Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
391/07.2TTSTRE.E1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: DESPEDIMENTO COLECTIVO
FUNDAMENTOS
JUROS DE MORA
Data do Acordão: 03/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA DA RÉ CONCEDIDA A REVISTA DA AUTORA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES.
DIREITO DO TRABALHO - RETRIBUIÇÃO E OUTRAS ATRIBUIÇÕES PATRIMONIAIS / CESSAÇÃO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - MULTAS E INDEMNIZAÇÃO.
Doutrina:
- ALBERTO DOS REIS, Processo de Execução, vol. I, p. 446.
- ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. 2, 2.ª edição, 1974, pp. 110.
- BERNARDO LOBO XAVIER, O Despedimento Colectivo no Dimensionamento da Empresa, Verbo, 2000, p. 523.
- MARIA do ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3.ª edição, 2010, Almedina, pp. 969 e 970.
- PEDRO FURTADO MARTINS, Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, Princípia, 2012, p. 447.
- PIRES de LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume II, Coimbra Editora, 4.ª Edição, 1987, pp. 64 e 65.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 804.º, N.º1, 805.º, 806.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 456.º, N.º2, 458.º.
CÓDIGO DE TRABALHO DE 2003: - ARTIGOS 269.º, 397.º A 401.º, 419.º A 422.º, 429.º, 431.º, 436.º, 437.º, 438.º, 439.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 53.º.
LEI N.º 99/2003, DE 27-8: - ARTIGO 3.º, N.º1.
LEI N.º 7/2009, DE 12-2: - ARTIGO 1.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 18/01/2006, REVISTA N.º 2840/2005;
-DE 18/04/2007, REVISTA N.º 4557/06;
-DE 26/11/2008, REVISTA N.º 1874/08, EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :
1 – Na apreciação da procedência dos fundamentos invocados para o despedimento colectivo, o tribunal deve proceder, à luz dos factos provados e com respeito pelos critérios de gestão de empresa, não só ao controlo da veracidade dos fundamentos invocados mas também à verificação da existência de uma relação de congruência entre o despedimento e os fundamentos invocados, de modo a que estes sejam aptos a justificar a decisão;

2 – Tendo-se apurado que a entidade empregadora, promotora de um despedimento colectivo fundamentado no encerramento de uma unidade produtiva de veículos automóveis, continuou a prosseguir as actividades de importação e comercialização daqueles veículos a que já anteriormente se dedicava, não pode ser abrangida por despedimento colectivo uma trabalhadora afecta a esta actividade de importação e comercialização de veículos, quando a sua intervenção na comercialização dos veículos produzidos na unidade encerrada integrava apenas uma parte não significativa das suas tarefas;

3 – Quando o empregador disponha de todos os elementos necessários à liquidação da compensação a que se refere o artigo 437.º do Código de Trabalho de 2003, são devidos juros de mora, desde o vencimento das componentes da retribuição que integram aquela compensação;

4 – O montante da indemnização devida em substituição da reintegração, calculada nos termos do artigo 439.º do Código do Trabalho de 2003 só se torna líquido com o trânsito em julgado da decisão do tribunal, pelo que os respectivos juros de mora só devem ser contados desde então.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

AA intentou a presente acção de impugnação de despedimento colectivo contra BB PORTUGAL, Ldª, pedindo: a) - A declaração de ilicitude do seu despedimento, promovido pela Ré; b) - A condenação desta a reintegrá-la no posto de trabalho, sem prejuízo da opção pela cessação do contrato de trabalho, correspondente indemnização, nos termos previstos nos artigos 438.º e 439.º, do Código do Trabalho, incluindo férias, subsídio de férias e de Natal que se vencerem em razão dessa cessação, bem como as retribuições, lato sensu, vencidas desde Maio de 2007 e vincendas até decisão final; c) - A condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 18.970,04 referente a diferenças salariais e retribuição do mês anterior ao da propositura da acção; e) - A condenação da Ré a pagar-lhe juros de mora à taxa legal de 4% desde a citação até integral pagamento.

Subsidiariamente, para o caso de se entender que o despedimento promovido pela Ré é válido, pede a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de € 95.174,42 a título de compensação pelo despedimento, diferenças salariais e créditos emergentes da cessação do contrato.

Invocou como fundamento da sua pretensão, em síntese, que foi admitida ao serviço da Ré em 12 de Fevereiro de 1990; que entre 1 de Agosto de 1994 e 31 de Dezembro de 2003 esteve sem desempenhar funções ao abrigo de uma licença sem vencimento, e que em Janeiro de 2004, ao regressar ao trabalho, a Ré não lhe passou a pagar a retribuição tendo em conta os aumentos médios anuais que, entretanto, se haviam verificado na empresa. Por isso, sustenta, tem direito a esses aumentos e daí as diferenças salariais que peticiona.

Além disso, invoca como fundamento da sua pretensão que, por carta datada de 31 de Outubro de 2006, a Ré comunicou-lhe a cessação do contrato de trabalho em 31 de Dezembro do mesmo ano, por despedimento, inserido no despedimento colectivo dos trabalhadores ao serviço da fábrica da Ré na A.... Contudo, o despedimento é ilícito por falta dos fundamentos invocados, mais concretamente porque embora a Autora tivesse como local de trabalho as instalações da Ré sitas na fábrica da A..., as suas funções não se encontravam fundamentalmente ligadas à produção de veículos automóveis na referida fábrica, pelo que com o encerramento desta as funções da Autora não ficaram esvaziadas.

A acção prosseguiu seus termos, vindo a ser proferido despacho saneador, no qual se decidiu encontrarem-se cumpridas as formalidades do despedimento colectivo e, bem assim, os fundamentos invocados pela Ré para o despedimento colectivo, subsumível ao disposto no artigo 397.º n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e b), do Código do Trabalho/2003, entendendo o Tribunal que a divergência das partes se centrava na inclusão ou não da Autora entre os trabalhadores cujo contrato foi cessado por iniciativa da Ré.

Tendo-se procedido à audiência de discussão e julgamento, no âmbito da qual a Autora veio a optar pela indemnização em detrimento da reintegração, fixou-se a matéria de facto, sem reclamação das partes, após o que foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, sendo a parte decisória, após rectificação, do seguinte teor:

«Pelos fundamentos de facto e de direito acima expostos, julgo parcialmente procedente a acção e, em consequência, decido:

a) Absolver a ré do pedido de pagamento à autora da quantia de dezasseis mil, setecentos e setenta e nove euros (€ 16.779,00) a título de diferenças salariais;

b) Declarar ilícito o despedimento perpetrado pela ré na pessoa da autora, por improcedência do motivo justificativo para o seu despedimento;

c1) Condenar a ré, a título de compensação, a entregar à autora o montante das retribuições vencidas, nestas se integrando a retribuição base, no montante mensal de mil, setecentos e noventa e quatro euros, setenta e oito cêntimos (€ 1.794,78), bem como todas as outras prestações regulares e periódicas que a autora recebia quando se encontrava em exercício das suas funções, tais como subsídio de alimentação, retribuições devidas pelo direito a férias, os subsídios de férias e de Natal, computadas desde trinta dias antes da data em que a autora propôs a apresente acção, e vincendas até ao trânsito em julgado da decisão final desta causa, com dedução das importâncias que a autora tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não tivesse ocorrido o despedimento;

c2) A esta compensação devem ser deduzidas e entregues pela ré à Segurança Social Portuguesa todas as quantias que por esta  foram ou vierem a ser pagas à autora a título de subsídio de desemprego;

c3) O montante da compensação deverá ser liquidado em complemento desta sentença;

d) Condenar a ré a pagar à autora uma indemnização no montante de trinta e cinco (35) dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, devendo computar-‑se para este efeito todo o tempo decorrido entre a data do despedimento e o trânsito em julgado da decisão judicial, a liquidar em complemento desta sentença;

Custas pela autora e pela ré, na proporção de 1/3 pela autora e 2/3 pela ré».

Inconformadas com esta decisão, dela recorreram para o Tribunal da Relação de Évora, a Ré, e de forma subordinada, a Autora.

Os recursos vieram a ser decididos por acórdão de 17 de Maio de 2012, nos termos do qual foi «negado provimento ao recurso de apelação interposto pela mesma Ré BB, Ldª, confirmando nessa parte a sentença recorrida»; e julgado «parcialmente procedente o recurso interposto pela Autora CC e, em consequência:

a) declarando nula a sentença na parte em que não se pronunciou sobre a condenação da Ré em juros de mora à taxa legal, condena-se esta a pagar àquela os referidos juros de mora quanto às obrigações pecuniárias referidas em c1), c2), c3) e d) da parte decisória, desde a liquidação a efectuar em complemento da referida sentença até integral pagamento;

b) revoga-se a sentença recorrida na parte em que condenou a Autora e a Ré nas custas da acção, na proporção de 1/3 pela Autora e de 2/3 pela Ré, que se substitui pela condenação nas custas da acção, na proporção de 1/5 pela Autora e de 4/5 pela Ré».

Irresignadas com esta decisão, dela recorrem, agora de revista para este Tribunal, a Ré e, subordinadamente, a Autora, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

Recurso da Ré

«1. O acórdão recorrido concluiu negativamente, referindo que o motivo aduzido pela R. na sua comunicação de despedimento da A. não justificava o seu despedimento, o que o torna ilícito, de acordo com o disposto no artigo 429°, alínea c) do Código do Trabalho.

2. Ao julgar-se como se julgou (i) errou-se na análise e interpretação dos fundamentos subjacentes ao despedimento colectivo; (ii) incorreu-se num erro de interpretação dos factos que se consideraram provados; e (iii) consequentemente, errou-se na determinação da norma jurídica aplicável, decidindo contra legem, violando a alínea c) do artigo 429° do Código do Trabalho, que é a norma aplicável ao caso em apreço.

3. Extrai-se das normas jurídicas aplicáveis que é incontestável a extensão do despedimento colectivo ao posto de trabalho da A., atendendo à real, clara e efectiva existência de fundamento para a eliminação do mesmo, com base na motivação invocada pela R. para a sua integração no despedimento colectivo, pois as funções desempenhadas pela A. estavam directa e fundamentalmente conexas com a actividade de produção de veículos automóveis da fábrica da A..., para além de, como também ficou provado, terem ficado total ou parcialmente esvaziadas, ou mesmo tornadas desnecessárias, em virtude da cessação daquela actividade na Empresa.

4. No âmbito dos controlos, formal e material, do despedimento colectivo, constatou o acórdão recorrido a licitude da actuação da R., ora recorrente, atestando que a mesma foi isenta de reparos procedimentais e de que lhe assistiam fundamentos para proceder ao despedimento colectivo.

5. É consabido que nos termos do artigo 429° do Código do Trabalho de 2003, o despedimento colectivo será ilícito «a) Se não tiver sido precedido do respectivo procedimento; b) Se se fundar em motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso; c) Se forem declarados improcedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento».

6. Já nos termos do n° 1 do artigo 430° do mesmo diploma, o despedimento colectivo é ainda ilícito sempre que o empregador: «a) Não tiver feito as comunicações e promovido a negociação previstas nos n°s 1 ou 4 do artigo 419° e n° 1 do artigo 420°; b) Não tiver observado o prazo para decidir o despedimento, referido no n° 1 do artigo 422°; c) Não tiver posto à disposição do trabalhador despedido, até ao termo do prazo de aviso prévio, a compensação a que se refere o artigo 401° e, bem assim, os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho» (...).

7. Acontece que não foi preenchido qualquer tipo de ilícito enunciado no diploma que regula o despedimento colectivo. Ao invés, foi preenchida a existência de fundamento para a eliminação do seu posto de trabalho, como supra se demonstrou e se prova abundantemente nos autos.

8. A recorrente não enunciou com a comunicação do despedimento colectivo, a todos os seus funcionários, quaisquer critérios que fossem vagos e/ou genéricos para selecção dos trabalhadores a despedir, constante na comunicação que o próprio acórdão mencionou, nomeadamente quanto à selecção da A., o que equivaleria à ausência de critérios, fazendo - nesse caso sim - improceder o motivo justificativo para o seu despedimento. Mas assim não aconteceu.

9. Ainda que assim tivesse ocorrido, a lei não impõe qualquer critério, prioridade ou preferência quanto aos trabalhadores a abranger pelo despedimento colectivo, cabendo à Empresa a determinação dos mesmos.

10. A indicação dos critérios que servem de base para a selecção dos trabalhadores a despedir, como é legalmente exigido na sua comunicação, serve para estabelecer a ligação entre os motivos invocados para o despedimento colectivo e o concreto despedimento de cada trabalhador abrangido, de forma a que cada um destes possa compreender as razões porque foi abrangido pelo despedimento, pois só assim o despedimento de cada trabalhador pode considerar-se justificado, face ao disposto no artigo 53° da C.R.P.

