Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
926/07.0TBPRG.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: DIREITO DE PROPRIEDADE
PRÉDIO CONFINANTE
SERVIDÃO DE VISTAS
JANELAS
RELAÇÕES DE VIZINHANÇA
ABUSO DO DIREITO
Data do Acordão: 01/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITOS REAIS / DIREITO DE PROPRIEDADE / PROPRIEDADE DE IMÓVEIS / CONSTRUÇÕES E EDIFICAÇÕES.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL NO TEMPO.
Doutrina:
- Alberto González, Restrições de Vizinhança, 110.
- Carvalho Martins, Construções e Edificações, 14, 33, 37.
- Coutinho de Abreu, Do Abuso do Direito, 43, 44, 45.
- Henrique Mesquita, Direitos Reais, 149, 152.
- Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Vol. II, 853; Tratado do Direito Civil Português, I, Tomo IV, 341, 348.
- Pires de Lima e Antunes Varela, "Código Civil", Anotado, Vol. I, 4ª ed., 300; "Código Civil", Anotado,Vol. III, 2ª ed., 212, 214.
- Vaz Serra, Abuso do direito, BMJ 85-253.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 334.º, 1305.º, N.º1, 1360.º.
D.L. N.º 303/2007, DE 24-8: - ARTIGO 12.º.
LEI N.º 41/2013, DE 26-6: - ARTIGOS 7.º, 8.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 23.04.1998, CJ STJ VI, 2, 52;
-DE 11.03.99, BMJ 485-413;
-DE 23.03.2006, CJ STJ XIV, 1, 150;
-DE 06.11.2008, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1. Pode entender-se que as restrições do art. 1360º do Código Civil não são aplicáveis – sendo assim lícito abrir porta ou janela a menos de 1,5m do prédio vizinho –, se, entre aquelas aberturas e este prédio, existir muro ou parede que impeça o devassamento.
2. Para assim se entender, não será de exigir que esse muro ou parede pertençam ao dono da construção onde se situa a porta ou a janela, tudo se passando como se estas não existissem, não podendo esse proprietário invocar que, desse modo, adquiriu direitos por usucapião, designadamente a servidão de vistas (por não existir possibilidade de ver ou devassar o prédio vizinho).
3. Mesmo que assim se não entenda, a pretensão do proprietário vizinho, de encerramento de janelas na referida situação, legitimada formalmente na norma do art. 1360º nº 1 do CC, não lhe propiciará, objectivamente, qualquer utilidade ou benefício, provocando apenas, um claro prejuízo para os autores, constituindo um abuso do direito.
4. Existe também abuso do direito se há um desequilíbrio ou desproporção intolerável entre o exercício do direito e os efeitos práticos dele derivados, como é o caso de se exigir a um proprietário uma demolição custosa para propiciar a outro uma pequena vantagem.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]:

I.

AA e mulher BB instauraram a presente acção declarativa contra CC e DD.

Pediram que:

1. Se declare que os A.A. são legítimos proprietários do prédio urbano que identificam e que os RR. sejam condenados no reconhecimento deste direito de propriedade;

2. Os RR. sejam condenados a reconhecer que a favor daquele prédio urbano está constituída uma servidão de vistas materializada pela existência do espaço (terraço) identificado nos artigos 5.º a 11.º da petição inicial, assim se condenando os R.R. a demolirem ou recuarem a totalidade das fachadas constituídas por paredes e pilares do seu prédio urbano, e que confinam com o prédio urbano dos A.A., ou seja, as fachadas do prédio urbano dos R.R. viradas a norte e nascente, de tal forma que deixem um espaço livre e desimpedido com a distância não inferior a 1,50 metros do prédio urbano dos A.A.;

Ou, pelo menos, e se assim não se entender, que:

3. Os RR. sejam condenados na demolição peticionada nos termos do numero 2., mercê da existência e edificação consentida e deles conhecida das janelas, varanda e terraço vertidas nos artigos 12.º a 15.º, 36.º, 37.º e 46.º a 54.º da petição inicial;

Sem prescindir, e subsidiariamente, que os RR. sejam condenados:

4. A demolir a totalidade das suas fachadas referidas no pedido indicado em 2., de tal forma que deixem livre e desimpedido o espaço aéreo correspondente ao beiral do telhado do prédio urbano dos A.A. referido nos artigos 16.º, 38.º e 39.º da petição inicial, e por uma largura não inferior a 40 cm., desta forma também permitindo o acesso livre de desimpedido às fachadas do seu prédio e respectiva canalização aí existente, e ao regular escoamento das águas pluviais, conforme vertido nos artigos 38.º a 45.º da petição inicial.

5. A pagar aos A.A. uma indemnização pelos prejuízos causados pelas obras que processaram, os quais serão liquidados em execução de sentença;

6. A pagar aos A.A. uma indemnização por danos morais de, pelo menos, 3.000,00 (três mil euros).

                                                     

Os RR. apresentaram contestação/reconvenção, concluindo pela improcedência da acção e pedindo que:

A) Se declare que os RR. são donos e legítimos possuidores do prédio urbano identificado nos artigos 75.º a 77.º da contestação, condenando-se os AA. a reconhecerem o direito de propriedade dos RR.;

B) Se condenem os AA. a demolir até ao enfiamento/limite das paredes sul e poente da sua alegada casa (o artigo 626) as cornijas da face sul na medida de 37/38 cm. por 15 metros que propendem sobre o espaço dos RR. e a demolir ainda na parte poente a cornija e o beiral que se salientam exteriormente e ocupam, em 70 cm. por quatro metros, o espaço da casa destes acima identificada (o artigo 217);

C) Se condenem os AA. a retirar do seu lado poente da sua alegada casa a caleira e algeroz metálicos no comprimento de 4 metros e que ocupa o espaço dos RR. e a conduzir as águas pluviais pelo seu prédio para a rua;

D) Se condenem os AA. a retirar os canos plásticos, metálicos e algerozes que marginam exteriormente as fachadas sul e poente da alegada sua casa e a fazer o escoamento das águas das chuvas pelo seu alegado prédio para a rua;

E) Se condenem os AA. a encerrar com materiais consistentes as duas janelas do 1.º e 2.º andares localizadas na fachada sul da sua alegada casa (artigo 626) e que deitam directamente e sem qualquer intervalo para terreno e prédio urbano dos R.R., o artigo 217.

                                                     

Os AA. replicaram, pugnando pela improcedência da reconvenção.

                                                     

Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, declarou os AA. legítimos proprietários do prédio urbano identificado no ponto 1. dos factos provados e condenou os RR. a demolir a totalidade das suas fachadas constituídas por paredes e pilares do seu prédio urbano, e que confinam com o prédio dos AA., ou seja, as fachadas do prédio urbano dos RR. viradas a norte e nascente e confinantes com o prédio dos AA., por uma largura não inferior a 40 cm., e ainda pagar-lhes uma indemnização pelos prejuízos causados pelas obras que processaram e indicados nos pontos 39.º, 41.º, 42.º e 51.º dos factos provados, a quantificar em sede de liquidação de sentença, bem como na quantia de € 750,00 a título de danos morais, absolvendo quanto ao mais os R.R. do demais contra eles peticionado.

