Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
521/17.6T8STR.E1.S2
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Data do Acordão: 12/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Área Temática:
DIREITO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / CLÁUSULAS ACESSÓRIAS / CONDIÇÕES E TERMOS / VICISSITUDES CONTRATUAIS / CEDÊNCIA OCASIONAL / REDUÇÃO DA ACTIVIDADE E SUSPENSÃO DO CONTRATO / ENCERRAMENTO TEMPORÁRIO DO ESTABELECIMENTO OU DIMINUIÇÃO TEMPORÁRIA DA ACTIVIDADE.
Doutrina:
- Aníbal de Castro, Impugnação das Decisões Judiciais, 2.ª Edição, p. 111;
- António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 17.ª Edição, p. 514 e 519;
- Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 6.ª Edição, 2016, p. 804 e 807;
- Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 2015, 3.ª Edição, p. 427 e 428;
- Rodrigues Bastos, Notas ao código de Processo Civil, Volume III, p. 247.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 128.º, N.º 1, ALÍNEA E), 328.º, 330.º, N.º 1 E 351.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 05-04-1989, IN BMJ 386, P. 446;
- DE 23-03-1990, IN AJ, 7º/90, P. 20;
- DE 31-01-1991, IN BMJ 403º, P. 382;
- DE 12-12-1995, IN CJ, 1995, III, P. 156;
- DE 18-06-1996, CJ, 1996, II, P. 143;
- DE 05-01-2012, PROCESSO N.º 3937/04.4TTLSB.L1.S1;
- DE 28-01-2016, PROCESSO N.º 1715/12.6TTPRT.P1.S1.
Sumário :

I - Para que se verifique justa causa de despedimento, é necessário um comportamento culposo e ilícito do trabalhador e que desse comportamento decorra como consequência necessária a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral, pautando-se este juízo por critérios de razoabilidade, exigibilidade e proporcionalidade.

II - A recusa do trabalhador em se deslocar à sede da empregadora para entregar o veículo, o telemóvel e o computador que lhe estavam afetos, sendo embora infração disciplinar, não constitui justa causa de despedimento, tendo em consideração que não tinha antecedentes disciplinares e que a ordem foi emitida na sequência da não aceitação por aquele das condições propostas para a cessação do contrato de trabalho.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) ([2])

1 - RELATÓRIO

AA intentou no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Juízo do Trabalho de Santarém – Juiz 1) e mediante o formulário a que aludem os artigos 98.º-C e 98.º-D, do Código de Processo do Trabalho, a presente ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra BB, S.A., requerendo que seja declarada a ilicitude ou irregularidade do despedimento, com as legais consequências.

        

        Realizada a audiência de partes e frustrada a conciliação, a R./empregadora apresentou articulado a motivar o despedimento, alegando que o trabalhador, aqui A., foi admitido ao seu serviço em 1.05.2010, passando desde essa data a exercer as funções de diretor de vendas num estabelecimento que possui em ...; que faltou injustificadamente ao trabalho durante oito dias, sendo sete deles seguidos; por vezes não respeitou a pontualidade e que não obstante lhe ter sido comunicado verbalmente para se deslocar à sede da Ré, em ..., não cumpriu essa ordem, tendo afirmado que apenas aí se deslocaria se lhe fosse dada uma ordem por escrito nesse sentido.

O A. contestou o articulado da R., negando ter violado qualquer dos deveres laborais a que se encontrava adstrito, designadamente que tenha dado as faltas injustificadas que lhe são imputadas, e afirmando, outrossim, que a Ré só lhe instaurou procedimento disciplinar, que conduziu ao despedimento, por ele não ter aceitado a cessação do contrato de trabalho nos termos por ela propostos. Por isso concluiu que o despedimento, por desprovido de justa causa, foi ilícito.

Em reconvenção pediu a condenação da Ré no pagamento da indemnização prevista no artigo 391.º do Código do Trabalho e que quantificou em € 15.056,25, a quantia de € 7.083,24, referente a créditos vencidos e não pagos, bem como a pagar-lhe as retribuições vencidas e vincendas desde o despedimento até à decisão transitada em julgado que declare o mesmo ilícito.

Saneado o processo e realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor:

«Face ao exposto:

- Declara-se lícito o despedimento do Trabalhador e, consequentemente, absolve-se a Entidade Empregadora do pedido de indemnização em substituição da reintegração nos termos do art. 391.º do Código do Trabalho, assim como do pedido de pagamento das retribuições que deixou de auferir desde 01 de Abril de 2017 até ao trânsito em julgado da sentença nos termos do art. 390.º n.º 1 do Código do Trabalho;

- Condena-se a Entidade Empregadora no pagamento do valor de € 500,00 retido a título de faltas injustificadas dadas pelo Trabalhador, assim como no valor de € 1.500,00 devido a título de férias vencidas em 01 de Janeiro de 2017 (valor este em que ambas as partes estão de acordo), ao valor de € 625,00 referente ao subsídio de férias vencidas na mesma data, atendendo ao tempo de trabalho efectivo durante o ano de 2016, aos proporcionais de férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal do ano da cessação contados até 09 de Fevereiro de 2017 no valor de € 489,62 (cfr. art. 245.º e 263.º n.º 2 do Código do Trabalho), no valor de € 1500,00 respeitante ao subsídio de férias vencidas em 01 de Janeiro de 2016 e por fim no valor de € 793,21 devido a título de despesas de deslocação, sendo absolvida do restante valor peticionado a título de créditos laborais.

Valor da acção: € 56.128,00 (cfr. art. 98.º-P n.º 2 do CPT).

Custas por ambas a partes na proporção do respectivo decaimento (cfr. art. 527.º n.º 2 do CPC)».

Inconformado, o A. apelou, na sequência do que foi proferida a seguinte deliberação:

«Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em:

1. alterar a matéria de facto nos termos referidos supra;

2. conceder parcial provimento ao recurso interposto por AA e, em consequência, alterando a sentença recorrida:

a) declara-se a ilicitude do despedimento de que aquele foi alvo por parte da Ré BB, S.A;

b) condena-se a Ré a pagar ao Autor uma indemnização de antiguidade, contada nos termos do artigo 391.º do CT até ao trânsito da presente decisão, correspondente a 20 dias de retribuição base mensal e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade;

c) condena-se a Ré a pagar ao Autor as retribuições devidas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, deduzidas, no entanto e por força da lei, do subsídio de desemprego de que, porventura, haja beneficiado durante aquele período de tempo e que a Ré deve entregar à Segurança Social, relegando-se a liquidação das mencionadas retribuições para incidente próprio, dado que, de momento, se desconhecem os valores a deduzir às mesmas nos referidos termos.

d) quanto ao mais, mantém-se a sentença recorrida.

