Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
888/18.9T8PVZ.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANO
PRINCÍPIO DA DIFERENÇA
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
JUROS REMUNERATÓRIOS
JUROS DE MORA
CONCLUSÕES DA MOTIVAÇÃO
OBJETO DO RECURSO
Data do Acordão: 06/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário : I - Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no art. 7.º, n.º l, do CVM.
II - O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

III - Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.

IV - O ónus da prova do dano cabe ao autor, por se tratar de um facto constitutivo do seu direito.

V - Estando provado que foi comunicado à autora pelo gerente/gestor de cliente do BANCO BIC, “(...) que a aplicação financeira em causa não tem cobertura de garantia de capital, que é uma subscrição de obrigações da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S.A., e que, uma vez que a referida sociedade se mostra insolvente, tal resgate não lhe será concedido, podendo e devendo reclamar o montante a que se julga com direito no aludido processo de insolvência”, está demonstrado o dano da perda do capital, que decorreu de o autor ter subscrito um produto com base em informação inexata, que lhe criou a convicção errónea de que o capital estava garantido pelo Banco e o determinou a subscrever um produto que, se soubesse a verdade, não teria subscrito.

VI - Não tendo o recorrente questionado a medida ou a extensão do dano indemnizável, nem a autora, nas contra-alegações, ao abrigo do art. 636.º, n.º 2, do CPC, impugnado o método de cálculo da indemnização, esta questão não será, pois, conhecida.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I- Relatório

1- AA, instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra, o Banco BIC Português, S.A., alegando, em breve resumo, que, na sequência da promoção realizada pelo gerente da agência de ... do Banco Português de Negócios (BPN), junto do seu pai, subscreveu, no início de abril de 2006, obrigações SLN Rendimento Mais, 2006, no valor de €100.000,00.

Sucede que, ao contrário do anunciado por aquele gerente, o aludido produto financeiro não tinha as características, nem a segurança que foram transmitidas. Pelo contrário, nunca lhe foi restituído o já referenciado montante, o que lhe causou diversos danos que enumera e pela reparação dos quais considera responsável o R., que sucedeu ao BPN.

Como tal, termina pedindo que:

a) Se declare que a aquisição do produto financeiro (traduzido na compra de obrigações SLN Rendimento Mais 2006), por parte da A. ao R., BPN- (atual Banco BIC, S.A., Réu na presente ação), foi levada a efeito no pressuposto de que o produto financeiro em causa se mostrava a coberto da garantia de reembolso do capital a 100%;

b) Se declare que é da responsabilidade do R. o reembolso do capital reportado à aquisição pela sua parte das obrigações SLN Rendimento Mais 2006, no valor de €100.000,00, porquanto com a transmissão do Nacionalizado Banco BPN, para a esfera jurídica do R., transmitiram-se de igual modo na sua totalidade todas as obrigações emergentes dos contratos que obrigavam o BPN, independentemente de todo e qualquer acordo que o R. tenha estabelecido com o Estado Português no ato de compra ou em momento anterior, o que só lhe concede o direito de regresso a discutir entre as partes em causa (Estado Português e BANCO BIC S.A.), sendo tal acordo marginal em relação a si;

c) Para hipótese que não se concede, de assim se não entender, declare que com o descrito comportamento o R. assumiu perante si a responsabilidade pelo reembolso do capital e respetivos juros;

Como tal, deve ser condenado a proceder ao imediato reembolso do capital de €100.000,00, acrescidos dos juros vencidos desde 07 de maio de 2015, bem como dos juros vincendos, à taxa legal, deste maio de 2016 até ao dia de integral pagamento, condenando ainda o R. a pagar-lhe quantia indemnizatória a fixar em liquidação de sentença, mas nunca inferior a €5.000,00, por danos morais por si sofridos com o comportamento imputável ao R.

2 - Contestou o R. refutando esta pretensão porquanto, além do mais, o direito reclamado pela A., a existir, no que não concede, estaria prescrito, estando também esgotado o prazo para requerer a anulabilidade deste negócio. Isto, além do abuso de direito que também invoca.

Em qualquer caso, nenhum tipo de responsabilidade lhe pode ser imputado pelos danos alegados pela A.

3 - Esta última replicou, rejeitando as exceções arguidas pela A. e reafirmando a sua tese inicial.

4- Realizada audiência prévia, foi proferido despacho saneador, fixado o objeto do litígio e elaborados temas de prova.

5 - Após, teve lugar a audiência final, a que se seguiu sentença na qual se julgou a presente ação parcialmente procedente, condenando-se o R. a pagar à A. a quantia de €100.000,00, acrescida de juros remuneratórios, vencidos no período compreendido entre 8 de maio de 2006 e a instauração desta ação, deduzidos os juros semestrais recebidos pela Autora e relativos àquela subscrição de obrigações SLN 2006, acrescendo ao valor final juros de mora, calculados à taxa legal civil, contados desde a data da citação e até integral pagamento, absolvendo o R. dos demais pedidos.

6 - Inconformado com esta sentença, dela recorre o Réu, tendo o Tribunal da Relação do Porto negado provimento ao recurso em apreço e, consequentemente, confirmado a sentença recorrida.

7. Novamente inconformado, o Banco BIC, S.A., interpôs recurso de revista excecional, ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, als. a) e b), do CPC, invocando a relevância jurídica e social da questão, tendo a Formação do Supremo Tribunal de Justiça admitido o recurso, por Acórdão datado de 02-12-2020.

8. Na sua alegação de recurso, o Banco BIC formulou as seguintes conclusões:

«1. O douto acórdão da Relação de Lisboa violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

2. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era um produto sem risco e com capital garantido pelo banco, similar a um depósito a prazo, não transmitindo a característica da subordinação ou a possibilidade de insolvência da emitente, configura a prestação de uma informação falsa.

3. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

4. Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveriam ter sido informado ao Autor, sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso...

5. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

6. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado risco geral de incumprimento!

7. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

8. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera Hipótese académica no momento da subscrição!

9. A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

10. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

11. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

12. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

13. O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente!

14. A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.

15. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.

16. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação...

17. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

18. A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.

19. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

20. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo sua obrigação assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.

21. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no arto 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

22. A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

23. Acresce que a expressão garantido pelo Banco era também ela consentânea com a realidade na altura da subscrição!

24. Efectivamente o banco era parte integrante do património da emitente das obrigações e como tal garante do cumprimento das suas obrigações.

25. Também por isso não faz qualquer sentido afirmar, ou querer retirar dessa afirmação, uma garantia de cumprimento no sentido de uma fiança pelo facto da mesma ser em absoluto redundante. O banco como elemento do património da eminente já era, com todo o seu património, garantia geral do cumprimento das obrigações daquela.

26. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.

27. O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.

28. No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelo Autor, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

29. Apesar do autor não ser investidor com especiais conhecimentos técnicos na área financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.

30. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

31. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.

32. Dispunha sobre esta matéria o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

33. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.

34. Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

35. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!

36. A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.

37. O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E.

38. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.

39. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.

40. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

41. O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

42. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!

43. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito se, e só se, tais riscos de facto existirem!

44. Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

45. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

46. Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!

47. O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.

48. Do elenco de factos provados não resultam factos provados suficientes que permitam estabelecer uma ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida ao Autor e o acto de subscrição.

49. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.

50. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

51. Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.

52. E, de resto, nos termos do disposto no arto 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

53. Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.

54. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso o Autor é este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptível de o caracterizar.

55. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes.

56. A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.

57. Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.

58. Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!

59. Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.

60. O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.

61. É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?

62. O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!

63. A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

64. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

65. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!

66. Não basta afirmar-se genericamente que eles não foram informados do risco de insolvência ou da falta de liquidez das obrigações, ou de qualquer característica do produto, e que é essa causa do seu dano!

67. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

68. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

69. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

70. E nada disto foi feito!

71. Dizer simplesmente que não subscreveriam se soubessem que o capital não era garantido é manifestamente insuficiente pelas razões já acima explanadas relativamente à compreensão desta expressão.

72. Aceitar esta alegação seria o mesmo que dizer que este Autor, que se define como cliente de depósito a prazo, nunca o subscreveria se soubesse que os mesmos não eram garantidos a 100%.

73. Dir-se-ia, a ser assim, que o nexo só se verificaria se resultasse provado que, se soubessem de todas as características dos produtos em causa, o Autor teria guardado os seus valores em casa, debaixo do colchão!!!

74. A origem do dano do Autor reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco é alheio!

Termos em que se conclui pela admissão do presente recurso, e sua procedência, e, por via dele, pela revogação da douta decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Banco-R. do pedido, assim se fazendo...

... JUSTIÇA!»