A reconvenção foi, do mesmo modo, julgada parcialmente procedente e, em consequência, declararam-se os RR. donos e legítimos possuidores do prédio urbano identificado no ponto 2. dos factos provados e condenaram-se os AA. a encerrar com materiais consistentes as duas janelas do 1.º e 2.º andares localizadas na fachada sul e que deitam para o prédio dos RR. absolvendo-se quanto aos demais pedidos, contra eles formulados.

                                                     

Ambas as partes apelaram da sentença, vindo a Relação a julgar improcedente a apelação interposta pelos Autores e parcialmente procedente a apelação interposta pelos Réus, revogando a decisão recorrida na parte em que condenou os Réus a demolir a totalidade das suas fachadas constituídas por paredes e pilares do seu prédio urbano, e que confinam com o prédio dos Autores viradas a norte e nascente por uma largura não inferior a 40 cm.

No mais, manteve a decisão recorrida.

                                                     

Inconformados, pedem agora revista os AA., tendo apresentado as seguintes conclusões:

1. O Tribunal deve conhecer oficiosamente da exceção perentória do abuso do direito, pelo que enquanto questão de conhecimento oficioso suscitada no recurso de apelação, a questão do abuso do direito no que se reporta ao encerramento das duas janelas dos Autores não deverá ser considerada uma questão nova, devendo ser suscetível de apreciação e valoração;

2. A douta Sentença final proferida em 1 a instância julgou parcialmente procedente o pedido reconvencional deduzido pelos Réus, condenando os Autores a encerrarem com materiais consistentes as duas janelas localizadas no 1º e 2º andares da fachada sul da sua casa;

3. Em face da factualidade considerada provada sob as identificadas alíneas 5., 20., 21., 46. e 66. da fundamentação de facto da douta Sentença final proferida, resulta evidente que as duas janelas em questão foram edificadas a menos de 1,5 metros de distância do imóvel dos Réus;

4. No entanto haverá que ponderar, na análise global da matéria de facto que resultou provada, se os Réus estão a exercer legitimamente o seu direito de propriedade, pedindo pela via reconvencional o encerramento destas duas janelas, ou seja, se este seu direito consagrado na lei, se revela injusto na sua aplicação ao caso dos autos;

5. No recurso de apelação interposto, o Venerando Tribunal da Relação declarou não verificada a exceção perentória do abuso do direito, por ter entendido que, apesar do período temporal decorrido correspondente a 8 (oito) anos, isso não significa que tais aberturas foram toleradas e que nunca se oporiam a tal violação, tendo reagido quando por força das circunstâncias tiveram de dotar o seu prédio de novas estruturas. No entanto,

6. Não se encontra provada qualquer matéria factual donde se possa extrair ou concluir que a existência das duas janelas é suscetível de causar prejuízos aos Réus, pois que,

7. Apenas resultou provado sob a alínea 48. da fundamentação de facto, que estas janelas deitam para as paredes e telhado do prédio urbano dos Réus, assim limitando ou mesmo anulando a possibilidade de devassa com a vista ou arremesso de objetos, cuja possibilidade e ocorrência nem sequer resultou demonstrada; por outro lado,

8. Ficou demonstrado nos autos que o início da construção do prédio urbano dos Autores remonta ao ano de 1987, onde desde então residem, sendo por isso anterior à construção do prédio urbano destinado a habitação processada pelos Réus, que apenas teve início no mês de Julho de 2007 - alíneas 6., 11., 12. e 13. da factualidade provada;

 9. E muito embora as janelas aqui em questão tivessem sido edificadas pelos Autores no decorrer dos anos de 1993 a 1995, o certo é que tal ocorreu em data anterior à aquisição por parte dos Réus do imóvel onde edificaram a sua habitação, o que apenas se verificou em 1999 e por doação processada pelo pai da Ré e Autora-mulher - alíneas 3., 20., 23. e 24. da factualidade provada; ou seja,

10. Quando os Réus adquiriram por doação o imóvel onde edificaram a sua habitação, sabiam que o aí confinante prédio urbano dos Autores já se encontrava dotado das duas janelas, cujas obras foram do seu conhecimento - alíneas 25. e 29. da factualidade provada; aliás,

11. Os Réus não só não reagiram contra a edificação das identificadas janelas em 1999, data em que adquiriram a propriedade por doação do seu imóvel, como também não o fizeram até o decorrer do ano de 2007, altura em que iniciaram obras de ampliação do seu prédio urbano, os quais nem sequer contenderam com as aberturas (janelas) em causa; por outro lado,

12. Por residirem na localidade de Galafura, e nomeadamente a Ré-mulher, irmã da Autora-mulher, que residia em casa de seus pais sita em frente do atual prédio urbano dos Autores, os Réus também sabiam e sabem que as referidas janelas foram edificadas sobre a placa de teto da habitação, a qual entre os anos de 1987 e 1993 foi utilizada como se fosse o respetivo terraço, embora não dotado de parapeito; e, assim,

13. Durante este período temporal e, portanto, há mais de 20 (vinte) anos, os Autores sempre puderam usufruir deste terraço, nomeadamente com uma vista livre e desimpedida sobre os imóveis onde atualmente se situa o prédio urbano dos Réus - alíneas 15. a 19. e 47. da factualidade provada;

14. Sabiam ainda os Réus que a edificação das janelas em causa foi do conhecimento dos pais da Autora-mulher e da Ré-mulher, EE e esposa, os quais para além de figurarem como doadores dos bens em questão (aos Autores e aos Réus) também acompanharam as construções em causa, assim as autorizando - alíneas 3., 24., 26. e 30. da factualidade provada; aliás,

15. À data da edificação destas janelas o pai da Ré-mulher era o dono dos imóveis confinantes que posteriormente doou aos Réus, e, nem por isso se opôs à edificação das mesmas, antes as tendo autorizado, o que como é evidente os Réus não podiam ignorar - alíneas 27., 31., 32., 33. e 35. da factualidade provada;

16. Ao peticionarem o encerramento das janelas, e tal como o processam, o comportamento por parte dos Réus ofende manifestamente os princípios da boa-fé e dos bons costumes, bem como os limites impostos pelo fim social e económico do direito dos Réus; pois que,

 17. Os factos supra descritos e dados como provados conduzem a uma situação de confiança, devidamente justificada, assente na crença consequente, imputável apenas aos Réus, que não reagiram oportunamente;

18. Situação de confiança esta que sai reforçada pela existência e utilização do terraço onde posteriormente foram edificadas as janelas, mas também pelas doações dos imóveis em causa (dos Autores e dos Réus) terem sido processadas pelo pai da Autora e Ré-mulher, EE; pelo que,

19. Porque assim não decidiu o Venerando Tribunal da Relação a quo, violou o preceituado nos arts. 334°, 1305° e 1360°, nº 1 do Código Civil;

20. Por outro lado, sob o ponto 1., al, b), da parte decisória da douta Sentença proferida em 1ª instância, foi decidido condenar os Réus a demolirem a totalidade das fachadas do seu prédio urbano constituídas por paredes e pilares, e que confinam com o prédio urbano dos Autores, ou seja, as fachadas do prédio urbano dos Réus viradas a norte e a nascente, por uma largura não inferior a 40 centímetros; no entanto,

