Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1320/14.2TMPRT.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DECISÃO SINGULAR
REJEIÇÃO DE RECURSO
OFENSA DO CASO JULGADO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO, MANTENDO-SE A DECISÃO DO RELATOR
Sumário : A norma do art.629 nº2 a) CPC sobre a admissibilidade do recurso, apenas se aplica aos casos em que há violação do caso julgado, mas já não às situações em que na decisão recorrida tenha sido afirmada a excepção ou autoridade do caso julgado.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


1.- O Autor AA instaurou acção de divórcio sem consentimento, com forma de processo especial, contra a Ré BB.

A alegando factos sobre a ruptura definitiva do casamento entre ambos e bem assim a separação de facto por mais de um ano, pediu que se decrete o divórcio.

Contestou a Ré, pedindo em reconvenção o decretamento do divórcio por culpa exclusiva do Autor e a condenação deste no pagamento de indemnização, pretendendo ainda a fixação de pensão alimentar.

2.- Na audiência prévia operou-se a conversão em divórcio por mútuo consentimento, prosseguindo os autos para apreciação das questões incidentais que se mantinham em litígio.

3. – Tendo falecido o Autor, foram habilitados no pertinente incidente os seus sucessores – além da Ré BB, sua mulher, os seus filhos CC, DD, EE, FF e GG.

4.- A  instância prosseguiu para fixação da data da separação (para efeitos patrimoniais), e a Ré requereu (em 6/11/2020 e 13/11/2020) que o habilitado EE fosse notificado para constituir novo advogado (por se verificar, no caso, situação de litisconsórcio necessário dos sucessores do falecido Autor), com a cominação do art. 41 do CPC, requerimentos que merecem resposta (designadamente do habilitado FF – sustentando não se verificar a invocada situação de litisconsórcio – e até do EE – corroborando verificar-se situação de litisconsórcio, não estando ele de acordo com o prosseguimento dos autos).

5. Por despacho de 30/04/2021, transitado em julgado, decidiu-se:

‘Tendo em consideração, por um lado, que o habilitado EE, na sequência da renúncia ao mandato levada a cabo pela sua Ilustre Mandatária, não constituiu novo Advogado no prazo a que alude o art.º 47.º n.º 3 do C. P. Civil, e, por outro lado, atendendo ao facto de na presente causa ser obrigatória a constituição de Advogado (cfr. o art.º 40.º n.º 1 a) do citado diploma legal), declaro a instância suspensa (alínea a) do n.º 3 do art.º 47.º do C. P. Civil).’

6. O habilitado CC requereu ( 9/9/2021) o prosseguimento dos autos, alegando que havendo sido concedido o prazo para o habilitado EE e não o tendo feito, o processo deve prosseguir.

7. Por despacho de 21/9/20221, decidiu-se deferir o requerido pelo habilitado CC e determinar o prosseguimento dos autos.

8. Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que, para efeitos patrimoniais, fez retroagir a ... de 2013 os efeitos do divórcio entre o falecido Autor e a Ré.

9. - Inconformada com o despacho de 21/09/2021 e com a sentença, a Ré recorreu de apelação e a Relação, por acórdão de 17/5/2022, decidiu:

“Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar procedente a apelação e, em consequência, em revogar o despacho apelado de 21/09/2021 (por se manterem os efeitos processuais do caso julgado formal do despacho de 30/04/2021), anulando todo o processado posterior, incluindo o julgamento e a sentença.

Custas pelos apelados.”

10. - Inconformado, FF recorreu de revista com as seguintes conclusões:

1) Vem o presente Recurso interposto do Ac. Proferido pelo Tribunal da Relação do Porto que revogou o despacho apelado de 21/09/2021, por entender que se mantinham os efeitos de caso julgado do despacho de 30/04/2021, anulando todo o processado posterior, incluindo julgamento e sentença.

2) Tal decisão foi proferida com desacerto, já que inexistiu qualquer figura de caso julgado que permitisse a revogação do despacho de 21/09/2021;

3) O Tribunal de primeira instância, ao ter suspendido a instância, baseou-se num errado julgamento, sobre a necessidade de constituição obrigatória de mandatário.

