julgamento do recurso”.

Alegavam, em particular, que, ao procederem à consulta no Citius, nesse dia 16, que o processo havia sido remetido aos “vistos” no dia 10.5.2021, tendo a Senhora Juíza Desembargadora presidente, Dra. EE, e o Senhor Juiz Desembargador, Dr. GG, primeiro adjunto, aposto os seus vistos “dois ou três dias depois, no dia 13” e que, também no dia 10, o processo havia sido inscrito em tabela para a sessão do dia 15.

Pelo que, concluíam, os senhores juízes desembargadores estavam impedidos “de intervir em qualquer novo ato ou decisão pertinentes ao julgamento do recurso, e desde logo na conferência prevista no artigo 419.º”, “mostrando-se todo o processado do recurso nulo, nos termos do artigo 41.º, n.º 3, desde o momento da atribuição à Senhora Juíza Desembargadora Presidente Doutora EE da competência para nele intervir como Juíza Presidente – designadamente, e sem prescindir (…) a conferência que porventura tenha tido lugar e o acórdão que porventura tenha sido já proferido ou aprovado”. Assim, requeriam ainda que fosse declarada “a nulidade de todos os actos praticados pelo tribunal coletivo”.

7.6. Os senhores juízes desembargadores visados apreciaram os requerimentos de declaração de impedimento, pronunciando-se nos seguintes termos:

a) A Senhora Juíza Desembargadora presidente, Dra. EE, em 21.12.2021, dizendo: os “arguidos/recorrentes nos autos, requereram, além do mais, o meu impedimento para intervir na conferência, na qualidade de Presidente da Secção Criminal, com o fundamento de ter intervindo também na qualidade de Presidente da Secção, numa decisão subscrita pelo Senhor Desembargador HH (relator) e a Senhora Desembargadora II (primeira Adjunta), em 13-01-2016. Sucede que a decisão proferida na referida data (conferência de 13.01.2016) foi tomada por unanimidade (Relator e 1º Adjunto) pelo que, na qualidade de Presidente da Secção, não votei essa decisão - art. 419.º, 2, do CPP. Não tendo votado a decisão anteriormente proferida nesse processo, entendo que não se verifica (aqui) a situação de impedimento prevista no art 40º, d) do CPP. Face ao exposto, não reconheço a situação de impedimento que mé é oposta.”

b) A Senhora Juíza Desembargadora relatora, Dra. FF, em 20.12.2021, dizendo: “Relativamente à signatária, nenhum fundamento é invocado por referência às situações previstas nos arts. 39.º e 40.º do CPPenal, sendo apenas alegado que a situação de impedimento que imputam à Exma. Presidente da Secção contaminou a intervenção da signatária, titular do processo e relatora do a, em córdão proferido em conferência a 15-12-2021, e do Exmo. Colega que interveio como Juiz-Adjunto nessa decisão final. Não fundamentam a sua alegação de “contaminação” em qualquer preceito legal, que na verdade não existe. Assim, para efeitos do disposto no art. 41.º, n.º 2, in fine, do CPPenal, a signatária, por não se encontrar em qualquer situação legalmente prevista de impedimento, desde já declara que não se encontra impedida de intervir nestes autos.”

c) O Senhor Juiz Desembargador adjunto, Dr. GG, em 21.12.2021, dizendo: “Relativamente ao signatário, nenhum fundamento é invocado por referência às situações previstas nos arts. 39.º e 40.º do CPPenal, sendo apenas alegado que a situação de impedimento que imputam à Exma. Presidente da Secção contaminou a intervenção da Senhora Juíza Desembargadora, titular do processo e relatora do acórdão proferido em conferência a 15-12-2021, e do signatário que interveio como Juiz-Adjunto nessa decisão final. Não fundamentam a sua alegação de “contaminação” em qualquer preceito legal, não se percebendo por qual forma se possa entender o signatário como contaminado. Assim, para efeitos do disposto no art. 41.º, n.º 2, in fine, do CPPenal, o signatário, por não se encontrar em qualquer situação legalmente prevista de impedimento, desde já declara que não se encontra impedido de intervir nestes autos.”

7.7. Da ata da sessão em conferência da 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, de 15.12.2021, consta que esta foi presidida pela Senhora Juíza Desembargadora Dra. EE e que “procedeu-se à discussão das questões suscitadas nos autos de recurso acima identificados [189/12.6TELSB.P1]” (…) e que “discutidas as questões, e aprovado o projeto de acórdão, pela Exma. Senhora Juiz Desembargadora Dra. FF, por ela assinado e pelo Senhor Juiz Desembargador Adjunto, Dr. GG”.