21. Esta decisão do Tribunal de 1ª instância foi revogada pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, com base no instituto do abuso do direito, pois que se considerou que a demolição ordenada representa o exercício do direito que é ofensivo do sentido ético-jurídico, pois que apesar de se ter considerado a ilicitude do ato praticado pelos Réus por referência à propriedade dos Autores, também considerou que a demolição decidida acarretará para os Réus prejuízos avultados que não têm qualquer expressão nas vantagens daí advenientes para os Autores;

22. Tal como resulta da factualidade considerada provada sob a alínea 20., o prédio urbano dos Autores ficou concluído em 1995, sendo que apenas 12 (doze) anos depois é que os Réus, também residentes em Galafura conforme referido no número antecedente, procederam à construção do seu prédio urbano, dentro dos limites da propriedade dos Autores, tal como vem dado como assente nas alíneas 6., 20., 23., 24., 26., 39. e 40. da fundamentação de facto. Por isso,

23. Bem andou o Tribunal de 1ª instância ao ter declarado que não se verifica qualquer abuso de direito por parte dos Autores, na medida em que podiam e deviam os Réus efetuar a construção do seu prédio urbano de modo a obviar a possibilidade de ser ordenada a demolição; mas mais,

24. 0s Réus foram também devidamente prevenidos desta possibilidade no âmbito da providência cautelar interposta de embargo de obra, a qual apenas não foi decretada porque os mesmos se (apressaram em concluí-la para dessa forma evitarem o respetivo decretamento, como de facto sucedeu; e, assim,

25. Na defesa dos seus direitos os Autores aqui recorrentes apenas se dedicaram a desencadear as responsabilidades decorrentes das obras que os Réus processaram, e que vêm descritas sob os pontos 6. e 37. a 45. da factualidade provada; de facto,

26. Resultou concretamente provado da factualidade apurada, e sob o ponto 26., "que os Autores procederam à construção deste prédio urbano dentro dos limites da parcela de terreno que para esse efeito lhes foi doado pelo pai da A.-mulher e com o conhecimento deste"; e,

27. Da factualidade considerada provada sob as alíneas 41. a 45. e 50. a 55. resultaram concretamente demonstrados prejuízos inerentes à ocupação ilícita e abusiva dai propriedade dos Autores processada pelos Réus, dos quais se destacam a possibilidade de entrada e infiltração de águas para o interior do seu prédio urbano, tal como resulta da alínea 50. da factualidade provada; por outro lado,

28. É também para os Autores uma certeza processual objetiva que a distância entre as paredes dos dois prédios urbanos permite a acumulação de humidade, detritos e maus-cheiros entre elas, causando infiltrações de água, tal como resulta da alínea 41. da factualidade provada;

29. Nada mais há no processo em sentido contrário, nomeadamente que tais prejuízos se agravem quanto maior for o afastamento; O senso e a experiência comum ditam exatamente o contrário; Assim como ditam que quanto maior for o afastamento entre alçados mais facilitada ficará a intervenção que for necessária processar nos mesmos, nomeadamente para reparação ou limpeza; aliás,

 30. Resulta provado da alínea 51. da factualidade provada que as infiltrações de humidade e águas irão agravar-se nos Invernos subsequentes; acresce que,

31. Para além dos Autores terem ficado impedidos de aceder às fachadas do seu prédio urbano, bem como à canalização de escoamento de águas, também não é justo nem lhes deverá impor que conduzam as águas pluviais pela fachada norte do seu prédio urbano, e por virtude da atuação ilícita e abusiva dos Réus; de facto,

32. Estes prejuízos inerentes à ocupação indevida da propriedade dos Autores assumem manifesta relevância, aos quais acrescerão os danos de índole pessoal e moral, assim ascendendo a valores que, numa análise ainda que descuidada, se poderão computar em valores relevantes e de manifesta elevação; por outro lado,

 33. Da factualidade considerada provada não se extrai que os prejuízos da demolição imposta aos Réus sejam superiores aos dos Autores; Aliás, não resultou sequer objetivamente provado qualquer prejuízo dos Réus com a demolição ordenada, cujo custo e consequência nem sequer foi pelos mesmos alegada e demonstrada; mas mais,

34. Não resultou provado que a demolição das paredes nos termos ordenados implicará a destruição quase total do piso superior da casa dos Réus, ou que não possa haver emendas em pilares e vigas em betão de sustentação de estrutura; e, por isso,

35. De acordo com a matéria de facto considerada provada, o Venerando Tribunal da Relação a quo valorou erradamente as consequências e prejuízos sofridos pelos Autores em consequência da ocupação ilícita e abusiva processada pelos Réus, como também valorou erradamente e sem qualquer sustentação probatória os prejuízos advenientes para os Réus decorrentes da demolição ordenada; pelo que,

36. Ao declarar que a demolição nos termos ordenados, representa o exercício do direito que é ofensivo do sentido ético-jurídico, o Tribunal da Relação a quo violou o preceituado nos arts. 334º, 1305°, 1308º e 1311°, do Código Civil.

E, assim, deve revogar-se a douta Sentença proferida em 1ª instância na parte em que condenou os Autores a encerrarem com materiais consistentes as duas janelas localizadas na fachada sul do seu prédio urbano, bem como o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação.

Os RR. contra-alegaram, defendendo que a primeira questão suscitada pelos Recorrentes não é susceptível de recurso, atento o disposto no art. 721º nº 3 do CPC, na redacção dada pelo DL 303/2007, de 24/8.

Concluíram pela improcedência do recurso.

Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.

Questões a resolver:

No essencial, os Recorrentes discordam do decidido, no que respeita a duas questões:

- o encerramento das duas janelas existentes no lado sul do seu prédio, em que foram condenados, sustentando que a pretensão nesse sentido dos Recorridos constitui abuso do direito;

- a demolição das fachadas do prédio urbano dos Recorridos, viradas a norte e nascente (e que por aí confinam com o prédio dos Recorrentes), por uma largura não inferior a 40 cm, decretada na sentença da 1ª instância, mas que foi revogada no acórdão recorrido com fundamento no abuso do direito.

Preliminarmente, importa tomar posição sobre a questão prévia suscitada pelos Recorridos, respeitante à apreciação da primeira questão acima referida.

III.

Estão provados os seguintes factos:

1. Está inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 626.º, da freguesia de Galafura o prédio urbano destinado a habitação, sito no lugar do Pardieiro (cfr. documento de fls. 31 do procedimento cautelar apenso cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos).

2. Encontra-se inscrita a favor dos RR desde 26-1-1999 a aquisição do prédio urbano constituído por casa de andar térreo, com a área de 174 m2, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 217º, da freguesia de Galafura, e  descrito na Conservatória do Registo Predial de Peso da Régua sob o n.º 00837/260199, da referida freguesia (cfr. documento de fls. 86 e 87 cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos).

3. No decorrer do ano de 1999, EE declarou doar aos R.R. o prédio descrito em 2. através da escritura pública de doação outorgada no dia 14 de Janeiro de 1999, exarada de fls. 12 verso, do livro 94-B, no Cartório Notarial de Santa Marta de Penaguião (cfr. documento de fls. 75 a 77 cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado para os devidos e legais efeitos).

4. O prédio urbano id. em 1. confrontava em parte, do seu lado poente (fachada da frente), com o prédio urbano id. em 2. (cfr. al. D) dos Factos Assentes).