11. Na comunicação de despedimento endereçada à recorrida pela aqui recorrente, foram indicados os critérios que serviram de base para a selecção dos trabalhadores a despedir, e a R. comunicou-lhes que haviam sido (...) «seleccionados para serem feitos cessar através do presente procedimento de despedimento colectivo todos os trabalhadores afectos ao funcionamento da fábrica da BB Portugal sita na A... considerando como tais, aqueles que na presente data prestem serviço - mediante contrato individual de trabalho por tempo indeterminado celebrado com a BB Portugal -, naquela fábrica ou em outras instalações da BB Portugal e cujas funções sejam directa ou fundamentalmente conexas com a produção de viaturas automóveis, bem como aqueles que, não estando directamente ligados à produção ou suas actividades instrumentais, acessórias ou complementares, vejam as suas funções total ou parcialmente esvaziadas ou tornadas desnecessárias em virtude do encerramento e tendo em vista as futuras actividades da empresa».

12. O acórdão recorrido não teve em consideração tudo quanto a R. expôs no anterior recurso de apelação, ao referir que a conclusão da sentença recorrida não foi acertada quando mencionava que: «Em cumprimento do seu dever de enunciar, em concreto, o motivo do despedimento da autora, a ré comunicou-lhe que a sua integração no despedimento colectivo se ficava a dever ao facto de exercer funções directa ou fundamentalmente conexas com a produção de viaturas automóveis na fábrica da A...(.)».

13. Isto não só não é verdade como exigia um reparo a fazer à sentença recorrida, mas sobre o qual o acórdão recorrido fez tábua rasa.

14. Atente-se ao ponto principal da questão (tendo em consideração o corpo do artigo 429°, alínea c) do Código do Trabalho, aqui em causa) na parte final da comunicação: (...) «bem como aqueles que, não estando directamente ligados à produção ou suas actividades instrumentais, acessórias ou complementares, veiam as suas funções total ou parcialmente esvaziadas ou tornadas desnecessárias em virtude do encerramento e tendo em vista as futuras actividades da empresa».

15. É precisamente aqui que se enquadra a situação sub judice da A., pois dos critérios enunciados descortina-se perfeitamente por que razão foi a A. abrangida, tal como todos os demais trabalhadores, no despedimento colectivo.

16. Como refere o acórdão recorrido, e bem, (...) «o que importa é atender aos motivos/critérios concretamente comunicados ao trabalhador, e não quaisquer outros que (eventualmente) pudessem ser aplicáveis».

17. Acrescentando adiante que «o que estava em causa era saber se o motivo/critério concreto que foi comunicado à Autora para a incluir no despedimento colectivo se verificava e, por conseguinte, se o despedimento da mesma Autora era válido.»

18. A essa questão a recorrente responde de acordo com a informação dada à recorrida, e sobre a qual não se extrai qualquer outra interpretação: a sua inclusão resultou da qualificação da integração das tarefas então a cargo da A. - ou de outros trabalhadores -, num conjunto de processos de produção e realização de serviços que tinha como denominador comum a montagem de veículos automóveis que dele estavam dependentes, que nele encontravam a sua justificação, e sem o qual deixariam de existir ou se tornariam irrelevantes (como se veio a provar).

19. Mais, a A. nunca contestou a sua inclusão no despedimento colectivo por motivo de as suas funções estarem directa ou fundamentalmente conexas com a actividade de montagem de automóveis pela R.

20. O que a R. contestou, isso sim, foi que as suas funções desaparecessem, fossem esvaziadas ou se tornassem economicamente irrelevantes após essa cessação de actividade, entendendo que as mesmas se manteriam com equivalente configuração.

21. Ora, resulta claro da sentença que as funções anteriormente exercidas pela A., quando não desapareceram pura e simplesmente de todo, se reduziram a ponto de não mais poderem sustentar a manutenção de um posto de trabalho.

22. Nesse sentido, os motivos justificativos invocados só podiam ser declarados procedentes, pois a R. demonstrou que as funções da A. desapareceram.

23. O despedimento colectivo promovido pela recorrente alicerçou-se em causas objectivas e em motivos - logicamente - não imputáveis aos trabalhadores, espelhando antes a sua admissibilidade com a conciliação do princípio constitucional da proibição dos despedimentos sem justa causa, consagrado no citado artigo 53° da C.R.P.

24. Se por um lado a recorrida teve oportunidade de sindicar a sua inserção no despedimento colectivo, reagindo ao mesmo, perante o motivo indicado pela recorrente, o tribunal a quo, através da sentença, advogou a legitimidade de verificar se as medidas legalmente impostas por lei foram tomadas em respeito pelos direitos dos trabalhadores da R.

25. Mais, o Tribunal a quo substituiu-se quer à Empresa, quer à trabalhadora, na sindicância dos motivos invocados para o despedimento, proferindo sentença contrária à licitude do despedimento fundamentando-se em causas - o erro sobre os motivos - que os articulados das Partes tinham já demonstrado não existir.

26. Em momento em que a eventual ilicitude que pudesse existir quanto aos formalismos do processo de despedimento colectivo já tinha sido dada por inexistente, no despacho saneador e dados por existentes e lícitos os motivos que levaram a empresa a recorrer ao despedimento colectivo.

27. Não soube o colectivo - como não soube a 1.ª instância, mas mais se exigiria a um colectivo - fazer a correcta análise dos factos até si levados pelas partes, nem uma correcta interpretação do Direito aos mesmos aplicáveis, baqueando no erro da 1.ª instância, na errada interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso, sem um distanciamento suficiente cujo espírito é, em regra, toldado pelo princípio da protecção do trabalhador, e que ao invés permitiria descortinar a evidente: verificando-se que a redução da actividade invocada pela R., originada por explicadas razões estruturais, foi em decrescendo, até à extinção do scopo de produção de viaturas automóveis onde a A. exercia as suas funções, está demonstrado que o sacrifício dos postos de trabalho abrangidos pelo despedimento colectivo assentou num motivo estrutural, objectivamente fundado, apto a justificar, razoavelmente, a determinada redução de pessoal, onde se enquadra perfeitamente a A.

 28. Tem-se, assim, por demonstrado o fundamento invocado e o nexo de causalidade entre este e a cessação do contrato de trabalho da A., sendo de concluir pela licitude do despedimento.

29. O tribunal de 1.ª instância assumiu como fundamento da sua posição sobre a ilicitude do despedimento um facto que ambas as partes deram por assente e irrelevante - razão pela qual o aduzido (pela 1.ª instância) erro sobre os motivos não é essencial nem determina qualquer ilicitude no despedimento - e o acórdão recorrido manteve a defesa da ilicitude.

30. Foi afinal o tribunal a quo quem induziu em erro as Partes, levando-as a produzir prova sobre matérias que afinal eram irrelevantes e precludindo, no caso da R., o seu direito de defesa, ao apontar a fase de discussão e julgamento na direcção da averiguação das funções da A. e seu desaparecimento - funções essas que no essencial ficaram estabelecidas no despacho saneador, pois nunca foi alegado que a A. pertencia à linha de montagem. O acórdão recorrido não teve em consideração, como lhe competia, nada do que então, e ora, se alega.

31. As funções dos trabalhadores da linha de montagem ficaram totalmente esvaziadas e as funções da A., não sendo de linha de montagem, se não totalmente - o que apenas por mero dever de patrocínio se concede - ficaram pelo menos parcialmente esvaziadas, sendo certo que ambas e com toda a certeza foram tornadas desnecessárias em virtude do encerramento. É inegável. Não existe actualmente qualquer trabalhador na R. com as funções anteriormente desempenhadas pela A.

32. No despedimento colectivo verificou-se o requisito fundamental de encerramento de várias secções ou estrutura equivalente e redução de pessoal, onde estava incluída a A.

33. Tudo resultou do desaparecimento do processo de montagem de viaturas, pois as funções em causa, sem aquele processo, tornaram-se inexistentes ou irrelevantes ao ponto de não mais sustentarem a manutenção de um contrato de trabalho, como aliás resultou demonstrado.

34. Deste modo, ainda que não caiba ao tribunal aferir os critérios de selecção dos trabalhadores a despedir, porque estão relacionados com as opções da gestão da Empresa, ora recorrente, compreende-se a indicação desses critérios que se destina tão-só e apenas a permitir o controlo jurisdicional da selecção, ou seja, aferir se a escolha de determinado trabalhador se fundou em razões objectivas ou se ficou a dever-se a motivações arbitrárias e discriminatórias.

35. Os critérios enunciados pela R. nada têm de vagos ou genéricos, nem se fundaram em motivações arbitrárias e discriminatórias, permitindo descortinar irrepreensivelmente o nexo entre os fundamentos invocados e os trabalhadores abrangidos, nomeadamente a A.

36. Os passos encetados pela aqui recorrente, no desenvolvimento do processo de despedimento colectivo, no que à recorrida disse respeito, após a celebração de acordos com os demais trabalhadores, correspondem a factos documentados nos autos e mostram o cumprimento das formalidades atinentes ao preenchimento dos requisitos da fase de informações e negociações que, deste modo, foi julgada legal por cumprida.

37. Resta a este Supremo Tribunal aferir da aplicação da norma jurídica em causa.

38. Não equivalendo, e em nenhum momento do procedimento se descortinando, a ausência de indicação de critérios de selecção, como legalmente exigidos e impostos, não se preenchendo, portanto, a ilicitude do despedimento colectivo alegado pela A. face ao seu posto de trabalho.

39. É incontestável que o exercício do despedimento colectivo, no que à sua dimensão formal concerne, está legalmente vinculado à observância de um rigoroso procedimento, cominando o legislador com a sanção de ilicitude do despedimento o incumprimento por parte do empregador de certas formalidades essenciais desse mesmo procedimento, formalidades essas que actualmente se mostram especificamente tipificadas no artigo 383° do Código do Trabalho e que como se viu foram inteiramente cumpridas, não estando por isso em causa.

40. A existência do posto de trabalho cujas funções eram, à data, desempenhadas pela recorrida, não era concebível quando a Empresa não exercesse a actividade de produção automóvel, bastando que os comercializasse.

 41. É evidente que as funções exercidas pela aqui recorrida estavam ligadas à produção de veículos automóveis, pois a sua actividade não era uma actividade que pudesse existir sem que aquele que a empreende - in casu a aqui recorrente - levasse a cabo a produção de automóveis.

42. De facto, e ainda que todas as funções que aí eram levadas a cabo tenham deixado de ser executadas de imediato, a verdade é que o deixaram de ser quanto aos veículos automóveis de marca ..., modelo ..., por decisão da fábrica de S..., da BB, não havendo outros veículos que pudessem ser produzidos e montados naquela fábrica da A..., acabando a Empresa por deixar de ter qualquer actividade desse ramo concreto.

43. Ainda que tal evolução fosse algo posterior ao despedimento, não deixa de ser atendível para a causa, face ao disposto no artigo 663° do C.P.C.

44. O encerramento da fábrica da A... provocou um esvaziamento (quase) total do leque de funções exercidas pela A., já antes comprimido pelo acordo de Schengen no sentido da respectiva diminuição. Também sobre este facto o acórdão recorrido fez tábua rasa, numa aplicação cega da lei.

45. Nesta fábrica produzia-se e montava-se o veículo automóvel de marca ..., modelo ..., que cessou por completo, nada existindo no espaço onde existiam os armazéns e escritórios da R., sendo certo que o esvaziamento das funções de qualquer trabalhador torna o posto de trabalho excedentário.

 46. Algumas das funções anteriormente cometidas à A. passaram a ser desempenhadas pelos departamentos comercial e financeiro da R., demonstrando o faseado e paulatino esvaziamento das duas funções, até ao total ou quase total esvaziamento, não pode olvidar-se que as razões de um (este ou qualquer outro) despedimento colectivo, pela sua natureza, se prendem com questões evolutivas (evolução do mercado, inovações tecnológicas, etc), pelo que não se pode exigir, para o fundamentar, um facto único ou imediato, mas apenas factos tendenciais.

47. Progressivamente, foi deixando de haver necessidade de toda uma estrutura como aquela de que a A. era encarregada.

48. Ainda que se tivesse mantido em funções por mais dois ou três anos, seria inelutável a sua dispensa, até porque não só deixou de existir uma secção como aquela em que a A. trabalhava, bem como o próprio espaço (e não se fala em espaço físico, que podia ter sido mudado de um local para outro, e nem por isso deixaria um trabalhador de poder continuar a laborar) mas sim de espaço lato sensu, pois as tarefas que ali eram executadas não passaram a ser realizadas noutro local.

49. Deixou de existir qualquer necessidade e possibilidade de prosseguir com a área de actividade até então desempenhada pela A., já que estava dependente da existência de uma actividade de produção activa, o que deixou de se verificar.

 50. Ainda assim não tendo que estar previamente comprovada, também não é igualmente exigível que a sua consumação, para que se mostre séria e iminente, fosse abrupta/imediata.

51. A actividade da R. ficou limitada ao desempenho dos actos que se relacionaram com o procedimento do processo de despedimento colectivo, razão pelo qual em parte dos departamentos se mantiveram em actividade alguns trabalhadores seleccionados de acordo com critérios objectivos e estratégicos do ponto de vista da operatividade e do eficiente controlo de custos.