9. AA, notificada do Recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça e das Alegações aduzidas pelo Banco BIC, apresentou contra-alegações, nas quais peticiona a manutenção do decidido.

10. Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, as questões a decidir são a de saber se a autora cumpriu o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade civil do Banco réu enquanto intermediário financeiro: violação do dever de informação, culpa, nexo de causalidade adequada entre o fato ilícito e o dano, e a prova do dano.

11. Em 18-12-2020, foi ordenada a suspensão da instância dos presentes autos, até ser proferido e transitado em julgado o Acórdão Uniformizador do processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1 -A, que incidiu sobre as questões de direito suscitadas no presente processo e que se reveste de prejudicialidade em relação a esta ação.

12. Declarada a cessação da suspensão de instância, após o trânsito em julgado do AUJ n.º 8/2022, proferido no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1 -A, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

A – Os factos

a) Na sentença, julgaram-se provados os seguintes factos, que a Relação não modificou:

1. A Autora, em maio de 2005 abriu conta, na agência do BPN em ..., sita no Largo ... –...-(atual BANCO BIC S.A.);

2. No início de setembro de 2015, é a aqui Autora, informada pelo gerente/gestor de cliente do BANCO BIC (que sucedeu ao BPN), de que a aplicação financeira em causa, não tem cobertura de garantia de capital, que é uma subscrição de obrigações da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, S.A., e que, uma vez que a referida sociedade se mostra insolvente, tal resgate não lhe será concedido, podendo e devendo reclamar o montante a que se julga com direito no aludido processo de Insolvência;

3. Segundo o funcionário, o BANCO BPN, ao vender as referidas obrigações, apenas funcionou enquanto intermediário da dita SLN, não sendo tais obrigações propriedade ou títulos do BANCO, mas apenas e só, vendidas ao Balcão do Banco por conta e risco da dita SLN;

4. Em 9 de dezembro de 2011 o Estado Português, então acionista único do BPN e no âmbito do processo de reprivatização daquela Instituição, celebrou um Acordo Quadro com o aqui Réu;

5. No dia 30 de março de 2012, foi assinado o contrato de compra e venda do BPN entre o Estado Português e o Réu;

6. A CMVM instaurou contra o Banco BPN, SA o processo de contra-ordenação no 21/2010, no âmbito do qual proferiu decisão no dia 8/5/2015 com o teor de fls. 35;

7. No início de abril de 2006, o pai da Autora, BB, resolveu doar à filha - aqui Autora - €100.000,00 (cem mil euros);

8. O Sr. BB deslocou-se ao balcão do BPN, sito em ..., com o propósito de depositar o cheque de €100.000,00 na conta da filha;

9. Uma vez aí, foi recebido pelo gerente do Balcão do Banco, CC, que lhe propôs aplicar o referido montante numa aplicação financeira que traria à filha deste uma maior rentabilidade e detinha a mesma segurança que o depósito a prazo, com garantia de capital a 100% (cem por cento), tal como o depósito a prazo;

10. O gerente do Banco Réu, CC, disse ao pai da Autora que tal aplicação seria feita pelo prazo de dez anos;

11. Com o intuito de o convencer, disse-lhe que a aplicação em causa e que lhe estava a propor era absolutamente segura, que não corria qualquer risco, posto que tinha o reembolso do capital investido garantido a 100% (cem por cento) e daria uma maior rentabilidade ao dinheiro que ele pretendia doar à filha, aqui Autora;

12. Bem como a garantia de elevada taxa de remuneração;

13. Perante os argumentos do gerente do BPN, pessoa que o pai da Autora enquanto cliente do Banco conhecia já há longo tempo e na qual depositava confiança, enquanto responsável pelo acompanhamento das respetivas contas, e que lhe propôs a realização de uma aplicação em ativos financeiros, mediante a aquisição de um produto com rentabilidade garantida e liquidez, ou seja, com garantia do montante de capital investido, e com uma rentabilidade superior à de um depósito a prazo, o pai da Autora acedeu em realizar essa aplicação financeira, atentas as condições e garantias que lhe estavam a ser dadas pelo gerente do Banco Réu, CC;

14. Assim, para a concretização da aplicação financeira nas condições supra referidas, em 02 de maio de 2006 foi depositado na conta titulada pela Autora, n.o ...01, o montante de 100.000,00€ (cem mil euros);

15. No início de abril de 2006, o pai da Autora deu-lhe conhecimento que tinha feito uma aplicação financeira em nome da Autora e que ela precisava de assinar o documento que lhe entregou;

16. De imediato o assinou e voltou a entregar ao seu pai;

17. Assim, em 07 de abril de 2006, a aqui Autora, subscreveu o documento “comunicação de cliente”, dando ordem de subscrição do montante de €100.000,00 (cem mil euros) em SLN 2006 (Obrigações), da conta à ordem n.º ...01, valor correspondente ao montante que o seu pai lhe tinha depositado;

18. Até ao dia 07 de maio de 2015, sempre lhe foram pagos os juros do capital investido na aludida aplicação financeira;

19. Sempre lhe foram pagos os juros do capital investido na aludida aplicação financeira, semestralmente, ficando por pagar os dois últimos semestres;

20. Pagamentos esses que lhe foram feitos pelo BPN até 25 de outubro de 2012, e pelo primeiro Réu, Banco BIC Português, S.A., a partir dessa data e, até 08 de maio de 2015, data do último pagamento dos juros reportados à aplicação financeira em causa, ficando assim por pagar o último semestre de 2015 e o primeiro semestre de 2016;

21. Tendo em consideração as informações e garantias prestadas e dadas ao pai da Autora, pelo Sr. CC, aquele deu a sua anuência à concretização da aplicação em ativos financeiros, porque se tratava de um produto comercializado pelo referido BPN- com capital garantido e em que era assegurada a liquidez do montante de capital;

22. Foi com base na “informação de capital garantido” que o pai da Autora deu o seu acordo na aplicação financeira;

23. Se o gerente/gestor de cliente do Banco Réu CC, não tivesse dado a garantia do retorno do capital investido, o pai da Autora não teria dado a sua anuência na aquisição do identificado ativo financeiro;

24. Não foi apresentada qualquer ficha técnica sobre o produto;

25. O pai da Autor, à data de 2006, pretendia ter o dinheiro aplicado num depósito a prazo no Banco Réu, sabia bem no que consistia e foi-lhe oferecida a possibilidade de investimento num produto que lhe foi apresentado como tão seguro como um depósito a prazo e em que o Banco garantia quer o capital quer a rentabilidade contratada;

26. Pelo gerente/gestor de cliente do Banco Réu, o que lhe foi dito é que estava a fazer uma operação financeira que era tão segura quanto um depósito a prazo, que tinha as mesmas garantias de um depósito a prazo, mas que não era um depósito a prazo;

27. Foi isto que o pai da Autora aceitou, sabendo que ao fazê-lo não estava a celebrar um contrato de depósito a prazo mas a dar uma ordem de aquisição de um produto financeiro do banco, embora convicto de que o risco do mesmo seria idêntico ao de um depósito a prazo;

28. A Autora, em setembro de 2015, solicitou ao Banco BIC uma Declaração de Titularidade;

29. A Autora sabe desde a data da subscrição que efetuou algum tipo de negócio onde investiu o seu dinheiro;

30. No mês seguinte à subscrição a Autora recebeu por correio, em casa, não só o aviso de débito correspondente à subscrição efetuada, como também e desde então os vários extratos periódicos onde lhes aparecia essa obrigação como integrando a sua carteira de títulos;

31. Em abril de 2006, o pai da Autora foi informado de que as obrigações eram emitidas pela Sociedade que detinha o Banco Réu – a SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS,S.A;

32. O pai da Autora foi informado que poderia ceder as suas obrigações a um terceiro interessado, o que na altura era possível, comum e rápido, uma vez que os títulos tinham elevada procura, atenta a sua elevada rentabilidade;

33. O funcionário do Banco informou o pai da Autora que o capital do investimento em Obrigações SLN estava garantido pelo próprio Banco, referindo esse mesmo compromisso/garantia de cumprimento da devolução do capital e pagamento de juros no prazo estabelecido;

34. O banco Réu interveio nas ditas operações de subscrição das Obrigações SLN 2006 como intermediário financeiro;

35. A Autora sabia que o produto em causa não era emitido pelo banco mas pela SLN;

36. A Autora expressamente autorizou que a sua conta DO fosse debitada para pagamento da operação resultante da subscrição do produto ora em causa;

37. Até à nacionalização do então BPN, em novembro de 2008, junto dos diversos balcões do então BPN, era fácil obter interessados na compra do produto em causa, dada a sua rentabilidade;

38. Após essa nacionalização, esse mercado deixou de existir, os interessados na compra de tais Obrigações “desapareceram”, e essa venda deixou de ser possível;