5. Os AA fizeram obras no prédio id. em 1. (cfr. al. E) dos Factos Assentes).

6. No decorrer do mês de Julho do corrente ano de 2007, os RR. iniciaram as obras de construção civil tendentes a dotar o prédio urbano id. em 2. com, pelo menos, mais um piso destinado a habitação (cfr. al. F) dos Factos Assentes).

7. A A. mulher é irmã da R. mulher (cfr. al. G) dos Factos Assentes).

8. No dia 7 de Julho de 2009 no Cartório Notarial em Peso da Régua compareceram como primeiros outorgantes AA e BB e, como segundos outorgantes, FF, GG e HH.

E declararam os primeiros outorgantes: “Que, com exclusão de outrem, são donos e legítimos possuidores do prédio urbano composto por edifício de três pisos e logradouro, destinado a habitação (…) sito no lugar do Pardieiro, na freguesia de Galafura, concelho de Peso da Régua, a confrontar de norte com Junta de Freguesia, de Sul com EE, do nascente com II e do poente com EE e Caminho Publico, omisso na Conservatória do Registo Predial de Peso da Régua, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 626 (que proveio do artigo urbano 462, da dita freguesia de Galafura) (…)”. “(…) Que (…) a posse em nome próprio, pacifica, contínua e pública, desde há mais de vinte anos, facultou-lhes a aquisição daquele prédio por usucapião, que expressamente invocam, justificando o seu direito de propriedade para efeitos de registo predial, dado que o modo de aquisição não pode ser provado por qualquer outro titulo formal extrajudicial”.

E declararam os segundos outorgantes: “Que confirmam as declarações que antecedem por serem inteiramente verdadeiras” (cfr. documento de fls. 263 a 266 cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos).

9. Encontra-se inscrita em favor dos A.A., pela ap. 4316 de 2009/08/12, a aquisição, por usucapião, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Peso da Régua sob o n.º 1716/20090812, freguesia de Galafura, composto por edifício de três pisos e logradouro, que confronta a norte com Centro de Saúde de Galafura, Sul com EE, de Nascente com JJ e Poente com CC e Caminho Publico, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 626 (cfr. documento de fls. 261 cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado para os devidos e legais efeitos).

10. O prédio referido em 1. é constituído por três pisos, com a superfície coberta de 118,50 m2 e logradouro com 51,50 m2 (cfr. artigo 1.º da B.I.).

11. No decorrer do ano de 1987, os A.A. iniciaram a construção do prédio urbano identificado na al. 1., o que fizerem num terreno rústico que para esse efeito lhes foi “doado” verbalmente pelo pai da A. mulher, EE, residente na freguesia de Galafura (cfr. artigo 2.º da B.I.).

12. Ainda no ano de 1987, os A.A. aí passaram a residir “permanentemente”, o que actualmente fazem na companhia dos seus dois filhos, LL, nascida a 28-01-1986, e MM, nascido a 6 de Abril de 1989.

13. E aí dormem, tomam as suas refeições, têm os seus bens móveis e demais pertences pessoais, e aí são procurados por amigos e conhecidos (cfr. artigo 4.º da B.I.).

14. Até ao ano de 1993, o prédio urbano identificado em 1. era composto por um único piso térreo de rés-do-chão, o qual era dotado de uma placa em cimento e laje de betão correspondente ao respectivo tecto e cobertura e á qual os A.A. acediam através de uma escadaria que aí implantaram (cfr. artigos 5.º e 6.º da B.I.).

15. Entre 1987 e 1993, em que o referido prédio urbano manteve a configuração descrita em 14., os A.A. faziam uso da referida placa de tecto da habitação como se fosse o respectivo terraço (cfr. artigos 7.º e 12.º da B.I.).

16. E aí estendiam e secavam roupa (cfr. artigo 8.º da B.I.).

17. Os A.A. mantinham esse referido espaço exterior ornamentado com plantas inseridas em vasos (cfr. artigo 9.º da B.I.).

18. Aí dispunham os A.A. de mesas e cadeiras, onde tomavam as suas refeições, e passavam tempos de lazer (cfr. artigo 10.º da B.I.).

19. Entre 1987 e 1993 os A.A. sempre dispuseram e desfrutaram da possibilidade de, permanecendo ao nível da indicada placa, terem uma vista ao seu redor livre e desimpedida, em todas as direcções, de pelo menos mais de três metros, pois que inexistia qualquer construção confinante que se situasse e prolongasse para além do nível da referida placa de cobertura (cfr. artigo 14.º da B.I.).

20. As obras referidas em 5 decorreram entre 1993 a 1995 e, por via delas, os A.A. dotaram com mais dois pisos o prédio identificado em 1., sendo que o ultimo piso, ou seja, ao nível do 2.º andar, é o correspondente ao aproveitamento do sótão (cfr. artigo 15.º da B.I.).

21. Nas obras de construção civil que os A.A. processaram, o primeiro andar do seu prédio urbano ficou dotado de janelas em todas as suas fachadas, e de três portas na sua fachada poente (fachada principal), que deitam sobre um terraço edificado com cerca de 35 m2 (cfr. artigo 16.º da B.I.).

22. O segundo andar ficou dotado das aberturas correspondentes a duas portas que permitem o acesso a uma varanda edificada na fachada poente (fachada principal) da habitação (cfr. artigo 18.º da B.I.).

23. O telhado que foi edificado no prédio urbano referido em 1. ficou dotado, desde a sua construção que finalizou em 1995, de um beiral com cerca de 40 cm. de largura, bem como de caleiras para escoamento de águas pluviais, conduzidas através de um algeroz para um tanque existente no piso térreo do prédio urbano dos A.A. (cfr. artigo 19.º da B.I.).

24. As obras de construção civil desta forma processadas pelos A.A. ficaram concluídas em 1995, e foram acompanhadas pelos pais da A. mulher, que viviam em frente ao prédio urbano identificado em 1.. (cfr. artigo 20.º da B.I.).

25. A “doação” referida em 11., bem como as obras de construção civil  processadas pelos A.A. e referidas em 11., 20., 21., 22., 23. e 24. foram também do conhecimento dos R.R., os quais também residiam em Galafura (cfr. artigo 22.º da B.I.).

26. Os A.A. procederam à construção deste prédio urbano dentro dos limites da parcela de terreno que para o efeito lhes foi doado pelo pai da A. mulher, e com o conhecimento deste (cfr. artigo 23.º da B.I.).

27. À data da “doação” referida em 11., bem como das obras de construção civil processadas pelos A.A., o pai da A. mulher era possuidor e dono da parcela identificada em 31. (cfr. artigo 24.º da B.I.).

28. Desde o ano de 1987 que os A.A. vem habitando o referido prédio urbano, conservando-o e dele dispondo, pagando as respectivas contribuições e impostos (cfr. artigo 25.º da B.I.).

29. Ninguém perturbou ou contestou a actuação dos A.A. referida em 28. (cfr. artigo 26.º da B.I).

30. Os A.A. praticaram, nesse urbano, “todos os demais actos próprios de seus donos”, como tal publicamente se afirmando, e assim sendo reputados por toda a gente (cfr. artigo 27.º da B.I.).

31. Para além do referido em 4. o prédio urbano referido em 1. também confrontava pelo lado sul com uma parcela de terreno com cerca de 100 m2 que era pertença de EE (cfr. artigo 28.º da B.I.).