7.8. Quanto ao anterior recurso do despacho de manutenção da prisão preventiva do arguido AA, verifica-se que este foi distribuído ao Senhor Juiz Desembargador HH e que foi apresentado na sessão da 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto de 13.1.2016, constando da ata da sessão que “em sessão presidida pela Excelentíssima Senhora Juiz Desembargadora Presidente da Secção Dra. EE (…) foram apresentados, a fim de se proceder à respetiva conferência, os autos de recurso acima identificados [189/12.6TELSB- D.P1]” e que “realizada a conferência, pelo Excelentíssimo Senhor Juiz Desembargador, HH foram entregues os autos com o antecedente acórdão por ele assinado e pela Exma. Senhora Juiz Desembargadora Adjunta, Dra. II”.

O recurso tinha por objeto uma decisão que indeferiu o requerimento do arguido pedindo a suspensão da prisão preventiva “alegando padecer de graves problemas de saúde” e “carecer de auxílio de terceira pessoa para cumprir necessidades básicas essenciais” e que procedeu ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva, nos termos do artigo 213.º do CPP, mantendo-a.

8. Estão, pois, em causa no presente recurso, as decisões da Senhora Juíza Desembargadora presidente da 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, Dra. EE, da Senhora Juíza Desembargadora relatora, Dra. FF, e do Senhor Juiz Desembargador adjunto, Dr. GG, que não reconheceram impedimento, por anterior participação em processo (artigo 40.º do CPP), para intervenção no recurso do acórdão de 7.4.2017 do Juízo Central Criminal do Porto (supra, 8.1), cuja declaração foi requerida pelos recorrentes, nos termos do artigo 41.º, n.º 2, do CPP e com as consequências (nulidade) previstas no n.º 3 do mesmo preceito.

O que remete para o regime dos impedimentos estabelecido nos artigos 39.º a 42.º do CPP.

9. Embora visando idêntica finalidade de tutela da garantia da imparcialidade do juiz, assim se incluindo no mesmo capítulo do CPP (Capítulo VI – Dos impedimentos, recusas e escusas), o regime dos impedimentos (artigos 39.º a 42.º) distingue-se do regime da recusa e da escusa estabelecido nos artigos 43.º a 45.º.

A possibilidade de recurso da decisão que indefere o requerimento de declaração de impedimento do juiz apresentado nos termos do n.º 2 do artigo 41.º do CPP encontra-se expressamente prevista no n.º 1 do artigo 42.º do mesmo diploma, que dispõe nos seguintes termos: “O despacho em que o juiz se considerar impedido é irrecorrível. Do despacho em que ele não reconhecer impedimento que lhe tenha sido oposto cabe recurso para o tribunal imediatamente superior”.

A decisão que indefere a arguição de impedimento de um juiz desembargador do tribunal da Relação é, pois, recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça.

10. O princípio da independência dos tribunais (artigo 203.º da Constituição) implica uma exigência de imparcialidade que, na projeção do direito a um tribunal independente e imparcial (artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos; cfr. acórdão de 23.5.2018, Proc. 1211/12.1PBSXL.L3-A.S1, em www.dgsi.pt), justifica uma previsão suficientemente ampla de suspeições do juiz, traduzida no regime de impedimentos, recusas e escusas – artigos 39.º a 47.º do CPP (sobre o tema, por todos, Figueiredo Dias/Nuno Brandão, Sujeitos Processuais Penais: O Tribunal, § 2. A tutela da imparcialidade: impedimentos e suspeições, texto de apoio, Faculdade de Direito, Coimbra, 2015).

Os impedimentos encontram-se especificados nos artigos 39.º e 40.º com base “em três ordens de razões”: a relação pessoal do juiz com algum sujeito ou participante processual, a necessidade de participar no processo como testemunha (artigo 39.º) e a intervenção anterior no processo, como juiz (artigo 40.º) ou noutra qualidade (artigo 39.º).

A proteção da garantia de imparcialidade do juiz é também assegurada, complementarmente, pelas suspeições, que podem constituir motivo de recusa ou de escusa (artigos. 43.º a 45.º). Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º: “a intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade”. Previne-se, assim, o perigo de a intervenção do juiz ser encarada com desconfiança e suspeita pela comunidade.

11. Dispõe o n.º 1 do artigo 40.º do CPP, na redação introduzida pelo artigo 11.º da Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, em vigor a partir de 21.3.2021, sob a epígrafe “impedimento por participação em processo”, na parte que agora interessa:

«1 - Nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver:

a) Praticado, ordenado ou autorizado ato previsto no n.º 1 do artigo 268.º ou no n.º 1 do artigo 269.º; (…)

d) Proferido ou participado em decisão de recurso anterior que tenha conhecido, a final, do objeto do processo, de decisão instrutória ou de decisão a que se refere a alínea a), ou proferido ou participado em decisão de pedido de revisão anterior. (…).»