52. Não parece credível que à R., em termos organizativos e de gestão, fosse exigível terminar, de um dia para o outro, com todas as tarefas que ali se realizavam, nem compete ao tribunal interferir nas decisões da Empresa R., em termos de condução/orientação das mesmas, mas apenas «verificar se o empregador não está a agir em abuso do direito ou se o motivo não foi ficticiamente criado»(.).

53. No mesmo sentido é a posição do nosso mais alto Tribunal. Assim, e a título de exemplo, no Acórdão desse Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de Novembro de 2008, é referido que (...) «na apreciação da procedência dos fundamentos invocados para o despedimento colectivo o Tribunal deve proceder, à luz dos factos provados e com respeito pelos critérios de gestão da empresa, não só ao controlo da veracidade dos fundamentos invocados, mas também à verificação da existência do nexo entre aqueles fundamentos e o despedimento, por forma a que, segundo juízos de, razoabilidade, tais fundamentos sejam aptos a justificar a decisão de redução de pessoal através do despedimento colectivo».

54. Também no Acórdão desse Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de Fevereiro de 2009 se diz que (...) «na apreciação judicial do despedimento colectivo, apenas nos casos de gestão inteiramente inadmissível ou grosseiramente errónea poderão ser postos em causa os critérios de gestão observados pelo empregador» - ambos os Acórdãos estão publicados in www.dgsi.pt, processos 08S1874 e 08S2309.

55. A aplicação dos critérios deve reportar-se à situação laboral existente naquele momento e é esse o momento que define o despedimento colectivo e a integração da trabalhadora, aqui recorrida, no mesmo.

56. É com base neste argumento que o tribunal deve aferir da (i)licitude do despedimento colectivo, ao invés de se servir de um positivismo cego, imprudente (abrindo graves precedentes jurisprudenciais), precipitado e insensato.

57. Assim é na doutrina dominante, propugnando-se um controlo jurisdicional minimalista dessa motivação: um «controlo mínimo»(…).

58. A motivação do despedimento colectivo tem de ser apreciada em função da empresa e, por isso, com respeito pelos seus critérios de gestão, na justa medida em que sejam razoáveis e congruentes, não competindo, pois, ao julgador substituir-se ao empregador e impor-lhe a decisão que ele próprio juiz, segundo os seus critérios, tomaria se estivesse na posição do empregador, o que sucede mediante a decisão do colectivo de Évora.

59. Apenas se admite que sejam postos em causa os critérios de gestão da empresa e o mérito das respectivas decisões nas situações limite de «gestão inteiramente inadmissível ou grosseiramente errónea» (.) o que não ocorreu.

60. Na apreciação da procedência dos fundamentos invocados para o despedimento colectivo, o tribunal deve proceder, à luz dos factos provados e com respeito pelos critérios de gestão da empresa, ao controlo da veracidade dos motivos invocados para o despedimento.

61. Esse controlo deve ir mais além, de molde a abarcar também a verificação da existência de um nexo de causalidade entre os motivos invocados pelo empregador e o despedimento, por forma a que, segundo juízos de razoabilidade, se possa concluir que tais motivos eram adequados a justificar a decisão de redução de pessoal por via do despedimento colectivo (.).

62. Na justeza, preconiza-se um controlo jurisdicional que também incida sobre a proporcionalidade entre a motivação apresentada e a decisão de proceder ao despedimento colectivo e sobre a racionalidade dessa decisão, fundando-se, no essencial, esse entendimento na exigência constitucional de justa causa (comprovada) para que haja despedimento e no necessário equilíbrio e ponderação de todos os interesses e valores constitucionais em jogo, mormente, a liberdade de iniciativa económica privada (artigo 61° da C.R.P.) versus segurança no emprego (artigo 53° do mesmo diploma).

63. Nenhum juiz pode transfigurar-se numa substituição de gestor ou empresário. Tal concepção redutora representaria, em certa medida, um desvirtuamento da própria função jurisdicional. Tudo se reconduzirá, a final, a sindicar judicialmente se o «empregador, aqui como no exercício de todos os seus poderes, agiu de acordo com a boa fé»(.).

64. Não é ilícito o despedimento colectivo promovido pela R., no qual integrou a A. mediante as circunstância conhecidas e já expostas, de boa fé e de acordo com os limites vertidos na lei, sendo aquela uma empresa integrada num grupo internacional, no qual a eliminação de postos de trabalho decorreu do facto de, por força das condições existentes nos mercados internacionais, a produção de determinados bens ter sido transferida para unidade do mesmo grupo situada noutro país.

65. Defender o contrario é ser dono de uma visão redutora e simplista da realidade, desvirtuando todo um sistema que permite o instituto do despedimento colectivo pelas razões subjacentes ao mesmo e, no caso concreto, devidamente comprovadas.

66. O acórdão recorrido, ao manter a decisão da 1.ª instância, está a restringir cegamente a ratio legis do instituto do despedimento colectivo.

67. Permite a lei que o despedimento colectivo pode ser operado com aquele fundamento no caso de redução previsível da actividade, em função da diminuição previsível da procura de bens ou serviços, ou impossibilidade superveniente, prática ou legai, de colocar esses bens ou serviços no mercado, como expressamente se contém na previsão da alínea a) do n° 2 do artigo 397°.

68. Fundado o referido despedimento colectivo na extinção da produção de determinados bens, motivada pela diminuição da procura e pela perda de competitividade desses produtos, determinante da eliminação de postos de trabalho imposta como razoável dentro do prognóstico feito pelo empregador, que os trabalhadores despedidos estavam (incluindo a A.), no momento em que é tomada a decisão de extinguir a produção, afectos, directa ou indirectamente, à mesma, verifica-se o nexo de causalidade entre os fundamentos invocados e a cessação dos respectivos contratos de trabalho.

69. Verificou-se a existência de um nexo causal entre os motivos expostos e o despedimento colectivo, para que, segundo juízos de razoabilidade, o acórdão recorrido - e a 1.ª instancia - pudesse ter concluído que aqueles eram idóneos a determinar a integração da A. no despedimento colectivo.

70. E encontrando-se, assim, suficientemente demonstrada a existência de motivos estruturais que justificaram a integração da A., detectando-se, na factualidade apurada, o necessário nexo causal entre esses motivos e a medida de gestão adoptada, é de considerar lícito o despedimento colectivo da A., existindo o fundamento para que esta fosse inserida nesse despedimento promovido pela R.

71. Os critérios de gestão do empregador que, não sendo patentemente erróneos, devem ser respeitados, passaram, no caso - ante as factualizadas condicionantes de mercado - pelo despedimento colectivo dos trabalhadores ao serviço daquela fábrica, na A..., em razão do seu encerramento determinado pela cessação da consignação do fabrico pela empregadora do ... ..., e por decisão da fábrica de S..., em Espanha, da BB, não havendo outros veículos que pudessem ser produzidos e montados naquela fábrica da A....

72. Tudo visou colmatar a perda de produção daquele automóvel, e a consequente inexistência de produto de substituição, determinando a extrema e radical redução de actividade corrente da empresa, que se reconduziu e limitou a partir do final da mencionada produção, à importação e comercialização de viaturas automóveis.

73. Daí o encerramento físico da fábrica e de outras instalações da BB Portugal e cujas funções fossem directa ou funcionalmente ligadas à produção de viaturas automóveis.

74. Como não sendo bastante, viu-se a R. forçada a incluir aqueles, onde se abrangeu a A., que não estando directamente ligados à produção ou actividades instrumentais de produção, acessórias ou complementares, vissem as suas funções total ou parcialmente esvaziadas, ou mesmo tornadas desnecessárias em virtude daquele encerramento, sempre tendo em vista as futuras actividades da empresa.

75. À necessidade do encerramento físico da fábrica e de outras instalações da BB Portugal, seguiu-se o esvaziamento total das funções da A., sendo que desde então não existem tais funções na Empresa.

76. O subsequente desenvolvimento da situação constitutiva do fundamento invocado confirma inteiramente a sua autenticidade, numa evidente relação de causa-efeito entre o motivo que determinou a supressão das funções em que a A. se empregava e a decisão de redução de pessoal através do despedimento colectivo.

77. Ficou demonstrado que o objectivo da R. se não reconduziu à extinção do concreto contrato em causa - da ora recorrida -, ao despedimento de certo trabalhador - aqui recorrida - individualmente considerada. A cessação do contrato da A., conjuntamente com todos os demais, foi uma consequência e não um fim.

78. O acórdão recorrido, ao concluir como concluiu, é totalmente ineficaz, pois repare-se que não havia, dadas as circunstâncias, como impedir o rompimento do contrato existente, celebrado entre a A. e a R.

79. A actividade da A., conquanto pudesse variar ao nível quantitativo consoante a empresa R. mantivesse ou cessasse a sua actividade de produção (montagem) de veículos automóveis, era uma actividade que existia ou cessava por causa desta. Era uma actividade que não podia existir sem que aquele que a empreende levasse a cabo a produção de automóveis.

80. A definição de funções de um trabalhador como «directa ou fundamentalmente conexas com a produção de veículos automóveis» não depende - como o acórdão recorrido erradamente interpreta - da participação directa, pessoal e física de um qualquer trabalhador no processo de montagem das viaturas.

81. Se assim fosse, mais de metade dos trabalhadores despedidos em resultado do encerramento da fábrica da A... - contabilistas, administrativos, comerciais, recursos humanos, etc. -, tê-lo-iam sido de forma ilegal, já que apenas cerca de quinhentos dos mil trabalhadores abrangidos exerciam funções na linha de montagem.

82. No caso da A., as funções estavam essencial e fundamentalmente ligadas à actividade de montagem de automóveis.

83. Certo, não o estavam nem nunca estiveram no sentido físico do termo - a A. não era trabalhadora da linha de montagem. Mas a sua realização dependia daquela actividade e com ela apresentava uma conexão material e económica inquebrável: uma vez desaparecida a montagem das viaturas, o acervo de funções da A. desaparecia ou tornava-se de tal forma reduzido que não mais poderia ser mantido o contrato de trabalho. Até pela sua descontinuidade lógica e que fundamentou todo o despedimento colectivo.

84. Foi esta conexão material directa e necessária que as partes demonstraram e foi esta relação entre o desaparecimento de uma actividade - e não apenas, repare-se, de um local de trabalho, pois os trabalhadores que tinham locais de trabalho fora da A... também estavam abrangidos, desde que as suas funções estivessem directa ou fundamentalmente ligados às operações de montagem automóvel.

85. É sobre esta conexão e suas implicações que deve ser apurada a completa afinidade das funções da A. com a produção e montagem automóvel, devendo proceder o motivo.

86. Com o devido respeito, mal andou o acórdão recorrido ao não atribuir relevância à legal e legítima integração da A. no despedimento colectivo, levado a cabo pela recorrente, lícito e legalmente motivado, agarrando-se à sentença da 1a instância, não podendo contudo desconhecer a essencialidade para a Empresa da sua motivação em prol do cumprimento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades no cerne daquele procedimento.

87. A A. aceitou uma declaração de vontade que se tornou imediatamente eficaz - tal como para a R. - e que uma vez legalmente cumprida, como era dever da Empresa, veio repudiá-la, sem que de algum modo tivesse demonstrado que a não aceitara.

88. Neste sentido, e porque o acórdão recorrido, ainda que douto, não soube extrair da norma legal em causa a verdadeira génese e ratio legis do despedimento colectivo no caso concreto, deverá ser reparado mediante a presente Revista.

89. O acórdão recorrido não apreciou as normas legais aplicáveis com a pertinência e juridicidade que se impunham, e deve assim ser revogado e substituído por outro, sempre com o devido respeito.

90. A R. se viu forçosamente compelida e obrigada a tomar as medidas imperiosas, impreteríveis e obrigatórias no cerne de qualquer empresa com esta estrutura, de precaução e prevenção básicas.

91. Concluindo pela não ilicitude do despedimento colectivo, no que à recorrida diz respeito, como consequência lógica conclui-se agora, face a todo o exposto que o tribunal recorrido, ao julgar como julgou, decidiu contra legem, violando, assim, o disposto no artigo 431° do Código do Trabalho, a contrario.

92. Devia o acórdão recorrido ter concluído que não existiu qualquer razão atendível para que a A. não tivesse sido lícita e legalmente integrada no despedimento colectivo, já que o motivo aduzido pela R. na sua comunicação de despedimento da A. justificava perfeitamente o seu despedimento, o que torna lícito o mesmo, por força do disposto no artigo 429° do Código do Trabalho.

93. Deve ser revogada a decisão da conclusão do douto acórdão de inexistência de fundamento para a eliminação do posto de trabalho da A. ou para integração do seu posto de trabalho no despedimento colectivo.

94. Deveria o tribunal recorrido ter decidido em moldes diferentes do que decidiu.

95. É, assim, peregrina, a conclusão que segue no sentido de, face ao regime legal em causa, defender a inexistência de motivo para extinção do posto de trabalho da A. com base na motivação invocada pela R. para a integração daquela no despedimento colectivo. Assim, cessante causa, cessat effectus...