32. À data da doação referida em 11., bem como no decorrer da totalidade das obras de construção civil efectuadas pelos A.A., EE era o dono e possuidor dos bens imóveis identificados em 2) e em 31. (cfr. artigo 29.º da B.I.).

33. A doação referida em 3. ocorreu em data posterior á conclusão das obras mencionadas em 11., 20., 21., 22., 23. e 24. (cfr. artigo 30.º da B.I.).

34. No decorrer do ano de 1998, e atento o seu avançado estado de degradação, os R.R. dotaram o prédio urbano identificado em 2. com novas paredes em tijolo e da respectiva cobertura constituída em laje de betão (cfr. artigo 31.º da B.I.).

35. Posteriormente os R.R. prolongaram esta referida cobertura por toda a extensão confinante com o lado sul (fachada lateral esquerda) do prédio identificado em 1. o que fizeram na parcela de terreno identificada em 31., que lhes foi doada por EE (cfr. artigo 32.º da B.I.).

36. A cobertura em laje edificada pelos R.R. situa-se em plano inferior e a cerca de um metro de altura da laje que constitui o piso do primeiro andar do prédio identificado em 1. e com a configuração descrita em 20. após as obras nele processadas (cfr. artigo 33.º da B.I.).

37. Na sequência das obras processadas pelos R.R. e descritas em 6., na confinância com o terraço em cobertura de laje, pertença dos A.A., os R.R. edificaram três pilares e uma parede de tijolo, sustentando o respectivo telhado, com cerca de três metros de altura na zona mais alta e dois metros na zona mais baixa, vedando e tapando o referido terraço nessa parte (cfr. artigo 34.º da B.I.).

38. Inexistindo qualquer intervalo de terreno entre a referida parede dos R.R. e o piso desse terraço (cfr. artigo 35.º da B.I.).

39. Os R.R. procederam á construção e levantamento de pilares e parede de tijolo,  numa extensão de 3,5 metros ao longo de parte da fachada poente (fachada principal) da habitação dos A.A., com afastamentos a oscilar entre os 50 cm. e os 10 cm. e ainda ao longo de parte da fachada sul, com cerca de 8,10 m., e com um afastamento de 13 cm. (cfr. artigo 36.º da B.I.).

40. Os pilares e a parede referidas em 39.º situam-se por debaixo do espaço compreendido e ocupado pelo beiral do telhado referido em 23. (cfr. artigo 37.º da B.I.).

41. As distâncias entre as paredes dos dois prédios urbanos referidas em 39, permitem a acumulação de humidade, detritos e maus-cheiros entre elas, causando infiltrações de água no prédio identificado em 1. (cfr. artigo 38.º da B.I.).

42. A construção efectuada pelos R.R. impede os A.A. de acederem ao tubo de escoamento de águas pluviais, implantado na parede da fachada sul do prédio identificado em 1. (cfr. artigo 39.º da B.I.).

43. Na confinância com o cunhal Sul/Poente do prédio identificado em 1., o telhado do prédio aludido em 2. foi edificado num plano superior ao telhado do prédio falado em 1. em cerca de 80 cm. e com um afastamento, medido a partir da caleira de escoamento de águas pluviais, de cerca de 7 cm. (cfr. artigo 40.º da B.I.).

44. Nas obras de construção civil a que procederam, e no seguimento do cunhal supra referido, os RR. procederam à edificação da parede e telhado existente na sua confrontação norte do prédio urbano referido em 2, encostada ao parapeito lateral esquerdo da varanda dos AA. referida em 22., e a não mais de cerca de 10 (dez) centímetros de distância deste (cfr. artigo 43.º da B.I.).

45. A parede e telhado dos RR. referidos em 44. prolongam-se até metade  a altura do referido parapeito dessa varanda, o qual dispõe de cerca de 90 centímetros de altura (cfr. artigo 44.º da B.I.).

46. Existem duas janelas edificadas na fachada sul (lateral esquerda) do prédio identificado em 1.:

- A primeira, situada no 1.º andar, a cerca de 95 cm. de altura do respectivo piso, com 126 cm. de altura e 112 cm. de comprimento;

- A segunda, situada no 2.º andar, no enfiamento das escadas de acesso ao sótão, dista entre 1 m. e 1,2 m do respectivo piso, com 97 cm. de altura e 90 cm. de comprimento (cfr. artigo 45 da B.I.).

47. Desde a respectiva edificação que estas referidas janelas sempre permitiram aos AA. uma vista livre e desimpedida, no seguimento aliás do que já sucedia quando ali existia apenas um terraço nos termos supra descritos (cfr. artigo 47.º da B.I.).

48. Em virtude das obras de construção civil processadas pelos RR, estas referidas janelas dos AA. deitam agora para as paredes e telhado implantados a escassos centímetros dessas aberturas, correspondentes ao prédio urbano id. em 2. (cfr. artigo 48.º da B.I.).

49. O que quanto à janela situada ao nível do 1º andar, determina a redução de luminosidade que esta abertura permitia captar para o interior do prédio urbano id. em 1, nomeadamente para um compartimento destinado a quarto que é servido pela descrita abertura. (cfr. artigo 49.º da B.I.).

50. O beiral do telhado desta forma constituído pelos RR. dista cerca de 30 centímetros do canto superior dessa janela, o que é susceptível de permitir a entrada e infiltração de águas pluviais escorrentes do referido telhado (cfr. artigo 50.º da B.I.).

51. As infiltrações de humidades, e águas irão agravar-se nos Invernos subsequentes (cfr. artigo 51.º da B.I.).

52. As condutas dos R.R. supra descritas foram e são causa de transtornos e preocupações dos A.A. (cfr. artigo 52.º da B.I.).

53. A habitação dos A.A. foi construída com “sacrifício financeiro”, e “empenhando as poupanças arrecadadas no decorrer das suas vidas” (cfr. artigo 53.º da B.I.).

54. Os factos descritos entristeceram e entristecem os A.A. (cfr. artigo 54.º da B.I.).

55. Os A.A. vivem preocupados e receosos que a água proveniente das chuvas ou humidades se infiltrem no seu descrito prédio urbano e na parte que este confina com o prédio urbano dos R.R. (cfr. artigo 55.º da B.I.).

56. Os A.A. nunca no terraço de cobertura colocaram grades ou parede com parapeito onde se pudessem debruçar e “devassar” os prédios confinantes (cfr. artigo 56.º da B.I.).

57. Por deliberação da Câmara Municipal de Peso da Régua datada de 22-05-1992 foi concedida licença, válida até 22 de Abril de 1994, a AA para ampliação de uma casa de habitação de acordo com o projecto, com 2 pisos, com a área de construção de 190 m2. (cfr. documento de fls. 91 do procedimento cautelar cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado para os devidos e legais efeitos).

58. Pelo menos um ano antes da doação referida em 3., o pai da R.. EE “doou”, verbalmente, aos R.R. o prédio inscrito sob o artigo matricial n.º 217 de Galafura, bem como a parcela anexa referenciada em 31. (cfr. artigo 65.º da B.I.).

59. Os R.R., ao construírem a sua parede e pilares não vedaram as aberturas do prédio identificado em 1. (cfr. artigo 67.º da B.I.).

