Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5253/04.2TBVNG.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: SERRA BAPTISTA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
VALOR DE MERCADO
JUSTA INDEMNIZAÇÃO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
TEORIA DA SUBSTITUIÇÃO
DIREITO DE EDIFICAR
SOLO APTO PARA CONSTRUÇÃO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
Data do Acordão: 01/31/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
1. Nas expropriações por utilidade pública, só o critério do valor real do bem, em condições normais de mercado, assegura o princípio constitucional da justa indemnização.

Sendo o valor de mercado, também denominado valor venal ou de compra e venda do bem expropriado, entendido em sentido normativo, o critério mais adequado para a compensação integral do sacrifício infligido ao expropriado;

2. A justa indemnização não se configura como uma verdadeira indemnização, pois não deriva do instituto da responsabilidade civil.

Englobando a obrigação de indemnizar, por expropriação, apenas a compensação pela perda patrimonial suportada, tendo como finalidade a criação de uma nova situação patrimonial correspondente e de igual valor;

3. A obrigação de indemnização por expropriação, segundo a actual Ciência do Direito, deriva do princípio da igualdade;

4. A indemnização, para ser justa, não deve criar a favor do expropriado uma situação mais vantajosa do que a dos proprietários não expropriados, em idênticas circunstâncias;

5. A nossa lei acolhe a teoria da substituição no domínio da fixação da indemnização por expropriação, só sendo, assim, justa a indemnização que compense integralmente o dano suportado pelo expropriado;

6. O jus aedificandi, sem embargo de não possuir tutela constitucional directa no direito de propriedade, deve ser considerado como um dos factores de fixação valorativa, na indemnização que advém do acto expropriativo.

Assim podendo, também criar uma obrigação de indemnizar;

7. A indemnização, derivada da perda do direito de propriedade do prédio expropriado, obtida pela aplicação dos critérios referenciais do cálculo do solo para construção (art. 26.º do CE) não se pode, sem mais, cumular com a da perda de direito de nele edificar, ou com consequente e eventual perda de lucros cessantes, sob pena de locupletamento indevido por banda do expropriado, que a justa indemnização não pode contemplar.

Sem prejuízo da ablação do direito de edificar e das consequências daí resultantes, se caso disso for, ser tida em conta no cômputo da indemnização devida.

Decisão Texto Integral:

                ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

                         

                E.P.  – ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A. procedeu à expropriação das parcelas de terreno necessárias à execução da obra da concessão “Costa da Prata” – ER 1.18 –Sublanço IC1 – IP1 (quilómetro 2,000 ao quilómetro 4,700), nas quais se incluem as parcelas, propriedade da expropriada AA – SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA, a que se referem os autos, às quais foram atribuídos os nºs .... e ..../D.

                Tendo-se procedido às respectivas arbitragens, conforme consta dos respectivos acórdãos, foi atribuído à parcela nº .... o valor de € 32 897,27, correspondente ao valor do terreno (€ 27 346,54), à desvalorização da parte sobrante (€  4 470,73) e ao valor das benfeitorias (€ 1 080,00), tendo sido atribuído à parcela ..../D o valor de € 56 074,20, correspondente ao valor do terreno (€ 33 766,20) e ao valor da depreciação da parte sobrante (€ 22 308,00).

                Notificados da decisão arbitral, veio a expropriada AA – SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA dela interpor recurso, reclamando, quanto à parcela nº ..., uma indemnização no valor de € 316 581,39 e, quanto à parcela nº ..../D, uma indemnização total de € 208.421,32.

                Mais requerendo a expropriação total, ou seja, a do acréscimo da área de terreno (172 m2) remanescente do prédio donde haviam sido destacadas as parcelas nºs .... e ..../D, a primeira com a área de 562 m2 e a segunda com a área de 666 m2, tudo a implicar a expropriação da área de 1 400 m2.

                Quanto à parcela nº ..../D veio, também, a expropriante interpor recurso, discordando da atribuição, no acórdão arbitral, da indemnização de € 22 308,00, a título da desvalorização da parte sobrante.

                Deferida a expropriação do remanescente, em relação à parcela nº ..../D, passou o respectivo processo expropriativo a considerar a expropriação do acréscimo de 172 m2, importando numa área global de 838 m2 (666 + 172).

                Realizadas as competentes avaliações, fixaram os senhores peritos, quanto à parcela nº ...., a indemnização global de € 29 983,66 e, quanto à parcela nº ..../D, a indemnização global de € 50 574,40 (€ 49 274,40 em relação ao valor da parcela e € 1 300,00 em relação ao valor das benfeitorias).

                Foi proferida sentença, que, quanto à parcela nº ...., fixou o valor da indemnização em € 28 426,54 (perda da parcela e benfeitorias) e, quanto à parcela nº ..../D, fixou o valor da indemnização em € 43 486,60 (perda da propriedade da parcela e da parte sobrante e benfeitorias), tudo a actualizar, de harmonia com os índices de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicados pelo INE, relativamente ao local da situação do bem ou da sua maior extensão.

                 Inconformada, veio a expropriada interpor recurso de apelação, para o Tribunal da Relação do Porto, julgado parcialmente procedente, com a alteração da sentença recorrida, fixando-se a indemnização relativa à expropriação da área de terreno (838 m2) da parcela nº ..../D em € 50 574,40, a actualizar nos termos fixados na sentença.

                Ainda irresignada, veio a expropriada pedir revista para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões:

1ª - A aqui Recorrente discorda totalmente do douto Acórdão de que se recorre, uma vez que o mesmo, salvo o sempre mui devido respeito, além de não se encontrar devidamente fundamentado não analisa correctamente as questões que lhe foram colocadas, fazendo com que, em virtude disso, a recorrente esteja a sofrer uma privação, a qual raia foros de inconstitucionalidade.

2ª - Com efeito, de acordo com a nossa doutrina mais considerada, justa indemnização é aquela que tem por bitola o valor praticado no mercado, tomando-se este conceito como aquele valor que seria oferecido por um cidadão medianamente esclarecido e conhecedor pela compra livre e directa no mercado numa perspectiva de rentabilidade/lucro.

3ª - Assim, há que concluir com o devido e sempre ressalvado respeito que a indemnização atribuída às parcelas expropriadas mais se assemelha ao parente pobre da justa indemnização.

4ª - Tudo quanto aqui foi por nós alegado nos autos é, assim mais uma vez reiterado, mas sem nunca prescindir do facto de que os artigos 13° e 61° da nossa Lei Fundamental salvaguardam as garantias dos cidadão entre si e perante o Estado, nomeadamente a direito à igualdade, bem como estabelece que a propriedade privada é um bem Jurídico com valor constitucional que não deverá sofrer limitações desnecessárias.

5ª - Por isso mesmo, valerá aqui reforçar a ideia de que nenhum cidadão poderá validamente ser expropriado dos seus bens, sem por isso ser devidamente compensado. E é precisamente de compensar que se trata no caso, pois, o que se pretende é a reposição da aqui Apelante no "status quo ante" à expropriação.

6ª - Com efeito, pese embora toda a factualidade supra dada como provada, sempre entende a aqui Recorrente que, ainda assim, na douta decisão ora recorrida não foram respeitados todos os critérios determinativos da justa indemnização a fixar pela expropriação do prédio aqui em causa (entenda-se o prédio como um todo, porquanto, foi determinada a expropriação total do mesmo).

7ª - É que, na verdade, sempre deveria o Digno Tribunal recorrido ter atendido a todos os encargos suportados pela Expropriada, aqui Recorrente, para efeitos de cômputo da justa indemnização a fixar, pois que, na esteira dos factos dados como provados e supra melhor transcritos (destacados a negrito e sublinhado), tais factos consubstanciam também encargos por conta da Recorrente, que não teria, caso não fosse alvo do acto expropriativo em causa, o que importa fixar.

8ª - É, assim, ponto de discordância, que não podemos deixar de vincar, ponto essencial pelo qual nos debatemos, o facto de a indemnização por expropriação ter, necessariamente, como desiderato ressarcir o expropriado pelo prejuízo efectivamente sofrido, o que, sempre com o devido e merecido respeito, se julga não observado "in casu".

9ª - Com efeito, desde logo, permite-se a Expropriada, aqui Recorrente, discordar do facto de não se ter considerado o projecto de construção que estava previsto para aquela parcela de terreno, pois que, conforme melhor resultou provado nos presentes autos, certo é que aquele pedido de aprovação de projecto de arquitectura foi indeferido apenas e só pela circunstância da servidão "non aedificandi" resultante da perspectivada execução do traçado da ER 1-18; assim, não fosse a circunstância adveniente referente a tal execução de traçado, o referido projecto de licenciamento, que se apresentava em termos sólidos e coincidentes quer com a realidade envolvente àquela parcela de terreno quer com o PDM e as condicionantes topográficas, não tinha porque ser indeferido.