96. A informação dada à recorrida de modo algum encobriu a vontade real da recorrente, motivada na impossibilidade prática de produzir e colocar no mercado viaturas automóveis, decorrente da perda de produção do ... ..., e inexistência de produto de substituição, determinado uma completa redução da actividade corrente da Empresa, que se reconduziria e limitaria a partir do final da mencionada produção, à importação e comercialização de viaturas automóveis, e cujos termos apostos e que lhe deram azo apontaram de forma inequívoca para a realidade da quitação dada.

97. Tanto a 1.ª instância como o Tribunal da Relação desprezaram e ignoraram a realidade dos factos, como ignoraram a posição das Partes, já que nenhuma delas pôs em causa a ilicitude da inclusão da A. no despedimento colectivo.

98. Crê a recorrente subsumir-se ao regime legal vigente, o motivo que assim preencheu de forma lícita e legítima.

99. Havendo-se, assim, por demonstrado o fundamento/motivo invocado e o nexo de causalidade entre este e a cessação do contrato de trabalho da A., não podia deixar de se concluir (ao invés do que erradamente se concluiu), pela licitude do despedimento da A., permitindo descortinar irrepreensivelmente o nexo causal entre os fundamentos invocados e (in casu) a trabalhadora abrangida, bem como todos os demais»

Termina referindo que «deve o douto Acórdão recorrido ser revogado e substituído por mais justa decisão que, fazendo devida aplicação aos factos do Direito que efectivamente lhes cabe, nos moldes expostos nas presentes alegações, absolva a aqui Recorrente da totalidade dos pedidos formulados pela A., reconhecendo a licitude do despedimento da A., procedendo o motivo justificativo inerente ao mesmo, tudo nos termos e com as devidas consequências legais»

Recurso da Autora

«1. Decidiu erradamente o douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora ao considerar que os juros de mora só são devidos depois da liquidação dos montantes a que a ora Recorrida BB foi condenada a pagar à Recorrente uma vez que: a) Nenhuma prova logrou a ora Recorrida fazer quanto à Recorrente ter auferido remunerações após a cessação do contrato que não receberia se não fosse esta, pelo que a esse título nenhum montante pode ser deduzido; b) está demonstrado no processo que a ora Recorrente não auferiu subsídio de desemprego pelo que, também a esse título nenhum montante deverá se deduzido; c) o montante referido na al. d) da sentença está apenas dependente da data final do presente processo, cuja delonga se deve apenas à Recorrida BB;

2. A não condenação no pagamento de juros de mora prejudica gravemente a ora Recorrente dado que, protelando a Recorrida o pagamento dos montantes a que foi condenada, não terá qualquer acréscimo pelo decurso do tempo da própria acção até efectuado o integral pagamento e, assim, tendo até em conta a desvalorização do dinheiro, quanto mais tarde pagar, menor valor recebe esta como compensação pelo despedimento ilícito».

A Autora e a Ré responderam aos recursos interpostos.

Na resposta ao recurso interposto pela Ré veio a Autora pedir a condenação do «representante da ora Recorrente, DD, (…) como litigante de má fé no pagamento de uma multa de montante a definir pelo Supremo Tribunal e numa indemnização a pagar à ora Recorrida que a compense pelas despesas e prejuízos que esta má fé lhe está a acarretar»

Neste Tribunal o Exmº Procurador-Geral Adjunto, proferiu parecer, nos termos do artigo 87.º, n.º 3, do Código de Processo de Trabalho, concluindo, nos seguintes termos:

«Face ao exposto (…) o motivo invocado pela Ré para o despedimento da Autora não deveria ser (…) [dado] como procedente, atenta a inexistência de nexo entre aquele e o despedimento, razão pela qual este deveria ser declarado ilícito nos termos da alínea c) do artigo 429.º do Código de Trabalho de 2003, devendo consequentemente improceder o recurso da Ré.

Relativamente ao recurso da Autora, afigura-se-nos que o mesmo deveria proceder, dado que a Ré não alegou nem demonstrou que aquela tenha auferido qualquer remuneração ou benefício que não obteria se não fosse o despedimento, encontrando-se também provado que a Autora não recebeu subsídio de desemprego, apresentando-se líquido o montante da compensação, pelo que o cálculo do montante daquela e respectivos juros de mora não deveria ter sido relegado para complemento da sentença».

Notificado este parecer às partes veio a Ré responder ao mesmo pronunciando-se no sentido das posições anteriormente sustentadas, quer relativamente ao recurso que interpôs, quer relativamente ao recurso interposto pela Autora.

Sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, do Código de Processo Civil, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, que é a aplicável ao presente processo, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa nas presentes revistas:

a) − A existência de fundamentos para a inclusão da Autora no despedimento colectivo promovido pela Ré;

b) – O momento a partir do qual são devidos os juros de mora devidos à Autora;

c) – A condenação do representante da Ré como litigante de má fé.


II

1 – A matéria de facto fixada pelas instâncias é a seguinte:

«a) A R. é uma empresa que tem por objecto a produção, montagem, distribuição e venda de veículos automóveis, distribuindo e vendendo veículos da marca ..., C..., B…, P..., S… e C…, tendo até ao ano de 2006 mantido em funcionamento uma fábrica na A... onde produzia e montava o veículo automóvel, modelo ... ....

b) A A. foi admitida ao serviço da R. em 12 de Fevereiro de 1990, com a categoria de Sub Chefe de Secção, para o desempenho de funções no sector financeiro da R., no âmbito de um contrato de trabalho vigente entre as partes, tendo sua admissão sido justificada por “…um acréscimo de trabalho no sector financeiro, cuja reestruturação se encontra em curso a título experimental e com possibilidade de se consolidar em termos definitivos, implicando um reforço de postos de trabalho”.

c) Tendo desempenhado desde então as suas funções ao serviço da R. nas instalações da R. sitas na A... e que eram então a sede social da R.

d) Tendo em 1 de Julho de 1990 passado para a categoria de Chefe de Secção, conforme aditamento ao contrato de trabalho, categoria que manteve desde então.

e) Auferia ultimamente por mês a retribuição de € 1.794,78 para um horário de trabalho a tempo completo.

f) Por carta datada de 31 de Outubro de 2006, foi comunicado à A. o seu despedimento inserido no despedimento colectivo dos trabalhadores ao serviço da fábrica da R. na A..., em razão do encerramento daquela fábrica determinado pela cessação da consignação do fabrico pela R. do ... ... por decisão da fábrica de S... da BB, não havendo outros veículos que pudessem ser produzidos e montados naquela fábrica da A...;

g) Sendo a data da cessação do contrato de trabalho o dia 31 de Dezembro de 2006;

h) Sede que é actualmente na ..., Edifício ..., Piso …, em ....

i) A ré passou a estar vocacionada, essencialmente, para a importação e comercialização em Portugal de veículos produzidos e montados no estrangeiro;

j) A A. esteve sem desempenhar funções na R. entre 1 de Agosto de 1994 e até 31 de Dezembro de 2003, ao abrigo de uma licença sem vencimento.

k) Antes do início da sua licença sem vencimento a A. auferia a retribuição mensal de 297.950$00 (€ 1.486,17), acrescida de 21.630$00 (€ 107,89) de subsídio de alimentação, perfazendo o total mensal de 319.580$00 (€ 1.594,06);

l) E nos termos da comunicação da R. datada de 28 de Julho de 1994, iria auferir a A. a retribuição mensal de base de 310.000$00 (€ 1.546,27), acrescida de subsídio de alimentação que a continuar a ser no mesmo valor faria ascender o montante mensal auferido para 331.630$00 (€ 1.654,16), a partir de 1 de Agosto de 1994, atenta a qualidade com que exercia a sua função.

m) Ao regressar ao serviço, em Janeiro de 2004, a A. passou a auferir a retribuição mensal de € 1.700,00, sendo eliminado o subsídio de alimentação;

n) Tendo em Janeiro de 2005 a retribuição mensal da A. sido actualizada para € 1.742,50, com efeitos retroactivos a Janeiro de 2005, correspondendo a um aumento salarial de 2,44%.

o) Passando a A. a auferir a partir de Janeiro de 2006 a retribuição mensal de € 1.782,58, correspondente a um aumento salarial de 2,3%;

p) A A. não recebeu da R. a compensação posta à sua disposição em razão do despedimento por esta decidido.

q) A ré propôs-se pagar à autora uma compensação por despedimento no valor de € 60.215,56 (sessenta mil, duzentos e quinze euros, cinquenta e seis cêntimos);

r) Na comunicação de despedimento colectivo dirigida pela ré à autora pode ler-se, em sede de “Fundamentação”, o seguinte:

“A impossibilidade prática de produzir e colocar no mercado viaturas automóveis, decorrente da perda de produção do ... ..., e inexistência de produto de substituição, determina uma radical redução da actividade corrente da empresa, a qual se reconduzirá e limitará a partir do final da mencionada produção, à importação e comercialização de viaturas automóveis.”

s) Na mesma comunicação pode ler-se, em sede de “B – Indicação dos critérios que serviram de base para a selecção dos trabalhadores a despedir”:

“ Foram seleccionados para serem feitos cessar através do presente procedimento de despedimento colectivo todos os trabalhadores afectos ao funcionamento da fábrica da BB Portugal sita na A... considerando como tais, aqueles que na presente data prestem serviço – mediante contrato individual de trabalho por tempo indeterminado celebrado com a BB Portugal -, naquela fábrica ou em outras instalações da BB Portugal e cujas funções sejam directa ou fundamentalmente conexas com a produção de viaturas automóveis, bem como aqueles que, não estando directamente ligados à produção ou suas actividades instrumentais, acessórias ou complementares, vejam as suas funções total ou parcialmente esvaziadas ou tornadas desnecessárias em virtude do encerramento e tendo em vista as futuras actividades da empresa.”

t) Na mesma comunicação pode ler-se:

“Exercendo V. Ex.ª. funções directa ou fundamentalmente conexas com a produção de viaturas automóveis na fábrica da A... da BB Portugal, Ldª e estando incluída em categoria profissional acima referida, está abrangida pelo presente despedimento colectivo…”.

u) A partir de 31 de Dezembro de 2006, a ré não mais atribuiu funções à A. ou lhe pagou retribuição;

v) Na comunicação do despedimento colectivo pode ler-se:

“ A fábrica da BB Portugal, sita na A..., é, de um ponto de vista meramente produtivo, uma extensão operacional da sua congénere espanhola na medida em que é este quem determina a produção do ... ... e fornece à primeira os elementos, materiais e componentes necessários à montagem do produto final (…)”;

“A consignação do fabrico do ... ... pela fábrica de S... da BB tem como contrapartida o pagamento de um “fee” por cada unidade entregue pela BB Portugal à fábrica de S... (…)”;

“A perda da consignação estabelecida para a montagem do ... ... pela BB Portugal, implica a cessação da produção daquele produto na Fábrica da A...”.

x) No dia 21 de Dezembro de 2006 foi efectuado o pagamento à autora da retribuição e subsídio de subsídio de férias pertinentes ao trabalho prestado em 2006;

z) No dia 20 de Outubro de 2006, a ré comunicou por escrito à Comissão de Trabalhadores da BB Portugal a intenção de proceder a um despedimento colectivo, nos termos e com os fundamentos constantes do documento n.º 2 apresentado com a contestação, cujo teor se dá aqui por reproduzido;

aa) No dia 26 de Outubro de 2006, a gerência da Ré e a Comissão de Trabalhadores reuniram, acompanhados por representantes do Ministério do Trabalho e da Segurança Social, para informação e negociação, com vista à obtenção de um acordo sobre a dimensão e efeitos das medidas a aplicar, tudo como melhor consta do documento n.º 3 apresentado com a contestação, cujo teor se dá aqui por reproduzido;

bb) Em 1993 e até ao momento em que iniciou a sua licença sem vencimento, a A. desempenhou funções no departamento de recursos humanos como “Personnel Systems Specialist”;

cc) Quando retorna à empresa, a partir de 1 de Janeiro de 2004, após cerca de 10 anos de licença sem vencimento, a A. inicia funções nesse domínio da “legalização, importação e exportação” – nos “customs”;

dd) Até essa data, tais funções eram desempenhadas pela Senhora Dr.ª EE, jurista ao serviço da BB Portugal Lda.;

ee) No âmbito da actividade desempenhada pela autora, de legalização, importação e exportação de veículos, lidava a A. com o tratamento de cerca de 28.000 veículos por ano, dos quais só cerca de 2.000 eram veículos ... ... produzidos na fábrica da A..., ou seja, cerca de 7%;

ff) A ré continuou a importar veículos das marcas ... e S.. (resposta ao quesito 1.º);

gg) Algumas das funções anteriormente cometidas à autora passaram a ser desempenhadas pelos departamentos comercial e financeiro da ré (resposta ao quesito 2.º);

hh) As funções efectivamente exercidas pela autora foram as seguintes:

A) Controle aduaneiro em geral:

a1) Do registo de veículos; a2) Do processamento das declarações estatísticas; a3) Procedimentos simplificados; a4) Manter o controle e registar os custos relativos aos procedimentos de desalfandegamento, proporcionando assim uma base sólida sobre a qual se possa estabelecer ou eliminar futuros contratos com fornecedores; a5) Controle da regularidade das operações de trânsito no respeitante aos documentos emitidos e/ou destinados à alfândega portuguesa.