60. Por deliberação da Câmara Municipal de Peso da Régua datada de 23-12-1997 foi concedida licença, válida até 21 de Março de 1998, a EE para os fins indicados a fls. 240 dos presentes autos (cfr. documento de fls. 241 – Alvará de Licença de Obras Particulares – cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos).

61. Os A.A. podem conduzir as águas pluviais pela fachada Norte do prédio identificado em 1. (cfr. artigo 78.º da B.I.).

62. Através do Alvará de Construção n.º 78 do Município do Peso da Régua, emitido em nome de CC, foi titulada a aprovação de obras que incidiram sobre o prédio sito no Lugar do Pardieiro, freguesia de Galafura, descrito na Conservatória do Registo Predial de Peso da Régua sob o n.º 00837 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 217 da referida freguesia, para a construção de uma habitação por cima de um armazém já existente (cfr. documento de fls. 96 dos autos do procedimento cautelar cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos).

63. Por si e antepossuidores, os R.R. ocupam, conservam, reparam e reconstroem, o prédio urbano e anexo inscrito na matriz predial urbana de Galafura (Peso da Régua) sob o artigo 217, há mais de 20 e 30 anos, o que fazem continuadamente á vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e ocupando-os como coisa própria e exclusiva na convicção de adquirirem o respectivo direito de propriedade (cfr. artigo 80.º da B.I.).

64. Na fachada sul da habitação dos A.A. existe um beiral, com cerca de 40 cm. De largura por 8 metros de comprimento (cfr. artigo 82.º da B.I.).

65. Ao longo das fachadas sul e poente da habitação dos A.A. existem canos de escoamento de águas pluviais, com um diâmetro de aproximadamente 10 cm., num cumprimento total de aproximadamente 11, 5 metros (cfr. artigo 83.º da B.I.).

66. As janelas identificadas em 46. deitam para o prédio urbano e terreno anexo dos R.R. e não existe qualquer espaço ou intervalo entre o prédio dos R.R. e o dos A.A.

IV.

1. Os Recorridos defendem nas contra-alegações que o recurso é inadmissível, no que respeita à primeira questão aí suscitada – o decretado encerramento das janelas da casa dos autores – tendo em conta o disposto no art. 721º nº 3 do CPC, na redacção dada pelo DL 303/2007, de 24/8.

Não têm razão, como parece evidente.

A presente acção foi instaurada em 03.12.2007, no domínio, portanto, da redacção do CPC anterior à entrada em vigor do citado Decreto-Lei (01.01.2008 – art. 12º deste diploma).

Por outro lado, a Lei 41/2013, de 26/6, que, por último, alterou o CPC, entre as disposições transitórias, apenas preceitua, no art. 7º, que aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei (01.09.2013 – art. 8º) em acções instauradas antes de 1 de Janeiro de 2008 aplica-se o regime de recursos decorrente do DL 303/2007, com as alterações agora introduzidas, com excepção do disposto no nº 3 do art. 671º do Código do Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei.

No caso, o acórdão recorrido foi proferido já em 16.09.2013, sendo por isso aplicável ao presente recurso o novo regime adjectivo, mas com a ressalva apontada, isto é, não estando sujeito ao regime da dupla conforme, previsto no citado art. 671º nº 3.

Daí que não haja obstáculo a que seja apreciada a primeira questão posta neste recurso.

2. No acórdão recorrido, apesar do que nele se diz sobre o âmbito das questões que poderiam aí ser apreciadas, acabou por se conhecer da questão do abuso do direito, no que concerne ao encerramento, decretado na 1ª instância, das duas janelas existentes na parede do lado sul do prédio dos Recorrentes.

E concluiu-se que não age com abuso de direito o proprietário que, não se tendo oposto à abertura de janelas num prédio vizinho a deitarem directamente sobre o seu prédio, exige em acção posterior o seu encerramento, pois apenas exercita o seu direito, exigindo que o vizinho se comporte dentro do âmbito do seu direito, não podendo, pois, negar-se ao seu titular o direito que tem a pretexto de que o seu uso é abusivo.

Os Recorrentes discordam do assim decidido, alinhando para o efeito várias razões:

- não está provado que a existência das janelas seja susceptível de causar prejuízos aos réus: essas janelas deitam para a parede e telhado do prédio destes, não existindo possibilidade de devassa com a vista ou arremesso de objectos;

- quando adquiriram o seu prédio em 1999, os réus sabiam da existência das janelas, tendo tido conhecimento das obras efectuadas pelos autores, e só reagiram em 2007, altura em que iniciaram as obras no seu prédio, as quais nem contendem com as referidas janelas;

- os anteriores donos do prédio dos réus (pais da autora e da ré) não se opuseram à edificação dessas janelas;

- do encerramento não resulta qualquer vantagem para os réus, mas antes e só o prejuízo para os autores de verem reduzida a entrada de ar e luz no seu prédio.

Defendem, em consequência, que ao peticionarem o encerramento das janelas, os réus ofendem manifestamente os princípios da boa fé e dos bons costumes, bem como os limites impostos pelo fim social e económico do seu direito.

Nos termos do art. 1305º nº 1 do CC, o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.

Entre estas restrições impostas por lei, no que respeita a construções e edificações, e para conciliar os interesses conflituantes dos proprietários vizinhos, avultam as que são previstas no art. 1360º nº 1 do referido diploma, onde se dispõe:

O proprietário que no seu prédio levantar edifício ou outra construção não pode abrir janelas ou portas que deitem directamente sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das obras o intervalo de metro e meio.

Assim, o proprietário pode levantar no seu terreno edifício ou outra construção até à sua estrema; todavia, se abrir janela que deite directamente para o prédio vizinho, tem de observar o interstício legal de metro e meio.

Como tem sido reconhecido, com esta limitação, visa-se impedir que o prédio vizinho seja facilmente devassado, quer por indiscrição de estranhos, quer por arremesso de objectos[2].

No caso, no que respeita às aludidas janelas[3], ficou provado que:
- Existem duas janelas edificadas na fachada sul (lateral esquerda) do prédio identificado em 1.:
- A primeira, situada no 1.º andar, a cerca de 95 cm. de altura do respectivo piso, com 126 cm. de altura e 112 cm. de comprimento;
- A segunda, situada no 2.º andar, no enfiamento das escadas de acesso ao sótão, dista entre 1 m. e 1,2 m do respectivo piso, com 97 cm. de altura e 90 cm. de comprimento (supra 46);
- Em virtude das obras de construção civil processadas pelos RR, essas janelas deitam agora para as paredes e telhado, implantados a escassos centímetros dessas aberturas (48);
- O que quanto à janela situada ao nível do 1º andar, determina a redução de luminosidade que esta abertura permitia captar para o interior de um compartimento destinado a quarto (49).
- O beiral do telhado desta forma constituído pelos RR. dista cerca de 30 cm do canto superior dessa janela, o que é susceptível de permitir a entrada e infiltração de águas pluviais escorrentes do referido telhado (50);
- Os réus, ao construírem a sua parede e pilares não vedaram as referidas aberturas (59).

 Perante estes factos, pode pôr-se a questão de saber se, no caso, se justifica a aplicação da restrição prevista no aludido art. 1360º.