Custas em ambas as instâncias pelo recorrente e pela recorrida, na proporção do respectivo decaimento.»

Desta deliberação recorre a R. de revista para este Supremo Tribunal, impetrando a revogação do acórdão.

O recorrido contra-alegou pugnando pela manutenção do julgado.

Recebidos os autos e cumprido o disposto no art. 87º, nº 3, do CPT, o Exmº Procurador-Geral-‑Adjunto emitiu douto parecer no sentido da negação da revista.

Notificadas as partes, apenas a recorrente respondeu mantendo o que alegara em sede de recurso.

Formulou a recorrente as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([3]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

I. A recorrente reconhece que as faltas e os atrasos, só por si e atentas as circunstâncias, não justificariam a sanção de despedimento, mas discorda que a violação dos correspondentes deveres de assiduidade e pontualidade tenham resultado de culpa do recorrido “… muito diminuta…” 2 e “… insignificante …” 3, respectivamente;

II. O que deu origem ao processo disciplinar e que foi a causa do despedimento do recorrido foi a recusa de cumprir uma ordem legítima, directa e reiterada do responsável máximo da recorrente – seu director-geral e presidente do conselho de administração –, como consta das alíneas VV. e WW. de “III. Factos” do douto acórdão do TRE;

III. O recorrido recusou acintosamente cumprir esta ordem, clara e inequívoca, sem invocar qualquer justificação minimamente aceitável para a recusa, pois comunicou que só iria a ... se a ordem lhe fosse dada por escrito (cf. alínea E.) e com a deslocação paga em quilómetros e em dinheiro (cf. alínea UU.), apesar de dispor de carro e de combustível pagos pela recorrente (cf. alínea JJ.);

IV. Nem a recorrente nem qualquer outra entidade patronal pode ter ao seu serviço subordinado um trabalhador que recusa, gratuitamente, cumprir uma ordem legítima dada pelo seu responsável máximo, sob pena de se instalar a indisciplina que é incompatível com o equilíbrio e a sobrevivência de qualquer empresa, tanto mais quanto é certo que, se a recorrente não sancionasse adequadamente a recusa de cumprimento de uma ordem legítima e da mais elementar razoabilidade, teria, de futuro, de actuar da mesma forma em casos semelhantes, por ser obrigada a ter uma prática disciplinar uniforme, que a doutrina e jurisprudência designam por coerência disciplinar 4 e 5;

V. A recorrente fez questão de enviar a nota de culpa logo no dia da desobediência do recorrido, sexta-feira, 20.01.2017, para o suspender preventivamente, por forma a não frequentar as instalações da empresa na segunda-feira seguinte, 23.01.2017, salvaguardando, assim, a autoridade de quem dera a ordem, CC, director-geral e presidente do conselho de administração da recorrente;

VI. Na nota de culpa foram imputados ao recorrido outros factos anteriores a 20.01.2017, que também constituíram violação dos deveres de pontualidade e assiduidade, como está provado, porque não seria curial, nem porventura legal, enviar-lhe posteriormente nova nota de culpa acusando-o da prática de factos anteriores a 20.01.2017;

VII. O recorrido era um trabalhador pouco disciplinado e “… com um comportamento errático …”, pois faltava injustificadamente, não era pontual, marcava férias por sua iniciativa ignorando o mapa de férias, foi chamado à atenção várias vezes pelo seu superior hierárquico, DD, director comercial, aconselhou a recorrente a estudar a legislação do trabalho e enviou-lhe um guia sobre matéria de direito, pretendia que a ordem que lhe foi dada por CC fosse reduzida a escrito e queria que a recorrente lhe pagasse a deslocação a ... por quilómetros e em dinheiro, apesar de dispor de carro da empresa para uso profissional e pessoal, com todas as despesas pagas por esta (cf. alínea AAA., último parágrafo da página 26, segundo parágrafo da página 27, alíneas Q., R., S., T., W., Y. e YY., alínea AAA., alínea UU., alíneas JJ e UU tudo do douto acórdão de 24.05.2018);

VIII. Nenhum dos comportamentos referenciados na conclusão anterior implicariam o despedimento do recorrido, mas a relação dele com a recorrente não podia continuar nestes moldes, pelo que ou o contrato cessava por acordo ou o recorrido tinha de alterar substancialmente o seu comportamento;

IX. A ordem dada por CC ao recorrido para ir a ... falar com ele, em 20.01.2017, tinha a ver com o que se alegou na conclusão anterior, mas o recorrido desobedeceu enviando um email no próprio dia 20.01.2017, a indicar que tinha metido um dia de férias;

X. Há factos que apontam no sentido de que o recorrido queria ser despedido pela recorrente, pois não respondeu à nota de culpa – direito que tinha e sem consequências em termos do ónus da prova dos factos –, omissão que não permitiu esclarecer o seu comportamento anómalo;

XI. Além disso e estando já o recorrido, que é licenciado, a ser patrocinado pelo seu ilustre mandatário, o facto de ter hostilizado acintosamente a recorrente, como resulta de parte dos factos especificados em VII, é bizarro, porque a atitude típica de um arguido em processo disciplinar é justificar-se e invocar atenuantes e não provocar a arguente;

XII. O que provocou a imediata instauração do processo disciplinar e posterior despedimento do recorrido foi a desobediência grosseira, dolosa e gravíssima deste a uma ordem legítima e também completamente razoável dada por CC, que jamais imaginou que seria desobedecido;

XIII. A desobediência do recorrido à ordem da recorrente é um facto incontroverso, como é também incontroverso que o recorrido nada invocou para justificar a sua desobediência, o que poderia ter feito na resposta à nota de culpa que não apresentou, para não obrigar os tribunais a tentar descortinar o seu animus através de presunções judiciais, que só devem ser utilizadas na ausência de factos;

XIV. Enquanto o contrato de trabalho está em vigor, vincula plenamente as partes aos seus direitos e obrigações, não se justificando, por isso, contemporização pela violação dos deveres dos sujeitos da relação contratual;