Este n.º 1 corresponde, com alterações, ao corpo do artigo 40.º, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, que dispunha:

«Nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver:

a) Aplicado medida de coacção prevista nos artigos 200.º a 202.º; (…)

d) Proferido ou participado em decisão de recurso anterior que tenha conhecido, a final, do objeto do processo, de decisão instrutória ou de decisão a que se refere a alínea a), ou proferido ou participado em decisão de pedido de revisão anterior. (…).»

A alteração legislativa de 2021, que alargou o âmbito da al. a) a todas as medidas de coação ou de garantia patrimonial, à exceção da prevista no artigo 196.º (termo de identidade e residência) – em que se incluem as previstas nos artigos 200.º a 202.º (que compreendem a prisão preventiva), por remissão para o n.º 1 do artigo 268.º (em particular para a respetiva al. b), que respeita à aplicação de medida de coação) –, não interfere, pois, na apreciação do impedimento agora em análise, o qual, na alegação dos recorrentes, apresentada em momento anterior ao início de vigência da Lei n.º 94/2021, resulta da participação do juiz presidente da secção criminal no julgamento, em conferência, de recurso anterior de decisão, no mesmo processo, de manutenção da prisão preventiva de um dos arguidos (artigo 419.º do CPP).

Na sua alegação, tendo presidido à conferência em que foi julgado o recurso da decisão de “aplicação” (“renovação”) da prisão preventiva de um dos arguidos (em 13.1.2016) – embora não tendo votado o acórdão, por se ter formado maioria com os votos dos juízes desembargadores relator e adjunto –, a Senhora Juíza Desembargadora EE estava impedida de presidir à conferência de julgamento do recurso da decisão final do mesmo processo (que teve lugar em 15.12.2021), por aplicação da al. d) (participação em decisão de recurso anterior de decisão a que se refere aquela al. a)). Mais que isso, esse impedimento, diz o recorrente, contamina a imparcialidade dos juízes desembargadores relator e adjunto neste processo. O que, a verificar-se, determinaria a nulidade dos atos praticados (artigo 41.º, n.º 3, do CPP).

12. O impedimento regulado no artigo 40.º do CPP é o que decorre de participação prévia no processo de um juiz que, como juiz de julgamento ou de recurso (ordinário ou de revisão), teve participação anterior nesse processo, numa fase processual anterior ou na mesma fase, nomeadamente por ter aplicado a medida de prisão preventiva.

A alínea a) do n.º 1 (anterior corpo) do artigo 40.º do CPP visa garantir que o juiz que tenha aplicado a medida de prisão preventiva fique impedido de conhecer da causa em julgamento, recurso ou pedido de revisão.

Como resulta do elemento literal e do elemento sistemático de interpretação (nomeadamente da formulação textual dos artigos 194.º e 213.º do CPP, que se referem, respetivamente, à aplicação e ao reexame e manutenção da medida, e da sua inserção sistemática), há que estabelecer distinção entre os conceitos (jurídicos) e decisões de “aplicação” e de “manutenção” da prisão preventiva.

No caso, o elemento histórico (trabalhos preparatórios) oferece contributo decisivo.

13. Como limpidamente se extrai da história das alterações introduzidas na redação desta alínea a), na sequência da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral – na parte da sua redação original que permitia a intervenção no julgamento do juiz que, na fase do inquérito, decretou e posteriormente manteve a prisão preventiva do arguido (Acórdão n.º 186/98 do Tribunal Constitucional, de 18.2.1998, DR I-A, 20.3.1998) –,  pela Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, e pela Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro, bem como pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto (Declaração de Rectificação 105/2007, de 9 de novembro), este impedimento, no que agora releva, circunscreve-se aos casos de aplicação da medida de prisão preventiva, nele não estando abrangidas as hipóteses em que o juiz se tenha limitado a manter essa medida (salientando este ponto, Figueiredo Dias/Nuno Brandão, loc. cit., p. 20, Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, Católica Editora, 2011, p. 125).

Na sua redação originária (Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro, dispunha o artigo 40.º do CPP: «Nenhum juiz pode intervir em recurso ou pedido de revisão relativos a uma decisão que tiver proferido ou em que tiver participado, ou no julgamento de um processo a cujo debate instrutório tiver presidido.»

Os acórdão do Tribunal Constitucional n.ºs 935/96, 656/97 e 467/97 julgaram inconstitucional, em três casos concretos, «a norma constante do artigo 40.º do Código de Processo Penal, na parte em que permite a intervenção no julgamento do juiz que, na fase de inquérito, decretou e posteriormente manteve a prisão preventiva do arguido, por violação do artigo 32.º, n.º 5, da Constituição», pelo que o Ministério Público, ao abrigo do artigo 281.º, n.º 3, da Constituição e do artigo 82.º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro), requereu que fosse apreciada e declarada, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 40.º do Código de Processo Penal, nessa parte, inconstitucionalidade que veio a ser declarada pelo mencionado acórdão n.º 186/98.