Essa restrição visa, como se disse, impedir a devassa do prédio vizinho; este resultado, porém, não seria possível na situação sub judice, dado que, como se provou, com a construção efectuada pelos réus, as janelas deitam agora para as paredes e telhado, implantados a escassos centímetros dessas aberturas.

Tem sido entendido, com efeito, que as restrições do art. 1360º não são aplicáveis, sendo assim lícito abrir porta ou janela a menos de 1,5 m do prédio vizinho, se, entre aquelas aberturas e este prédio, existir muro ou parede que impeça o devassamento[4].

É esta – não ser possível o devassamento – a justificação para tal solução. Como sublinham Pires de Lima e Antunes Varela, "é como se não existisse a porta ou a janela e, por consequência, o fim essencial da restrição está praticamente salvaguardado, enquanto a situação se mantiver. A não se entender assim, não podiam ser abertas portas dentro das casas quando, pela pequena largura dos corredores interiores, elas ficassem a menos de metro e meio da linha divisória".

Para assim se entender, não parece que seja de exigir que o muro ou parede pertençam ao dono da construção onde se situa a porta ou a janela.

Conquanto, neste ponto, o entendimento não seja pacífico, cremos que haverá algum excesso de rigor formal na exigência de que o muro ou parede pertençam ao proprietário da porta ou janela[5]. Repare-se que, na situação referida, este proprietário não pode invocar que, desse modo, adquiriu direitos por usucapião, designadamente a servidão de vistas.

Com efeito, como se afirma no Acórdão do STJ de 06.11.2008[6], "para haver servidão é preciso que haja uma utilidade que possa ser gozada pelo prédio dominante, o prédio que dela beneficia. No caso da servidão de vistas essa utilidade será o poder ver e devassar o prédio vizinho (…). Ora, não pode ver e devassar quem, ainda que abrindo janelas que deitem para o prédio vizinho, se defronta com o muro que separa ambos os prédios. Falta desde logo, aqui, para poder ser constituída (por usucapião) uma servidão, a utilidade, o benefício que um prédio – o dominante – tiraria de um outro prédio – o serviente. Falta, desde logo, o objecto sem o qual a servidão não existe – o benefício para o prédio dos autores pára, ou melhor, não chega sequer a nascer porque o muro que se interpõe entre os dois prédios impede a possibilidade de ver e devassar o prédio vizinho".

Acolhendo-se o entendimento exposto, não haveria razão para o encerramento das duas janelas do edifício dos Recorrentes, uma vez que não lhes seria aplicável a restrição prevista no citado art. 1360º nº 1 do CC.

Afigura-se-nos, contudo que, mesmo que não se adira a essa tese, a ponderação do circunstancialismo provado conduz a que se afaste a solução do encerramento das janelas, decidida nas instâncias.

Saliente-se que, como ficou provado, as janelas deitam agora para as paredes e telhado, implantados a escassos centímetros dessas aberturas; o beiral do telhado construído pelos réus dista cerca de 30 cm do canto superior da janela do 1º andar; os réus, ao construírem a parede e pilares, não vedaram as referidas aberturas.

Como se diz no aludido Acórdão, nesta situação "não há vistas, nem devassa; há apenas as janelas construídas, mas sem possibilidade de ver ou devassar".

Também afirmámos que, neste caso, não se constitui qualquer servidão de vistas por usucapião.

Acresce que, ao edificarem a sua casa, os réus não necessitaram – ou não quiseram (a autora e a ré, mulheres, são irmãs…) – vedar as janelas da casa dos autores, janelas que existiam assim há já doze anos (oito desde a aquisição do prédio pelos réus).

Daí decorre que a existência das janelas não causa quaisquer prejuízos aos réus, sendo também evidente que, o encerramento das janelas não trará qualquer vantagem ou utilidade para os réus.

Já para os autores, o encerramento provocará um prejuízo manifesto, privando de ar e luz, pelo menos, as divisões da casa onde se situam as aludidas aberturas.

Nos termos do art. 334º do CC, é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Para ocorrer o abuso do direito exige-se que haja um excesso manifesto no seu exercício, que ele se exerça com "clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante"[7].

"Trata-se de casos em que o exercício do direito subjectivo conduz a um resultado clamorosamente divergente do fim para que a lei o concebeu e dos interesses jurídica e socialmente aceitáveis"[8].

Pressupondo a existência do direito, "traduz-se na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido"[9], ou seja, "aparentando ser exercício de um direito, traduz-se na não realização de interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem"[10].

Uma das concretizações típicas das situações de exercício abusivo de um direito é, justamente, o do comportamento que, não trazendo para o titular do direito um vantagem objectiva, se traduz, em concreto, apenas ou sobretudo, numa desvantagem para terceiro[11].

É esta, pensamos, a situação com que deparamos nos autos, no que concerne às duas aludidas janelas da casa dos autores: a pretensão dos réus, de encerramento dessas janelas, legitimada formalmente na norma do art. 1360º nº 1 do CC, não lhes propiciará, objectivamente, qualquer utilidade ou benefício, provocando apenas, como se disse, um claro prejuízo para os autores.

Em termos de resultado, a pretensão dos réus aproxima-se do comportamento emulativo, pois não visa senão causar prejuízo aos autores.

E se é certo que foram os autores que edificaram as janelas em contravenção ao que dispõe a referida norma, também tem de reconhecer-se que a censura de tal conduta é algo mitigada pelo circunstancialismo que a envolveu, nomeadamente a relação familiar com o então proprietário do prédio vizinho (que doou ambos os prédios) e a não oposição a tal edificação, relevando igualmente o longo período de tempo entretanto decorrido, mesmo após a aquisição do prédio pelos réus, e o facto de, na construção que levaram a cabo, estes não terem vedado as aludidas janelas, surgindo a sua pretensão de encerramento mais (ou apenas) como reacção à acção proposta pelos autores.

Conclui-se assim que, por qualquer dos fundamentos expostos, a decisão de encerramento das janelas da casa dos autores não pode manter-se.

3. A demolição das fachadas do prédio urbano dos Recorridos, viradas a norte e nascente (e que por aí confinam com o prédio dos Recorrentes), por uma largura não inferior a 40 cm, decretada na sentença da 1ª instância, foi revogada no acórdão recorrido com fundamento no abuso do direito.

Os Recorrentes discordam, entendendo que o Tribunal da Relação valorou erradamente as consequências e prejuízos sofridos pelos autores, em resultado da ocupação ilícita pelos réus, bem como os prejuízos que advêm para os réus da aludida demolição.