10ª- Seja, com a expropriação que teve lugar nos presentes autos, a aqui Expropriada ficou claramente numa posição de desigualdade perante os restantes cidadãos, porque viu a sua pretensão indeferida, certo que, caso não fosse a expropriação, não o seria. No fundo, conforme vertido, tem que se colocar a tónica na função compensatória da indemnização, que teria que traduzir uma compensação integral do dano sofrido pelo particular, isto é, a indemnização justa será aquela que «segundo a observância do principio da igualdade violado com a expropriação, compense plenamente o sacrifício especial suportado pelo expropriado, de tal modo que a perda patrimonial que lhe foi imposta seja equitativamente repartida entre os cidadãos».

11ª- Portanto, a Expropriada, aqui Recorrente, tem direito a ser ressarcida, não só (tal qual considerado na douta sentença recorrida), pelo facto de ter perdido o seu direito de propriedade sobre o prédio expropriado, mas, antes sim, pelos prejuízos e lucros cessantes advenientes da não concretização do empreendimento que tencionava levar a cabo naquele prédio.

12ª- Malogradamente, veio a Veneranda Relação do Porto, no douto Acórdão ora recorrido, a considerar que, tanto a sub-questão relativa a despesas por si suportadas com o “IMT", com encargos inerentes à contracção de dois financiamentos e juros inerentes a tais empréstimos e com o projecto de construção para o aludido prédio, bem como, a sub-questão atinente à contabilização duma parcela indemnizatória referente aos lucros cessantes, não seriam de atender.

13ª- Isto porque, foi aí entendido que «a compensação por expropriação envolve essencialmente a restituição pela perda de direitos sobre o bem objecto daquela, não necessariamente a totalidade dos prejuízos que para o expropriado decorrem do acto expropriativo.» O que, na verdade, não se pode aceitar, até porque, conforme já referido, tal entendimento encontra-se em contradição com a decisão perfilhada pelo mesmo Venerando Tribunal, no âmbito do douto Acórdão proferido nos autos de recurso de apelação com o nº 5159/03.2TBSTS.P1, da 3ª Secção, em 25-03-2010 (publicado em www. dgsi. pt).

14ª- Com efeito, defende-se no douto acórdão-fundamento supra mencionado que «1- O acto administrativo de licenciamento é um acto constitutivo de direitos, pelo que, à data do início do processo expropriativo, tinham os expropriados direito de propriedade sobre o imóvel expropriado e direito de edificação do que constava do projecto de arquitectura que fora objecto de licenciamento camarário, isto é, de autorização de construção. II - Ou seja, os expropriados tinham o direito fundamental de propriedade do imóvel objecto do dito projecto de arquitectura e eram já titulares do direito de urbanizar, lotear e edificar nesse imóvel, direito este modelado pelo ordenamento jurídico urbanístico e não incluído no direito de propriedade privada, a que se refere o art. 62° da CRP, porque resultado de uma atribuição jurídica pública. III - Tendo a expropriação impedido a construção que os expropriados tinham direito de efectuar, o que lhes causou prejuízos, verifica-se que foram expropriados de dois direitos, o que tem pleno cabimento na previsão constante do art. 29° do Cod. Exp./99.» (negrito e sublinhado nosso).

15ª- Assim, e por referência à apontada razão de discordância com o douto acórdão recorrido - a não consideração dos efeitos da expropriação na inviabilização do projecto de licenciamento e os prejuízos inerentes - apraz, desde já, referir que sempre se impunha a consideração daquele projecto de licenciamento, designadamente, no que concerne à sua descrição construtiva, para efeitos de contabilização dos lucros cessantes, os quais, impreterivelmente, deveriam ter sido contabilizados para efeitos de fixação do montante da indemnização a pagar pela Entidade Expropriante, pois, na verdade, sendo a aqui Expropriada uma sociedade comercial cujo objecto social é a compra e venda de imóveis para construção, é, assim, notório e claro, que adquiriu o terreno aqui em causa tendo em vista a construção, que projectou, com o intuito de, na prossecução do seu fim comercial, obter lucro - lucro esse que, "in casu" só não logrou obter em virtude da expropriação dos autos, o que, de resto, nunca poderia ter sido olvidado - e, não, com um outro qualquer fim, como se de um qualquer particular se tratasse.

16ª- É que, dispõe o artigo 564.º do Código Civil, que o dever de indemnizar compreende tanto o prejuízo causado (danos emergentes) como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucros cessantes).

17ª- E a este propósito, importa aqui referir que, na verdade, até resulta do elenco dos factos provados, «o Tl teria um preço de venda ao público de cerca de € 60.000,00, os T2 de cerca de € 75.000,000 e os T3 de cerca de € 100.000,00. Auferindo a expropriada um lucro de cerca de 20% de tais valores.»

18ª- Ora, face a estas considerações, revela-se infundado não consignar no cálculo indemnizatório o valor relativo aos lucros cessantes que a Expropriada deixou de auferir com a inviabilização do projecto de construção que havia requerido para implantação na área da parcela a expropriar.

19ª- Acresce que, por outro lado, com especial relevância "in casu", até porque, também assim o Digno Tribunal "a quo" considerou como provado ("A expropriada suportava os encargos com o Imposto Municipal sobre Imóveis, relativo ao prédio objecto da expropriação"), importava que na fixação da justa indemnização o Dign. o Tribunal recorrido tivesse atendido ao facto da Expropriada ter suportado ainda os encargos devidos com o Imposto Municipal sobre Imóveis (I.M.I) relativo ao prédio objecto de expropriação.

20ª- Mais, importa ainda referir que tendo o Digno dado como provado que «A expropriada contraiu dois financiamentos bancários, nos termos do documento de fls. 153. Em virtude de tais contratos a expropriada constituiu uma hipoteca a favor da entidade bancária, para garantia do empréstimo, suportando despesas com o custo do respectivo registo no valor de € 165,99. A expropriada teve que suportar os juros por tais contratos de mútuo. E, liquidou ao gabinete que fez o projecto aqui em causa a quantia de, pelo menos, 2.100 000 $00», deveria também ter atendido a tais encargos suportados pela Expropriada, aqui Recorrente, para efeitos de cômputo da justa indemnização a fixar.

21ª- Pelo que, sendo imperioso que o "quantum" indemnizatório seja fixado por referência às verdadeiras e objectivas capacidades construtivas e de venda delineadas para aquele terreno, as quais só foram postas em crise pela verificação da expropriação, impõe-se uma obrigatória correcção nos cálculos apresentados para aferição do valor do solo e demais factores de determinação da injusta indemnização". Até porque, nos termos do art. 23.º, nº 2, al. d) do C. E., “a contrario", na determinação do valor dos bens expropriados deve tomar-se em consideração a mais-valia resultante de informações de viabilidade, as licenças ou autorizações administrativas, desde que, requeridas anteriormente à notificação a que se refere o nº 5 do artigo 10.°, e, bem assim, nos termos do art. 29° do Código de Expropriações, como escreve F. Alves Correia, in RLJ, ano 134, a págs. 99, "prevê a indemnização de um conjunto de danos patrimoniais subsequentes, derivados (...) ou laterais, que acrescem à indemnização correspondente à perda o direito (...) ou à perda da substância (... do bem expropriado (a parte expropriada do prédio)". (...) "todavia, exige-se que tais prejuízos patrimoniais subsequentes, derivados ou laterais, sejam uma consequência directa e necessária da expropriação parcial de um prédio", só eles podendo ser incluídos na indemnização e não os que "com a expropriação parcial do prédio apenas têm uma relação indirecta, porque encontram a sua causa em factores posteriores ou estranhos à expropriação".

22ª- Assim, na situação presente, verificando-se que o prédio expropriado beneficiava de um projecto de arquitectura que só veio a ser indeferido por força do acto expropriativo, facilmente decorre que os prejuízos daí advenientes são consequência directa e necessária da expropriação em causa.