39. O que toda a rede comercial do banco transmitia aos seus clientes, quando questionada sobre a segurança do produto e sua liquidez, era que a SLN, a entidade emitente do produto em causa, era a dona do banco, detentora da totalidade do seu capital, pelo que os subscritores das ditas Obrigações não deixariam de ser reembolsados aquando do seu vencimento;

40. Esta informação, prestada ao pai da Autora, era verdadeira e correspondia à realidade então existente;

41. Sendo de todo imprevisível que, dois anos depois, o banco viesse a ser nacionalizado, e que a SLN ficasse fora da órbita dessa nacionalização.

b)- Na mesma sentença não se julgaram provados os factos seguintes, que a Relação não modificou:

1. Tal conta foi aberta com o propósito da realização de movimentos bancários a débito – conta á ordem, bem como a realização de poupanças –conta a prazo da autora e do seu agregado familiar;

2. Com o intuito de o convencer, o gerente do banco Réu, CC disse ao pai da Autora que poderia eventualmente proceder ao seu resgate antecipado ao fim de cinco anos;

3. Para melhor o convencer, o referido gerente do Banco Réu, exibiu ao pai da aqui Autora, um documento onde constava de entre outras condições a do capital garantido a 100% (cem por cento);

4. A Autora enquanto cliente do Banco conhecia já há longo tempo o gerente do BPN, pessoa na qual depositava absoluta confiança, enquanto responsável pelo acompanhamento das contas de depósito (à ordem e a prazo);

5. A Autora em maio de 2011, mais precisamente cinco anos decorridos após a aplicação financeira, e, confiante naquilo que o gerente do Banco Réu, lhe havia confirmado e garantido, telefonou para o balcão do banco, com vista a proceder ao resgate do capital investido, pois precisava de fazer umas remodelações em casa;

6. E, nessa data é informada que o reembolso antecipado não seria possível (ao contrário do que lhe havia sido dito e garantido), e que só ao fim de 10 anos poderia proceder a tal resgate, ou seja, só no fim do prazo contratual;

7. Começaram nessa data a gerar-se na aqui Autora, angústias e receios;

8. As notícias sobre a situação do BPN, faziam antever um futuro negro e um crescendo de receios à aqui Autora sobre a recuperação do capital que o seu pai lhe tinha doado;

9. Não obstante, e porque os juros sempre lhe estavam a ser pagos, manteve viva a chama da esperança na recuperação do capital que tinha aplicado;

10. Até porque, o Estado Português ao Nacionalizar o BPN-Banco Português de Negócios, assumindo assim as responsabilidades pelo BANCO anteriormente contraídas, oferecia á aqui Autora, renovada esperança e reforçada garantia;

11. Em novembro de 2011, o BPN, agora sob Administração da Caixa Geral de Depósitos, através do seu funcionário no Balcão de ..., voltou a confirmar aquelas condições quando assumiu o regaste dos títulos pelo valor nominal na data do vencimento do mesmo;

12. Atentas as relações de confiança mútuas estabelecidas entre a Autora e o BPN, a Autora confiou nas informações prestadas pelo BANCO, na pessoa do seu funcionário, de que se tratava de aquisição de um produto com garantia do montante investido, como tal sem risco;

13. A Autora continuou a insistir junto do Banco para o resgaste do título pelo valor nominal, obtendo como resposta que o banco iria proceder ao resgaste dos títulos pelo valor nominal aquando da data de vencimento em 2016;

14. O BPN, através do gerente do Balcão desta Instituição Bancária, confirmou à Autora aquando da aquisição do produto financeiro (2006), o compromisso da garantia do capital que havia sido investido, compromisso, que voltou a confirmar em 2011, conforme comunicação do gerente no sentido de que tal pagamento seria efetuado na data do vencimento da aplicação financeira em causa;

15. O Banco Réu subscreveu em nome da Autora a obrigação SLN 2006, com o dinheiro depositado, pese embora a Autora tenha dado instruções no sentido de que tal montante fosse aplicado em obrigações de caixa BPN;

16. A Autora confrontada com a ideia de perder todo o dinheiro que convictamente tinha sido convencida a investir na aplicação financeira cujas garantias de retorno total lhe foram dadas, passou noites e noites sem dormir, dias e dias sem conseguir gerir os seus negócios, criou uma tal destabilização no seio do seu agregado familiar, especificamente ao seu pai, sendo certo que ainda hoje, a aqui Autora sofre de depressão e angústia decorrente dos factos expostos e imputáveis ao Réu;

17. Em abril de 2006, o pai da Autora foi informado do que consta do Boletim de Subscrição da Obrigação SLN 2006, sob a epígrafe “Prazo e Reembolso”: “o reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa a SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., a partir do 5º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal”;

18. O pai da Autora e a Autora pretendiam rentabilizar o seu investimento nesta modalidade de investimento, pois as taxas que o mesmo proporcionava de

- 1.o cupão TANB de 4,5%;

- 9 cupões seguintes: Euribor a 6 meses + 1,15%: - Restantes cupões: Euribor a 6 meses + 1,50%.

eram taxas atrativas e superiores às que eram pagas por instrumentos de idêntico risco à altura;

19. O Banco Réu informou o pai da Autora sobre todos os elementos que constavam da nota informativa do produto, que ademais se encontrava disponível para consulta pelo pai da Autora e pela Autora;

20. O pai da Autora e ela não eram pessoas conservadoras nos seus investimentos, e prezavam a obtenção de boas rentabilidades para as suas poupanças, procurando sempre aplicações que as assegurassem, nem que para isso corressem alguns riscos, recorrendo a produtos mais complexos como é o caso de fundos de investimento imobiliário e mobiliário;

21. Por isso, e nessa lógica, o pai da Autora contratou com o Banco Réu a aquisição de duas obrigações SLN 2006, posição que cedeu depois à Autora;

22. Os juros vencidos até Abril de 2015 foram efetivamente creditados na conta DO da Autora porque a GALILEI, SGPS, SA, entidade que sucedeu à SLN, SGPS, SA, habilitou o banco Réu com os valores necessários ao pagamento de tais juros;

23. A Autora nunca apresentou qualquer pedido de esclarecimento, nunca tendo reclamado de tal subscrição;

24. O pessoal da área comercial do banco estava instruído para diligenciar pela venda dos produtos em causa, quando os respetivos clientes pretendessem aliená-los.

B – O Direito

1. No caso vertente estamos perante a comercialização pelo BPN de obrigações emitidas por outra empresa, designada por SLN, e que detinha 100% do capital do Banco. O funcionário bancário da confiança do pai da autora e que costumava gerir as suas contas aconselhou-o a subscrever estas obrigações SLN, informando-o, com o intuito de o convencer, que se tratava de um produto com capital garantido, semelhante a um depósito a prazo, mas com juros remuneratórios acima da média. Em virtude da garantia que lhe foi dada, o pai da autora veio a aplicar 100.000,00 euros, em maio de 2006, em obrigações SLN, em nome da filha, a quem doou essa quantia, tendo esta assinado o documentos de subscrição e a nota de comunicação ao cliente, bem como dado a ordem de transferência do dinheiro.

O Banco atuou como intermediário financeiro e estava sujeito aos especiais deveres de informação consagrados no Código de Valores Mobiliários.

2. O direito aplicável é o Código de Valores Mobiliários, na redação originária do DL n.º 486/99, de 13 de novembro, as normas de direito comum relativas à responsabilidade civil pré-contratual (artigo 227.º do Código Civil) e à responsabilidade civil contratual (artigos 798 e seguintes do Código Civil), bem como as normas jurídicas que regulam o dever de indemnização (artigo 562.º e 564.º do Código Civil) e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano (artigo 563.º do Código Civil).

3. Sobre as questões de direito aqui suscitadas pelo recorrente, foi proferido um Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (doravante designado por AUJ n.º 8/2022), proferido no Processo n.o 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A e publicado em Diário da República, I .ª Série, N.º 212, 3 de novembro de 2022, pp. 10 e seguintes.

\O AUJ n.º 8/2022 pronunciou-se sobre as questões da ilicitude e do nexo de causalidade enquanto pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro, rejeitando a tese de que a presunção de culpa consagrada no artigo 799.º do Código Civil incluiria uma presunção de ilicitude e de causalidade, e onerando o investidor com o ónus de provar que o Banco violou o dever de informação que sobre ele recai e que esse facto ilícito, que se presume culposo, atuou como a causa adequada da decisão de investir do cliente, subscritor do produto financeiro.

O AUJ uniformizou jurisprudência de acordo com os seguintes critérios:

«1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».