No acórdão recorrido, depois de explanação sobre os princípios que regem o abuso do direito, afirma-se o seguinte:
"Postos estes princípios dúvidas não existem de que, como se refere na decisão recorrida a construção do prédio dos Réus posterior (cfr. facto dado como provado sob o n.º 34) à própria construção do prédio dos Autores, podendo e devendo os R.R., logo na altura, efectuar a sua construção no seu prédio de modo a obviar a possibilidade de ser ordenada a respectiva demolição.
Também está assente nos autos que as distancias entre as paredes dos dois prédios urbanos referidas em 39, permitem a acumulação de humidade, detritos e maus-cheiros entre elas, causando infiltrações de água no prédio identificado em 1 (facto descrito em 41º).
Pese embora, o que fica dito, sempre se mostra excessivo a demolição nos termos ordenados.
E já vamos explicar o porquê desta excessividade.
Importa desde logo salientar que está provado nos autos que os Réus procederam à construção e levantamento de pilares e parede de tijolo, numa extensão de 3,5 metros ao longo de parte da fachada poente (fachada principal) da habitação dos A.A., com afastamentos a oscilar entre os 50 cm e os 10 cm (facto descrito em 39º).
Ora, esta parede, como aliás, o salienta a fotografia junta aos autos a fols 79, não é paralela ao prédio dos Autores mas oblíqua, portanto, neste alçado poente, em parte, já foi deixada aquela distância, pelo que, a demolição aqui não poderia ser total.
Por outro lado importa referir que relativamente à fachada sul e numa extensão de 8,10 m o afastamento é já de 13 cm, sendo que, o afastamento ditado pela decisão recorrida será de 40 cm, ou seja, será com a demolição, de mais 27 cm.
Perante isto, qual a vantagem que advém para os Autores com o aumento deste afastamento?
Pensamos que, tais vantagens são quase nulas.
A existência de maus cheiros e detritos continuará a existir, sendo aliás, bem mais propensa a acumulação destes últimos com o maior afastamento.
As infiltrações de água tenderão a manter-se, pois que, o afastamento de 40 cm corresponde ao beiral dos Autores situado na fachada sul e, portanto, o espaço entre as novas paredes dos Réus com aquele afastamento e o beirado dos Autores continuará a ser mínimo, não remediando, assim o citado problema, aliás, até o pode agravar, pois que, por via disso, o caudal da entrada de água entre os espaços poderá permitir maior acumulação ao nível dos pisos inferiores das duas habitações, provocando infiltrações muito mais acentuadas.
Para além disso com o citado afastamento, os Autores nunca poderão fazer qualquer intervenção nesses alçados, pois que, a exiguidade do espaço nunca o permitirá.
Acresce que, como resultou provado dos autos os A.A. podem conduzir as águas pluviais pela fachada Norte do prédio identificado em 1. (cfr. facto descrito em 61º).
Isto dito quanto à ausência de vantagens resultantes da demolição ordenada, vejamos agora qual a situação que advirá dessa demolição.
Ora, a demolição das paredes nos termos ordenados implicará a destruição quase total do piso superior da casa dos Réus.
Na verdade, tal demolição altera por completo a estrutura de sustentação desse piso.
Será necessário desmantelar o telhado na sua totalidade do que apenas se aproveitará, a telha de cobertura.
Para além disso, a demolição das paredes e respectivos pilares que confinam com os Autores viradas a norte e nascente, implica que se proceda à demolição da quase totalidade desse piso, pois que, muito dificilmente, poderá haver emendas em pilares e vigas em betão de sustentação da sua estrutura.
Resulta, assim, do que fica dito que a demolição decidida, acarretará para os Réus prejuízos avultados que não têm qualquer expressão nas vantagens dai advenientes para os Autores.
De facto, não existe aqui qualquer equilíbrio no exercício deste direito.
Os Autores actuam aqui sem retirar qualquer benefício daquele exercício, havendo significativa desproporcionalidade entre as vantagens (como se referiu são praticamente inexistentes) e o sacrifício e os danos que os Réus têm que suportar.
A demolição nos termos ordenados, representa o exercício do direito que é ofensivo do sentido ético-jurídico.

Subscreve-se esta fundamentação, por revelar adequada ponderação da realidade provada e das vantagens e prejuízos que advêm da demolição das fachadas da casa dos réus.

Já acima procedemos a breve caracterização do abuso do direito. Cabe aqui uma referência a uma sua vertente, residual, em que a inadmissibilidade de exercício, por contrário à boa fé, assenta num "despropósito" ou "desequilíbrio" "entre o exercício do direito e os efeitos dele derivados"[12].

Nestes casos, com exemplos paradigmáticos nos Direitos Reais e, mais concretamente, nos conflitos de vizinhança, o abuso traduz-se na "desconexão" ou na "desproporção intolerável" "entre as situações sociais típicas prefiguradas pelas normas jurídicas que atribuem direitos e o resultado prático do exercício desses direitos".

Disso é exemplo "o exigir demolições custosas para pequenas vantagens"[13].

Pois bem, no caso, foram adequadamente consideradas e ponderadas as vantagens e os prejuízos que adviriam para ambas as partes da demolição das paredes e pilares da casa dos réus, sendo, a nosso ver, manifesto, tendo em conta a extensão e profundidade das obras que seriam exigidas aos réus, que os prejuízos para estes seriam muito avultados e que não teriam correspondência, sendo inteiramente desproporcionados às vantagens que daí derivariam para os autores, como bem se salienta na fundamentação acima reproduzida.

Entende-se, por conseguinte, que o acórdão recorrido não merece censura nesta parte.

V.

Em face do exposto, concede-se em parte a revista, revogando-se o acórdão recorrido na parte em que confirmou a decisão de encerramento das janelas da casa dos autores, improcedendo nessa medida a reconvenção, mantendo-se o mais decidido quanto ao mérito.

Custas da revista por ambas as partes, na proporção de metade.

Na Relação: as custas da apelação dos autores ficam a cargo dos réus; as da apelação dos réus, serão suportadas por ambas as partes na proporção do decaimento (nesta parte, como foi decidido).

Na 1ª instância: as custas da acção ficam a cargo de ambas as partes, na proporção de metade; as da reconvenção ficam a cargo dos autores e dos réus, na proporção de 1/5 e 4/5, respectivamente.

                                                 Lisboa, 29 de Janeiro de 2014

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[1] Proc. nº 926/07.0TBPRG.P1.S1 F. Pinto de Almeida (R. nº 1) Cons. Azevedo Ramos; Cons. Silva Salazar
[2] Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. III, 2ª ed., 212; Henrique Mesquita, Direitos Reais, 149; Carvalho Martins, Construções e Edificações, 14; entre outros, o Acórdão do STJ de 11.03.99, BMJ 485-413.
[3] O conceito de janela é aqui entendido no seu sentido comum, que as partes não questionaram.
[4] Pires de Lima e Antunes Varela, Ob. Cit., 214; Henrique Mesquita, Ob. Cit., 152; Carvalho Martins, Ob. Cit., 33 e 37; J. Alberto González, Restrições de Vizinhança, 110. Todos defendem, porém, que, destruída a parede ou muro, o dono da porta ou da janela não pode invocar direitos adquiridos por usucapião.
[5] Com o fundamento de que a parede ou muro comum ou alheio é já um prédio vizinho que não pode ser devassado com as vistas a menos de metro e meio.
[6] Em www.dgsi.pt.
[7] Vaz Serra, Abuso do direito, BMJ 85-253.
[8] Acórdão do STJ de 23.03.2006, CJ STJ XIV, 1, 150.
[9] Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 4ª ed., 300.
[10] Coutinho de Abreu, Do Abuso do Direito, 43.
[11] Cfr. Coutinho de Abreu, Ob. Cit., 44 e 45.
[12] Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Vol. II, 853; também em Tratado do Direito Civil Português, I, Tomo IV, 341.
[13] Menezes Cordeiro, Tratado cit., 348; cfr. também o Acórdão do STJ de 23.04.1998, CJ STJ VI, 2, 52.