B) Supervisão da legalização de veículos:

b1) Supervisionar o registo automóvel e o pagamento do imposto; b2) Assegurar que os erros ocasionais de documentação fossem devidamente corrigidos;

C) Assistência legal relativa às questões sobre a importação/exportação:

c1) Estabelecer e manter contactos regulares com os funcionários da autoridades aduaneiras e governamentais; c2) Pesquisar e recolher legislação aplicável e actualizar os arquivos legais; c3) Fazer solicitações legais a fim de garantir a concessão do adequado regime e estatuto aduaneiro;

D) Aprovação de facturas:

d1) Auditoria da facturação do despachante aduaneiro, verificando se foram devidamente, oportunamente e adequadamente executados os serviços, recebidos e facturados, assegurando assim a conformidade legal e contratual e com os procedimentos de controlo interno.

E) Desenvolvimento da função:

e1) Substituir gradualmente o know-how aduaneiro externo a fim de garantir a independência da ... e a resolução das dificuldades de controlo dos fornecedores;

F) Supervisão:

f1) Supervisionar o cumprimento das regras internas da organização no respeitante ao serviço do despachante aduaneiro; f2) Fiscalizar e controlar o cumprimento pela organização e pelo despachante aduaneiro das normas legais pertinentes;

G) Custos:

g1) Proporcionar o conhecimento interno que permita à organização negociar o preço dos serviços; g2) Identificar simplificações de processos no ambiente jurídico em mudança e reduzir os custos em conformidade (resposta ao quesito 4.º);

ii) O controlo de custos esteve na base da criação das funções em causa, as quais não existiam sequer antes de 1996 (resposta ao quesito 5.º);

jj) E porque de importação e exportação falamos, importa ter ainda em conta que a partir de 1 de Maio de 2004, com a Europa a 25 e no seguimento da concretização progressiva do acordo de Shengen, a imposição e aplicação de políticas de liberalização aduaneiras impuseram uma nova realidade de circulação de bens e mercadorias (resposta ao quesito 6.º);

ll) No âmbito dessa nova realidade, em concreto no quanto respeita à importação e exportação de veículos, os procedimentos de fiscalização e controle aduaneiro no âmbito do mercado interno – no seio da União Europeia – sofreram uma muito significativa diminuição (resposta ao quesito 7.º);

mm) Cerca de 90% dos veículos vendidos pela ré em Portugal nos anos de 2006 e 2007 eram oriundos do espaço económico Europeu (resposta ao quesito 8.º);

nn) Relativamente aos veículos oriundos do espaço comum europeu as tarefas de admissão no território nacional (preenchimento de impressos), legalização (pagamento de imposto automóvel e de selo) eram realizadas pelo despachante, limitando-se a autora a intervir no controlo financeiro, em conjunto com departamento financeiro, para o que recebia do despachante um ficheiro mensal de “caução” (resposta ao quesitos 9.º);

oo) As importações indirectas de países terceiros – inferiores a uma dezena de unidades em 2006 -, a importação de componentes para o fabrico do “... ...”, na A..., e a exportação de veículos “... ...” produzidos na A..., para fora do espaço europeu – v. g. Turquia requeriam que a autora exercesse um controlo estrito dos procedimentos aduaneiros levados a cabo pelo despachante, mormente por causa da classificação dos bens para efeito de pagamento de direitos aduaneiros, o que exigia da autora a angariação e aplicação de conhecimentos específicos sobre esta matéria (resposta ao quesito 10.º);

pp) A supervisão da importação dos componentes e/ou matérias primas necessárias à montagem dos 2.000 veículos que saíam da fábrica da A..., de países terceiros ao espaço económico europeu, constituía parte significativa do trabalho realizado pela autora (resposta ao quesito 11.º).»


III

1 - Os factos que servem de fundamento às pretensões da Autora ocorreram em 2006, na vigência do Código do Trabalho de 2003, diploma no contexto do qual serão ponderadas as condições em que a Autora foi incluída no despedimento colectivo promovido pela Ré e as consequências derivadas dessa inclusão, atenta a entrada em vigor desse código em 1 de Dezembro de 2003, por força do disposto no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, e a sua substituição pelo Código do Trabalho de 2009, em 17 de Fevereiro de 2009, nos termos do artigo 1.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.

O Código do Trabalho de 2003 dedica aos despedimentos colectivos os seus artigos 397.º a 401.º e 419.º a 422.º.

A noção de despedimento colectivo resulta do n.º 1 do artigo 397.º que determina que se considera «despedimento colectivo a cessação de contratos de trabalho promovida pelo empregador e operada simultânea ou sucessivamente no período de três meses, abrangendo, pelo menos, dois ou cinco trabalhadores, conforme se trate, respectivamente, de microempresa e de pequena empresa, por um lado, ou de média e grande empresa, por outro, sempre que aquela ocorrência se fundamente em encerramento de uma ou várias secções ou estrutura equivalente ou redução de pessoal determinada por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos».

Esta específica forma de cessação do contrato de trabalho tem assim como fundamento «o encerramento de uma ou várias secções ou estrutura equivalente ou redução de pessoal» da entidade empregadora, «determinada por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos». São, deste modo, razões de natureza económica, estruturais ou de mercado, ligadas à vida da entidade empregadora, que podem motivar o recurso a esta medida de gestão empresarial.

Por outro lado, a noção de despedimento colectivo tem implícita uma dimensão quantitativa do número de trabalhadores abrangidos, devendo enquadrar, pelo menos, 2 ou 5, consoante a dimensão da empresa, e envolve igualmente um requisito temporal: o despedimento há-de ocorrer simultânea ou sucessivamente no período de três meses.

O n.º 2 daquele artigo 397.º especifica os conceitos de «motivos de mercado», «motivos estruturais» e «motivos tecnológicos» referindo que «para efeitos do disposto no número anterior consideram-se, nomeadamente: a) Motivos de mercado - redução da actividade da empresa provocada pela diminuição previsível da procura de bens ou serviços ou impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado; b) Motivos estruturais - desequilíbrio económico-financeiro, mudança de actividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos dominantes; c) Motivos tecnológicos - alterações nas técnicas ou processos de fabrico, automatização dos instrumentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação».

Como refere MARIA do ROSÁRIO PALMA RAMALHO, «na base do recurso à figura do despedimento colectivo têm que estar, obrigatoriamente, motivos económicos» susceptíveis de recondução a dois tipos de situações: «i) Uma situação de crise empresarial: assim quanto aos motivos de mercado, a redução da actividade da empresa, pela diminuição da procura dos bens que produz ou pela dificuldade de os colocar (al. a); e quanto aos motivos estruturais, a situação de desequilíbrio económico-financeiro (al. b); e ii) Um objectivo de reorientação estratégica da empresa: assim, nos motivos estruturais, a mudança de actividade da empresa, a sua reestruturação produtiva ou a mudança de produtos dominantes (al. b); e nos motivos tecnológicos, as alterações das técnicas de fabrico ou a informatização dos serviços (al. c)»[1].

O despedimento colectivo obedece a um procedimento específico destinado a garantir a transparência dos motivos que lhe estão subjacentes, como forma de salvaguarda dos direitos dos trabalhadores abrangidos, iniciando-se com uma comunicação feita pela entidade empregadora ao trabalhador, disciplinada no artigo 398.º, que exige a «decisão de despedimento, com menção expressa do motivo, deve ser comunicada, por escrito, a cada trabalhador com uma antecedência não inferior a 60 dias relativamente à data prevista para a cessação do contrato», resultando do n.º 2 desse artigo, que «a inobservância do aviso prévio a que se refere o número anterior não determina a imediata cessação do vínculo e implica para o empregador o pagamento da retribuição correspondente ao período de antecedência em falta».

Os artigos 399.º, 400.º e 401.º disciplinam alguns direitos dos trabalhadores abrangidos pelo despedimento colectivo, nomeadamente o crédito de horas, o direito à denúncia do contrato e o direito à compensação pela cessação do contrato de trabalho com este fundamento, disciplinado no artigo 401.º. 

No termo do processo de despedimento colectivo, o empregador profere a decisão, disciplinada no artigo 422.º daquele código, decorrendo do n.º 1 deste dispositivo, que «celebrado o acordo ou, na falta deste, decorridos 20 dias sobre a data da comunicação referida nos n.os 1 ou 5 do artigo 419.º, o empregador comunica, por escrito, a cada trabalhador a despedir a decisão de despedimento, com menção expressa do motivo e da data da cessação do respectivo contrato, indicando o montante da compensação, assim como a forma e o lugar do seu pagamento».

Deste modo, o empregador comunica, por escrito, a cada trabalhador a despedir, a decisão com menção expressa do motivo e da data da cessação do respectivo contrato, indicando o montante da compensação, assim como a forma e o lugar do seu pagamento».

No dizer de BERNARDO LOBO XAVIER, haverá que comunicar o necessário para que se possa deduzir «a concreta decisão de gestão, em termos de tornar transparente a situação e de convencer ou habilitar o despedido com os elementos necessário a pensar numa eventual impugnação»[2].

A decisão há-de identificar os motivos que estão subjacentes ao despedimento, ou seja, deve concretizar a situação económica da entidade empregadora subjacente ao despedimento e a resposta a essa situação em termos de estratégia empresarial, nomeadamente as medidas empresariais que o justificam, medidas estas que enquadrarão os critérios adoptados na identificação dos trabalhadores abrangidos.

A decisão deve assim concretizar a relação entre a situação económica da empresa que justifica o recurso ao despedimento colectivo, no contexto das medidas empresariais tomadas para enfrentar aquela situação económica, ou seja, a justificação do despedimento no âmbito das medidas adoptadas para enfrentar a crise em causa.

Essa justificação há-de permitir estabelecer uma relação de causalidade entre a referida situação económica invocada como fundamento do despedimento e o despedimento propriamente dito, permitindo igualmente sindicar a concretização dos critérios de selecção dos trabalhadores abrangidos e a relação desses critérios com as medidas tomadas como resposta à crise da empresa.

O desrespeito pelos parâmetros legais relativamente ao despedimento colectivo pode acarretar a ilicitude do mesmo, quer por motivos substanciais referentes aos fundamentos do despedimento, quer por motivos de natureza processual, ou seja relacionados com a violação dos termos processuais estabelecidos, matéria disciplinada nos artigos 431.º e 429.º daquele Código do Trabalho.

Deste modo, por força do disposto na alínea c) deste último artigo, o despedimento colectivo é ilícito se «forem declarados improcedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento».

A concretização dos motivos do despedimento e dos critérios adoptados na escolha dos trabalhadores despedidos, que devem integrar a decisão e ser comunicados aos visados, são essenciais na transparência do processo e no respeito pelos princípios legais e constitucionais relativamente a esta forma de cessação do contrato de trabalho, sendo a base para sindicância por via judicial do despedimento.

Na verdade, tal como se considerou no acórdão desta secção, de 26 de Novembro de 2008, proferido na revista n.º 1874/08[3], «a comunicação prevista no artigo 422° do Código do Trabalho, através da qual o empregador comunica a cada um dos trabalhadores abrangidos pelo despedimento colectivo a decisão do seu despedimento individual, deva conter a “menção expressa do motivo (...) da cessação do respectivo contrato”, o que deve entender-se como constituindo uma referência quer à fundamentação económica do despedimento, comum a todos os trabalhadores abrangidos, quer ao motivo individual que determinou a escolha em concreto do trabalhador visado, ou seja, a indicação das razões que conduziram a que fosse ele o atingido pelo despedimento colectivo e não qualquer outro trabalhador», tendo-se prosseguido no referido nos seguintes termos:

«Só deste modo se mostra efectivamente motivado o despedimento de cada um dos trabalhadores despedidos e se torna possível ao trabalhador concretamente abrangido pelo despedimento colectivo contestar a decisão que o individualiza como um dos destinatários da medida de gestão empresarial. E só, assim, pode o tribunal controlar a adequação do despedimento de cada um dos trabalhadores à fundamentação económica comum ao despedimento colectivo. Embora do texto dos artigos 419.º, 422.º, n.º l, e 429.º, alínea c), do Código do Trabalho, não conste qualquer referência expressa à relação entre a motivação económica comum e a cessação de cada um dos contratos individuais de trabalho, é manifesto que a motivação apresentada tem que ser congruente com o redimensionamento efectuado.

Na apreciação dos fundamentos do despedimento colectivo, importa ter em conta, para além da verificação objectiva da existência dos motivos estruturais, de mercado ou tecnológicos, a existência de um nexo entre tais motivos e os despedimentos efectuados, por forma a que aqueles sejam suficientemente fortes para que, determinando uma diminuição de pessoal, conduzam, sem mais, ao despedimento colectivo de certos e determinados trabalhadores(-)».