23ª- Com efeito, resulta claro que antes de iniciado o processo de expropriação era a aqui Expropriada titular de um processo de licenciamento, constitutivo de direitos, que a autorizava a proceder a uma certa edificação, ou seja, a expropriada tinha o direito fundamental de propriedade do imóvel objecto do dito projecto de arquitectura, e seria assim titular do direito de urbanizar lotear e edificar nesse imóvel, direito este modelado pelo ordenamento jurídico urbanístico, e não incluído no direito de propriedade privada, a que se refere o art. 62.º da Constituição da República Portuguesa, porque resultado de uma atribuição jurídica pública. O acto administrativo de licenciamento é um acto constitutivo de direitos pelo que poderíamos simplificar dizendo que à data do início do processo expropriativo tinha a Executada direito de propriedade sobre o imóvel expropriado e direito de edificação do que constava do projecto de arquitectura. É, pois, evidente que é o acto expropriativo que desencadeia a privação do segundo direito ­de edificar nesse imóvel seguindo o projecto de arquitectura ­e é certo que o direito da Expropriada foi lesado directamente por este acto expropriativo e tal implicou a inviabilização do pedido de licenciamento e os custos inerentes, suficientemente documentados e, aliás, não colocados em questão pela entidade expropriante.

24ª- Assim, nestes autos, sabemos que a expropriação impediu a construção que a Expropriada tinha direito de efectuar e que isso lhes causou prejuízos, verificando-se que, malogradamente, foi expropriada de dois direitos, indemnizáveis, o que tem pleno cabimento no disposto no art. 29.º do Código de Expropriações.

25ª- E, não se argumente que «a atribuição duma indemnização assente no dito critério do valor do mercado do solo expropriado é suficiente para repor a situação patrimonial atingida pelo acto expropriativo, ao permitir à recorrente a prossecução da actividade a que se dedica, por aplicação do respectivo montante num outro investimento», quando, na verdade, salvo melhor opinião, tal situação é uma mera hipótese académica, sem correspondência com a realidade, na medida em que como é consabido dificilmente (senão, de todo impossível) poderá, neste momento e atenta a conjectura social e económica em que se encontra o país, a aqui Expropriada encontrar um outro terreno em idênticas condições ao terreno expropriado e por igual preço, já para não dizer que a aqui Expropriada, em virtude das diversas expropriações a que foi sujeita (e cujas indemnizações respectivas ainda não recebeu!), se encontra completamente descapitalizada e paralisada na sua actividade, não possuindo condições económicas que lhe permitam um qualquer investimento, investimento esse que, de resto, a ser hipoteticamente possível, poderia colmatar os prejuízos decorrentes dos lucros cessantes, contudo, não significaria, em qualquer caso, a anulação dos prejuízos já sofridos pela Expropriada, nomeadamente, no que concerne ao IMI que tem vindo a suportar, de um prédio que já não é de sua propriedade, e a todas as despesas com a inviabilidade do projecto supra referido (financiamento, projecto e licenças).

26ª- Pelo que, em suma, mediante a ponderação das questões acima referidas e dos restantes elementos constantes dos autos à luz da prova produzida, impunha-se que a injusta Indemnização" - aquela que visa compensação pelo prejuízo sofrido com a expropriação - a atribuir à Recorrente pela expropriação dos autos, nunca poderia ser fixada em montante inferior àquele peticionado nos autos; ao assim não ter considerado o Venerando Tribunal da Relação do Porto, para além de fazer tábua rasa da matéria a propósito provada, violou o disposto nos artigos 23.º, 24.º e 29.º, ambos do C.E. e o artigo 564.º do Código Civil.

27ª- Assim, por tudo quanto foi acima expendido, imperioso será concluir que o douto Acórdão do qual aqui se recorre violou os artigos 23°; 24°; 25°, 26° e 29. ° todos do Código das Expropriações, bem como os artigos 13°; 61°, n. ° 2 e 62°, n. ° 2 da Constituição da República Portuguesa e o artigo 564. ° do Código Civil.

A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.              

                O recurso, conforme anterior despacho do relator, face à contradição de julgados quanto à questão aqui denominada dos “lucros cessantes”, foi recebido neste Tribunal. Limitado ficando o seu objecto ao conhecimento e decisão de tal questão.

                Corridos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.

Vem dada como PROVADA, quanto ao Processo Principal (Parcela nº ....), a seguinte factualidade:

1. Por despacho do Sr. Secretário das Obras Públicas de 2/6/2003, publicado no DR nº 151, II Série, de 3.7.2003, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação das parcelas de terreno necessárias à execução da obra da concessão “Costa da Prata - ER 1.18 - Sublanço IC1 – IP1 (quilómetro 2,000 ao quilómetro 4,700), nas quais se inclui a parcela, propriedade da expropriada, a que se refere o presente processo, à qual foi atribuído o nº ....;

2. Em 17.4.2004, foi proferida decisão arbitral que fixava o valor da indemnização em 32.897,27 € (27.346,54 € correspondente ao valor da parcela; 1.080 € correspondente ao valor das benfeitorias e 4.470,73 € correspondente ao valor da depreciação da parte sobrante, que aí se decidiu corresponder a 50% do valor desta);

3. Por despacho de 8.11.2004, notificado por carta enviada em 11.11.2004, foi atribuído à expropriada o montante sobre o qual se verificava haver acordo, deduzido do montante das custas prováveis;

4 - Em 9.12.2004, foi emitido precatório-cheque, no montante de 26.044,27 euros, a favor da expropriada;

5 - A parcela tem a área de 562 m2;

6 - É destacada do prédio, com a área de 1.400 m2, inscrito na matriz da freguesia de Canelas, concelho de Vila Nova de Gaia, sob o artigo 3 099 e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o nº0000000, estando a propriedade do mesmo, à data da expropriação, aí inscrita a favor da expropriada;

7 - O prédio confronta a norte com Rua da Escola, a sul com BB, a nascente com CC e a poente com DD;

   8 – A parcela tem uma configuração sensivelmente rectangular, com uma frente de cerca de 18 metros para a Rua da Escola, com a qual confronta a norte;

9 - Confronta a nascente com CC, a poente com DD e a sul com o restante prédio;

10 - É constituída por terreno com aproveitamento arbóreo, mato e silvas;

11 - A parcela, bem como o prédio apresentam declive acentuado no sentido sul /norte;

12 - A parcela situa-se em área classificada pelo Plano Director Municipal de Vila Nova de Gaia, como de “edificabilidade extensiva”;

13 – Nela existia um muro em alvenaria de pedra, com cerca de 18 metros de extensão e a altura média de 0,80 m., no valor de 1.080 €, bem como alguns eucaliptos de pequeno porte;

14 – A Rua da Escola é uma via pública, com pavimento a cubos de granito, dotada de redes públicas de drenagem de águas residuais, de abastecimento de água, de distribuição de energia eléctrica e de gás;

15 - Cerca de 34 % da área sobrante situa-se em zona classificada pelo PDM de Vila Nova de Gaia, como área urbana de “edificabilidade extensiva”, cerca de 44% em área não urbana de transformação condicionada e cerca de 22% em área urbana de edificabilidade extensiva consolidada;

16 – A expropriada, em 1998, apresentou na Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia um pedido de licenciamento de obras particulares, cujo processo se desenvolveu sob o nº 00/00 e para o qual foi apresentado um projecto de edificação de um prédio composto "por cave + rés-do-chão + 2 andares + aproveitamento do vão/cobertura";

17 - Previa tal projecto uma área de implantação de 247,5m2 e uma área total de construção de 1246,40 m2;

18 - O projecto iniciar sofreu um aditamento, passando a prever a construção de um prédio com "cave + rés-do-chão + 2 andares, com sete habitações (1 T1, 2 T2 e 4 T3);

19 - A expropriada obteve dos proprietários confinantes autorização para que a construção se elevasse, sem que fosse necessário deixar qualquer afastamento junto aos limites dos prédios vizinhos,

20 - O "T1" teria um preço de venda ao público de cerca de 60.000 € os "T2" de cerca de 75.000 € e os "T3" de cerca de 100.000 €;

21 - Auferindo a expropriada um lucro de cerca de 20% de tais valores;

22 - Mesmo com a construção de moradias, a expropriada poderia obter lucro nesse valor de 20% do preço de venda, com a respectiva venda;

23 – A expropriada suportava os encargos com o "Imposto Municipal sobre Imóveis” relativo ao prédio objecto da expropriação;

24 - A expropriada contraiu dois financiamentos bancários, nos termos do documento de fls 153;

25 - Em virtude de tais contratos a expropriada constituiu uma hipoteca a favor da entidade bancária, para garantia do empréstimo, suportando despesas com o custo do respectivo registo no valor de 165,99 €

26 - A expropriada teve que suportar os juros por tais contratos de mútuo;

27 - Liquidou ao gabinete que fez o projecto aqui em causa a quantia de, pelo menos, 2.100 000 $00.