Na sequência do acórdão 186/98, com o intuito de dar “cumprimento estrito à jurisprudência do Tribunal Constitucional, sem a ampliar” (conforme requerimento de avocação pelo plenário da Assembleia da República da votação na especialidade do artigo 40.º, em que foram aprovadas as alterações ao CPP introduzidas pela Lei n.º 59/98, com origem na Proposta de Lei do Governo 157/VII/3, omissa quanto a este ponto – cfr. DAR I Série, n.º 86, de 30.6.1998, pp. 46-47 e DAR II Série, n.º 65, de 1.7.1998, pp. 1492 (58), (62), (89) e (93)), foi aditada ao artigo 40.º a expressão “(…) ou em que tiver aplicado e posteriormente mantido a prisão preventiva do arguido”. Salientou-se, então, tratar-se de um “requisito cumulativo” e que “nos outros casos não se justifica o impedimento”, o que levou ao afastamento do texto, aprovado em Comissão, a que havia sido aditada a expressão “ou em que tiver aplicado ou posteriormente mantido a prisão preventiva do arguido”. Substituiu-se, assim, a disjuntiva (alternativa) “ou” pela copulativa (aditiva) “e” que passou a constar do texto final do artigo 40.º. Na sequência desta alteração, este passou a ter a seguinte redação: “Nenhum juiz pode intervir em recurso ou pedido de revisão relativos a uma decisão que tiver proferido ou em que tiver participado, ou no julgamento de um processo a cujo debate instrutório tiver presidido ou em que tiver aplicado e posteriormente mantido a prisão preventiva do arguido”.

A Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro, limitou-se a intercalar a expressão “no inquérito ou na instrução”, mantendo inalterado o sentido e âmbito do impedimento quanto à sua extensão (limitado à aplicação da medida de prisão preventiva).

Por sua vez, a Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto (Declaração de Rectificação 105/2007, de 9 de novembro), deu nova estrutura ao artigo 40.º, também sem alterar o sentido e âmbito do impedimento, passando a al. a) a estipular que “Nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver: a) Aplicado medida de coacção prevista nos artigos 200.º a 202.º; (…)”.

Como se vê da Proposta de Lei n.º 109/X, que esteve na origem deste diploma, não teve o legislador qualquer intenção de alargar o impedimento às situações em que o juiz, reexaminando os pressupostos, mantém a prisão preventiva. Com efeito, a alteração ao artigo 40.º vem assim justificada: “O regime de impedimentos, previsto no artigo 40.º, é modificado. (…) Não se estende o impedimento ao juiz que tenha mantido a medida de coacção, porque tal proibição não tem a seu favor justificação tão intensa e seria de difícil aplicação prática” (argumento que, como se vê da discussão da alteração de 1998, também pesou na opção legislativa então tomada – DAR I Série, n.º 86, de 30.6.1998, pp. 46-47, cit. supra).

Para além disso, foi inserida a al. d), passando o preceito a dispor que: “Nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver: d) Proferido ou participado em decisão de recurso ou pedido de revisão anteriores”.

Este propósito do legislador continuou presente nas alterações introduzidas através da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, que manteve inalterada a al. a), modificando, porém, a al. d), que passou a ter a seguinte redação: “Nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver: d) Proferido ou participado em decisão de recurso anterior que tenha conhecido, a final, do objeto do processo, de decisão instrutória ou de decisão a que se refere a alínea a), ou proferido ou participado em decisão de pedido de revisão anterior”. Como consta da Exposição de Motivos da Proposta de Lei 77/XII (que esteve na origem da Lei n.º 20/2013), “aproveitou-se a iniciativa para clarificar que o impedimento por decisão ou participação em recurso anterior apenas se verifica nos casos agora indicados na alínea d) do artigo 40.º”.

Finalmente, como já se viu (supra, 12), a Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro não introduziu alteração de relevo, limitando-se, no que agora releva, a alargar o âmbito das medidas cuja aplicação, para além da prisão preventiva, pode constituir motivo de impedimento.

14. Do que vem de se expor resulta, pois, seguro concluir que, de acordo com as disposições conjugadas das alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 40.º do CPP, um juiz só está impedido de “intervir” em recurso relativo a processo em que tiver “proferido ou participado em decisão” de recurso anterior que tenha conhecido de decisão que aplica a prisão preventiva, mas não nos casos em que tenha “proferido ou participado em decisão” de recurso anterior que tenha conhecido de decisão que, em reexame dos pressupostos ou, em indeferimento de requerimento de substituição da medida, tenha mantido a prisão preventiva.

Neste sentido tem decidido este Supremo Tribunal.

Lê-se no acórdão de 3.12.2003 (Henriques Gaspar), Proc. 03P3284, em www.dgsi.pt (por lapso identificado como despacho): “A simples manutenção da prisão preventiva no reexame trimestral, (…) não está, enquanto tal e isoladamente, prevista como motivo de impedimento no artigo 40º do CPP”.