XV. A jurisprudência, no que se refere às consequências da violação do dever de obediência – “… o mais significativo corolário da subordinação jurídica…” – a ordem da entidade patronal é abundante e está citada no corpo desta alegação, mas o mais próximo com o que se discute nesta acção talvez seja o do STJ, de 25.01.2012, de que se destacam as seguintes passagens:

“(…) Que os “comportamentos são objectivamente graves: o A. desobedeceu ostensivamente, apesar de advertido ao cumprimento por mais do que um superior hierárquico; o A. persistiu numa atitude de afronta, mesmo depois de conhecer os motivos da ordem; o A. foi desrespeitoso ao insistir na sua recusa, mesmo depois dos esclarecimentos que lhe foram dados; (…)” – sublinhado da recorrente;

“(…) “estava afastada a possibilidade de uma relação de confiança entre ambos – e ficaria sempre posta em causa a autoridade da entidade patronal sobre o A. e os demais trabalhadores – já que, na ausência de uma punição exemplar do A., poderia ele pôr em causa a obediência a outras ordens superiores e os colegas questionariam o dever de eles próprios deverem obediência àquela ou a outras ordens da entidade patronal. (…)” – sublinhado da recorrente;

“(…) Ao empregador compete, no âmbito dos seus poderes empresariais e dentro dos seus poderes organizativos e conformativos da prestação laboral, definir as actividades e tarefas que tem por relevantes e que entende ser de incumbir aos seus trabalhadores. (…)” – sublinhado da recorrente;

“(…) o A. persistiu na sua recusa, posição esta que, para além de ostensiva desobediência, consubstancia também uma atitude de claro afrontamento à autoridade da Ré. (…)” – sublinhado da recorrente;

“(…) No desenvolvimento do princípio geral da boa fé na execução do contrato de trabalho, plasmado no art. 119.º/1 do Código do Trabalho (‘o empregador e o trabalhador, no cumprimento das respectivas obrigações, assim como no exercício dos correspondentes direitos, devem proceder de boa fé’), é dever do trabalhador, sem prejuízo de outras obrigações que ao caso não importam directamente, o de cumprir as ordens e instruções do empregador em tudo o que respeite à execução e disciplina do trabalho – art. 121.º, n.º 1, d). (…)” – sublinhado da recorrente;

“(…) Ora, perante esta postura – que consubstancia uma ilegítima desobediência, um afrontoso desrespeito e uma óbvia tentativa de pretender abrir, quanto a si, uma infundada situação de excepção, com a consequente desautorização da R. perante os demais trabalhadores em igualdade de circunstâncias – do que estaria o A. à espera? (…)” – sublinhado da recorrente;

XVI. Portanto, o comportamento do recorrido que está provado, maxime no que se refere à violação do dever de obediência, foi culposo – doloso, até –, foi muito grave e teve como consequência, entre outras, o desaparecimento da confiança que é pressuposto da relação laboral, tornando prática e imediatamente impossível a subsistência da relação laboral, preenchendo, assim, a noção legal de justa causa, prevista no n.º 1 do artigo 351.º do CT;

XVII. Assim e salvo o devido respeito, o douto acórdão recorrido violou, designadamente, o disposto nos artigos 128.º, n.º 1, alíneas b) e e), e 351.º, ambos do CT, pelo que deve ser revogado, por forma a ser declarado que o recorrido foi despedido com justa causa, como bem se decidiu na primeira instância.

O recorrido formulou as seguintes conclusões:

“1 - Vem o presente recurso de revista interposto do douto acórdão proferido pelo douto Tribunal da Relação de Évora, acórdão este que concedendo parcial provimento ao recurso de apelação interposto pelo A. revogou a douta sentença de 1ª instância e em conformidade, decidiu declarar a ilicitude do despedimento de que o A. foi alvo por parte da R. ora recorrente BB S.A., mais condenado a pagar ao A. uma indeminização de antiguidade, contada nos termos do artigo 391.º do C.T. até ao trânsito da presente decisão, correspondente a 20 dias de retribuição base mensal e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade e ainda nas retribuições devidas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão (...), mantendo quanto ao mais a sentença recorrida.

2 - O presente Acórdão fez uma apreciação e interpretação extraordinariamente clara e objectiva da factualidade que foi dada como provada em sede de 1ª instância, e fez uma irrepreensível aplicação da lei, fundamentando de forma explícita de facto e de direito a decisão ora proferida, pelo que em nada o mesmo deverá ser alterado.

3 - No que respeita ao presente recurso de revista interposto pela Ré aqui recorrente entende o A. ora recorrido que o mesmo, tendo presente o estatuído no n.º 1 e 3 do art.º 674.º do C.P.C, e ainda nos artigos 652.º e 656.º do C.P.C, aplicáveis ao recurso de revista, deverá ser objecto de decisão liminar, decisão essa que deverá ser de rejeição liminar do presente recurso.

4 - E isto porque de uma análise atenta das alegações e conclusões apresentadas pela R. e aqui recorrente, constata-se que o presente recurso não é admissível, porquanto, apesar de a R. recorrente o não referir expressamente, a mesma recorre da matéria de facto e não da matéria de direito, sendo que ao longo das suas alegações o que a recorrente põe em causa a matéria de facto dada como provada, refere matéria de facto que não foi dada como provada, apelando aquilo que fez constar do seus articulados.

5 - Mas a recorrente vai ainda mais longe, e com todo o devido respeito, altera a redacção dos factos que foram dados como provados e deturpa a redação dos mesmos, e até relata matéria de facto que não consta dos factos dados como provados.

6 - Vejam-se a propósito do vertido nos n.ºs 4 e 5 destas conclusões os pontos 3 e 4 da pág. 2, ponto 9 e 10 da pág. 3, ponto 13, continuando ao longo de todos os pontos até ao 27 das alegações da R. ora recorrente.

7 - No que respeita a matéria de direito, em sede de alegações, temos apenas e somente o vertido pela recorrente no ponto 37 das suas alegações, e que se transcreve onde a mesma refere "O douto acórdão recorrido violou, pois, designadamente, o disposto nos artigos 128º, n.º 1, alíneas b) e e), e 351.º, ambos do C.T., pelo que deve ser revogado."