Quanto ao Processo Apenso (Parcela nº ..../D, incluindo a expropriação da parte sobrante), vem dada como adquirida a seguinte materialidade:

1 - Por despacho do Sr. Secretário Adjunto das 0bras Públicas de 14.9.2004, publicado no DR nº 241, II Série, de 13.10.2004, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação das parcelas de terreno necessárias à execução da obra da "Scut – IC1 – IP1 - lanço ER 1.18 - sublanço IC1 IP1 (do quilómetro 2+000 ao quilómetro 4+700) aditamento nº 4, nas quais se inclui a parcela, propriedade da expropriada, a que se refere o presente processo, à qual foi atribuído o nº ..../D,

2 - Em Fevereiro de 2006, foi proferida decisão arbitral que fixava o valor da indemnização em 56.074,20 € (33.766,20 € correspondente ao valor da parcela e 22.308 € correspondente ao valor da depreciação da parte sobrante, que aí se decidiu corresponder a 50 % do valor desta),

3 - Por despacho de 15.5.2007, notificado por carta enviada em 17.5.2007, foi atribuído à expropriada o montante sobre o qual se verificava haver acordo, deduzido do montante das custas prováveis,

4 - Em 5.5.2007, foi emitido precatório-cheque, no montante de 33.238,20 euros, a favor da expropriada;

5 – Por despacho de 15.6.2007, notificado por carta de 22.6.2007, foi julgado procedente o pedido de expropriação total formulado pela expropriada;

6 – Tal despacho foi rectificado por despacho de 20.7.2007, notificado por carta de 26. 7.2007;

7 - Em 15.10.2007, a expropriante juntou aos autos o documento comprovativo de ter efectuado o correspectivo depósito complementar,

8 - Em 9.7.2008 foi proferido despacho, notificado por carta de 10.7.2008, no qual se autorizava o levantamento da quantia em relação à qual havia acordo, no que toca à expropriação da parte sobrante;

9 - Em 30.7.2008 foi emitido o precatório-cheque peticionado em 19.10.2007, no valor de 4.249,67 € a favor da expropriada;

10 - A parcela tem a área de 666 m2;

11 - É também destacada do prédio, com a área originária de 1.40Om2, inscrito na matriz da Freguesia de Canelas, concelho de Vila Nova de Gaia, sob o artigo 3099 e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o nº 00000000000, estando a propriedade do mesmo, à data da expropriação, aí inscrita a favor da expropriada;

12 - O prédio confronta a norte com Rua da Escola, a sul com BB, a nascente com CC e a poente com DD;

13 – A parcela tem a forma de um pequeno trapézio justaposto a um rectângulo;

14 - Confronta a nascente com CC, a poente com DD, a sul com o restante prédio e a norte com "IEP”;

15 – Apresenta um talude quase vertical, em elevação ao novo caminho de acesso às parcelas, com a altura média de 1 metro;

16 - É acentuadamente declivosa, descendo de norte para sul;

17 - Está recoberta a vegetação espontânea onde predominam as silvas e os fetos,

18 – Vêm-se 20 eucaliptos com "dap." de 35, no valor de 520 € e algumas austrálias de pequeno porte, sem valor;

19 - Na Planta de Ordenamento do PDM de Vila Nova de Gaia a parcela situa-se cerca de 80 % em zona de edificabilidade extensiva e cerca de 20 % em zona de transformação condicionada;

20 - A parte sobrante é alongada, tendo uma forma grosso modo rectangular, com um dos lados quadrado;

21 –Vêm-se aí 30 eucaliptos com "dap." de 35;

22 - Na Planta de Ordenamento de PDM. a parte sobrante situa-se cerca de 55% em zona de edificabilidade intensiva consolidada e cerca de 45 % em zona de transformação condicionada;

23 - A parcela confina em toda a sua extensão com o novo caminho feito pela entidade expropriante, em consequência da expropriação em fase anterior, o qual está em terra batida e tem a largura média de 5 m, não dispondo de quaisquer redes públicas de infra-estruturas, estando contudo dotado de uma caleira, em meia-cana de betão, para recolha e condução das águas pluviais;

24 - Dista na ordem de 70 m da Rua da Escola, a qual é pavimentada a cubos de granito, tem neste local a largura média de 6 m, estando o troço a poente da intersecção com o novo caminho de acesso ainda apenas pavimentado a macadame,

25 - Nesta rua, na data desta DUP, havia redes de água, saneamento, electricidade, gás, telefones, rede de drenagem de águas pluviais e de colectores de saneamento ligada à estação depuradora;

26 - O tipo de construção predominante e mais próxima é a moradia unifamiliar, com cércea de rés-do-chão e andar,

27 -Mais afastados vêm-se também alguns prédios de habitação colectiva, com cérceas que podem atingir 5 pisos e instalações industriais;

28 - A zona está provida de escola primária a 50 metros, transportes públicos a 50 metros, escolas primárias, escola EB 2-3, centro de saúde, bombeiros e GNR a 1 quilómetro e hospital a 2 quilómetros;

29 - Não existem nas imediações focos poluidores nos aspectos tóxico, visual ou acústico;

30 - A expropriada, em 1998, apresentou na Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia um pedido de licenciamento de obras particulares, cujo processo se desenvolveu sob o nº 00/00 e para o qual foi apresentado um projecto de edificação de um prédio composto por "cave + rés-do-chão + 2 andares + aproveitamento do vão/cobertura”;

31 - Previa tal projecto uma área de implantação de 247,5 m2 e uma área total de construção de 1246,40 m2;

32 - O projecto inicial sofreu um aditamento, passando a prever a construção de um prédio com "cave + rés-do-chão + 2 andares, com sete habitações (1 T1, 2 T2 e 4 T3)";

33 - A expropriada obteve dos proprietários confinantes autorização para que a construção se elevasse, sem que fosse necessário deixar qualquer afastamento junto aos limites dos prédios vizinhos,

34 - O "T1" teria um preço de venda ao público de cerca de 60.000 € os "'T2" de cerca de 75.000 € e os "T3" de cerca de 100. 000 €;

35 - Auferindo a expropriada um lucro de cerca de 20 % de tais valores;

 36 - O valor de mercado dos eucaliptos é de 1.300 €

São, como é bem sabido, as conclusões da alegação do recorrente que delimitam o objecto do recurso – arts 684º, nº 3 e 690º, nº 1 e 4 do CPC, bem como jurisprudência firme deste Supremo Tribunal.

Sendo, pois, as questões atrás enunciadas, se bem que com a limitação imposta no anterior despacho do ora relator, e que pela recorrente nos são colocadas que cumpre apreciar e decidir.         

Apreciando a pretensão da então apelante e ora também recorrente quanto à questão da contabilização de uma parcela indemnizatória para a ressarcir de lucros cessantes, pela não obtenção de um rendimento (lucro) que iria arrecadar pelo investimento imobiliário previsto para o prédio expropriado (quer no processo principal, quer no apenso), entendeu a Relação que a mesma não seria de ter em conta.

Pois, diz o Tribunal recorrido, a justa indemnização devida pela expropriação visa ressarcir o prejuízo que advém para o expropriado do acto da Administração, que deve ser medido pelo que corresponde ao valor real e corrente do bem, de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal por referência à data da publicação da DUP.

Não tendo tal indemnização necessariamente a mesma abrangência da que decorre do quadro geral contemplado para a responsabilidade civil por actos ilícitos, pelo risco ou pelo incumprimento das obrigações, onde se tende a cobrir os danos causados ao lesado, incluindo as desvantagens que deixou de arrecadar em virtude da lesão (art. 564.º do CC).

Sendo certo que, adiantam, ainda, os senhores Desembargadores, se está em causa um investimento realizado pela recorrente, na prossecução da actividade a que se dedica (compra e venda de imóveis para construção), então o alegado prejuízo, adveniente do acto expropriativo, estaria circunscrito ao falado lucro que diz ter deixado de obter, não havendo que aquilatar, em acréscimo, do valor real e corrente do prédio de acordo com o seu destino possível[1].

Afigurando-se-lhes que a atribuição de uma indemnização assente no critério do valor de mercado do solo expropriado é suficiente para repor a situação patrimonial atingida pelo acto expropriativo, ao permitir à recorrente a prossecução da actividade a que se dedica, pela aplicação do respectivo montante num outro investimento, não vindo demonstrados outros prejuízos a afectar a actividade por ela desenvolvida e a exigirem a ponderação da respectiva parcela indemnizatória, à semelhança do contemplado no art. 31.º do Código das Expropriações[2].

Vejamos, então:

Cumprindo dizer, antes de mais, só à laia de esclarecimento, que, encontrando-se o momento inicial da expropriação no acto da declaração da utilidade pública, sendo a constituição da relação jurídica da expropriação o efeito de tal declaração[3], o regime legal aplicável, tendo em conta a atrás referida data da declaração de utilidade pública, é o vigente á data da mesma, ou seja, o CE de 1999, aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro[4].  