E no acórdão de 7.6.2017 (Oliveira Mendes), Proc. 1160/15.1.PAPTM.E1.S1: “(…) a questão que vem colocada é de eventual impedimento, sendo o fundamento invocado o de o juiz visado haver tido intervenção em fase anterior do processo, concretamente ter participado em decisão proferida em recurso que manteve decisão que reexaminou os pressupostos da medida de coacção de prisão preventiva à qual o arguido se encontra submetido. (…) Tal intervenção não constitui motivo legal de impedimento, isto é, não configura situação enquadrável na previsão do art. 40.º, do CPP. A decisão de recurso em que o juiz visado participou limitou-se ao reexame dos pressupostos de prisão preventiva, sendo certo que, como o STJ tem vindo a decidir, o reexame dos pressupostos de aplicação da prisão preventiva não tem a densidade qualitativa da decisão que aplica a própria medida.”

15. Como já se viu, a Senhora Juíza Desembargadora Presidente da Secção Criminal presidiu à sessão da conferência (artigo 419.º do CPP) em que foi discutido e aprovado um acórdão proferido em recurso anterior, no mesmo processo, que tinha por objeto uma decisão que indeferiu o requerimento do arguido que pedia a suspensão da prisão preventiva “alegando padecer de graves problemas de saúde” e “carecer de auxílio de terceira pessoa para cumprir necessidades básicas essenciais” e que procedeu ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva, nos termos do artigo 213.º do CPP, mantendo-a (supra, 7.8).

Assim, a questão de saber se a sua intervenção, na qualidade de presidente, que não votou o acórdão – limitando-se a presidir à sessão em que foi votado, aprovado e assinado pelos juízes desembargadores relator e adjunto, assim se formando maioria (artigo 419.º, n.º 2, do CPP) –, pode considerar-se como “intervenção em recurso” abrangida pelo impedimento resultante da conjugação das normas das alíneas a) e d) do n.º 1 (anterior corpo) do artigo 40.º, encontra-se prejudicada pelo facto de o anterior recurso não ter tido por objeto uma decisão que aplicou a medida de prisão preventiva, como exigido por aquela alínea a).

Pelo que, por não ter apoio na lei, não procede o argumento, não justificado, do recorrente de que, “conforme entendimento doutrinal e jurisprudencial, para os efeitos do artigo 40.º, alínea a) do CPP, a manutenção de medida de coação de prisão preventiva, nos termos do artigo 213.º do CPP, equivale à aplicação de tal medida”.

16. O recorrente coloca, porém, esta interpretação no plano da constitucionalidade.

Não questiona direta e isoladamente a constitucionalidade da norma da al. a), por não inclusão dos casos de manutenção da prisão preventiva, mas fá-lo por via da impugnação de constitucionalidade da norma extraída da conjugação das alíneas a) e d). Alega, assim, que “são inconstitucionais na interpretação normativa que não inclua na previsão do artigo 40.°, alíneas a) e d) do CPP o Juiz Presidente da Secção que tenha presidido à conferência prevista no artigo 419.° do CPP, tendo dirigido os trabalhos e a discussão para julgamento, no mesmo Processo, de Recurso anterior que sujeite um arguido à medida de coação de prisão preventiva carcerária, mas, que não tenha votado por não se ter verificado empate entre o juiz relator e o juiz adjunto”.

A arguição de inconstitucionalidade vem formulada em termos genéricos, por alegação da “equivalência” entre “aplicação” e “manutenção” através da ideia de “sujeição” à medida, e mera invocação de contrariedade com várias normas da Constituição e de instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos.

17. O Tribunal Constitucional (TC) já se pronunciou em várias ocasiões a propósito da conformidade constitucional do artigo 4º. do CPP.

17.1. Referindo-se a uma situação similar e notando que o acórdão 186/98 “sustentou uma lógica de reiteração e de verificação de circunstâncias especiais que afectam a imparcialidade e a isenção do juiz que não se verificam neste caso”, disse o TC lapidarmente no acórdão n.º 29/99, de 13.1.1999:

“A simples manutenção da prisão preventiva, no segundo reexame trimestral, após a dedução da acusação na fase final do inquérito, não conduz, por si só, a essa intensa convicção de que o crime foi praticado nem exige, constitucionalmente, pelo seu grau, a criação de obstáculos formais a que, por essa via, se produzam pré-juízos relativamente à culpabilidade do arguido”.

Decidindo, em consequência, “Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 40º do Código de Processo Penal, na versão dada pelo Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro, quando interpretado no sentido de não prescrever sempre o impedimento de intervenção no julgamento do juiz que determinou, anteriormente, a manutenção da prisão preventiva aplicada ao arguido, ao abrigo do disposto no artigo 213º do mesmo Código”.