8 - Quando um qualquer recurso versa sobre matéria de direito, é ónus do recorrente para além de indicar as normas jurídicas violadas, indicar o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas (art.s 639.º n.º 2 do C.P.C.), e a Ré recorrente, ao contrário do que era sua obrigação, não o faz, nem em sede de alegações nem em sede de conclusões.

9 - Pelo que, e pelo que do acima se vem de expor entende o A. aqui recorrido que presente recurso de revista interposto pela R. ora recorrente deverá de imediato ser objecto, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 652.º e 656.º do C.P.C, decisão liminar essa que deverá ser de rejeição liminar, por violação clara do disposto no art.º 674.º do C.P.C.

10 - Como já inicialmente referido no ponto 2 das presentes conclusões o presente Acórdão fez uma apreciação e interpretação extraordinariamente clara e objectiva da factualidade que foi dada como provada em sede de 1ª instância, e fez uma irrepreensível aplicação da lei, fundamentando de forma explícita de facto e de direito a decisão ora proferida, pelo que em nada o mesmo deverá ser alterado.

11 - Em sede de fundamentação de direito enumera o douto acórdão, a págs. 22 e 23, a propósito do conceito de justa causa constante do artigo 351.º n.º 1 do Código do Trabalho que transcreve, quais os requisitos que têm que se considerar preenchidos para que se considere verificada a mesma, bem como os critérios que têm de estar presentes na apreciação dos factos (n.º 3 do art.º 351.º do C.T.) submetidos a julgamento.

12 - E tudo analisado e ponderado à luz do disposto no art.º 351.º n.º 1 e 3 do Código do Trabalho, entendeu e bem entendeu o douto Tribunal da Relação de Évora que não existiu qualquer violação por parte do A. dos deveres de assiduidade e pontualidade.

13 - No que respeita à alegada desobediência praticada pelo Autor, mais uma vez o douto acórdão é exemplar, claro e objectivo na apreciação dos factos e na sua interpretação, entendendo que, e tendo presente a sequência lógica e cronológica dos factos, mesmo aceitando-se que o trabalhador não devia desobedecer à ordem da empregadora, pelo que deveria deslocar-se à sua sede: mas essa desobediência, associada aos outros deveres afigura-se estar longe de assumir gravidade para justificar a aplicação da sanção mais gravosa, o despedimento.

14 - De uma forma muita sucinta, mas extraordinariamente objectiva, o douto Acórdão do TRE entendeu, e bem, que - parágrafo 6º parágrafo da pág. 28:"(...) porém, diremos subitamente, porque não aceitou a cessação do contrato de trabalho nos termos que lhe forma propostos, tais comportamentos passaram no entendimento da empregadora a ser graves e a constituírem justa causa de despedimento(...)."

15 - Numa palavra, à luz das normas aplicáveis ao caso aqui em apreço e tendo pressente a matéria dada como provada, jamais poderia ter sido outro o entendimento do douto Tribunal da Relação de Évora, que ao proferir o presente acórdão nos termos proferidos, mais não fez do que fazer uma correcta e exemplar aplicação do disposto no art.º 351.º do Código do Trabalho.”

2 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO ADJETIVO

Os presentes autos respeitam ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento instaurada em 22.02.2017. 

O acórdão foi proferido em 24.05.2018. 

Nessa medida, são aplicáveis:

- O Código de Processo Civil (CPC) na versão atual.

- O Código de Processo do Trabalho (CPT) na versão atual.

3 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO:

Face às conclusões formuladas, a questão submetida à nossa apreciação consiste em saber se se verifica justa causa de despedimento.

4 - FUNDAMENTAÇÃO

4.1 - OS FACTOS

A matéria de facto julgada provada pelas instâncias é a seguinte [sic]:

Por acordo:

1. O Trabalhador foi admitido ao serviço subordinado da Entidade Empregadora em 01 de Maio de 2010.

2. Para desempenhar as funções correspondentes à categoria de “director de vendas”, num dos estabelecimentos comerciais da ré, sito em ....

3. A Entidade Empregadora é uma sociedade comercial que se dedica, nomeadamente, à venda, montagem e reparação de estanteria, equipamentos de refrigeração e afins, para supermercados e estabelecimentos congéneres.

4. Com data de 20 de Janeiro de 2017, a Entidade Empregadora deduziu, contra o Trabalhador, uma nota de culpa, com intenção de despedimento.

5. De 29 de Maio de 2016 até 23 de Dezembro de 2016 o Trabalhador esteve de baixa médica.

6. O Trabalhador não se apresentou ao trabalho, tendo enviado para a Entidade Empregadora, em 02 de Janeiro de 2017, um email no qual, participou à empresa que iria ficar de férias de 02 de Janeiro de 2017 até 10 de Janeiro de 2017.

7. Em 11 de Janeiro de 2017, o Trabalhador apresentou-se ao trabalho.

8. Em 17 de Janeiro de 2017, o Trabalhador apresentou-se ao trabalho às 10h e 30m.

9. Em 18 de Janeiro de 2017, o Trabalhador apresentou-se ao trabalho às 10h e 30m.

10. A nota de culpa enviada ao Trabalhador pela Entidade Empregadora foi capeada com uma carta, de 20 de Janeiro de 2017, na qual, designadamente, foi informado que era intenção da Entidade Empregadora proceder ao seu despedimento, que ficava suspenso preventivamente da prestação do trabalho sem perda de retribuição e que dispunha de dez dias para se defender.

11. O Trabalhador não respondeu à nota de culpa.

12. Por decisão de 09 de Fevereiro de 2017, a Entidade Empregadora deu como provada toda a matéria factual constante da nota de culpa, e despediu o autor por carta de 09 de Fevereiro de 2017, que capeou a decisão.

13. A Entidade Empregadora não pagou ao Trabalhador as férias e subsídio de férias que se venceram no dia 01/01/2017.

14. A Entidade Empregadora não pagou ao Trabalhador os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de natal respeitantes ao ano de 2017, até ao dia 09 de Fevereiro de 2017.

Da prova produzida em audiência de julgamento:

A. O horário de trabalho do Trabalhador é de segunda a sexta-feira, das 8h 30m às 18h 00m, com intervalo para o almoço das 12h e 30 m às 14h 00m.