Sabendo-se que ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na lei [5]/[6](art. 1308.º do CC), determina o art. 1.º do CE que “Os bens imóveis e os direitos a eles inerentes podem ser expropriados por causa de utilidade pública compreendida nas atribuições, fins ou objecto da entidade expropriante, mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização nos termos do presente Código[7]/[8]/[9]/[10]/[11].

Com efeito, não parecendo a noção dada ao conteúdo do direito de propriedade (art. 1305.º do CC) inspirada em nenhuma ideia ligada à sua função social, nada impede, no conjunto do sistema, que não haja possibilidade de nos socorrermos de cláusulas limitativas[12], estando, na realidade, o direito de propriedade sujeito a muitas restrições, entre elas, a mais radical, a expropriação.

Sendo certo que a integridade do direito de propriedade, direito real máximo, só será respeitada se uma indemnização, correspondente ou adequada, representar para o titular do bem expropriado a compensação devida.

Impondo, desde logo, a nossa Lei Fundamental que todo o acto ablativo de propriedade[13]/[14] envolve indemnização (art. 62.º, nº 2 da CRP)[15].

Falando tal preceito legal, sem definir qualquer critério a respeito, em “justa indemnização”.

A qual se apurará, como melhor iremos ver, a partir do valor efectivo do bem, independentemente de qualquer outra circunstância. Procurando-se repor o expropriado numa situação económica equivalente àquela em que se encontraria se não tivesse havido a expropriação.

Gozando a este respeito o legislador ordinário, no âmbito da sua liberdade de conformação, desde que se mova dentro da razoabilidade inerente ao Estado de Direito e sem frustrar o próprio princípio da indemnização, de uma certa latitude[16]/[17]/[18].

Havendo, então, e desde logo, que se recorrer ao art. 23.º do referido CE, que, no seu nº 1, estabelece o critério geral para a fixação da justa indemnização.

Assim rezando:

“1. A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.”[19]

Vindo a ser repetidamente decidido pelo Tribunal Constitucional [20](TC) que só o critério do valor real em condições normais de mercado assegura o princípio constitucional da justa indemnização[21].

Sendo essencial que seja feita uma correcta identificação-classificação do imóvel expropriado e o cálculo do seu valor, ao abrigo e por força do disposto nos arts 25.º e ss do mesmo CE, devendo tal valor corresponder ao seu valor real e corrente, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado requerer, ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor – citado art. 23.º, no seu nº 5[22]/[23].

Não se configurando a justa indemnização como uma verdadeira indemnização, pois não deriva do instituto da responsabilidade civil.

Com efeito, a obrigação de indemnização por expropriação, como já aflorado no acórdão recorrido, não se confunde com o dever de indemnização, correspondente à responsabilidade civil por factos ilícitos, pelo risco ou pela violação de deveres contratuais.

Ao passo que este abrange todas as perdas patrimoniais do lesado e cobre não só o prejuízo causado, mas também os benefícios que aquele deixou de obter em consequência da lesão, tendo como objectivo colocá-lo na situação em que estaria se a intervenção não tivesse tido lugar, a obrigação de indemnização por expropriação engloba apenas a compensação pela perda patrimonial suportada e tem como finalidade a criação de uma nova situação patrimonial correspondente e de valor igual[24].

Derivando a mesma, segundo a actual Ciência do Direito, do princípio da igualdade[25], pois, se o expropriado não fosse compensado pela perda patrimonial sofrida, tendo de suportar um sacrifício a favor da utilidade pública que não era exigido aos outros cidadãos, cairíamos numa situação de desigualdade de tratamento que a nossa Constituição proíbe. Visando a indemnização restabelecer a igualdade perdida, colocando o expropriado na precisa situação em que se encontram os seus concidadãos que, tendo bens idênticos, não foram atingidos.

Pois, se for concedida ao expropriado uma indemnização correspondente ao valor de mercado do bem, o mesmo é teoricamente colocado na situação de poder voltar a adquirir uma coisa de igual espécie e qualidade, um objecto de valor equivalente[26].

Devendo, por isso, a indemnização corresponder ao valor normal de mercado[27].

Devendo corresponder ao preço que o proprietário expropriado conseguiria obter pelo seu bem se não tivesse tido lugar a expropriação[28].

Devendo a mesma indemnização, para ser justa, que conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que realmente sofreu. Não podendo ser de montante tão reduzido que a torne irrisória ou meramente simbólica, mas também não pode ser desproporcionada à perda do bem expropriado. Não se devendo, por isso, atender a factores especulativos ou outros que distorçam a proporção que deve existir entre o prejuízo imposto pela expropriação e a compensação a pagar por ela, para mais ou para menos. Havendo, para tanto, que observar um princípio de igualdade e de proporcionalidade – um princípio de justiça. Havendo o quantum indemnizatório a pagar a cada expropriado que realizar a igualdade dos expropriados entre si e a destes com os não expropriados: trata-se de assegurar que haja igualdade de tratamento perante os encargos públicos[29].

Sendo a função da indemnização a de fazer entrar, na esfera do atingido, o equivalente pecuniário do bem expropriado, de tal modo que, efectuada a expropriação, o seu património activo muda de composição, não diminuindo de valor[30].

Havendo que averiguar qual o devido montante da falada justa indemnização que advém do acto expropriativo que, necessariamente, priva o expropriado do uso e fruição de determinado bem jurídico, sem olvidar que a mesma, para merecer o qualificativo de justa, há-de cobrir a totalidade dos prejuízos sofridos, que, repete-se, hão-de ser calculados de acordo com o valor real do bem, com o seu valor resultante do mercado normal ou habitual, não especulativo.

Devendo afirmar-se, na esteira de jurisprudência constitucional e de Tribunais comuns[31], que o jus aedificandi,[32]/[33] sem embargo de não possuir tutela constitucional directa no direito de propriedade, deverá ser considerado como um dos factores de fixação valorativa, sendo lícito tê-lo em conta se a situação concreta e objectiva do imóvel o justificar.

Sendo entendimento maioritário do nosso TC considerar que o conceito de justa indemnização inserto no aludido art. 62.º, nº 2, conjugado com o princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, impede a adopção de um critério de determinação do valor da indemnização por expropriação que conduza ou consinta a inclusão de elementos de valorização puramente especulativos ou anómalos, de tal modo que a expropriação seja um factor de locupletamento manifestamente injusto a favor do expropriado.

Não devendo, assim, a indemnização para ser justa, criar a favor do expropriado uma situação mais vantajosa do que a dos proprietários não expropriados em idênticas circunstâncias (vertente externa do princípio da igualdade na relação de expropriação)[34]/[35].  

Acolhendo, assim, a nossa lei, a teoria da substituição no domínio da fixação da indemnização (não excluindo agora, tal como no CE de 1991 e contrariamente ao que sucedia no CE de 1976, as despesas que o expropriado haja de suportar para obter a substituição da coisa expropriada por outra equivalente).

Só sendo justa a indemnização que compense integralmente o dano suportado pelo expropriado.

Impondo-se uma compensação integral, tendencialmente correspondente ao valor venal do bem, de acordo com a sua cotação no mercado[36]/[37].

Devendo-se admitir, que, na reposição da situação patrimonial do expropriado, sempre que no bem deste estivesse a ser realizada uma actividade de índole económica, a indemnização tem de permitir o restabelecimento do rendimento que era auferido antes da expropriação.

Devendo a indemnização, para ser justa, incluir os lucros cessantes durante o período de tempo necessário a tal reconstituição.

Encontrando tais princípios consagração expressa no art. 31.º do CE (indemnização pela interrupção da actividade comercial, industrial, liberal ou agrícola)[38].

Ora, expostos que estão estes princípios, cuja bondade temos por verificada, voltemos ao caso sub judice, ao dos lucros cessantes também reclamados pela expropriada e que lhe terão advindo de não ter podido levar a cabo no prédio objecto da expropriação o empreendimento que aí pretendia realizar.

Tendo-se apurado, a propósito, no que respeita às parcelas nºs .... e ..../D, que, em 1998, a expropriada apresentou na CM de Vila Nova de Gaia, um pedido de licenciamento de obras particulares, cujo processo se desenvolveu sob o nº 00/00, para o qual foi apresentado um projecto de edificação de um prédio composto por “cave + rés-do-chão + 2 andares + aproveitamento do vão/cobertura”, com uma área de implantação de 247,5 m2 e uma área total de construção de 1 246,40 m2. Tendo tal projecto sofrido um aditamento, passando a prever a construção de um prédio com “cave + rés-do-chão + 2 andares, com sete habitações (1 T1, 2 T2 e 4 T3).