17.2. No mesmo sentido se pronunciou o acórdão 129/2007, de 27.2.2007, em que o TC apreciou uma situação em que, no mesmo recurso, duas das juízas desembargadoras que integravam o tribunal, tinham intervindo no mesmo processo, em 1.ª instância, uma aplicando e outra examinando e mantendo a prisão preventiva do arguido. Extraem-se deste acórdão os elementos mais relevantes, que dispensam considerações suplementares:

“A questão (…) não é nova, mas recorrente e simétrica àquela que foi colocada e respondida nos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 338/99 e 297/2003. Dos sucessivos pronunciamentos do Tribunal Constitucional sobre esta questão há uma linha de raciocínio que se mantém, deles se retirando com interesse para o caso que é do tipo e frequência da intervenção que o julgador teve, na fase do inquérito, com especial relevância do momento em que, dentro dessa fase, ela ocorreu (…), que há-de resultar o juízo sobre a isenção, imparcialidade e objectividade do juiz enquanto julgador. (…) Tem sido entendimento constante do Tribunal Constitucional que ‘não é qualquer intervenção na fase de inquérito por parte do juiz que depois há-de participar no julgamento que é apta a justificadamente pôr em causa a sua independência e imparcialidade. (…)  o acervo jurisprudencial do Tribunal Constitucional sobre a matéria permite identificar uma orientação clara e firme (em especial, a partir do Acórdão n.º 935/96, se não já do Acórdão n.º 114/95) sobre os imperativos constitucionais em matéria de impedimentos do julgador, decorrentes do princípio do acusatório, em processo penal (…). A resposta que o Tribunal Constitucional tem vindo a dar a situações similares é negativa, foi negativa nos Acórdãos n.ºs 297/2003 e 338/99. Negativa tem sido também a resposta do TEDH. (…) Tem entendido este Tribunal que o envolvimento em decisões pré-julgamento não justifica só por si o receio quanto à imparcialidade. (…) Negativa também será a nossa resposta no caso (…)”;

“(…) não viola o artigo 32.º , n.ºs 1 e 5, da Constituição, a interpretação do artigo 40.º do Código de Processo Penal, que permita a intervenção no julgamento da juíza que, na fase inicial do inquérito, procedeu ao interrogatório inicial do arguido e decretou a prisão preventiva desse arguido, nem a interpretação do mesmo artigo 40.º que permita a intervenção no julgamento de outra juíza que em cumprimento do disposto no artigo 213.º do Código de Processo Penal procedeu ao reexame da prisão preventiva, mantendo-a, e já após a acusação indeferiu um pedido de alteração dessa medida de coacção. (…) a imparcialidade dos tribunais é uma exigência não apenas contida no artigo 32.º da Constituição, mas uma decorrência do Estado de direito democrático (artigo 2.º), na medida em que se inscreve na garantia universal de defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, através de um órgão de soberania com competência para administrar a justiça (artigo 202.º, n.º 1, da Constituição). Ora, neste dever genérico de imparcialidade do tribunal inclui-se uma exigência de não suspeição subjectiva do juiz; (…) retira-se, para além disto, uma exigência de imparcialidade objectiva do tribunal, decorrente da estrutura acusatória do processo penal (…)”;

Frisando que, nos anteriores acórdãos (citando os acórdãos n.ºs 186/98, 29/99, 338/99 e 423/2000), o TC tinha entendido «repetidamente» que «um juízo de inconstitucionalidade da norma que permita a intervenção no julgamento do juiz que participou numa fase anterior, por violação do artigo 32.º , n.º 5, da Constituição, pressupõe que as intervenções do juiz — pela sua frequência, intensidade ou relevância — sejam aptas a razoavelmente permitir que se formule uma dúvida séria sobre as condições de isenção e imparcialidade desse mesmo juiz ou a gerar uma desconfiança geral sobre essa mesma imparcialidade e independência», observou que «a simples decisão pela manutenção do quadro existente em termos de medidas de coacção, no momento do recebimento da acusação, não é suficiente para, por si só ou em conjugação com a intervenção anterior, conduzir à formulação de uma dúvida séria, razoável, objectiva sobre as condições de isenção e imparcialidade do juiz ou a gerar uma desconfiança geral da comunidade sobre essa mesma isenção e imparcialidade, termos em que não se verifica a alegada violação inconstitucionalidade».

E conclui: «Pode, portanto, concluir-se que o Tribunal Constitucional tem mantido o entendimento de que a prática de actos isolados durante o inquérito não constitui, em princípio, causa de quebra objectiva da imparcialidade do juiz, determinante do seu impedimento no julgamento. (…) Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucional a norma do artigo 40.º do Código de Processo Penal, na versão resultante da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, enquanto interpretada no sentido de permitir a intervenção simultânea, no julgamento, de juiz que, findo o primeiro interrogatório judicial do arguido detido, decretou a sua prisão preventiva e de juiz que, no decorrer do inquérito, manteve a prisão preventiva e, posteriormente à acusação, indeferiu o pedido da sua revogação.»