4. No caso vertente, procederemos à aplicação das orientações fixadas no AUJ n.º 8/2022 aos factos do caso concreto, através de uma operação de subsunção dos factos na norma.

Esta é a metodologia decisória que resulta da circunstância de o acórdão de uniformização de jurisprudência, apesar de não gozar do caráter vinculativo das fontes de direito, constituir um “precedente judiciário qualificado” (cfr. Castro Mendes/Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume II, AAFDL Editora, Lisboa, p. 201), conforme se deduz do regime do artigo 629.º, n.º 2, al. c), do CPC, preceito segundo o qual é sempre admissível interpor recurso contra qualquer decisão que contrarie a jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Apesar de não estarmos, rigorosamente, perante um precedente judiciário em relação ao acórdão recorrido, que foi proferido antes do AUJ n.º 8/2022, há que considerar que o presente processo esteve com a instância suspensa a fim de lhe ser aplicada a orientação que viesse a ser fixada no AUJ a proferir no processo n.º1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, pelo que estamos, num sentido substancial, perante uma decisão uniformizadora dotada de uma força especial de persuasão.

5. Vejamos, pois, em primeiro lugar, se os recorrentes cumpriram o ónus da prova da violação do dever de informação, nos termos exigidos pelo AUJ n.º 8/2022.

Com relevo para a questão de direito relativa à alegada violação do dever de informação, interessam os seguintes factos provados:

«7. No início de abril de 2006, o pai da Autora, BB, resolveu doar à filha - aqui Autora - €100.000,00 (cem mil euros);

8. O Sr. BB deslocou-se ao balcão do BPN, sito em ..., com o propósito de depositar o cheque de €100.000,00 na conta da filha;

9. Uma vez aí, foi recebido pelo gerente do Balcão do Banco, CC, que lhe propôs aplicar o referido montante numa aplicação financeira que traria à filha deste uma maior rentabilidade e detinha a mesma segurança que o depósito a prazo, com garantia de capital a 100% (cem por cento), tal como o depósito a prazo;

(...)

11. Com o intuito de o convencer, disse-lhe que a aplicação em causa e que lhe estava a propor era absolutamente segura, que não corria qualquer risco, posto que tinha o reembolso do capital investido garantido a 100% (cem por cento) e daria uma maior rentabilidade ao dinheiro que ele pretendia doar à filha, aqui Autora;

12. Bem como a garantia de elevada taxa de remuneração;

13. Perante os argumentos do gerente do BPN, pessoa que o pai da Autora enquanto cliente do Banco conhecia já há longo tempo e na qual depositava confiança, enquanto responsável pelo acompanhamento das respetivas contas, e que lhe propôs a realização de uma aplicação em ativos financeiros, mediante a aquisição de um produto com rentabilidade garantida e liquidez, ou seja, com garantia do montante de capital investido, e com uma rentabilidade superior à de um depósito a prazo, o pai da Autora acedeu em realizar essa aplicação financeira, atentas as condições e garantias que lhe estavam a ser dadas pelo gerente do Banco Réu, CC;

14. Assim, para a concretização da aplicação financeira nas condições supra referidas, em 02 de maio de 2006 foi depositado na conta titulada pela Autora, n.o 23052749.10.001, o montante de 100.000,00€ (cem mil euros);

15. No início de abril de 2006, o pai da Autora deu-lhe conhecimento que tinha feito uma aplicação financeira em nome da Autora e que ela precisava de assinar o documento que lhe entregou;

16. De imediato o assinou e voltou a entregar ao seu pai;

17. Assim, em 07 de abril de 2006, a aqui Autora, subscreveu o documento “comunicação de cliente”, dando ordem de subscrição do montante de €100.000,00 (cem mil euros) em SLN 2006 (Obrigações), da conta à ordem n.º 23052749.10.001, valor correspondente ao montante que o seu pai lhe tinha depositado. (...)

24. Não foi apresentada qualquer ficha técnica sobre o produto;

25. O pai da Autor, à data de 2006, pretendia ter o dinheiro aplicado num depósito a prazo no Banco Réu, sabia bem no que consistia e foi-lhe oferecida a possibilidade de investimento num produto que lhe foi apresentado como tão seguro como um depósito a prazo e em que o Banco garantia quer o capital quer a rentabilidade contratada;

26. Pelo gerente/gestor de cliente do Banco Réu, o que lhe foi dito é que estava a fazer uma operação financeira que era tão segura quanto um depósito a prazo, que tinha as mesmas garantias de um depósito a prazo, mas que não era um depósito a prazo».

Especificamente sobre o dever de informar, dispunha, já então, o artigo 7.º do mesmo Código:

«1- Deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.

2- O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.

3- O requisito da completude da informação é aferido em função do meio utilizado, podendo, nas mensagens publicitárias, ser substituído por remissão para documento acessível aos destinatários.

(...)”.

O artigo 312.º dispunha o seguinte:

“1- O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) Custo do serviço a prestar

2- A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.

3- A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.

Estas informações, além de corretas e completas, devem ser prestadas de acordo com o contexto específico em que são fornecidas, designadamente tendo em conta a capacidade de compreensão das mesmas pelos seus destinatários. Como se afirma Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/10/2018, Processo n.º 2581/16.8T8LRA.C2.S1, “a exigência da informação no negócio e no contrato é comum aos regimes jurídicos do erro, do dolo, da usura e da boa-fé pré-contratual (artigos 227º, 247º a 254º e 282º e 485º do Código). E o pilar do regime do dever de informação está estabelecido no artigo 227º do Código Civil, que obriga as partes a agirem de acordo com a boa-fé, tanto nos preliminares como na formação do contrato. (...). Estamos num território em que as declarações negociais não podem ser desviadas do sentido da ordem jurídica na sua globalidade. (...) torna-se imperioso concluir que, desde sempre, a lisura contratual e as regras hermenêuticas no domínio da responsabilidade contratual impunham – e impõem – que o intermediário financeiro seja diligente na prestação de informações que permitam ao cliente ficar consciente dos riscos envolvidos em qualquer operação financeira realizada. No domínio do direito bancário, a relação entre o Banco e o cliente é uma relação particular, em que as partes são levadas a confiar uma na outra. Sobretudo, o sujeito que se encontra na posição de cliente não profissional, e que não tem formação nem experiência na área financeira, baixa as suas defesas naturais por conferir à instituição bancária uma total competência para cuidar dos seus investimentos, depositando nela uma especial confiança, tornando-se, por isso, ainda mais vulnerável, sobretudo, se as primeiras aplicações produziram rendimentos e ele é assim induzido a confiar ainda mais no produto. Gera-se assim uma situação em que os envolvidos descuram a preocupação de obter informações, pelos seus próprios meios. Esta realidade humana deve ser tutelada pelo Direito e, por isso, se cria uma situação que dá azo a obrigações específicas de informar a cargo do Banco, fruto de responsabilidade obrigacional, no caso de inobservância. É uma relação de clientela. (...) Os juízos do intermediário financeiro acerca da complexidade dos produtos financeiros mobiliários que pretende colocar nos seus clientes não deve ser feito à luz dos seus padrões, mas antes competindo, previamente, conhecer o padrão do seu cliente (know your client) para lhe proporcionar a informação que os conhecimentos dele, adequadamente, demandam”.

A atividade de intermediação financeira estava já à época em que a Autora subscreveu a obrigação SLN, sujeita a um apertado regime de exercício, em ordem, como refere a lei, à proteção dos legítimos interesses dos clientes desta atividade e da eficiência do mercado.

Como se afirma no acórdão recorrido:

«Mas, não apenas em razão dos riscos inerentes a essa atividade. Nem sequer por causa somente dos riscos de crédito, que são inerentes a qualquer atividade económica; ou seja, o risco de insolvência da entidade junto da qual são aplicados os fundos. O que se pretende acautelar são também os riscos associados aos produtos financeiros que são objeto dessa atividade. Designadamente, o risco de mercado (perda de valor devido a alterações nos preços ou taxas de juro, no mercado), o risco de capital (derivado da perda parcial ou total do capital investido), o risco de remuneração (inerente à incerteza sobre a evolução desta última) e o risco de liquidez (que resulta do facto do aforrador ou investidor não poder dispor do capital investido antes do vencimento da aplicação financeira ou de incorrer em custos elevados para o fazer).

É importante não perder de vista que estamos perante uma atividade que tem por clientes muitos investidores não institucionais. E é a eles que uma parte significativa das medidas de proteção são dirigidas. Por exemplo, nos contratos sujeitos a forma escrita que sejam celebrados com investidores não institucionais, só estes podem invocar a nulidade resultante da inobservância de forma. Além disso, para o efeito de aplicação do regime sobre cláusulas contratuais gerais, os investidores não institucionais são equiparados a consumidores. A que acresce que, nos contratos de intermediação celebrados com investidores não institucionais residentes em Portugal, para a execução de operações em Portugal, a aplicação do direito competente não pode ter como consequência privar o investidor da proteção assegurada pelas disposições sobre informação, conflito de interesses e segregação patrimonial - artigo 321.º, do Código de Valores Mobiliários, na redação já indicada.