Mais se apurando que o T1 teria um preço de venda ao público de cerca de 60 000 €, os T2 de cerca de € 75 000 e os T3 de cerca de € 100 000.

Auferindo a expropriada um lucro de cerca de 20% de tais valores (factos elencados em 16 a 18, 20, 21, 30 a 32, 34 e 35).

Mais se tendo dado como provado que as respectivas DUP tiveram lugar em 2/6/2003, tendo sido publicada no DR II Série de 3/7/2003, quanto à parcela nº .... e em 14/9/2004, tendo sido publicada em 13/10/2004, quanto à parcela nº ..../D (factos 1).

Pretendendo, por isso, a expropriante, invocando princípios atinentes à justa indemnização, que, no essencial, não se afastam dos atrás vertidos – ressarcimento de forma integral e justa, devendo a indemnização corresponder ao valor comum do bem expropriado, sendo a bitola mais segura a do valor de mercado dos bens em jogo – ser ressarcida, não só pelo facto de ter perdido a propriedade sobre o prédio expropriado (como foi considerado no acórdão recorrido), mas também pelos prejuízos e lucros cessantes advenientes da não concretização do empreendimento que tencionava levar a cabo no dito prédio.

Discordando do valor atribuído ao direito de propriedade, mas que aqui não pode ser tido em conta, já que o recurso sobre tal questão não pode versar, como já dito no despacho prévio do relator (a contradição de julgados refere-se apenas aos invocados lucros cessantes), sustenta também – e tal é o cerne desta revista – a indevida desconsideração dos lucros cessantes, pois que, sendo uma sociedade comercial cujo escopo é a compra e venda de imóveis para construção, tendo adquirido o bem em causa com vista a esta actividade, elaborou o respectivo projecto com vista à obtenção de lucros, que, só não foram obtidos, por via da expropriação. Devendo os mesmos também entrar no cômputo da indemnização e, consequentemente, na fixação do seu quantum.

Vejamos, pois:

Desde já se dizendo que, tendo o pedido de licenciamento do prédio a implantar no bem expropriado sido requerido em 1998, não consta, na matéria apurada – e é dela que este Supremo se servirá, já que não julga matéria de facto, nem pode sindicar a adquirida na Relação, a não ser nos casos previstos no art. 722.º, nº 2 do CPC, que aqui não estão em causa (cfr. art. 729.º, nº 2 do mesmo diploma legal) – que a mesma tivesse tido despacho, favorável (concessão) ou não favorável à data da DUP.

Pelo que, em bom rigor, se desconhece se o pretendido licenciamento teria sido concedido, não fora a expropriação e o correspondente acto ablativo da propriedade. Bem como, a ser concedido, se o projecto tal como foi apresentado, teria assim sido aprovado.

Por aqui podendo cair por terra, desde logo, a pretensão indemnizatória da recorrente[39].

Mas, demos de barato que o licenciamento só não foi concedido por efeito da expropriação do prédio onde seria levado a cabo a construção, obviamente destinada a dar lucros[40]/[41].

É óbvio, de qualquer modo, que as duas indemnizações, a derivada da perda do direito de propriedade do prédio por banda da expropriada, obtida pela aplicação – bem ou mal operada não interessa agora averiguar - dos critérios referenciais de cálculo do solo apto para construção (art. 26.º do CE) e a da perda do direito de nele edificar não se podem pura e simplesmente cumular, sob pena de locupletamento indevido, que a justa indemnização, como atrás dissemos, não pode contemplar.

Pois, se a expropriada vendesse o prédio a um terceiro, ficcionemos assim, apenas receberia o seu acordado valor, e, como já nele não poderia construir – mesmo que o seu objecto social fosse a construção – nenhum lucro auferiria com a construção que, com o eventual licenciamento concedido, aí pudesse ser erigida.

O valor do bem expropriado, correspondendo ao seu valor real e corrente, nos termos antes aludidos, não pode ser majorado pela simples perda do jus aedificandi (mesmo entendendo que o direito de edificar está necessariamente modelado pelo ordenamento jurídico urbanístico).

Não podendo adicionar-se, pura e simplesmente, as duas indemnizações, mesmo que ambos os direitos se mostrem “ofendidos”.

Já que a indemnização pelo primeiro, sem mais, conformado pelos ditos critérios referenciais do art. 26.º, exclui a indemnização pelo outro direito, que exigiria o poder de fruição inerente ao direito de propriedade respectivo.

E, extinto (ou transmitido) este, deixa de existir o dito poder de fruição, que poderia permitir o aproveitamento do solo com a projectada e eventualmente lucrativa construção.

Devendo, antes, o valor da indemnização por expropriação corresponder ao valor do bem[42].

Sem prejuízo, de a ablação do direito de edificar que, uma vez validamente concedido, antes da expropriação, passando a integrar a esfera patrimonial, ou seja, a propriedade, do titular da licença[43], (ou passando a acrescer a esta), dever ser tida em conta, se caso disso for, no cômputo da indemnização. Assim podendo, também, criar uma obrigação de indemnizar[44].

Já que, e desde logo, tal direito, validamente concedido, mesmo sem se entrar em conta com os eventuais lucros cessantes, seria susceptível de valorizar o direito de propriedade do solo, enquanto tal.

Bem podendo, assim, tal direito, integrar também o valor de mercado normal ou habitual, não especulativo, do bem expropriado.

Podendo ser considerado, repete-se, como um dos factores de fixação valorativa

Pois, todos conhecem, por exemplo, que um terreno, apto para construção, com um projecto aprovado, é susceptível de valer mais do que um terreno com as mesmas características e localização, sem projecto e sem licença.

Mas não é isto que aqui está em causa, não fornecendo os autos mínimos elementos para que tal situação pudesse, eventualmente, ser contemplada.

Pretendendo antes a recorrente que, para alem da indemnização devida pela perda do direito de propriedade sobre o solo do prédio expropriado, lhe seja também devida indemnização pela perda do invocado jus aedificandi e, consequentemente, dos lucros cessantes que, com base nele, deixou de obter.

O que, pelo já dito, não pode suceder.

Concluindo:

1. Nas expropriações por utilidade pública, só o critério do valor real do bem, em condições normais de mercado, assegura o princípio constitucional da justa indemnização.

Sendo o valor de mercado, também denominado valor venal ou de compra e venda do bem expropriado, entendido em sentido normativo, o critério mais adequado para a compensação integral do sacrifício infligido ao expropriado;

2. A justa indemnização não se configura como uma verdadeira indemnização, pois não deriva do instituto da responsabilidade civil.

Englobando a obrigação de indemnizar, por expropriação, apenas a compensação pela perda patrimonial suportada, tendo como finalidade a criação de uma nova situação patrimonial correspondente e de igual valor;

3. A obrigação de indemnização por expropriação, segundo a actual Ciência do Direito, deriva do princípio da igualdade;

4. A indemnização, para ser justa, não deve criar a favor do expropriado uma situação mais vantajosa do que a dos proprietários não expropriados, em idênticas circunstâncias;

5. A nossa lei acolhe a teoria da substituição no domínio da fixação da indemnização por expropriação, só sendo, assim, justa a indemnização que compense integralmente o dano suportado pelo expropriado;

6. O jus aedificandi, sem embargo de não possuir tutela constitucional directa no direito de propriedade, deve ser considerado como um dos factores de fixação valorativa, na indemnização que advém do acto expropriativo.

Assim podendo, também criar uma obrigação de indemnizar;

7. A indemnização, derivada da perda do direito de propriedade do prédio expropriado, obtida pela aplicação dos critérios referenciais do cálculo do solo para construção (art. 26.º do CE) não se pode, sem mais, cumular com a da perda de direito de nele edificar, ou com consequente e eventual perda de lucros cessantes, sob pena de locupletamento indevido por banda do expropriado, que a justa indemnização não pode contemplar.

Sem prejuízo da ablação do direito de edificar e das consequências daí resultantes, se caso disso for, ser tida em conta no cômputo da indemnização devida.

Face a todo o exposto, acorda-se neste Supremo Tribunal de Justiça em se negar a revista.

Custas pela recorrente.