2 - Conforme decorre da alínea c) do artigo 429.º do Código do Trabalho, a improcedência dos motivos invocados para o despedimento acarreta a respectiva ilicitude, que, nos termos do artigo 436.º do mesmo código, constitui a entidade empregadora na obrigação de «indemnizar o trabalhador por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos» e na obrigação de o reintegrar «no seu posto de trabalho sem prejuízo da categoria e antiguidade».

Por força do disposto no artigo 437.º do mesmo diploma, «sem prejuízo da indemnização prevista na alínea a) do n.º 1» do artigo 436.º, «o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal». A este quantitativo são deduzidas as importâncias recebidas pelo trabalhador, referidas nos n.ºs 2, 3 e 4 daquele artigo 437.º.

Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 438.º do mesmo diploma, o trabalhador pode optar pela reintegração, até à sentença do tribunal, ou, em substituição desta, pela indemnização prevista no artigo 439.º daquele código.

 Esta é fixada pelo tribunal, «entre quinze e quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade», tomando em consideração «o valor da retribuição base e diuturnidades» e o «grau de ilicitude» que resulte da improcedência dos motivos invocados para o despedimento.


IV


As instâncias coincidiram no juízo que efectuaram relativamente à ilicitude da inclusão da Autora no despedimento colectivo promovido pela Ré.

Referiu-se sobre essa questão, na decisão recorrida, o seguinte:

«Ou seja, de acordo com a comunicação da Ré foram abrangidos no despedimento os trabalhadores afectos ao funcionamento da fábrica da BB Portugal sita na A..., considerando-se como tais os trabalhadores que naquela data prestassem serviço naquela fábrica ou em outras instalações da BB Portugal e cujas funções:

a) se encontrassem directa ou fundamentalmente conexas com a produção de viaturas automóveis consistiram;

b) ou, não estando directamente ligados à produção de viaturas automóveis ou às suas actividades instrumentais, acessórias ou complementares, vejam as suas funções total ou parcialmente esvaziadas;

c) ou ainda, funções que se tenham tornado desnecessárias em virtude do encerramento e tendo em vista as futuras actividades da empresa.

E, concretamente em relação à Autora, a Ré comunicou-lhe que a sua inclusão no despedimento colectivo se justificava por se encontrar inserida em «funções directa ou fundamentalmente conexas com a produção de viaturas automóveis na fábrica da A... da BB Portugal, Ldª».

(…)

«Como se assinala na sentença recorrida, do referido elenco fáctico resulta que as funções da Autora não estão(avam) directamente ligadas à produção de veículos automóveis.

Com efeito, as funções da Autora incidiam, fundamentalmente, no controlo aduaneiro em geral e supervisão e controlo financeiro da Ré.

No âmbito dessa actividade de controlo aduaneiro, a Autora lidava com cerca de 28.000 veículos, sendo que desses apenas cerca de 2.000 eram produzidos na fábrica da Ré da A.... Isto muito embora em relação a estes veículos, a Autora desenvolvesse “parte significativa” do seu trabalho.

Ora, como acertadamente se escreveu na sentença recorrida, a actividade da Autora, embora pudesse variar ao nível quantitativo – consoante a Ré mantivesse ou cessasse a actividade de produção/montagem de veículos na A... – não tinha que existir ou cessar, necessariamente, conforme também existisse ou cessasse a produção na fábrica da Ré: “(…) a actividade de produção de automóveis tem uma relação, um nexo, com as actividades de controlo aduaneiro e de legalização de automóveis, visto que a produção automóvel importa sempre a possibilidade de importação e exportação de bens e mercadorias a incorporar no produto a produzir, bem como a possibilidade de exportação do produto acabado ou de legalização do produto acabado para venda no mercado interno.

Todavia a (…) existência do posto de trabalho desempenhado pela autora é perfeitamente concebível ainda quando o empregador não exerça a actividade de produção automóvel. Basta que os comercializa”.

Como se afirmou, fundando a Ré o motivo de despedimento (colectivo) da Autora no exercício de “funções directa ou fundamentalmente conexas com a produção de viaturas automóveis na fábrica da A... da BB Portugal, Ldª” e concluindo-se que as referidas funções da Autora não eram directa ou fundamentalmente conexas com a produção/montagem automóvel da Ré e, por isso, que podiam subsistir sem a existência da fábrica, forçoso é também concluir pela improcedência do motivo invocado pela Ré para o despedimento da Autora.

Refira-se, um pouco a latere, que a eventual redução da actividade da Autora em virtude do encerramento da fábrica da Ré, podendo, porventura, determinar a cessação do contrato daquela, designadamente através da (figura jurídica de) extinção do posto de trabalho, não justifica contudo a inserção no âmbito da cessação do contrato por despedimento colectivo nos termos invocados pela Ré.

Concluindo-se pela improcedência do motivo invocado pela Ré para o despedimento (…)».


V

 

1 – Sustenta a recorrente que «a extensão do despedimento colectivo ao posto de trabalho da A., atendendo à real, clara e efectiva existência de fundamento para a eliminação do mesmo, com base na motivação invocada pela R. para a sua integração no despedimento colectivo, pois as funções desempenhadas pela A. estavam directa e fundamentalmente conexas com a actividade de produção de veículos automóveis da fábrica da A..., para além de, como também ficou provado, terem ficado total ou parcialmente esvaziadas, ou mesmo tornadas desnecessárias, em virtude da cessação daquela actividade na Empresa» e que «na comunicação de despedimento endereçada à recorrida pela aqui recorrente, foram indicados os critérios que serviram de base para a selecção dos trabalhadores a despedir, e a R. comunicou-lhes que haviam sido (...) «seleccionados para serem feitos cessar através do presente procedimento de despedimento colectivo todos os trabalhadores afectos ao funcionamento da fábrica da BB Portugal sita na A... considerando como tais, aqueles que na presente data prestem serviço - mediante contrato individual de trabalho por tempo indeterminado celebrado com a BB Portugal -, naquela fábrica ou em outras instalações da BB Portugal e cujas funções sejam directa ou fundamentalmente conexas com a produção de viaturas automóveis, bem como aqueles que, não estando directamente ligados à produção ou suas actividades instrumentais, acessórias  ou complementares,  vejam  as suas  funções  total ou parcialmente esvaziadas ou tornadas desnecessárias em virtude do encerramento e tendo em vista as futuras actividades da empresa».

Refere a recorrente que o «ponto principal da questão (tendo em consideração o corpo do artigo 429°, alínea c) do Código do Trabalho, aqui em causa)» se situa «na parte final da comunicação», onde refere: (...) «bem como aqueles que, não estando directamente ligados à produção ou suas actividades instrumentais, acessórias ou complementares, vejam as suas funções total ou parcialmente esvaziadas ou tornadas desnecessárias em virtude do encerramento e tendo em vista as futuras actividades da empresa» e que «a informação dada à recorrida, e sobre a qual não se extrai qualquer outra interpretação: a sua inclusão resultou da qualificação da integração das tarefas então a cargo da A. - ou de outros trabalhadores -, num conjunto de processos de produção e realização de serviços que tinha como denominador comum a montagem de veículos automóveis que dele estavam dependentes, que nele encontravam a sua justificação, e sem o qual deixariam de existir ou se tornariam irrelevantes (como se veio a provar)».

Realça que «resulta claro da sentença que as funções anteriormente exercidas pela A., quando não desapareceram pura e simplesmente de todo, se reduziram a ponto de não mais poderem sustentar a manutenção de um posto de trabalho», que «as funções dos trabalhadores da linha de montagem ficaram totalmente esvaziadas e as funções da A., não sendo de linha de montagem, se não totalmente - o que apenas por mero dever de patrocínio se concede - ficaram pelo menos parcialmente esvaziadas, sendo certo que ambas e com toda a certeza foram tornadas desnecessárias em virtude do encerramento».

Afirma que «a existência do posto de trabalho cujas funções eram, à data, desempenhadas pela recorrida, não era concebível quando a Empresa não exercesse a actividade de produção automóvel, bastando que os comercializasse» sendo «evidente que as funções exercidas pela aqui recorrida estavam ligadas à produção de veículos automóveis, pois a sua actividade não era uma actividade que pudesse existir sem que aquele que a empreende - in casu a aqui recorrente - levasse a cabo a produção de automóveis».

Refere que «o despedimento colectivo pode ser operado com aquele fundamento no caso de redução previsível da actividade, em função da diminuição previsível da procura de bens ou serviços, ou impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado, como expressamente se contém na previsão da alínea a) do n° 2 do artigo 397°» e que «fundado o referido despedimento colectivo na extinção da produção de determinados bens, motivada pela diminuição da procura e pela perda de competitividade desses produtos, determinante da eliminação de postos de trabalho imposta como razoável dentro do prognóstico feito pelo empregador, que os trabalhadores despedidos estavam (incluindo a A.), no momento em que é tomada a decisão de extinguir a produção, afectos, directa ou indirectamente, à mesma, verifica-se o nexo de causalidade entre os fundamentos invocados e a cessação dos respectivos contratos de trabalho».

Destaca que a «actividade da A., conquanto pudesse variar ao nível quantitativo consoante a empresa R. mantivesse ou cessasse a sua actividade de produção (montagem) de veículos automóveis, era uma actividade que existia ou cessava por causa desta. Era uma actividade que não podia existir sem que aquele que a empreende levasse a cabo a produção de automóveis» e que «a definição de funções de um trabalhador como «directa ou fundamentalmente conexas com a produção de veículos automóveis» não depende - como o acórdão recorrido erradamente interpreta - da participação directa, pessoal e física de um qualquer trabalhador no processo de montagem das viaturas.

Reafirma a recorrente que «no caso da A., as funções estavam essencial e fundamentalmente ligadas à actividade de montagem de automóveis» e que «não o estavam nem nunca estiveram no sentido físico do termo - a A. não era trabalhadora da linha de montagem. Mas a sua realização dependia daquela actividade e com ela apresentava uma conexão material e económica inquebrável: uma vez desaparecida a montagem das viaturas, o acervo de funções da A. desaparecia ou tornava-se de tal forma reduzido que não mais poderia ser mantido o contrato de trabalho. Até pela sua descontinuidade lógica e que fundamentou todo o despedimento colectivo» e que «foi esta conexão material directa e necessária que as partes demonstraram e foi esta relação entre o desaparecimento de uma actividade - e não apenas, repare-se, de um local de trabalho, pois os trabalhadores que tinham locais de trabalho fora da A... também estavam abrangidos, desde que as suas funções estivessem directa ou fundamentalmente ligados às operações de montagem automóvel».

2 – Resulta da matéria de facto dada como provada que, «por carta datada de 31 de Outubro de 2006, foi comunicado à A. o seu despedimento inserido no despedimento colectivo dos trabalhadores ao serviço da fábrica da R. na A..., em razão do encerramento daquela fábrica determinado pela cessação da consignação do fabrico pela R. do ... ... por decisão da fábrica de S... da BB, não havendo outros veículos que pudessem ser produzidos e montados naquela fábrica da A...» e que na comunicação de despedimento colectivo dirigida pela ré à autora pode ler-se, em sede de “Fundamentação”, o seguinte: «A impossibilidade prática de produzir e colocar no mercado viaturas automóveis, decorrente da perda de produção do ... ..., e inexistência de produto de substituição, determina uma radical redução da actividade corrente da empresa, a qual se reconduzirá e limitará a partir do final da mencionada produção, à importação e comercialização de viaturas automóveis”».

Do mesmo modo, nessa comunicação, em sede de critérios que serviram de base à selecção dos trabalhadores a despedir, referiu-se que «foram seleccionados para serem feitos cessar através do presente procedimento de despedimento colectivo todos os trabalhadores afectos ao funcionamento da fábrica da BB Portugal sita na A... considerando como tais, aqueles que na presente data prestem serviço – mediante contrato individual de trabalho por tempo indeterminado celebrado com a BB Portugal -, naquela fábrica ou em outras instalações da BB Portugal e cujas funções sejam directa ou fundamentalmente conexas com a produção de viaturas automóveis, bem como aqueles que, não estando directamente ligados à produção ou suas actividades instrumentais, acessórias ou complementares, vejam as suas funções total ou parcialmente esvaziadas ou tornadas desnecessárias em virtude do encerramento e tendo em vista as futuras actividades da empresa».

Estes critérios foram concretizados no caso da Autora do seguinte modo: «Exercendo V.ª Ex.ª. funções directa ou fundamentalmente conexas com a produção de viaturas automóveis na fábrica da A... da BB Portugal, Ldª e estando incluída em categoria profissional acima referida, está abrangida pelo presente despedimento colectivo…».

Em síntese, é invocado como fundamento do despedimento da Autora a cessação da produção de veículos automóveis na fábrica sita na A... e o facto de as funções da Autora estarem «directa ou fundamentalmente conexas com a produção de viaturas naquela fábrica».