18. Por identidade de razão, esta jurisprudência, da qual não há razão para divergir, é igualmente aplicável às situações em que, como a dos autos, a intervenção dos juízes ocorre, em ambos os casos, na fase de recurso.

19. A este propósito pode ainda ler-se no acórdão de 3.12.2003 (Henriques Gaspar), Proc. 03P3284, citado, que se acompanha:

[A decisão de manutenção da prisão preventiva] “não é susceptível de revelar a participação intensa que crie risco de produção de pré-juízos desfavoráveis ao arguido, não afectando a garantia de imparcialidade do tribunal do julgamento”.

“A sucessão normativa e as razões que a determinaram constituem, pois, elementos relevantes de interpretação. A norma constante do artigo 40.º do CPP, como resulta da função que lhe é assinalada e das consequências processuais que envolve a respectiva violação, bem como pela sistemática da sua inserção, pretende garantir a imparcialidade do juiz enquanto elemento fundamental à integridade da função jurisdicional. Na medida da intensidade da intervenção processual anterior que considera como factor de impedimento, fixa o quadro de referências que o legislador supõe como suficientemente fortes para que a imparcialidade pudesse ser posta em causa - e, por isso, a consequência e os efeitos processuais que determina, previstos no artigo 41º, nº. 3, do CPP: «os actos praticados por juiz impedido são nulos, salvo se não puderem ser repetidos utilmente e se se verificar que deles não resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo». (…) No rigor das coisas e na compreensão da exacta delimitação conceptual, as situações que a norma prevê revertem mais à prevenção de riscos de afectação da imparcialidade objectiva, quando a cumulação de funções processuais pode fazer suscitar no interessado, especialmente no arguido, apreensões e receios, objectivamente fundados, sobre a imparcialidade do juiz. É esta a construção dogmática da garantia ao tribunal imparcial que está inscrita no artigo 6º, par. 1º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem como um dos elementos centrais da noção de processo equitativo. (…) A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem é, a respeito da densificação do conceito de tribunal imparcial, de assinalável extensão (cfr., entre outros, os acórdãos De Cubber c. Bélgica, de 26 /10/84, Série A, nº. 86; Thorgeir Thorgeirson c. Islândia, de 25/6/92, Série A, nº. 239; Padovani c. Itália, de 26/2/93, Série A, nº. 257-B; e Saraiva de Carvalho c. Portugal, de 22/4/94, Série A, nº. 286-B). No caso Hauschildt c. Dinamarca, de 24/5/89, Série A nº. 154, por exemplo, o TEDH entendeu, em situação inteiramente assimilável à do caso sub judice, que não viola a Convenção um sistema que permita acumular num mesmo juiz a decisão sobre medidas de instrução, sendo esta realizada pelo Ministério Público e pela polícia, e as de julgamento e, em regra, de manutenção da prisão preventiva (na doutrina, cfr., v. g., entre muitas outras referências possíveis, Renée Koering-Joulin, "La notion européenne de «tribunal independant et impartial» au sens de l’article 6º, par. 1 de Ia Convention européenne de sauvegarde des droits de l’homme", in "Revue de science criminelle et de droit penal comparé", nº. 4, Outubro-Dezembro 1990, págs. 766 e segs.). Não se verifica, pois, em diverso do alegado, qualquer violação do artigo 6º, par. 1º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Numa outra perspectiva de intervenção dos princípios aplicáveis, também o Tribunal Constitucional, em várias decisões (v. g. nos acórdãos nº. 29/99, de 13 de Janeiro de 1999, no "Diário da República", II série, de 12/3/99 e 297/03, de 12/6/03, no "Diário da República", II série, de 3/10/03), considerou que não afecta os princípio do acusatório e do contraditório (artigo 32º, nºs. 1, 2 e 5 da Constituição) que estão constitucionalmente associados ao sentido e função das garantias de imparcialidade e isenção do juiz, a intervenção, pontual e não intensa, no inquérito ou instrução, do juiz que posteriormente venha a integrar a formação de julgamento.

O Tribunal Constitucional considera, a este respeito (v. g. no acórdão no 29/99, cit.), à imagem da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em sede de violação do artigo 6.º, par. 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que o ofensa do direito garantido só se «verifica quando haja uma intensa participação no inquérito ou instrução do processo, como manifestação de circunstâncias especiais que revelem a possibilidade de ter sido formada uma intensa convicção de culpabilidade pelo futuro juiz de julgamento», delimitando, assim, «em razão da intensidade da participação nas fases preliminares e das de respectivas condições, os factores que afectam uma garantia substancial da estrutura acusatória, permitindo a plena satisfação do contraditório e da imparcialidade e da isenção do juiz do julgamento».