B. Em 19 de Janeiro de 2017, cerca das 10h, o director-geral e presidente do conselho de administração da Entidade Empregadora, Dr. CC, telefonou ao trabalhador e deu-lhe instruções para, no dia seguinte, 20 de Janeiro de 2017 vir a ..., sede do grupo “BB”, para falar com ele, sendo que o Trabalhador tem carro e combustível pago pela Entidade Empregadora.

C. Em 20 de Janeiro de 2017 a Dra. EE, responsável dos recursos humanos da Entidade Empregadora, quis falar telefonicamente com o Trabalhador, mas este esteve incontactável de manhã e, às 12h e 30m, telefonou ao Dr. CC.

D. Este reiterou-lhe as instruções para vir a ... falar com ele.

E. O trabalhador respondeu ao Dr. CC, dizendo-lhe que não viria, e acrescentou que, se a ordem lhe fosse dada por escrito, viria a ....

F. Não é prática dar ordens por escrito nem na Entidade Empregadora nem em qualquer outra empresa do grupo “BB”.

G. De seguida, pelas 13h e 18m, o trabalhador enviou um email à Dra. EE, informando que em 20 de Janeiro de 2017 estava ausente “… utilizando um dia de férias para o efeito”.

H. Em 20 de Janeiro de 2017, o trabalhador não veio a ... falar com o Dr. CC.

I. No dia 17 de Janeiro de 2017 o trabalhador e o legal representante da Entidade Empregadora CC reuniram-se em ...a fim de conversarem sobre o assunto e acertarem os valores com vista à cessação do contrato de trabalho do Trabalhador por extinção do posto de trabalho.

J. Após as conversações entre ambos, o trabalhador solicitou à Entidade Empregadora que lhe enviasse por escrito as condições de desvinculação, documento do qual deveria constar todos os valores que o Trabalhador teria direito a receber, incluindo a indemnização por cessação do contrato de trabalho.

K. A Entidade Empregadora na pessoa da Dr.ª EE remeteu ao trabalhador tal documento no dia 19 de Janeiro de 2017 através de email.

L. O trabalhador informou a Entidade Empregadora de que não aceitava aquelas condições.

M. Na sequência desta conversa e em virtude da recusa do trabalhador em aceitar a cessação do contrato nas condições impostas pela Entidade Empregadora, o legal representante da mesma CC disse ao Trabalhador para este ir de imediato à sede da Entidade Empregadora em ... a fim de entregar todos os equipamentos da mesma que tinha na sua posse, nomeadamente, veículo, computador e telemóvel.

N. Ao que o trabalhador respondeu que só iria a ... efectuar a entrega do equipamento quando chegassem a acordo quanto às condições relativamente à cessação do seu contrato de trabalho por extinção de posto de trabalho, nomeadamente quanto ao valor da indemnização a pagar ao trabalhador no valor de € 10.000,00 que tinham sido falada no dia 17 de Janeiro de 2017.

O. A nota de culpa foi remetida ao trabalhador via email no dia 20 de Janeiro de 2017, 6.ª feira, às 19:31.

P. Tendo sido posteriormente no dia 24 de Janeiro de 2017 remetida ao trabalhador pelo correio.

Q. No dia 02 de Janeiro de 2017 o Autor comunicou a Ré, por e-mail, que desde esse dia e até ao dia 10 de Janeiro de 2017 iria gozar férias e não ia trabalhar (alterado pela Relação).

R. E o trabalhador procedeu desta forma, porque desde sempre, desde que começou a trabalhar para a Entidade Empregadora assim o fez.

S. Sucedendo muitas vezes que o fazia na véspera ou no próprio dia.

T. E muitas vezes, quando se via forçado a tirar dias sem esperar, informava no dia seguinte que tinha tirado um, dois ou três dias de férias.

U. Nunca tendo a Entidade Empregadora considerado essas ausências como faltas injustificadas.

V. O Trabalhador esteve de baixa médica de 29 de Maio de 2016 até 23 de Dezembro de 2016.

W. Terminada a baixa o Trabalhador ausentou-se cinco dias, do dia 26 de Dezembro de 2016 até 30 de Dezembro de 2016.

X. Sendo que o Trabalhador remeteu email à Entidade Empregadora a informar que tinha gozado esses dias de férias.

Y. Mail esse do dia 02 de Janeiro de 2017 no qual mais informou que uma vez que ainda tinha vários dias de férias para gozar iria tirar mais sete dias de férias de 02 de Janeiro de 2017 até 10 de Janeiro de 2017, isto é, que ia gozar mais sete dias de férias.

Z. A Entidade Empregadora não colocou qualquer obstáculo.

AA. Igualmente no dia 20 de Janeiro de 2017 o trabalhador informou que esse dia seria um dia de férias.

BB. O horário [de] trabalho mencionado em A. supra não era efectivamente cumprido, porquanto na prática o Trabalhador nunca teve horário de trabalho fixo.

CC. As suas funções não são compatíveis com um horário fixo.

DD. O trabalhador nunca teve hora de saída, sendo que quase sempre terminava o seu trabalho muito depois das 18.00Horas.

EE. Quer fosse enquanto se encontrava a trabalhar nas instalações da Entidade Empregadora em ... que era o seu local de trabalho, em virtude da existência de reuniões internas, as quais muitas delas tinham lugar depois das 18.00h.

FF. Quer fosse em reuniões externas com os mais diversos clientes, que muitas vezes só tinham disponibilidade para reunir após o fecho dos seus estabelecimentos comerciais, isto é, após as 19:00h,

GG. Reuniões estas que muitas vezes aconteciam aos jantares, e se prolongavam após estes.

HH. No dia seguinte o trabalhador entrava um pouco mais tarde.

II. O trabalhador auferia um vencimento base de € 1.500,00 acrescido de subsídio de alimentação no valor de € 6,50 por cada dia de trabalho.

JJ. O trabalhador tinha para seu uso total, quer profissional quer pessoal, veículo da empresa com combustível pago bem como com pagamento de todas as despesas de manutenção de veículo.

KK. Também todas as despesas de representação eram pagas pela Entidade Empregadora mediante a apresentação dos respectivos comprovativos de despesas.

LL. O trabalhador relativamente à remuneração do mês de Janeiro de 2017 recebeu a quantia ilíquida de € 2.072,50 a que corresponde o valor líquido de € 1.724,20.