     

Lisboa, 31 de Janeiro de 2012

Serra Baptista (Relator)

Álvaro Rodrigues

Fernando Bento

_________________________


[1] Já a sentença de 1ª instância, também a seu tempo recorrida, entendeu que ao ser-lhe atribuído o valor indemnizatório correspondente ao valor real e corrente da parcela expropriada, ficava a recorrente plenamente indemnizada, ficando na situação que ficaria se tivesse vendido de moto proprio a propriedade a terceiro. Não podendo a expropriada ser duas vezes ressarcida pelo mesmo dano.
[2] Doravante designado por CE.
[3] Oliveira Ascensão, “Estudos sobre Nacionalizações e Expropriações”, p. 37 e Acs do STJ de 17/6/66, Bol. 158, p. 261 e da RL de 18/2/88, CJ Ano XIII, T. 1, p. 138, entre muitos outros.
[4] Neste mesmo sentido, também entre muitos outros, Acs do STJ de 20/10/80, Bol. 301, p. 309 e de 4/1/79, Bol. 283, p. 172.
[5] A expropriação, como acto ablativo do direito de propriedade privada, de conteúdo patrimonial, aniquilador ou destruidor do mesmo, com base em motivos de utilidade pública ou de interesse geral, comprime, sem dúvida, tal direito real, garantido pelo art. 62.º, nº 1 da CRP. Pelo que só nos casos fixados na lei é que alguém pode ser privado de tal direito.

[6] Assim rezando o art. 1.º do Protocolo nº 1 Adicional à Convenção de Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, sob a epígrafe (Protecção da propriedade): “Qualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito dos seus bens. Ninguém pode ser privado do que é sua propriedade a não ser por utilidade pública e nas condições previstas pela lei e pelos princípios gerais do direito internacional. As condições precedentes entendem-se sem prejuízo do direito que os Estados possuem de pôr em vigor as leis que julguem necessárias para a regulamentação do uso dos bens, de acordo com o interesse geral, ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuições ou de multas”.
[7] Para Oliveira Ascensão, “a propriedade não é um direito absoluto e está socialmente condicionada; ela terá de ceder perante objectivos socialmente prevalecentes, mas da garantia da propriedade resulta ainda que, caso ela necessite de ser sacrificada, há-de haver contrapartida na justa indemnização” – Direito do Urbanismo, 1989, INA, p. 328 (citado in Pedro Cansado Paes e outros, Código das Expropriações, Anotado, p. 27).
[8] Já o Código Civil, em caso se expropriação por utilidade pública, alem de outros, determina que é sempre devida a indemnização adequada ao proprietário (art. 1310.º).
[9] Da circunstância do art. 62.º, nº 1 da CRP não estabelecer restrições explícitas à propriedade privada não pode extrair-se que elas estejam vedadas, já que qualquer Constituição positiva, ainda que imbuída de respeito pela propriedade, tem que admitir que a lei declare restrições – Jorge Miranda e outro, Constituição Portuguesa Anotada, T. I, p. 628.
[10] Marcello Caetano, in Direito Administrativo, vol. II, p. 1020, define a expropriação por utilidade pública como “a relação jurídica pela qual o Estado, considerando a conveniência de utilizar determinados bens imóveis em um fim específico de utilidade pública, extingue os direitos subjectivos constituídos sobre eles e determina a sua transferência definitiva para o património da pessoa a cujo cargo esteja a prossecução desse fim, cabendo a esta pagar ao titular dos direitos extintos uma indemnização compensatória”. P. Lima e A. Varela, ob. cit., p. 106, criticam a incorrecção da definição, pois se os direitos constituídos sobre os bens se extinguissem, não poderia haver, logicamente, transferência deles; e se há transferência é, pelo menos, porque um desse s direitos  (o de propriedade sobre a coisa) não se extinguiu.
[11] A expropriação pode ser entendida em sentido clássico (expropriação clássica) que se apresenta com um procedimento de aquisição de bens com vista à realização de um interesse público, sendo sua característica essencial a mudança do titular do direito e no sentido de expropriação de sacrifício, que se caracteriza por uma destruição ou afectação essencial da propriedade, faltando-lhe, porém, o momento translativo do direito – Fernando Alves Correia, RLJ Ano 132.º, p. 196.
[12] Mota Pinto, Direitos Reais, p. 233.
[13] A consagração constitucional do direito de propriedade privada (nº 1 do aludido art. 62.º) não tem a função legitimante, que nas constituições liberais exclusivamente lhe cabia, de garantia absoluta do interesse privado do proprietário, importando antes uma injunção de composição da ordem dos bens, no quadro da qual esse interesse deve ser regulativamente equilibrado com interesses antagonistas ou concorrentes, também constitucionalmente credenciados, de terceiros ou da colectividade em geral – O Direito de Propriedade na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Conferência Trilateral Espanha/Itália/Portugal (Lisboa, 8 a 10 de Outubro de 2009), relatório elaborado pelo Cons. Sousa Ribeiro, p. 5)
[14] Sendo consensualmente aceite, na jurisprudência constitucional portuguesa que o conceito de propriedade (o constitucional) não corresponde ao civilístico, identificado como o direito real pleno. Apresentando autonomia em relação ao mesmo, é dotado de uma amplitude compreensiva de todas as posições subjectivas de valor patrimonial que radicam na esfera privada, conferindo ao titular poderes de utilização e de disposição de um bem, no interesse próprio – ibidem, p. 6.
[15] Sem indemnização haveria confisco, o qual consiste numa apreensão pura e simples de bens por parte do Estado – P. Lima e A. Varela, CCAnotado, vol. III, p. 106.
[16]Jorge Miranda e outro, ob. e  vol.  citados, p. 630.
[17] A escolha do método ou mecanismo de avaliação do prejuízo derivado da expropriação foi deixado pela Constituição Portuguesa a cargo do legislador ordinário, se bem que o referido conceito constitucional leve implícita três ideias: (i) a proibição de uma indemnização meramente nominal, irrisória ou simbólica; (ii) o respeito pelo princípio de igualdade de encargos; (iii) e a consideração do interesse público da expropriação – Fernando Alves Correia, revista citada, p. 232.
[18] Cfr., ainda, Ac. do TC nº 11/2008 (Cura Mariano), de 14/1/2008, Pº 584/07, Plenário.
[19] Para a obtenção do valor real e corrente de mercado, ou seja para se alcançar a falada justa indemnização, define o Código das Expropriações em apreço um conjunto de critérios referenciais ou elementos ou factores de cálculo, que variam conforme o objecto da expropriação sejam solos (aptos para construção ou para outros fins) ou edifícios ou construções (arts 25.º a 28.º). Definindo as normas das diferentes alíneas do art. 25.º do CE (correspondente, com alterações, ao art. 24.º do CE de 99), alem do mais, os terrenos com vocação edificativa para efeitos de indemnização por expropriação, de acordo com um critério concreto de potencialidade edificativa. Contendo o art. 26.º seguinte critérios referenciais de cálculo do solo apto para construção.
[20] Sendo fundamental para entender o conceito de justa indemnização conhecer a orientação do Tribunal Constitucional sobre a matéria.
[21] Entre muitos outros, Acs do TC nº 408/2008 (Cura Mariano), de 31/7/2008, Pº 291/08, 2ª Secção.
[22] Tudo isto com vista à maximização dos princípios constitucionais, podendo, assim, e verificados que sejam certos pressupostos, a avaliação ter em conta critérios diferentes dos estabelecidos no aludido diploma legal – Cansado Paes, ob. cit., p. 120.
[23] Norma esta que F. Alves Correia, ob. cit., p. 122, considera como condensadora de uma “válvula de escape” ou “válvula de salvaguarda”. Com os inerentes perigos que dela podem resultar.
[24] F. Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, p. 128 e 129.
[25] «O princípio da igualdade, como elemento normativo inderrogável que deve presidir à definição dos critérios de indemnização por expropriação, desdobra-se em duas dimensões ou em dois níveis fundamentais de comparação: o princípio da igualdade no âmbito da relação interna e o princípio da igualdade no domínio da relação externa da expropriação.

No campo da relação interna da expropriação, confrontam-se as regras de indemnização aplicáveis às diferentes expropriações. Neste domínio, o princípio da igualdade impõe ao legislador, na definição de regras de indemnização por expropriação, um limite inderrogável: não pode fixar critérios de indemnização que variem de acordo com os fins públicos específicos das expropriações (v.g. critérios de indemnização diferentes para as expropriações de imóveis destinados à abertura de vias férreas, ao rasgo de auto-estradas, à execução dos planos urbanísticos, etc.), com os seus objectos (v.g. critérios diferenciados de indemnização para as expropriações de imóveis e móveis, prédios rústicos e prédios urbanos, solos agrícolas e solos urbanizados, etc.) e com o procedimento a que elas se subordinam. O princípio da igualdade não permite que particulares colocados numa situação idêntica recebam indemnizações quantitativamente diversas ou que sejam fixados critérios distintos de indemnização que tratem alguns expropriados mais favoravelmente do que outros grupos de expropriados. Aquele princípio obriga o legislador a estabelecer critérios uniformes de cálculo da indemnização, que evitem tratamentos diferenciados entre os particulares sujeitos a expropriação.