4) Estando em causa situação de litisconsórcio voluntario, não se mostra necessário a intervenção de todos os AA., para conferir legitimidade ao prosseguimento dos autos.

5) O art. 47 n.º 3 do CPC, tem de ser aplicado de forma casuística, sob pena de se inverter a intenção do legislador, denegando-se justiça e verdade, premiando quem faz do processo uso improprio e se recusa, voluntariamente, a cooperar com a administração da justiça.

6) A jurisprudência dos nossos tribunais, têm dado conta da necessidade da aplicação do art. 47 n.º 3 não poder ser feita de forma estreita e linear.

7) Apesar de ser um pressuposto, a qualificação e os efeitos da falta de patrocínio judiciário obrigatório variam, sendo necessário buscar a solução que, por melhor adequada ao caso, respeite o seu espírito e lhe confira harmonia.

8) É necessário analisar e ponderar cada situação, com vista a alcançar o regime mais adequado ao caso concreto, ponderando, se estamos perante litisconsórcio necessário ou voluntário, se a falta ocorre desde o início dos autos ou em plena marcha do processo, qual a causa, entre outros.

9) Não se descortina motivo bastante, para, à luz dos princípios dos arts. 6, 547 e 7 do CPC, analogamente ao que prevê o 320.º n.º 1 do CPC, não viabilizar o prosseguimento dos termos da causa, evitando prejuízos para os demais habilitados, que se mantem devidamente patrocinados, mas proporcionando a apreciação na, com possíveis efeitos de caso julgado, do direito do A. não patrocinado, e assim a resolução do litígio e a eficácia e credibilidade do sistema da justiça.

10) O despacho de 30/04/2021 não fez caso julgado quanto à questão de se saber se só um herdeiro pode continuar com a acção, questão que, se diga, nem cheirou. Por conseguinte, não ficou abrangido pelo caso julgado, e, nessa medida, a causa de pedir do despacho de 21/09/2021, é, de todo em todo, diferente da que fundou o despacho de 30/04/2021, inexistindo caso julgado, errou o tribunal da relação ao revogar o despacho de 21/09/2021, e, consequentemente, ao ter anulado os ulteriores termos a partir de 30/04/2021.

11) Mas ainda que se pudesse admitir, academicamente, a existência de caso julgado formal, a solução a extrair da inércia do co-autor, nunca poderia ser a de fazer precludir o direito que as partes trouxeram aos autos.

12) Foram violados, por erro interpretação e aplicação, o vertido no art. 6.º, 7.º, 47.º n.º 3, 547.º, 581.º n.º 1 e 4, 620.º e 621.º, todos do CPC, e art.º 20.º e 202 da CRP.

11. BB contra-alegou suscitando a questão prévia da inadmissibilidade do recurso, porquanto a decisão não conheceu do mérito, nem pôs fim ao processo, logo o recurso não cabe no art. 671 nº1 CPC. Além disso, tratando-se de decisão interlocutória, também não está coberta pelo art.671 nº2 CPC.

12. No Supremo Tribunal de Justiça, por decisão singular de 7/11/2022, decidiu-se não admitir o recurso de revista.

13. FF reclamou para a conferência, com as seguintes conclusões:

Por decisão singular, entendeu o Ilustre Relator que o recurso  interposto recaia sobre uma decisão interlocutória, e, por conseguinte, era inaplicável o disposto no art. 671 n.º 2 a) e b) do CPC.

O recurso de revista é admissível por aplicação do disposto no art. 671 n.º 2 alínea a), com referência ao art. 629, ambos do CPC.

Nos termos do art. 671 n.º 2 alínea a) do CPC, os Acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias, podem ser objecto de revista, sempre que o recurso seja admissível.

Na presente causa, o critério do valor acha-se assegurado, atento o valor ser superior a 30.000,00€ e não se verifica a dupla conforme.