Num outro plano, é assegurada legalmente a iniciativa de ação popular aos investidores não institucionais e às associações que como tal são reconhecidas para a sua proteção (artigo 31.º), facilitando deste modo a intervenção organizada desses investidores em defesa dos seus interesses, em especial no que respeita à responsabilidade civil.

Tudo medidas que evidenciam que os riscos que se pretendem acautelar não são apenas os que decorrem da atividade de intermediação financeira em si mesma, mas também os riscos próprios dos instrumentos financeiros que constituem o objeto dessa atividade e a que já fizemos referência. Especialmente, perante aqueles que não possuam experiência, conhecimentos e capacidade para tomar as suas decisões de investimento e avaliar os riscos em que em que incorrem, ou seja, os investidores não profissionais.»

A factualidade dos autos, idêntica a muitas outras que já estiveram ou estão ainda pendentes nos tribunais, representa, sem qualquer dúvida, a situação típica do investidor não qualificado que confia no seu gestor de conta, pessoa que conhece há muitos anos e que lhe propôs a aquisição de obrigações SLN, equiparando este produto financeiro a um depósito a prazo, com capital garantido, e omitindo as características do produto financeiro em causa, os riscos envolvidos, bem como prestando informação inexata, errónea e obscura, para determinar a vontade do investidor conservador em subscrever o produto.

Verifica-se uma situação fáctica idêntica à que esteve subjacente ao AUJ n.º 8/2022, tendo, portanto, a autora cumprido o ónus da prova da violação do dever de informação, nos termos exigidos pelo AUJ n.º 8/2022, que se exprime deste modo:

«Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM».

As caraterísticas do produto financeiro que foram omitidas ou falseadas no presente caso são consideradas pela lei e pelo AUJ n.º 8/2022, caraterísticas essenciais do produto que deviam ter sido esclarecidas ao autor para que este pudesse tomar uma decisão livre e consciente. Veja-se o artigo 312.º, n.º 1, als. a)c), do CVM/99, que inclui no dever de informação os riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar, qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar, a existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar. É entendimento da lei e da jurisprudência, que o AUJ n.º 8/2022 também adotou, que a relação contratual obrigacional, que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo pré-contratual e contratual: informação completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7.º, n.º 1, do CVM/1999), tendo em conta que, entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte.

A lei consagra ainda o princípio da proporcionalidade inversa, de acordo com o qual «A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente» (n.º 2 do artigo 312.º do CVM).

Acresce que, nos termos do AUJ n.º 8/2022, o intermediário financeiro tem o dever de se informar sobre o cliente e proporcionar-lhe informação clara, cabal e relevante para a opção que pretende tomar e tem de ter a iniciativa de prestar a informação, não tendo o investidor não institucional o dever de a solicitar.

O AUJ n.º 8/2022 esclareceu que, se o intermediário financeiro equipara uma obrigação a um depósito a prazo e afirma que o capital é garantido, falta aos seus deveres de informar com verdade, rigor e exatidão o investidor:

«Ora, se o intermediário financeiro equipara simplesmente a subscrição de obrigações subordinadas a um depósito a prazo, viola esse dever de informação, porquanto existem diferenças assinaláveis e muito significativas entre os dois produtos, que aqui resumidamente se apontam:

— As obrigações representam um direito de crédito sobre a entidade emitente (artigo 348.º do Código das Sociedades Comerciais), o que implica que é a entidade emitente que fica obrigada a restituir ao titular da obrigação (credor obrigacionista) quer o montante que lhe é mutuado quer os juros respetivos, quando convencionados, restituição que dependerá sempre da solidez financeira da entidade emitente.

A subscrição de uma obrigação é um investimento e, através da sua aquisição, os investidores aplicam as suas poupanças visando uma remuneração do capital investido mais elevada, embora com mais riscos do que aqueles que resultariam de outras aplicações do capital, designadamente, através dos depósitos a prazo.

As entidades emitentes colocam no mercado, pelo melhor preço que consigam obter, os valores mobiliários que emitem no intuito de conseguirem formas alternativas de financiamento da sua atividade sem os custos do recurso ao crédito bancário.

— Os depósitos a prazo são exigíveis no fim do prazo por que foram constituídos, podendo as instituições de crédito conceder aos seus depositantes, nas condições acordadas, a sua mobilização antecipada (artigo 1.º, n.º 4, do Decreto -Lei n.º 430/91, de 2 de novembro).

Como se refere no acórdão de 5/12/2019, no contrato de depósito bancário, o Banco (depositário) tem a obrigação de restituir quantia idêntica à depositada, findo o prazo do depósito, acrescido de juros, caso hajam sido convencionados. No depósito bancário o valor depositado será sempre disponibilizado quando solicitado pelo cliente, não obstante a eventual perda dos frutos do depósito, mesmo nos casos de depósito a prazo não mobilizáveis antecipadamente. E quando os depósitos da instituição de crédito se tornam indisponíveis, o reembolso dos depósitos é garantido pelo Fundo de Garantia de Depósitos até ao valor global dos saldos em dinheiro de cada depositante, em conformidade com o limite estabelecido na lei.

— o Fundo de Garantia de Depósitos encontra -se regulado nos artigos 154.o e ss. do Regime Geral das Instituições de Crédito. A garantia de depósitos foi regulada pela Diretiva n.º 94/19/CE, do Parlamento e do Conselho, de 30 de maio de 1994 e foi transposta para a ordem jurídica interna pelo Decreto -Lei n.º 246/95, de 14 de setembro.

Assim, as informações não serão verdadeiras se se proceder a essa equiparação, porquanto as obrigações não são um produto equivalente aos depósitos a prazo e constituem um investimento com riscos superiores aos dos depósitos a prazo, não podendo o capital investido e respetivos juros serem levantados quando o cliente assim o desejar».

6. Considera-se, pois, cumprido pelo autor o ónus da prova da ilicitude dos factos. Os factos ilícitos praticados presumem-se culposos nos termos da lei (artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil e 314.º, n.º 2, do CVM). Da matéria de facto provada decorre que esta presunção não foi afastada. A culpa do intermediário financeiro não se afere pelo critério geral e abstrato da pessoa média (ou bom pai de família, na expressão arcaica do artigo 487.º do Código Civil), mas antes, dada a natureza profissional do banco/intermediário financeiro, é-lhe exigível um grau de diligência mais acentuado, devendo este atuar de acordo com padrões de elevada diligência, lealdade e boa fé, não sendo toleráveis procedimentos que possam sequer ser incursos em culpa leve (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-04-2018, proferido no processo n.º 753/16.4TBLSB.L1.S1).

7. Em conclusão, à luz da lei, que tem por objetivo a proteção da parte mais fraca da relação contratual – os investidores não qualificados – e à luz do AUJ n.º 8/2022, que a interpreta também nesse sentido, é manifesto que, nos factos do caso sub judice, o Banco violou o dever de informação a que está vinculado, facto ilícito que se presume culposo, nos termos dos artigos 799.º, n.º 1, do Código Civil e 314.º, n.º, 2, do CVM.

8. Resta ainda analisar o pressuposto mais obscuro da responsabilidade civil, o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.

No que diz respeito à responsabilidade civil do intermediário financeiro, foi afastada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no AUJ n.º 8/2022, a solução jurídica que incluía na presunção de culpa do artigo 314.º, n.º 2, do CVM uma presunção de causalidade, pelo que são aqui decisivas as regras quanto ao ónus da prova nos termos definidos no AUJ, em cujo segmento uniformizador se concluiu que «1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro,(...) incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano».

O AUJ n.º 8/2022 prossegue, afirmando o seguinte, nos pontos 3. e 4.

«3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir».

«4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».

O artigo 563.º do Código Civil prescreve que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, isto é, se não tivesse ocorrido o incumprimento.

Nesta disposição legal encontra-se consagrado o critério da causalidade adequada, pela formulação negativa, ou seja, o incumprimento contratual tem, em concreto, de ter constituído condição necessária ao dano, só se excluindo a responsabilidade se ele for, pela sua natureza, indiferente para a produção daquele tipo de prejuízos, isto é, se o lesante provar que apenas a ocorrência de circunstâncias extraordinárias ou invulgares determinou a aptidão causal daquele facto para a produção do dano verificado.