MM. E que o valor de € 625,00 discriminado sob a rubrica proporcional subsídio de natal reporta-se à parte do subsídio de natal respeitante ao ano de 2016 que não foi suportado pela Segurança Social e que ficou ao encargo da Entidade Empregadora.

NN. Posteriormente a Entidade Empregadora pagou ao trabalhador no dia 14 de Março de 2017 a quantia líquida de € 445,00 respeitante aos 9 dias do mês de Fevereiro.

OO. O valor de € 350,00 discriminado sob a rubrica acerto-vencimento reporta-se ao diferencial do vencimento do mês de Dezembro de 2016 que a Entidade Empregadora ainda não havia pago ao Trabalhador.

PP. Provado apenas que a este valor acresce a quantia de € 793,21 respeitante a despesas de representação que até á presente data a Entidade Empregadora não reembolsou ao Trabalhador.

QQ. A Entidade Empregadora não pagou a quantia de € 1500,00 respeitante ao subsídio de férias que o Trabalhador vencido no ano de 2016.

RR. Em Maio de 2016 o trabalhador foi acometido de uma doença grave, concretamente um acidente vascular cerebral, vulgo a.v.c..

SS. Face à doença que o trabalhador tivera, a Entidade Empregadora entendeu falar com ele e convocou-o para uma reunião, em ..., na manhã de sexta-feira, 13 de Janeiro de 2017.

TT. Nessa reunião participou o autor, DD e CC, director geral da Entidade Empregadora e seu presidente do conselho de administração.

UU. Por mails de 19 de Janeiro de 2017 e 20 de Janeiro de 2017, o Trabalhador referiu à Entidade Empregadora que só viria a ... com a deslocação paga em quilómetros e em dinheiro, enviou-‑lhe um guia sobre matéria de direito e aconselhou-a a estudar a legislação do trabalho.

VV. A Entidade Empregadora deu-lhe instruções, através da responsável dos recursos humanos, EE, para, em 20 de Janeiro de 2017, vir à sede, em ..., para falar com CC.

WW. O próprio CC deu ordens, telefonicamente, ao trabalhador para vir à sede da Entidade Empregadora, em ....

XX. Mais tarde, em 23 de Fevereiro de 2013, já depois de ter sido despedido, o trabalhador enviou, a EE, um mail, com conhecimento a vinte e duas outras pessoas.

YY. Na Entidade Empregadora sempre houve mapas de férias, como o próprio autor reconhece.

ZZ. O Trabalhador era “director de vendas” da Entidade Empregadora, um quadro, a quem a Entidade Empregadora não exigia um cumprimento tão escrupuloso como a outros trabalhadores menos categorizados, mas que, em regra, tinha que cumprir o horário de trabalho, pois não beneficiava de isenção.

AAA. DD, director comercial da Entidade Empregadora, chamou-lhe várias vezes à atenção, pessoal e telefonicamente, a propósito de tal comportamento errático.

BBB. No dia 02 de Janeiro de 2017, o trabalhador não compareceu ao serviço e nesse próprio dia enviou um mail à Entidade Empregadora a dizer que iria estar de férias de 02 a 10 de Janeiro de 2017.

4.2 - O DIREITO

Vejamos então a referida questão que constitui o objeto do recurso, mas não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas ([4]).

4.2.1 – Se se verifica justa causa de despedimento.

Entendeu a 1ª instância que os atos imputados ao A. constituíam justa causa de despedimento.

Já a Relação considerou que os mesmos, apesar da sua relevância disciplinar, tendo em conta as circunstâncias que rodearam a sua prática, não eram passíveis de ser sancionados com o despedimento, mas com outra sanção conservatória, em consequência do que julgou ilícito o despedimento.

Vejamos.

Nos termos do art. 351º, nº 1, do CT constitui justa causa de despedimento «o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho».

A justa causa de despedimento (conceito indeterminado) é assim, integrada pelos seguintes requisitos cumulativos:

- um comportamento ilícito, grave, em si mesmo ou pelas suas consequências, e culposo do trabalhador (é o elemento subjectivo da justa causa);

- a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral (é o elemento objectivo da justa causa);

 - a verificação de um nexo de causalidade entre os dois elementos anteriores, no sentido em que a impossibilidade de subsistência do contrato tem que decorrer, efectivamente, do comportamento do trabalhador([5]).

Não basta pois que se verifique um comportamento culposo e ilícito do trabalhador, sendo ainda necessário que esse comportamento tenha como consequência necessária a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral.

A impossibilidade da subsistência da relação de trabalho constitui assim, “uma limitação ao exercício do direito de resolução do contrato de trabalho na sequência do princípio, constante do art. 808º do CC, de a resolução de qualquer contrato depender da perda de interesse por parte do lesado (no caso o empregador), determinada objectivamente… Perante o comportamento culposo do trabalhador impõe-se uma ponderação de interesses; é necessário que, objectivamente, não seja razoável exigir do empregador a subsistência da relação contratual. Em particular, estará em causa a quebra da relação de confiança motivada pelo comportamento culposo. Como o comportamento culposo do trabalhador tanto pode advir da violação de deveres principais como de deveres acessórios, importa, em qualquer caso, apreciar a gravidade do incumprimento, ponderando a viabilidade de a relação laboral poder subsistir([6]).

A subsistência do contrato é aferida no contexto de um juízo de prognose em que se projeta o reflexo da infração e do complexo de interesses por ela afetados na manutenção da relação de trabalho, em ordem a ajuizar da tolerabilidade da manutenção da mesma([7]).

A impossibilidade de subsistência do contrato de trabalho, “equivalente à inexistência ou inadequação prática de medida alternativa à extinção do vínculo([8]), para além de ter que ser imediata, deve ser aferida não em termos de impossibilidade objetiva, mas de inexigibilidade para a outra parte da manutenção daquele vínculo laboral em concreto ([9]), considerando “o entendimento de um bonus pater familias, de um empregador razoável([10]).

É que a inexigibilidade – envolvendo, como assinalou Bernardo Xavier, «um juízo de probabilidade, de prognose, sobre a viabilidade da relação de trabalho» - surge apontada ao suporte psicológico do vínculo. O que ela significa – o que significa a referência legal é «impossibilidade prática» da subsistência da relação de trabalho – é que a continuidade da vinculação representaria (objectivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador. Nas circunstâncias, a permanência do contrato e das relações (pessoais e patrimoniais) que ele supõe seria de molde a ferir de modo desmesurado e violento a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador([11]).