No domínio da relação externa da expropriação, comparam-se os expropriados com os não expropriados, devendo a indemnização por expropriação ser fixada num montante tal que impeça um tratamento desigual. A observância do "princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos" na expropriação por utilidade pública exige que esta seja acompanhada de uma indemnização integral (volle Entschädigung) ou de uma compensação integral do dano infligido ao expropriado. Aquele princípio impõe que a indemnização por expropriação possua um "carácter reequilibrador" em benefício do sujeito expropriado, objectivo que só será atingido se a indemnização se traduzir numa "compensação séria e adequada" ou, noutros termos, numa compensação integral do dano suportado pelo particular» F. Alves Correia, "O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade", pág. 532 e ss.
[26] CJ Ano XV, T. V, p. 25 (Parecer dos Profs Doutores Menezes Cordeiro e Teixeira de Sousa).
[27] Na perspectiva de Fernando Alves Correia (revista citada, p. 233), o critério mais adequado para uma compensação integral do sacrifício patrimonial infligido ao expropriado e, para garantir que este, em relação aos seus concidadãos não expropriados, não seja tratado de modo desigual ou injusto, é o do valor de mercado (Verkehrswert), também denominado valor venal, valor comum ou valor de compra e venda do bem expropriado, entendido não em sentido estrito ou rigoroso, mas em sentido normativo. Assim se designando o valor de mercado normal, não especulativo, afastando-se, por vezes, do valor de mercado resultante do jogo da oferta e da procura, já que está sujeito, frequentes vezes, a correcções ditadas por exigências de justiça. Manifestando-se boa parte delas por reduções, impostas pela especial ponderação do interesse público, outras vezes por majorações, devido à natureza dos danos provocados pelo acto expropriativo. Cfr., ainda, Ac. do TC nº 174/2005, de 31/3/2005 (Paulo Mota Pinto), Pº 229/02, 2ª Secção.
[28] Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, p. 143 e Pedro Cansado Paes, ob. cit., p. 120 e ss, que temos vindo a seguir de perto.
[29] Ac. do TC nº 196/2011 (Vítor Gomes), de 12/4/2011, Pº 996/09, 3ª Secção.
[30] Joaquim de Sousa Ribeiro, “O direito de propriedade na jurisprudência do Tribunal Constitucional, in www.tribunal constitucional.pt.
[31] Entre outros, Acs do TC de 1/6/88 (Raul Mateus, Pº 88-0013 e de 8/6/88 (Martins da Fonseca), Pº 88-0003, da RC de 11/2/2003 (Serra Baptista), CJ Ano XXVIII; T. I, p. 36 e da RE de 18/5/2006 (Rui Moura), CJ Ano XXXI, T. III, p. 244.
[32] Seja qual for a melhor qualificação a dar ao direito a construir – e a doutrina encontra-se dividida a este respeito – crê-se que ele não integra a dimensão essencial do direito de propriedade que tem natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (acs do TC nºs 496/2008 e 329/99).
[33] F. Alves Correia (Problemas Actuais do Direito ao Urbanismo em Portugal - separata da Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, p. 51 e 52) entende que o jus aedificandi (mais propriamente o direito de urbanizar, lotear e edificar) não se inclui no direito de propriedade privada, sendo antes o resultado de uma atribuição jurídico-pública decorrente do ordenamento jurídico urbanístico, designadamente dos planos, acrescendo, assim, tal poder à esfera jurídica do proprietário, nos termos e nas condições definidas pelas normas jurídico-urbanísticas. Já Freitas do Amaral (Apreciação da Dissertação de Doutoramento do Licenciado Fernando Alves Correia, in Revista da Faculdade de Direito de Lisboa, 1991, p. 99 a 101) sustenta que o jus aedificandi constitui parte integrante do direito de propriedade, por ser uma das faculdades em que tal direito se analisa, sucedendo apenas que o seu exercício está dependente de uma autorização da Administração.
[34] Ac. do TC nº 231/08 (Vítor Gomes), de 21/4/2008, Pº 337/06, 3ª Secção.
[35] No direito francês entende-se que o carácter integral da reparação implica que, independentemente da indemnização principal, representando o valor patrimonial do elemento desaparecido (o edifício, o terreno, etc), o expropriado deve receber indemnizações acessórias correspondendo a diversas espécies de prejuízos, entre eles os custos de substituição inerentes ao “reemprego” da parte da indemnização correspondente ao valor da coisa na aquisição de outra da mesma natureza – Code de L’Expropriation, art. R.13-46.
Em Espanha, entende-se que a objectivação do valor dos bens ou direitos expropriados não impede que se indemnizem acessoriamente prejuízos que tenham origem na operação expropriativa, uma vez que do que se trata é proporcionar ao expropriado um valor de substituição que lhe permita repor tudo o que a expropriação lhe tira, e recuperar, em consequência, todas as utilidades reais que para ele supunha o objecto expropriado (Eduardo Garcia de Enterria e Tomás-Ramon Fernandez, Curso de Derecho Administrativo, II, 2ª ed., p. 274) – cfr. citado ac. do TC 231/08.
[36] José Osvaldo Gomes, Expropriações por Utilidade Pública, p. 153.
[37] Sublinhando o Tribunal Constitucional, nesta mesma linha, que na expropriação vale o princípio da indemnização total ou integral (full composition) – Acs nºs 210/93, de 16/3/93, 316/92, de 6/10/92, in DR II de 28/5/93 e de 18/2/93, respectivamente. Cfr., ainda, O Direito de Propriedade na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, relatório citado.
[38] Alípio Guedes, Valorização de Bens Expropriados, p. 74 e Elias da Costa, Guia das Expropriações por Utilidade Pública, p. 266 e 267.
[39] Não se estando aqui perante a situação da caducidade de uma licença de construção já concedida por incompatibilidade com o acto expropriativo.
[40] Embora tal até pudesse não suceder, sendo facto notório, de todos conhecido, se bem que nos dias de hoje, face à grave crise económico-financeira que se atravessa e que já recua um tanto no tempo, que muitas empresas de construção não conseguem sequer, mesmo com baixa de preços, vender os seus activos.
[41]E, nem se diga, que da matéria de facto apurada resultam, com segurança, os lucros que seriam obtidos pela recorrente. Pois, provado apenas ficou a apresentação do projecto de construção com as características indicadas e que as fracções iriam ter os preços de venda também aludidos. Sobre eles recaindo um lucro na ordem dos 20%. Agora, e mesmo dando da barato que a licença de construção não foi obtida por via da expropriação, saber se o projecto seria aprovado nas condições pretendidas e apresentadas e se os preços previstos se viriam a verificar em concreto, com aceitação dos eventuais compradores, é o que falta, desde logo, demonstrar.
 
[42] Os acs do STJ de 24/10/96 (Joaquim de Matos), agravo nº 465/96, da RE de 29/3/79 (José Albuquerque de Sousa), CJ Ano IV, T. II, p. 385 e da RG de 20/4/2005, CJ Ano XXX, T. II, p. 293, concluem, de forma expressa, que não se incluem, na indemnização por expropriação, situações em que estejam em causa lucros cessantes. No sentido expendido no parágrafo ora anotado, Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, p. 128 e 129, Parecer citado dos Profs Menezes Cordeiro e Teixeira de Sousa, Acs do TC nºs 109/88, 131/88, 174/95, 174/05, 11/08, 408/08 e 196/11 e acs da RC 11/2/2003, CJ Ano XXVIII, T. I, p. 36, da RE de 25/6/92, CJ Ano XVII, T. III, p. 344, da RE de 30/1/92, CJ Ano XVII, T. 1, p. 269 e da RE de 3/12/98, CJ Ano XXIII, T. V, p. 296.
F. Alves Correia, in RLJ cit., p. 122, aludindo à perigosidade que essencialmente resulta do facto de a norma do nº 5 do art. 23.º do CE conter uma autêntica cláusula em branco, no que concerne à escolha do critério ou do método do cálculo do valor do bem, nele se podendo incluir, alem do mais, o lucro do promotor, considera-o um método constitucionalmente inadequado para conduzir ao valor de mercado (normativamente entendido) do bem, já que dele resulta, em regra, o apuramento de uma indemnização que excede aquele valor.
[43] Ou devendo ter passado a integrá-lo, não fora a expropriação a impedi-lo. Isto no caso de a licença ter sido requerido antes da data da DUP e de não ter sido concedida apenas porque esta, entretanto, se verificou.
[44] Ac. do TC nº 492/98, de 2/6/99 (Messias Bento).