Segundo jurisprudência deste Supremo Tribunal, «O juízo de causalidade, numa perspectiva meramente naturalística, insere-se no âmbito da matéria de facto e, por conseguinte, é insindicável; porém, cabe nos poderes de cognição do STJ apreciar se a condição de facto, que ficou determinada, constitui ou não causa adequada do evento lesivo» (cfr., por todos, Acórdão de 26-11-2009, Revista n.º 3178/03.8JVNF.P1.S1).

9. O nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado ao autor (artigo 563.o do Código Civil) deve ser analisado através da demonstração, que decorra da matéria de facto, de que se tais deveres de informação tivessem sido cumpridos, o autor não teria investido naquela aplicação, mas noutra que lhe garantisse um retorno seguro.

Segundo os fundamentos do AUJ n.º 8/2022, o regime do CVM não só não vem aumentar o ónus probatório a cargo do investidor, em relação aos princípios gerais da responsabilidade civil, como implica até «(...)a diminuição da exigência do regime da prova do nexo de causalidade no sentido de se dever facilitar ao investidor a demonstração da sua ocorrência, por forma a não se inverter a lógica do sistema de responsabilidade civil, pois é de reconhecer que é difícil ao investidor demonstrar, sem sombra de dúvidas, que nunca realizaria o investimento efetuado se a informação em falta lhe tivesse sido prestada(...)».

Constata-se, pois, que o AUJ n.º 8/2022 não quis afastar, pelo contrário, adotou todo o lastro doutrinal e jurisprudencial produzido acerca do nexo de causalidade, com o objetivo de facilitar ao investidor não qualificado o cumprimento do ónus da prova.

No nosso ordenamento civil, vigora o princípio da causalidade adequada ao qual o AUJ n.º 8/2022 também aderiu. Segundo este princípio, nos termos do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18-10-2012, proc. n.º 5817/09.8TVLSB.L1.S1, “(...) não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito, para que este, sob o ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele: sendo ainda necessário que o evento danoso seja uma causa provável, adequada desse efeito. Não bastando, pois, a relação de condicionalidade concreta entre o facto e o dano, sendo, ainda, preciso que, em abstracto, o facto seja uma causa adequada do dano. Sendo antes necessário, para que um facto seja causa de um dano, que, por um lado, no plano naturalístico, ele seja condição (directa ou indirecta) sem a qual o dano se não teria verificado, e, por outro, que em abstracto ou em geral, seja causa adequada do mesmo.” (no mesmo sentido, vide, entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-09-2018, proc. n°13809/16.4T8LSB.L1.S1; de 6-11-2018, proc. n° 2468/16.4T8LSB.11.S1; de 8-11-18, proc. n° 6164/09.TVLSB.L1.S1, de 30-04-19, proc. no 2632/16.6/8LRA.LLS1).

10. No quadro fáctico destes autos, deu-se como provado que «21. Tendo em consideração as informações e garantias prestadas e dadas ao pai da Autora, pelo Sr. CC, aquele deu a sua anuência à concretização da aplicação em ativos financeiros, porque se tratava de um produto comercializado pelo referido BPN- com capital garantido e em que era assegurada a liquidez do montante de capital; 22. Foi com base na “informação de capital garantido” que o pai da Autora deu o seu acordo na aplicação financeira; 23. Se o gerente/gestor de cliente do Banco Réu CC, não tivesse dado a garantia do retorno do capital investido, o pai da Autora não teria dado a sua anuência na aquisição do identificado ativo financeiro».

Ora, sabendo nós que a informação errada e incompleta prestada ao pai da autora e, por via indireta, também a esta última, foi determinante para a sua decisão de subscrever as obrigações em causa, facilmente se conclui que esse facto não foi indiferente ao dano, mas pelo contrário, originou-o direta e necessariamente. Foi, pois, rigorosamente cumprido, pela autora, o ónus da prova do nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano tal como exigido pelo AUJ n.º 8/2022.

11 - O dano enquanto pressuposto da responsabilidade civil

Para que o intermediário financeiro se constitua em responsabilidade civil perante o cliente é necessário, segundo as normas contidas nos artigos 562.º e 564.º, nº 1 do Código Civil, que este tenha sofrido danos ou prejuízos patrimoniais. Tais prejuízos tanto se podem traduzir numa desvalorização ou diminuição real do património do cliente (danos emergentes) como numa frustração da valorização ou do incremento desse mesmo património (lucros cessantes).

Dispõe o artigo 562.º do Código Civil que «Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação».

Nos termos do artigo 564.º, n.º 1, do Código Civil prescreve que «O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão».

Em razão da natureza dos lucros cessantes, a desvantagem considerada deve tomar por referência critérios de verosimilhança ou de probabilidade (Cfr. Henrique Sousa Antunes, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Universidade Católica Editora, 2018, Lisboa, p. 561).

Segundo Pires de Lima/Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 580) «São vantagens que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido, se não fosse o facto lesivo».

O Código Civil aderiu à teoria da diferença, estipulando que a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data, se não existissem danos (artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil).

Assim, os danos patrimoniais serão avaliados em concreto, atendendo à teoria da diferença, para determinar a extensão do dever de indemnizar (artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil).

Dispõe o artigo 314.º, n.º 1, do CVM na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 357-A/2007, de 31-10 que os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

Da conjugação das duas normas citadas decorre que a avaliação do dano patrimonial deve ser aferida pelo princípio da compensação ou da equivalência entre o dano e a indemnização, que tem como corolários os sub-princípios de que a indemnização não deve ser inferior ao dano e de que não deve ser-lhe superior (princípio da proibição do enriquecimento do lesado) - cfr. Nuno Pinto de Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pp. 690-691.

A indemnização deve, assim, colocar o lesado na situação em que estaria se o dever de informação tivesse sido regularmente cumprido. Trata-se de reparar o dano causado por uma informação deficiente e não do dano provocado pelo incumprimento de uma obrigação contratual.

12. Sobre o enquadramento dogmático desta indemnização, quer a doutrina, quer a jurisprudência se dividem, em torno da questão de saber se é indemnizável o interesse contratual positivo, ou seja, saber se o lesado deve ser colocado na posição em que estaria se o contrato resolvido tivesse sido pontualmente cumprido (artigo 562.º do Código Civil) ou se a indemnização deve ser limitada ao interesse contratual negativo, ou seja, ao valor correspondente às despesas suportadas por via das negociações, ao tempo perdido e, eventualmente, aos negócios que ficaram por celebrar.

Esclarece Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil, vol. IX, Direito das Obrigações, Almedina, Coimbra, 2014, p. 155), que esta dicotomia interesse contratual positivo e interesse contratual negativo nasceu no contexto da responsabilidade civil pré-contratual (culpa in contrahendo) e visou limitar as indemnizações por incumprimento ao denominado interesse negativo, reduzindo substancialmente o seu montante.

A doutrina transpôs esta oposição para a resolução do contrato e costuma distinguir entre os chamados danos positivos ou de cumprimento e os danos negativos ou de confiança.

Como ensina Almeida Costa (Direito das Obrigações, 9ª edição, p. 548), trata-se de «(...) uma classificação particularmente ligada à responsabilidade contratual, pelo que se alude, em correspondência, à violação do interesse contratual positivo e do interesse contratual negativo».

Prosseguindo, o mesmo Autor afirma: «A indemnização pelo dano positivo destina-se a colocar o lesado na situação em que se encontraria se o contrato fosse exactamente cumprido. Reconduz-se, assim, aos prejuízos que decorrem do não cumprimento definitivo do contrato ou do seu cumprimento tardio ou defeituoso. Ao passo que a indemnização do dano negativo tende a repor o lesado na situação em que estaria se não houvesse celebrado o contrato, ou mesmo iniciado as negociações com vista à respectiva conclusão».

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, teríamos que, na hipótese de indemnização pelo interesse contratual positivo, o investidor seria indemnizado pelo capital investido, acrescido da totalidade dos juros remuneratórios que teria recebido até à maturidade da obrigação.

Nos termos no teor do artigo 152.º do CVM, “1 - A indemnização deve colocar o lesado na exata situação em que estaria se, no momento da aquisição ou da alienação dos valores mobiliários, o conteúdo do prospeto estivesse conforme com o disposto no artigo 135.º. 2 - O montante do dano indemnizável reduz-se na medida em que os responsáveis provem que o dano se deve também a causas diversas dos vícios da informação ou da previsão constantes do prospeto.”

Este normativo reporta-se à indemnização pelo interesse contratual positivo, devendo a indemnização colocar o lesado na exata situação em que estaria se, no momento da aquisição ou da alienação dos valores mobiliários, o conteúdo do prospeto estivesse conforme com o disposto no artigo 135.º. A indemnização abrangeria, assim, quer os danos emergentes – aqueles que o investidor sofreu com a subscrição do produto financeiro – quer os lucros cessantes, isto é, os juros que era expetável vir a auferir com a subscrição daquele produto e que deixou de auferir.