A R. despediu o A., que exercia funções no estabelecimento comercial de ..., no essencial, pelo facto do mesmo se ter recusado a deslocar à sua sede em ..., como lhe foi determinado pelo legal representante da mesma, CC, a fim de entregar todos os equipamentos que tinha na sua posse, nomeadamente, veículo, computador e telemóvel.

Vem provado que a ordem referida ocorreu na sequência e pelo facto do A. ter recusado aceitar as condições propostas para a cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho.

As conversações ocorreram no dia 17.01.2017, tendo as condições sido enviadas por escrito ao A. no dia 19.01.2017, que nesse mesmo dia comunicou não as aceitar. Foi também nesse mesmo dia que o representante legal da R. emitiu a ordem que o A. se recusou cumprir, tendo ainda referido “que só viria a ... com a deslocação paga em quilómetros e em dinheiro, enviou-lhe um guia sobre matéria de direito e aconselhou-a a estudar a legislação do trabalho”, sendo certo que o A. “tem carro e combustível pago pela Entidade Empregadora”.

Provou-se também que no referido dia 20.01.2017, “pelas 13h e 18m, o trabalhador enviou um email à Dra. EE, informando que em 20 de Janeiro de 2017 estava ausente “… utilizando um dia de férias para o efeito”. Mais vem assente que “muitas vezes, quando se via forçado a tirar dias sem esperar, [o A.] informava no dia seguinte que tinha tirado um, dois ou três dias de férias, nunca tendo a Entidade Empregadora considerado essas ausências como faltas injustificadas”.

Imputou ainda a R. ao A. a violação do dever de pontualidade pelo facto de, tendo embora o horário de trabalho das 8h30m às 18h00, com intervalo para o almoço das 12h30m às 14h00, se ter apresentado ao trabalho nos dias 17 e 18 de Janeiro de 2017 pelas 10h30m.

Fundamentou ainda o despedimento do A. na violação de dever de assiduidade, pelo facto de, terminada a baixa ocorrida de 29.05.2016 a 23.12.2016, se ter ausentado cinco dias, do dia 26.12.2016 a 30.12.2016, tendo no dia 2.01.2017, remetido email à entidade empregadora a informar que tinha gozado esses dias de férias, mais informando “que uma vez que ainda tinha vários dias de férias para gozar iria tirar mais sete dias de férias de 02 de Janeiro de 2017 até 10 de Janeiro de 2017, isto é, que ia gozar mais sete dias de férias”.

Apreciando estes factos ponderou a Relação:

«No caso em apreciação, a empregadora invocou que com o comportamento adoptado o trabalhador violou, de forma grave e culposa, as obrigações contratuais previstas, designadamente, nas alíneas b) e e) do n.º 1 do artigo 128.º do Código do Trabalho, ou seja, falta de assiduidade e pontualidade e desobediência a uma ordem sua, o que considerou constituir justa causa de despedimento nos termos do artigo 351.º, n.º 2, alínea a) do mesmo compêndio legal.

Quanto ao dever de assiduidade, vêm concretamente postos em causa os dias 2 a 10 de Janeiro de 2017, bem como o dia 20 do mesmo mês, referentes a dias de férias que o Autor informou a empregadora que iria gozar.

Como decorre do disposto no artigo 241.º do Código do Trabalho, o período de férias é marcado por acordo entre o trabalhador e o empregador, competindo na falta de acordo ao empregador marcar as mesmas.

No caso, como (…) resulta da matéria de facto (alínea YY), o período de férias era marcado no início o ano (…).

Mas esse plano de férias podia posteriormente ser alterado, comunicando o trabalhador à empregadora essa alteração, às vezes, sendo 1, 2 ou 3 dias, até depois do gozo dessas férias.

E o certo é que a Ré nunca anteriormente considerou esses dias, em que o Autor se arrogou como de gozo de férias na sequência da alteração por si feita, como de faltas injustificadas; ou seja, a Ré, ainda que tacitamente, aceitou esses dias como sendo de férias do Autor.

Porém, o que se verificou em relação ao passado não significava que no futuro a Ré teria que ter o mesmo entendimento; dito de outro modo: o facto de antes de 2 de Janeiro de 2017 a Ré sempre ter aceite as alterações ao plano de férias feitas pelo Autor, e consequente gozo destas por parte do mesmo, não significava que também tivesse que aceitar essa alteração e consequente gozo de férias em relação aos dias 2 a 10 e 20 de Janeiro de 2017.

No entanto, da matéria de facto (alínea Z.) consta que a Ré não colocou qualquer obstáculo ao gozo das férias (…).

Se assim foi (…) não pode assacar-se ao Autor a violação do dever de assiduidade, por inexistência de faltas.

E o mesmo se deve entender quanto ao dever de pontualidade: embora o horário de trabalho das 8h30m às 18h00, com intervalo para o almoço das 12h30m às 14h00, nos dias 17 e 18 de Janeiro de 2017 o Autor apenas se apresentou ao trabalho pelas 10.h30m; porém, não poderá olvidar-se que as funções do Autor, de “director de vendas”, não eram compatíveis com um horário fixo e a empregadora nunca lhe exigiu um cumprimento tão escrupuloso do horário, o que pretendia era que fizesse/trabalhasse o número de horas correspondente ao horário de trabalho (cfr. factos BB. a EE. E ZZ).

Daí que não se afigura que o Autor tenha violado os deveres indicados».

Sublinhe-se que a própria recorrente reconhece, de forma expressa, nas alegações que produziu nesta revista «(…) que as faltas e os atrasos, só por si e atentas as circunstâncias, não justificariam a sanção de despedimento…».

E sobre a violação do dever de obediência consignou-se no acórdão recorrido:

«…[E]m relação à desobediência praticada pelo Autor importa fazer uma sequência lógica e cronológica dos factos, tal como, de resto, em relação aos anteriores deveres analisados.

Assim, o trabalhador esteve um longo período (de 29-05-2016 a 23-12-2016) de baixa por doença, concretamente por acidente vascular cerebral, tendo gozado férias de 23-12-2016 até final desse ano, e em 02 de Janeiro seguinte comunicou à empregadora que desde esse dia até ao dia 10 seguinte também gozava férias, as quais não estavam programadas no respectivo mapa para esse período.