O recurso de revista é ainda admissível por razões constitucionais que obstam a que se já denegada justiça.

Ao não admitir que o presente recurso seja apreciado existe uma clara denegação da justiça, e uma errada interpretação e aplicação dos dispositivos contidos nos artºs. 6.º, 547.º, 629 e art. 671 n.º 2 alínea a), todos do CPC, e art.º 20 e 202 da CRP.

14. – BB respondeu, preconizando a improcedência da reclamação.

15. – Cumpre decidir, em conferência.

A decisão singular do Relator contém a seguinte fundamentação:

“A clara pertinência da questão prévia impõe a inadmissibilidade legal da revista.

Retomando o art. 671 nº1 CPC a solução do anterior art. 721 CPC/1961, antes da reforma de 2007, o que releva para a admissibilidade da revista é o acórdão da Relação e já não o que tenha sido decidido pela 1ª instância.

Ora, o acórdão da Relação decidiu revogar o despacho 21/09/2021 (por se manterem os efeitos processuais do caso julgado formal do despacho de 30/04/2021), e determinou a anulação do processado posterior, incluindo o julgamento e a sentença, pelo que não conheceu do mérito, nem pôs fim ao processo.

Apreciando o acórdão recorrido uma decisão interlocutória sobre a relação processual, não tem aqui aplicação o art.671 nº2 a) e b) CPC.

Em primeiro lugar não configura um caso em que seja sempre admissível o recurso, nos termos do art.629 nº2 a) CPC. Note-se que a revista não tem por fundamento a ofensa de caso julgado. A norma excluiu do regime especial de recorribilidade as situações em que tenha sido afirmada na decisão recorrida a excepção ou autoridade de caso julgado.

Em segundo lugar, não foi invocada qualquer contradição jurisprudencial.

Em resumo, não é legalmente admissível a revista, sendo que o despacho a admiti-la não vincula o tribunal superior ( art.641 nº5 CPC)”.


Concordam com a fundamentação aduzida.

O Reclamante alega que o recurso é admissível, com base nos arts. 671 nº2 a) com referência ao art.629, ambos do CPC, mas sem razão.

Com efeito, como se justificou, não tem aqui aplicação os casos em que é sempre admissível recurso, nos termos do art.629 nº2 , nomeadamente com fundamento na ofensa de caso julgado ( alínea a) ). É que esta norma excluiu as situações em que tenha sido afirmada na decisão recorrida a excepção do caso julgado, como sucede aqui.

Na verdade, o acórdão da Relação asseverou a existência de caso julgado formal do despacho de 30/4/2021, não se tratando de ofensa a caso julgado.

A alegação de denegação de justiça e violação do art.20 CRP não tem qualquer consistência.

Tanto o Tribunal Constitucional, como o Supremo Tribunal de Justiça, têm jurisprudência consolidada no sentido de que “ a Constituição não impõe que o direito de acesso aos tribunais, em matéria cível, comporte um triplo ou, sequer, um duplo grau de jurisdição, apenas estando vedado ao legislador ordinário uma redução intolerável ou arbitrária do conteúdo do direito ao recurso de actos jurisdicionais”, pelo que “o legislador dispõe de ampla margem de conformação do regime de recursos”( cf., por todos, Acórdão TC nº 361/2018 ).

Como elucida Lopes do Rego (“O direito fundamental do acesso aos tribunais e a reforma do processo civil”, Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, pág. 764), as “limitações derivam, em última análise, da própria natureza das coisas, da necessidade imposta por razões de serviço e pela própria estrutura da organização judiciária de não sobrecarregar os Tribunais Superiores com a eventual reapreciação de todas as decisões proferidas pelos restantes tribunais”.


16.- Pelo exposto, decidem:

Julgar improcedente a reclamação e manter a decisão singular de não admissão da revista.

Condenar o Reclamante em 3 Ucs de taxa de justiça.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 17 de Janeiro de 2023.


Os Juízes Conselheiros:

Jorge Arcanjo ( Relator )

Isaías Pádua

Manuel Aguiar Pereira