Esta solução, se entendida no sentido de implicar que o investidor receberia a totalidade dos juros remuneratórios, surge como excessiva, pois o investidor, se tivesse tido conhecimento da informação correta, não teria aplicado o dinheiro naquele produto financeiro, mas num depósito a prazo, remunerado com uma taxa de juro mais baixa.

Todavia, a indemnização pelo dano negativo ou da confiança, num contexto em que se deu a celebração do contrato, pode ficar aquém daquela que o credor obteria com a aplicação de uma taxa de juro remuneratória, fosse ela a acordada no contrato, fosse a do depósito a prazo.

Assim, atendendo à boa fé do investidor e à confiança que depositou nas informações erróneas que lhe foram fornecidas pela contraparte e no contrato que foi celebrado, todo o valor por este representado poderá ser tido em conta na indemnização, atenuando-se, nestas posições matizadas, a contraposição entre o interesse negativo e o interesse positivo (Menezes Cordeiro, ob. cit., pp. 160-161). O que se afigura relevante não é a adoção da corrente do interesse positivo ou negativo, mas a interpretação das normas do instituto da responsabilidade civil e a sua aplicação aos factos de cada caso concreto, de acordo com uma ajustada ponderação de interesses, importando para o efeito a análise da jurisprudência.

13. Por falta de elementos no processo ou por não terem os autores pedido juros remuneratórios, os tribunais têm decidido predominantemente de acordo com uma solução simplista de indemnizarem os investidores, restituindo o valor do capital acrescido de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, encontramos casos em que foram aplicados alguns métodos distintos de determinação do dano indemnizável e de cálculo da indemnização:

a) - O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-03-2016 (Proc. nº 70/13.1TBSEI.C1.S1), sustenta que o valor do dano é equivalente ao capital investido, isto é, o valor do capital perdido, acrescido dos juros remuneratórios garantidos pelo Banco, no período em durou a aplicação, descontando-se os juros recebidos. Esta posição, também adotada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-01-2013, Revista n.º 89/10.4TVPRT.P1.S1 pressupõe, contudo, nos termos da interpretação das declarações negociais do Banco, de acordo com os critérios fixados no artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil, que este assumiu a garantia, perante o cliente, de reembolso do capital e dos respetivos juros remuneratórios.

A este propósito, é de salientar o Acórdão de 11-07-2019, Revista n.º 901/17.7T8VRL.G2.S1, que determinou a baixa do processo ao tribunal recorrido para a ampliação da matéria de facto respeitante à “garantia” de pagamento dada pelo Banco, e no qual se avança o seguinte quanto ao dano:

“De qualquer forma, a decisão recorrida também não poderia ser aceite na parte em que condena o banco a reembolsar o capital das obrigações com a taxa de juro que lhe estava associada pelo contrato de subscrição: se a fonte da responsabilidade do banco fosse a violação do dever de informação, o banco teria de responder pelos danos que não se teriam verificado caso a informação fosse prestada e tivesse sido esclarecedora; ora, pela indicação do A. vê-se que o mesmo não quereria senão um depósito a prazo do valor de 50.000 euros e os DP não tinham, na data em que a subscrição ocorreu, uma rentabilidade igual à das obrigações subordinadas subscritas. Sabendo que o A. recebeu periodicamente o valor dos juros das obrigações até ao momento em que a emitente deixou de os pagar e também não reembolsou o capital, a indemnização a atribuir teria de entrar em linha de conta com aqueles juros percebidos pelo A.

Contudo, os factos provados parecem apontar (ou indiciar) um outro motivo de responsabilização do banco: o de o mesmo ter assegurado um determinado resultado – o reembolso do capital, na data em que o cliente o solicitasse, e respectivos juros contratualizados.

Estaria aqui em causa uma responsabilidade directa por ter assumido uma obrigação de reembolso e remuneração – e não já uma responsabilidade por violação do dever de informação.

Nesta parte, porém, os factos provados não estão suficientemente detalhados para se poder concluir em que sentido há aqui alguma garantia assumida pelo intermediário financeiro.”.

b) - O Acórdão de 19-03-2019 (proc. n.º 3922/16.3T8VIS.C2.S1) entendeu que o investidor, na hipótese de responsabilidade do intermediário financeiro por informação errada, só terá direito aos juros remuneratórios à taxa acordada na subscrição, no caso de ter havido da parte do intermediador financeiro uma assunção de dívida da entidade emitente, mas afasta esta conclusão na generalidade dos casos. Na sua fundamentação afirma-se que se foi dito aos Autores que o produto proposto tinha a garantia do próprio Banco ou que tinha a mesma garantia de um depósito a prazo ou ainda que o Banco garantia o capital investido, tudo isto apenas significaria, que o Banco prestou informações que não eram exatas ou verdadeiras, sendo apenas daqui que deve nascer a sua responsabilização, fazendo-se a reparação através do pagamento (indemnização) daquilo que os Autores entregaram e perderam (acrescendo juros), e que não teriam entregado e perdido se tivessem sido devidamente informados acerca daquilo que estavam a subscrever realmente (artigo 563.º do Código Civil).

c) - O Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-12-2018, Revista n.º 3703/16.4T8VFR.P1.S2, aplica, para determinar a indemnização, a taxa de juro dos depósitos a prazo e não aquela, superior, que tinha sido acordada na subscrição, arbitrando uma indemnização correspondente à quantia investida e ao valor dos juros que esta quantia teria propiciado se aplicada num depósito a prazo, com dedução dos juros já recebidos, relegando o cálculo para execução de sentença.

Neste acórdão, entendeu-se que «não vemos como possa ser exigida ao A. a integral reversão da remuneração do capital investido, considerando um locupletamento injusto e sem causa justificativa a prestação a que o banco, afinal, estava contratualmente adstrito, por se preencherem os pressupostos da responsabilidade contratual decorrente do acordo de garantia do capital e de juros feito com o cliente. Realmente, a entrega de tal remuneração correspondeu ao cumprimento do acordo celebrado entre o banco, intermediário financeiro, e o ora A, seu cliente, no quadro negocial entre ambos desenvolvido, mediante o qual aquele assumiu o reembolso do capital por este investido e também a respectiva rentabilidade, como se tratasse de um depósito a prazo.

Ora, estando assente que o banco responde pela violação do dever de informação, sem a qual, como resulta dos factos, o cliente não teria subscrito a aplicação, mas, sim, um depósito a prazo, não podem subsistir dúvidas de que o montante da indemnização adequado à respectiva violação deve corresponder ao interesse contratual positivo, por se afigurar ser o mais consentâneo com a realização da justiça material deste caso, uma vez que a questão - tal como o objecto deste recurso a confina - é a da necessidade da proteção da confiança na execução do negócio celebrado.

Assim sendo, a medida da indemnização devida ao A, nos termos do art. 566° n° 2 do CC, deve ser encontrada pela soma da quantia investida (€ 50.000) com o valor dos juros que esta teria propiciado enquanto depósito a prazo, entre a sua entrega e a sua efectiva restituição, deduzida, naturalmente, do montante dos juros já recebidos pelo A (até 7-05-2015)». destaque nosso

d) - O Acórdão de 05-06-2018, Revista n.º 18331/16.6T8LSB.L1.S1 entende, tal como o anterior, que o dano indemnizável não envolve os juros remuneratórios à taxa acordada no contrato subscrito, mas à taxa de um depósito a prazo simples, mas determina que o lesado devolva a parte dos juros recebidos que excede a que resultaria da aplicação da taxa de um depósito a prazo simples.

Na sua fundamentação afirma-se que:

«O dano do autor deve resultar ou deve traduzir-se na diferença entre. a situação que o autor ficou e a situação em que o autor estaria se o dever de informação tivesse sido cumprido.

Desde logo, o Autor tem direito ao valor investido (150.000,00 + 100.000,00) acrescido de juros moratórios à taxa legal contados a partir das datas em que os montantes investidos nas obrigações deveriam ter sido reembolsados (19.10.2014 para as obrigações subscritas em 2004 e 09.05.2016, para as obrigações subscritas em 2006).

Isto é o que sucede com qualquer depósito a prazo (o Banco devolve o capital mais os juros remuneratórios que se foram vencendo)

O autor teve um dano directo derivado de ter aplicado aquelas quantias e de não as ter recuperado nas datas em que as mesmas lhe deveriam ter sido disponibilizadas.

No caso concreto o Autor viu o capital que investiu em 2004 ser remunerado (facto provado n.º 17) mas desconhecemos a que taxa.