3 - Resulta igualmente da matéria de facto que «A R. é uma empresa que tem por objecto a produção, montagem, distribuição e venda de veículos automóveis, distribuindo e vendendo veículos da marca ..., C..., B…, P..., S.. e C.., tendo até ao ano de 2006 mantido em funcionamento uma fábrica na A... onde produzia e montava o veículo automóvel, modelo ... ...», que  a sua «Sede que é actualmente na ..., Edifício ..., Piso .., em ...» e que «A ré passou a estar vocacionada, essencialmente, para a importação e comercialização em Portugal de veículos produzidos e montados no estrangeiro».

Da matéria de facto dada como provada resulta também que a Autora embora tenha sido admitida em 12 de Fevereiro de 1990, esteve ao abrigo de uma licença sem vencimento entre 1 de Agosto de 1994 e 31 de Dezembro de 2003, tendo regressado ao serviço em Janeiro de 2004.

Na sequência do seu regresso ao desempenho de funções sob autoridade e direcção da Ré em Janeiro de 2004, foram atribuídas à Autora funções no domínio da «legalização, importação e exportação – nos customs», funções que anteriormente eram desempenhadas por outra trabalhadora.

Mais resulta da matéria de facto dada como provada que «no âmbito da actividade desempenhada pela autora, de legalização, importação e exportação de veículos, lidava a A. com o tratamento de cerca de 28.000 veículos por ano, dos quais só cerca de 2.000 eram veículos ... ... produzidos na fábrica da A..., ou seja, cerca de 7%», e que «a ré continuou a importar veículos das marcas ... e S.. (resposta ao quesito 1.º)».

Segundo a matéria de facto dada como provada, as «funções efectivamente exercidas pela Autora foram as seguintes:

A) Controle aduaneiro em geral: a1) Do registo de veículos; a2) Do processamento das declarações estatísticas; a3) Procedimentos simplificados a4) Manter o controle e registar os custos relativos aos procedimentos de desalfandegamento, proporcionando assim uma base sólida sobre a qual se possa estabelecer ou eliminar futuros contratos com fornecedores; a5) Controle da regularidade das operações de trânsito no respeitante aos documentos emitidos e/ou destinados à alfândega portuguesa.

B) Supervisão da legalização de veículos: b1) Supervisionar o registo automóvel e o pagamento do imposto; b2) Assegurar que os erros ocasionais de documentação fossem devidamente corrigidos;

C) Assistência legal relativa às questões sobre a importação/exportação: c1) Estabelecer e manter contactos regulares com os funcionários da autoridades aduaneiras e governamentais;

c2) Pesquisar e recolher legislação aplicável e actualizar os arquivos legais; c3) Fazer solicitações legais a fim de garantir a concessão do adequado regime e estatuto aduaneiro;

D) Aprovação de facturas: d1) Auditoria da facturação do despachante aduaneiro, verificando se foram devidamente, oportunamente e adequadamente executados os serviços, recebidos e facturados, assegurando assim a conformidade legal e contratual e com os procedimentos de controlo interno.

E) Desenvolvimento da função: e1) Substituir gradualmente o know-how aduaneiro externo a fim de garantir a independência da ... e a resolução das dificuldades de controlo dos fornecedores;

F) Supervisão: f1) Supervisionar o cumprimento das regras internas da organização no respeitante ao serviço do despachante aduaneiro; f2) Fiscalizar e controlar o cumprimento pela organização e pelo despachante aduaneiro das normas legais pertinentes;

G) Custos: g1) Proporcionar o conhecimento interno que permita à organização negociar o preço dos serviços; g2) Identificar simplificações de processos no ambiente jurídico em mudança e reduzir os custos em conformidade (resposta ao quesito 4.º); ii) O controlo de custos esteve na base da criação das funções em causa, as quais não existiam se quer antes de 1996 (resposta ao quesito 5.º);  jj) E porque de importação e exportação falamos, importa ter ainda em conta que a partir de 1 de Maio de 2004, com a Europa a 25 e no seguimento da concretização progressiva do acordo de Shengen, a imposição e aplicação de políticas de liberalização aduaneiras impuseram uma nova realidade de circulação de bens e mercadorias (resposta ao quesito 6.º); ll) No âmbito dessa nova realidade, em concreto no quanto respeita à importação e exportação de veículos, os procedimentos de fiscalização e controle aduaneiro no âmbito do mercado interno – no seio da União Europeia – sofreram uma muito significativa diminuição (resposta ao quesito 7.º); mm) Cerca de 90% dos veículos vendidos pela ré em Portugal nos anos de 2006 e 2007 eram oriundos do espaço económico Europeu (resposta ao quesito 8.º);

nn) Relativamente aos veículos oriundos do espaço comum europeu as tarefas de admissão no território nacional (preenchimento de impressos), legalização (pagamento de imposto automóvel e de selo) eram realizadas pelo despachante, limitando-se a autora a intervir no controlo financeiro, em conjunto com departamento financeiro, para o que recebia do despachante um ficheiro mensal de “caução” (resposta ao quesitos 9.º); oo) As importações indirectas de países terceiros – inferiores a uma dezena de unidades em 2006 -, a importação de componentes para o fabrico do “... ...”, na A..., e a exportação de veículos “... ...” produzidos na A..., para fora do espaço europeu – v. g. Turquia requeriam que a autora exercesse um controlo estrito dos procedimentos aduaneiros levados a cabo pelo despachante, mormente por causa da classificação dos bens para efeito de pagamento de direitos aduaneiros, o que exigia da autora a angariação e aplicação de conhecimentos específicos sobre esta matéria (resposta ao quesito 10.º); pp) A supervisão da importação dos componentes e/ou matérias primas necessárias à montagem dos 2.000 veículos que saíam da fábrica da A..., de países terceiros ao espaço económico europeu, constituía parte significativa do trabalho realizado pela autora (resposta ao quesito 11.º).»

4 – Ponderadas as funções efectivamente desempenhadas pela Autora na sequência do seu regresso em Janeiro de 2004, de acordo com a matéria de facto dada como provada, o que se pode concluir é que elas têm uma relação reduzida com a actividade de produção de veículos automóveis que era levada a cabo pela Ré na sua fábrica de S....

Na verdade, à Autora, para além de outras actividades inerentes à exportação dos veículos produzidos e da importação de elementos necessários à produção dos mesmos, estavam atribuídas tarefas de natureza administrativa relacionadas com a importação de veículos automóveis de outros países para comercialização em Portugal, o que se prende com a área de negócios para a qual a Ré direccionou as suas actividades.

A cessação da actividade produtiva da fábrica de S..., que é invocada como fundamento do despedimento colectivo em que a Ré incluiu a Autora, só se reflectiu sobre as funções que estavam atribuídas à Autora, na percentagem correspondente ao número de veículos ali produzidos e que eram processados com intervenção daquela, quer na importação de componentes para a sua produção, quer na respectiva exportação.

De acordo com a matéria de facto provada, no âmbito da actividade de «legalização, importação e exportação de veículos» apenas 7% dos veículos envolvidos eram produzidos na fábrica em causa.

Não pode deste modo atribuir-se a extinção do posto de trabalho da Autora à cessação da actividade da fábrica em causa, podendo concluir-se que não existe relação de causalidade entre a cessação da actividade produtiva desta unidade e a extinção do posto de trabalho da Autora.

Com efeito, inseridas as funções desta na sua parte mais significativa na importação e comercialização subsequente de veículos produzidos noutros países, e assente que a Ré concentrou a sua actividade nesta área de negócio, onde já antes se encontrava, o encerramento daquela unidade produtiva não pode ser invocado como motivo legitimador do despedimento da Autora, porquanto as funções por esta prosseguidas se mantêm na actividade que a Ré continua a desempenhar.

Carece deste modo de fundamento a afirmação da Ré no sentido de «terem ficado total ou parcialmente esvaziadas, ou mesmo tornadas desnecessárias, em virtude da cessação daquela actividade» daquela unidade produtiva.

Nem se diga que a concretização na Autora dos critérios de escolha dos trabalhadores a despedir é matéria que se insere na gestão da empresa e que por tal motivo escapa à sindicância judicial dos motivos do despedimento.

Na verdade, o controlo dessa individualização é essencial, tal como acima se referiu, para que o Tribunal possa controlar as escolhas concretas e afastar a eventual arbitrariedade na selecção dos trabalhadores, única forma de compatibilizar o regime dos despedimentos colectivos com o direito à segurança no emprego, consagrado no artigo 53.º da Constituição da Republica.

Improcedem, deste modo, todas as conclusões do recurso de Revista da Ré, impondo-‑se nesta parte a confirmação da decisão recorrida.


VI

1 - Inconformada com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação na parte relativa à condenação da Ré no pagamento de juros de mora, veio a Autora recorrer igualmente daquela decisão, fazendo-o de forma subordinada, relativamente ao recurso de revista interposto pela Ré.

Tal como acima se referiu, na petição inicial a Autora pediu: «a) -A declaração de ilicitude do seu despedimento, promovido pela Ré; b) - A condenação desta a reintegrá-la no posto de trabalho, sem prejuízo da opção pela cessação do contrato de trabalho, correspondente indemnização nos termos previsto nos artigos 438.º e 439.º, do Código do Trabalho, incluindo férias, subsídio de férias e de Natal que se vencerem em razão dessa cessação, bem como as retribuições, lato sensu, vencidas desde Maio de 2007 e vincendas até decisão final; c) - A condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 18.970,04 referente a diferenças salariais, e retribuição do mês anterior ao da propositura da acção; e) - A condenação da Ré a pagar-lhe juros de mora à taxa legal de 4% desde a citação até integral pagamento».

Na decisão proferida na 1.ª instância o Tribunal decidiu: «(…) c1) Condenar a ré, a título de compensação, a entregar à autora o montante das retribuições vencidas, nestas se integrando a retribuição base, no montante mensal de mil, setecentos e noventa e quatro euros, setenta e oito cêntimos (€ 1.794,78), bem como todas as outras prestações regulares e periódicas que a autora recebia quando se encontrava em exercício das suas funções, tais como subsídio de alimentação, retribuições devidas pelo direito a férias, os subsídios de férias e de Natal, computadas desde trinta dias antes da data em que a autora propôs a apresente acção, e vincendas até ao trânsito em julgado da decisão final desta causa, com dedução das importâncias que a autora tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não tivesse ocorrido o despedimento; c 2) A esta compensação devem ser deduzidas e entregues pela ré à Segurança Social Portuguesa todas as quantias que por esta foram ou vierem a ser pagas à autora a título de subsídio de desemprego; c 3) O montante da compensação deverá ser liquidado em complemento desta sentença; d) Condenar a ré a pagar à autora uma indemnização no montante de trinta e cinco (35) dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, devendo computar-se para este efeito todo o tempo decorrido entre a data do despedimento e o trânsito em julgado da decisão judicial, a liquidar em complemento desta sentença».

A decisão proferida em 1.ª instância não tomou posição quanto à peticionada condenação da Ré no pagamento à Autora de juros de mora, contados «desde a citação até integral pagamento».

Tendo sido arguida aquela omissão da decisão no âmbito do recurso de apelação interposto pela Autora, o Tribunal da Relação conheceu da mesma, vindo a declarar nula a decisão proferida na 1.ª instância nessa parte e condenou a Ré «a pagar àquela [à autora] os referidos juros de mora quanto às obrigações pecuniárias referidas em c1), c2), c3) e d) da parte decisória, desde a liquidação a efectuar em complemento da referida sentença até integral pagamento».

Irresignada com esta decisão, da mesma vem agora a Autora recorrer de revista, subordinadamente, referindo que «decidiu erradamente o douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora ao considerar que os juros de mora só são devidos depois da liquidação dos montantes a que a ora Recorrida BB foi condenada a pagar à Recorrente uma vez que: a) Nenhuma prova logrou a ora Recorrida fazer quanto à Recorrente ter auferido remunerações após a cessação do contrato que não receberia se não fosse esta, pelo que a esse título nenhum montante pode ser deduzido; b) está demonstrado no processo que a ora Recorrente não auferiu subsídio de desemprego pelo que, também a esse título nenhum montante deverá se deduzido; c) o montante referido na al. d) da sentença está apenas dependente da data final do presente processo, cuja delonga se deve apenas à Recorrida BB» e que «a não condenação no pagamento de juros de mora prejudica gravemente a ora Recorrente dado que, protelando a Recorrida o pagamento dos montantes a que foi condenada, não terá qualquer acréscimo pelo decurso do tempo da própria acção até efectuado o integral pagamento e, assim, tendo até em conta a desvalorização do dinheiro, quanto mais tarde pagar, menor valor recebe esta como compensação pelo despedimento ilícito».

Está em causa no presente recurso saber desde quando são devidos os juros de mora à Autora, nomeadamente se os mesmos são devidos desde a liquidação, tal como se decidiu na decisão recorrida, ou se os mesmos são devidos desde a citação, nos termos que constavam da petição inicial apresentada pela Autora.

2 – A mora do devedor materializa-se num atraso àquele imputável no cumprimento da prestação e, de acordo com o disposto no artigo 804.º, n.º 1, do Código Civil, constitui-o na obrigação de indemnizar o credor.