Face à doença que o trabalhador tivera, a empregadora convocou-o para uma reunião, em ..., no dia 13 de Janeiro de 2017 (facto SS.).

(…)

No dia 17 de Janeiro de 2017, o trabalhador e o referido CC reuniram-se em …, tendo em vista chegarem a um entendimento quanto à cessação do contrato de trabalho daquele por extinção do posto de trabalho; nessa reunião o trabalhador solicitou ao legal representante da empregadora (CC) o envio por escrito das condições de desvinculação, designadamente com os valores que tinha a receber, incluindo por indemnização por cessação do contrato (factos I. e J.).

Na sequência, no dia 19 seguinte a empregadora enviou ao trabalhador as condições/proposta de cessação do contrato de trabalho (facto K).

O trabalhador informou então a empregadora (…) que não aceitava a proposta que lhe foi apresentada, ao que CC (recorde-se, Director Geral da Ré e Presidente do CA) disse ao trabalhador para ir de imediato à sede da Ré, em ..., a fim de entregar todo o equipamento da mesma, nomeadamente, veículo, computador e telemóvel (factos B., L., M.).

O trabalhador respondeu então que só iria a ... entregar o equipamento da Ré quando chegassem a acordo quanto à cessação do contrato de trabalho, designadamente quanto ao pagamento de uma indemnização de € 10.000,00, assunto de que tinham falado no dia 17 de Janeiro (facto N.).

No dia 20 seguinte, o mesmo CC telefonou ao Autor e deu-lhe novamente instruções para ir à sede da Ré, em ..., para falar com ele, ao que o Autor respondeu que não iria, excepto se a ordem lhe fosse dada por escrito (facto E.).

O Autor não compareceu no referido dia, informando a Ré que nesse dia estava ausente, “…utilizando um dia de férias para o efeito” (factos G. e H.)

Ainda nesse dia, 20 de Janeiro, pelas 19h31, a Ré remeteu ao Autor, por e-mail, a nota de culpa.

Ora, desta matéria de facto extrai-se que existiam conversações entre as partes tendentes à cessação do contrato de trabalho por acordo: porém, não tendo o Autor aceite a proposta da Ré, esta ordenou-lhe que se deslocasse à sua sede – o Autor dispunha de veículo da empresa, com combustível pago – para entregar os equipamentos da empresa que tinha consigo, designadamente veículo, telemóvel e computador (…).

E é nesta sequência, e perante a recusa do Autor em se deslocar à sede da Ré, que no próprio dia lhe é enviada uma nota de culpa, onde lhe são imputadas as faltas injustificadas, a falta de pontualidade e a desobediência, tudo isto num curto período de tempo.

Aceita-se que o trabalhador não devia desobedecer à ordem da empregadora, pelo que deveria deslocar-se à sua sede: mas essa desobediência, associada aos outros deveres, afigura-se estar longe de assumir gravidade para justificar a aplicação da sanção mais gravosa, o despedimento.

(…)

Ora, como se disse, ainda que por hipótese se admita que o Autor violou não só o dever de obediência como também os deveres de pontualidade e assiduidade, no contexto em que tais ilícitos se verificaram a sua culpa não assumiu gravidade que tornasse impossível a manutenção da relação do trabalho e, por consequência, inexiste justa causa para o despedimento, sendo este ilícito [artigo 381.º, alínea b), do Código do Trabalho].

Note-se que o trabalhador não tinha antecedentes disciplinares, já anteriormente tinha praticado factos idênticos quanto à assiduidade e pontualidade, sem que sequer lhe tivessem sido feitos quaisquer reparos: porém, diremos subitamente, porque não aceitou a cessação do contrato de trabalho nos termos que lhe foram propostos, tais comportamentos passaram no entendimento da empregadora a ser graves e a constituírem justa causa de despedimento».

Concordamos com estas considerações.

Não há dúvida de que o A. violou o dever de obediência ínsito no art. 128º, nº 1, al. e), do CT, sendo, nessa medida, passível de sanção disciplinar.

Porém, na valoração disciplinar, para efeitos sancionatórios, dos factos praticados pelo trabalhador importa não olvidar que o despedimento não é a única das sanções previstas pelo legislador no art. 328º do CT para os comportamentos violadores dos deveres contratuais do trabalhador. O despedimento é a sanção mais grave e deve ser aplicado apenas quando nenhuma das outras for adequada, tendo em conta a gravidade e/ou as consequências do comportamento culposo do trabalhador, sob o enfoque da inexigibilidade para a entidade empregadora da manutenção da relação de trabalho.

Por outro lado e como impõe o art. 330º, nº 1 do CT, “a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração”.

No caso, importa não olvidar que a desobediência em causa ocorreu no âmbito de conversações tendo por finalidade a cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho e na sequência da recusa do A. em aceitar as condições propostas.

E, como referimos, relativamente às faltas e atrasos é a própria R. a reconhecer não constituírem fundamento para o despedimento, acrescentando nós que, nem mesmo em concurso com a imputada desobediência.

Concluímos assim que os atos praticados pelo A. não constituem justa causa de despedimento, como decidido pela Relação.

5 - DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Negar a revista.

2 – Confirmar o acórdão recorrido.

3 – Condenar a recorrente nas custas da revista.

Anexa-se o sumário do acórdão.


Lisboa, 5 de dezembro de 2018


Ribeiro Cardoso (Relator)

Ferreira Pinto

Chambel Mourisco

________________
[1] Relatório elaborado tendo por matriz o constante no acórdão recorrido.
[2] Acórdão redigido segundo a nova ortografia com exceção das transcrições (em itálico) em que se manteve a original.
[3] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[4] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 663º, n.º 2, 608º, n.º 2 e 679º do CPC.
[5] Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 6ª edição, 2016, pág. 804.
[6] Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 2015, 3ª edição, págs. 427 e 428.
[7] Ac. do STJ de 28.01.2016, proc. 1715/12.6TTPRT.P1.S1 (Leones Dantas).
[8] António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 17ª edição, pág. 514.
[9] Neste sentido Maria do Rosário Palma Ramalho, in ob. cit. págs. 807.
[10] Ac. do STJ de 5.01.2012, proc. 3937/04.4TTLSB.L1.S1 (Sampaio Gomes).
[11] António Monteiro Fernandes, in ob. cit. pág. 519.