Nesta conformidade, «a mera manutenção da prisão preventiva, já decretada por um outro juiz, por aquele que virá a ser o juiz de julgamento, situa-se num plano de confirmação da decisão anterior, na ausência de factos novos, não arrastando consigo uma alteração, configurável em abstracto, das condições em que a estrutura acusatória se efectiva. Tal alteração só ocorrerá se tiver havido uma reiterada participação na instrução e um intenso envolvimento do futuro juiz de julgamento nessa fase».

Por outro lado, «se o respeito pelas garantias de defesa e pela presunção de inocência também impõe condições objectivas em abstracto adequadas a impedir um juízo parcial e comprometido do julgador relativamente aos factos, tais condições não estão necessariamente afectadas pela mera verificação de indícios da prática do crime nas circunstâncias concretas de manutenção da prisão preventiva. [...] Apenas a convicção intensa de que o crime teria sido praticado, inerente à prática reiterada de actos instrutórios reveladores dessa mesma convicção, afecta, seguramente, as garantias de defesa e, especificamente a presunção de inocência».

20. Perante o anteriormente exposto há, pois, que concluir que:

(a) O recurso anterior, julgado em conferência no dia 13.1.2016, não teve por objeto uma decisão que aplicou a medida de prisão preventiva, pelo que a intervenção nesse recurso, que conheceu de uma decisão que manteve a prisão preventiva, não se compreende no âmbito da previsão normativa das alíneas a) e d) do n.º 1 (anterior corpo do) artigo 40.º do CPP;

(b) Por conseguinte, a Senhora Juíza Desembargadora presidente, Dra. EE, não estava impedida de, como presidente, intervir na conferência da 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto de 15.12.2021, em que, por maioria formada pelos votos da juíza desembargadora relatora e do juiz desembargador adjunto, foi aprovado e assinado, por estes, o acórdão que conheceu do recurso interposto do acórdão condenatório;

(c) De qualquer modo, numa interpretação conforme à Constituição, a intervenção da Senhora Juíza Desembargadora presidente, que dirigiu a discussão, sem votar a decisão, na conferência da mesma Secção Criminal do dia 13.1.2016, não conteria a densidade necessária para afetar a sua imparcialidade e para que, por esse motivo, pudesse constituir motivo de impedimento para presidir à conferência em que foi aprovado o acórdão de 15.12.2021;

(d) Não existindo impedimento da Senhora Juíza Desembargadora presidente, não há que apreciar do invocado “contágio” alegadamente gerador de impedimento dos juízes desembargadores relator e adjunto que aprovaram e assinaram o acórdão de 15.12.2021, nem ocorre a nulidade cominada no artigo 41.º, n.º 3, do CPP;

(e) Não é inconstitucional a interpretação de que a previsão da alínea a) do n.º 1 (anterior corpo) do artigo 40.º não abrange decisões de reexame dos pressupostos ou de indeferimento de pedido de substituição e de manutenção da prisão preventiva, nem, consequentemente, a interpretação da norma extraída da conjugação das alíneas a) e d) no sentido de não incluírem na sua previsão “o Juiz Presidente da Secção que tenha presidido à conferência prevista no artigo 419.° do CPP, tendo dirigido os trabalhos e a discussão para julgamento, no mesmo Processo, de Recurso anterior que sujeite um arguido à medida de coação de prisão preventiva carcerária, mas, que não tenha votado por não se ter verificado empate entre o juiz relator e o juiz adjunto”.

Assim, devem os recursos ser julgados improcedentes.

Quanto a custas

21. Nos termos do disposto no artigo 513.º, n.º 1, do CPP (responsabilidade do arguido por custas), só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso. Não sendo arguido, o recorrente paga taxa de justiça, nos termos dos artigos 1.º e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, subsidiariamente aplicável (artigo 524.º do CPP).

A taxa de justiça é fixada entre 5 e 10 UC, tendo em conta a complexidade do recurso, de acordo com a tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais. A condenação em taxa de justiça é sempre individual (artigo 513.º n.º 2, do CPP).

III. Decisão

22. Pelo exposto, acordam os juízes da 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente os recursos interpostos pelos arguidos AA, BB, ", Fastwork – Comércio de Têxteis e MobiliáriaLda.", CC, "Textiltudo, Lda", "Semma - Investimentos Têxteis, S.A." e DD, e por "Life-Go - Comércio, Serviços e Imobiliária, Lda."

Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 8 UC, a pagar por cada um deles.


Supremo Tribunal de Justiça, 22 de junho de 2022.


José Luís Lopes da Mota (relator)

Maria da Conceição Simão Gomes

Nuno António Gonçalves

(assinado digitalmente)