Também é inequívoco que o autor é titular das obrigações que adquiriu sendo certo que as mesmas têm valor (apesar da insolvência da DD).

Desconhecemos o valor que as obrigações adquiridas pelo autor ainda podem representar.

Ora, na indemnização devida ao autor deve ser descontado não só o valor que as obrigações ainda representam mas também o valor dos juros remuneratórios que recebeu e que excedam o valor dos juros que teria recebido se o capital estivesse aplicado num depósito a prazo.

Todavia, nos autos não há elementos que nos permitam, com segurança, efectuar tais operações contabilísticas, não é possível determinar o concreto prejuízo ou dano do autor.

Não sabemos nem o valor que as obrigações podem ainda alcançar nem quais os juros remuneratórios que o autor auferiu e que não auferiria se tivesse aplicado o capital num depósito a prazo.

O processo não tem elementos que nos permitam determinar o valor da indemnização, pelo que se impõe apenas condenar o Banco Réu a pagar ao Autor a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, tendo em consideração os critérios supra referidos (artigo 609 n.º 2 do Código de Processo Civil)».

Neste caso, o Banco réu foi condenado na quantia que vier a liquidar-se em execução de sentença e que engloba o valor do capital investido, acrescido de juros moratórios à taxa legal contados a partir das datas em que os montantes investidos nas obrigações deveriam ter sido reembolsados, a este valor se descontando não só o valor que as obrigações ainda representam, mas também o valor dos juros remuneratórios que o investidor recebeu e que excedam o valor dos juros que teria recebido se o capital estivesse aplicado num depósito a prazo.

Aí se sumariou que:

«Apurando-se que o autor investiu em obrigações convencido que estava a investir num depósito a prazo, o dano directo por ele sofrido corresponde aos montantes investidos, acrescido de juros de mora à taxa legal (por não se verificar o pressuposto a que alude o art. 102.º do CCom) a contar das datas em que os mesmos dever-lhe-iam ter sido reembolsados (como sucederia se, efectivamente, tivesse sido contratado esse depósito); a essa importância devem ser deduzidos o valor das obrigações da emitente (apesar da insolvência desta) e o valor dos juros remuneratórios que foram por esta pagos, assim se limitando a medida da responsabilidade do recorrente ao prejuízo efectivamente sofrido pelo recorrido».

15. Por aplicação dos princípios legais e jurisprudenciais expostos, afigura-se que o dano sofrido pelo cliente consiste, em primeiro lugar, no valor do capital perdido, que deve ser restituído pela Banco intermediário, acrescido de juros de mora desde a citação até integral pagamento, conforme decidido.

Este capital, caso o investidor tivesse sido corretamente informado, não teria sido investido num produto de risco, mas num produto seguro, semelhante a um depósito a prazo com devolução do capital garantida. Há que ter em conta que o investidor, caso tivesse aplicado o dinheiro num depósito a prazo, como era a sua vontade real, nunca obteria um juro remuneratório tão elevado como aquele que foi acordado no produto financeiro de risco efetivamente subscrito, pelo que este montante deverá ser descontado ao valor do capital investido. A teoria da diferença impõe que se considere como perda, no cálculo do valor dos danos, não o juro remuneratório acordado, mas o juro que o capital produziria numa aplicação a prazo normal.

Esta posição funda-se no objetivo do instituto da responsabilidade civil que visa colocar o lesado no status quo ante, procurando reparar integralmente o dano sofrido, tudo se passando como se o facto ilícito e danoso não tivesse sido praticado. Assim, tendo sido o dano provocado pela falta de prestação de informação correta e exata, que, por sua vez causou uma decisão de contratar desconforme com a realidade e com a vontade do investidor, então a indemnização terá de colocar o investidor lesado na situação em que estaria se a sua vontade tivesse sido formada de forma esclarecida. Ou seja, o investidor não teria adquirido os instrumentos financeiros negociados – no caso em apreço, não teria subscrito a Obrigação SLN 2006 – mas teria aplicado o dinheiro num depósito a prazo ou produto equivalente, auferindo um juro remuneratório de menor valor. Assim, o investidor teria direito, apenas, a juros remuneratórios semelhantes aos que teria sido possível auferir caso tivesse feito uma aplicação num depósito a prazo, e não aos juros do produto subscrito, devendo o investidor restituir os juros remuneratórios efetivamente auferidos, durante o período em que a aplicação durou e produziu rendimentos, na parte que excede o valor médio da taxa de juro de um depósito a prazo.

16. Regressemos ao caso concreto:

Nas conclusões n.º 64 e n.º 68, o recorrente questiona a prova do dano, afirmando que este não se presume e tem de ser provado pelo autor.

Com efeito, é ao autor que cabe o ónus da prova do dano, conforme decorre do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, nos termos do qual aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.

Vejamos o que resulta da matéria de facto:

Da matéria de facto, a propósito do dano, consta o seguinte:

«2. No início de setembro de 2015, é a aqui Autora, informada pelo gerente/gestor de cliente do BANCO BIC (que sucedeu ao BPN), de que a aplicação financeira em causa, não tem cobertura de garantia de capital, que é uma subscrição de obrigações da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, S.A., e que, uma vez que a referida sociedade se mostra insolvente, tal resgate não lhe será concedido, podendo e devendo reclamar o montante a que se julga com direito no aludido processo de Insolvência;

Estando provado, diferentemente do que foi afirmado e garantido pelo funcionário do Banco, que, no início de setembro de 2015, foi comunicado à autora pelo gerente/gestor de cliente do BANCO BIC, «(...) que a aplicação financeira em causa não tem cobertura de garantia de capital, que é uma subscrição de obrigações da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, S.A., e que, uma vez que a referida sociedade se mostra insolvente, tal resgate não lhe será concedido, podendo e devendo reclamar o montante a que se julga com direito no aludido processo de Insolvência – está demonstrado o dano da perda do capital, que decorreu de o autor ter subscrito um produto com base em informação inexata, que lhe criou a convicção errónea de que o capital estava garantido e o determinou a subscrever um produto que, se soubesse a verdade, não teria subscrito.

17. Relativamente ao método de cálculo da indemnização e à extensão do dano indemnizável, existem, como vimos, várias teses doutrinais e jurisprudenciais, tendo o tribunal de 1.a instância optado por atribuir à autora, não só o dano da perda do capital, mas também juros remuneratórios sobre o capital, vencidos desde a data da subscrição da obrigação e até à data da propositura da ação, descontando-se o valor dos juros semestrais efetivamente auferidos pela autora, acrescendo a este valor juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Não tendo o recorrente questionado a medida ou a extensão do dano indemnizável, nem a autora, nas contra-alegações, ao abrigo do artigo 636.º, n.º 2, do CPC, impugnado o método de cálculo da indemnização, esta questão não será, pois, conhecida.

18. Pelo que, demonstrada a existência de dano patrimonial, e não integrando o objeto do recurso a questão do cálculo da indemnização, confirma-se o modo como as instâncias o determinaram e condena-se o Banco a pagar a quantia de €100.000,00, acrescida de juros remuneratórios, vencidos no período compreendido entre 8 de maio de 2006 e a instauração desta ação, deduzidos os juros semestrais recebidos pela Autora e relativos àquela subscrição de obrigações SLN 2006, acrescendo ao valor final juros de mora, calculados à taxa legal civil, contados desde a data da citação e até integral pagamento, absolvendo o R. dos demais pedidos.

19. Anexa-se sumário elaborado pela Relatora, de acordo com o 663.º, n.º 7, do CPC:

I – Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

II – O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

III – Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.

IV – O ónus da prova do dano cabe ao autor, por se tratar de um facto constitutivo do seu direito.

V - Estando provado que foi comunicado à autora pelo gerente/gestor de cliente do BANCO BIC, «(...) que a aplicação financeira em causa não tem cobertura de garantia de capital, que é uma subscrição de obrigações da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, S.A., e que, uma vez que a referida sociedade se mostra insolvente, tal resgate não lhe será concedido, podendo e devendo reclamar o montante a que se julga com direito no aludido processo de Insolvência, está demonstrado o dano da perda do capital, que decorreu de o autor ter subscrito um produto com base em informação inexata, que lhe criou a convicção errónea de que o capital estava garantido pelo Banco e o determinou a subscrever um produto que, se soubesse a verdade, não teria subscrito.

VI - Não tendo o recorrente questionado a medida ou a extensão do dano indemnizável, nem a autora, nas contra-alegações, ao abrigo do artigo 636.º, n.º 2, do CPC, impugnado o método de cálculo da indemnização, esta questão não será, pois, conhecida.

III – Decisão

Pelo exposto, decide-se na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 20 de junho de 2023


Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto)

Maria João Vaz Tomé (2.º Adjunto)