Tratando-se de obrigações pecuniárias, como é o caso dos autos, a indemnização corresponde aos juros, a contar do dia da constituição em mora, por força do disposto no artigo 806.º, n.º 1, do mesmo diploma

De acordo como o disposto no n.º 1 do artigo 805.º do Código Civil, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir, ficando, porém, constituído em mora, independentemente de interpelação, nos termos do n.º 2 daquele artigo 805.º, se a obrigação tiver prazo certo, se a obrigação provier de facto ilícito, ou se o próprio devedor impedir a interpelação.

Mas se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor, e, tratando-se de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte do n.º 3 do citado artigo 805.º.

A regra in illiquidis non fit mora, acolhida na primeira parte do n.º 3 do artigo 805.º citado, justifica-se na «circunstância de não ser razoável exigir do devedor que ele cumpra, enquanto não souber qual o montante ou o objecto exacto da prestação que deve realizar»[4], e a única excepção é a da falta de liquidez poder ser imputada ao próprio devedor, isto é, se o devedor for o culpado da não liquidação da prestação.

Tal como refere ALBERTO DOS REIS[5], obrigação é ilíquida quando é incerto o seu quantitativo, e no dizer de ANTUNES VARELA, «diz-se ilíquida a obrigação cuja existência é certa, mas cujo montante não está ainda fixado (juros não contados; encontro de créditos e débitos que ainda se não fez (…)[6].

A segunda parte do n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil refere-se à responsabilidade por facto ilícito (extracontratual) ou pelo risco e não tem aplicação na situação em apreço, já que o facto ilícito imputado à ré tem natureza contratual.

3 – Na decisão recorrida fundamentou-se a definição do momento a partir do qual eram devidos os juros de mora, nos seguintes termos:

«Ora, no caso, como se verificou, a Ré foi condenada a pagar as retribuições vencidas e vincendas e uma indemnização de antiguidade calculada até ao trânsito em julgado da decisão final do processo, tudo a liquidar em complemento da sentença.

Tal significa que o valor do complemento e indemnização devida pelo despedimento só se torna líquido com a liquidação a efectuar em complemento da sentença.

Por isso, o montante da obrigação não é (ainda) líquido e a iliquidez não é imputável à Ré, uma vez que falta apurar, designadamente, o montante do subsídio de desemprego auferido pela Autora, bem como outras remunerações auferidas após a cessação do contrato e que não receberia se não fosse esta, sendo, pois, apenas devidos juros de mora a partir da liquidação.

Assim sendo, os juros de mora apenas serão devidos desde a liquidação da obrigação a efectuar em complemento da sentença até integral pagamento».

Tal como se referiu, na petição inicial a Autora pediu a condenação da Ré no pagamento de juros de mora desde a citação, relativamente a todos os quantitativos peticionados.

A Ré foi condenada pela decisão proferida em 1.ª instância, na parte que integra a alínea c.1 do dispositivo da sentença, a pagar à Autora a compensação prevista no artigo 437.º do Código do Trabalho de 2003, calculada nos termos previstos neste dipositivo e tendo por base as retribuições que a Autora deixou de auferir «desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão final».

A este montante haverá que fazer as deduções previstas nos n.º 2 e 3 do mesmo dispositivo, nomeadamente as «importâncias que o trabalhador tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento» e o montante do subsídio de desemprego, a entregar pelo empregador à Segurança Social.

O facto de os quantitativos a deduzir, aparentemente, não estarem apurados no momento em que foi proferida a decisão recorrida não pode justificar a não atribuição à Autora dos juros de mora pedidos desde a citação, relativamente às quantias vencidas até essa data, e a partir do respectivo vencimento, no que se refere aos que incidem sobre os quantitativos que integram aquela compensação que se vencerem depois daquela data.

Na verdade, a obrigação de pagar a retribuição, com todas as componentes que integram esta contraprestação, insere-se num contrato de trabalho que é um contrato de execução continuada e essas componentes têm prazos certos de pagamento, e, por força do disposto no n.º 4 do artigo 269.º do Código do Trabalho, o empregador fica constituído em mora, se o trabalhador, por facto que não lhe for imputável, não puder dispor do montante da retribuição na data do vencimento.

Deste modo, na data da citação, a Ré tem forma de conhecer e liquidar os quantitativos peticionados e já vencidos, conhecendo igualmente aqueles que se vencem depois daquela data, pelo que se encontra em mora desde o vencimento das componentes que integram a compensação.

Acresce que a Ré poderia ter conhecimento dos quantitativos auferidos pela Autora na sequência do despedimento, quantitativos que aquela não receberia se o mesmo não tivesse ocorrido, pelo que também por aí não pode invocar-se a falta de concretização desses quantitativos para se falar em iliquidez da prestação devida e, por essa via, desonerar-se a Ré da obrigação de pagamento de juros de mora.

De facto, a Ré tinha o direito de compensar esses quantitativos no valor da referida compensação e sobre ela recai o ónus de averiguar se o trabalhador auferiu os quantitativos compensáveis, nos termos daquela disposição legal, já que é interessado no desconto dos mesmos, no montante da compensação a entregar ao trabalhador.

Tal como refere PEDRO FURTADO MARTINS, «nos termos gerais (artigo 342.º, 2 do Código Civil), o ónus da prova da percepção pelo trabalhador de rendimentos susceptíveis de serem deduzidos no montante dos salários intercalares cabe ao empregador, dado que se trata de um facto modificativo do direito que a lei reconhece ao trabalhador»[7].

Estamos, assim, perante uma situação de iliquidez aparente que não pode ser invocada para obstar ao pagamento ao trabalhador da indemnização materializada nos referidos juros de mora pelo não cumprimento tempestivo dos montantes da compensação a que tem direito.

Na verdade, tal como se decidiu no acórdão desta secção de 18 de Janeiro de 2006, proferido na Revista n.º 2840/2005, citado no acórdão proferido na revista n.º 4557/06, de 18 de Abril de 2007, «a situação em apreço (…) configura[-se] como um caso de iliquidez aparente, em que o devedor sabe ou pode saber quanto deve, e não de iliquidez real, a contemplada na 1.ª parte do n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil. E não se diga que só no momento da decisão judicial ficou firmado (e a ré teve conhecimento) que as médias anuais de retribuição por trabalho suplementar e trabalho nocturno e dos restantes subsídios […] integravam a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal. Na verdade, o facto de só por decisão do tribunal a ré ter sido convencida desse facto não justifica o não pagamento de juros, na medida em que, nos termos do artigo 6.º do Código Civil, “a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento, nem isenta as pessoas das sanções nela cominadas”. […]. É evidente que a ré pode discordar deste entendimento e querer discutir a questão em tribunal, esperando que a sua posição prevaleça, mas este é um risco que terá de correr por sua conta e que de forma nenhuma poderá afectar os direitos os autor a ser indemnizado do prejuízo decorrente do não cumprimento pontual da obrigação.»

4 - Por outro lado, a Ré foi igualmente condenada, «a pagar à autora uma indemnização no montante de trinta e cinco (35) dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, devendo computar-se para este efeito todo o tempo decorrido entre a data do despedimento e o trânsito em julgado da decisão judicial, a liquidar em complemento desta sentença», nos termos da alínea d) do dispositivo da decisão proferida em 1.ª instância.

Está em causa a indemnização em substituição da reintegração, a que se refere o artigo 439.º do Código do Trabalho de 2003.

Tal como acima se referiu, essa indemnização é fixada pelo Tribunal entre um mínimo de 15 dias e um máximo de 45 dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo ou fracção de antiguidade.

Entre estes limites, o Tribunal fixa a indemnização num número de dias, tomando em consideração o valor da retribuição e diuturnidades auferidas pelo trabalhador e a ilicitude inerente à invocação de motivos de despedimento julgados não procedentes.

Apesar de o montante a prestar oscilar entre um limite mínimo e um máximo, em relação ao qual o empregador tem todos os elementos que lhe permitem a sua quantificação, não pode neste caso imputar-se o retardamento no cumprimento da obrigação à entidade empregadora.

Na verdade, só com a decisão se fixa efectivamente o número de dias de retribuição a tomar em consideração para definição do montante desta indemnização, não tendo neste caso o devedor elementos que lhe permitam liquidar a indemnização a pagar em substituição da reintegração.

A dívida materializada no montante dessa indemnização só se torna líquida com o trânsito em julgado da decisão que a fixa, pelo que não são devidos juros de mora sobre o montante em causa antes da data em que o mesmo ocorre.

Na verdade, essa indemnização é devida em substituição da reintegração, podendo o trabalhador optar por ela até à sentença do Tribunal, conforme decorre do n.º1 do artigo 438.º e Código do Trabalho, e no seu cômputo é tomado em consideração «todo o tempo decorrido desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão», conforme decorre do n.º 2 do artigo 439.º do mesmo código.

Tendo a Ré todos os elementos que lhe permitem a quantificação daquela indemnização que decorrem da «retribuição base do trabalhador e diuturnidades» e da antiguidade, a indemnização em causa torna-se líquida com o trânsito em julgado da decisão, vencendo juros de mora desde essa data.

Impõe-se, deste modo, a procedência do recurso subordinado interposto pela Autora e a alteração da decisão recorrida, no sentido de que os juros de mora referidos na alínea a) do ponto 3 daquela decisão são devidos: a) a partir da citação da Ré relativamente à compensação referida no ponto c1 do dispositivo da decisão proferida na 1.ª instância, no que se refere às componentes que a integram já vencidas nessa data e desde a data do respectivo vencimento relativamente às vencidas depois da citação; b) a partir do trânsito em julgado da decisão no que se refere à indemnização referida na alínea d) do dispositivo da decisão proferida na 1.ª instância.


VII


1 – Na resposta ao recurso interposto pela Ré, a fls. 1358, veio a Autora suscitar a questão da litigância de má fé por parte da recorrente, pedindo a condenação do representante daquela – DD como litigante de má fé, matéria a que dedica as conclusões 14.ª a 17 das alegações apresentadas, que são do seguinte teor:

«14. Ao dar instruções para que agisse de tal forma o representante da Recorrente faz um uso reprovável do processo essencialmente por dois motivos:

15. Por um lado, porque procura induzir em erro o Supremo Tribunal de Justiça sobre a matéria assente e sobre o motivo em concreto comunicado à Recorrida para justificar a sua inclusão no despedimento colectivo;

16. Por outro lado, porque procura, sem fundamento sério, protelar o trânsito em julgado da decisão que é tanto mais grave quanto a Recorrente e o seu representante, conhecem a situação de fragilidade económica da ora Recorrida, desempregada há vários anos e sem meios que lhe permitam custear a demanda.

17. Pelo exposto, deve o representante da ora Recorrente, DD, ser condenado como litigante de má fé no pagamento de uma multa de montante a definir pelo Supremo Tribunal e numa indemnização a pagar à ora Recorrida que a compense pelas despesas e prejuízos que esta má fé lhe está a acarretar e que se computa em 24.957,00 euros (vinte e quatro mil novecentos e cinquenta e sete euros) discriminados como se indica nos pontos 1) a 5) do pedido de condenação em litigância de má fé».

2 - Resulta do disposto no artigo 456.º, n.º 2, do Código de Processo Civil que «diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não deveria ignorar» e «tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, como fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão».

A condenação como litigante de má fé tem como pressuposto uma intervenção processual do litigante materializada na dedução de «pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não deveria ignorar», ou em fazer «do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, como fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão».

A requerente pretende a condenação como litigante de má fé do representante da Ré que é uma pessoa colectiva, a quem imputa a prática dos factos que entende como integrativos do aludido comportamento processual.

Resulta do disposto no artigo 458.º do Código de Processo Civil que, «[q]uando a parte for um incapaz, uma pessoa colectiva ou uma sociedade, a responsabilidade das custas, da multa e da indemnização recai sobre o seu representante que esteja de má fé na causa».

Ora, examinando a actuação processual da Ré/recorrente nos segmentos em causa, não se vislumbra que aquela, com dolo ou negligência grave, tenha deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, ou tenha feito do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão, tendo-se limitado, isso sim, a expor o seu entendimento jurídico.

Assim sendo, carece de fundamento legal a pretendida condenação.


VIII


Termos em que se acorda em negar a revista interposta pela Ré, confirmando a decisão recorrida na parte que era objecto da mesma.

Mais se acorda em conceder a revista subordinada, alterando-se a decisão recorrida, na parte relativa à alínea a) do ponto n.º 3 do dispositivo, condenando-se a Ré a pagar à Autora juros de mora, sobre a compensação e a indemnização a que se referem os pontos c1) e d) do dispositivo da decisão proferida na 1.ª instância, até integral pagamento, sendo os mesmos devidos: a) a partir da citação da Ré, relativamente à compensação referida no ponto c1, no que se refere às componentes que integram aquela compensação já vencidas nessa data, e relativamente às componentes vencidas depois da citação, desde a data do respectivo vencimento; b) a partir do trânsito em julgado da decisão, no que se refere à indemnização referida na alínea d) do dispositivo da decisão proferida na 1.ª instância.

Acorda-se ainda em julgar improcedente e não provada a requerida condenação do representante da Ré como litigante de má fé, em multa e em indemnização da favor da Autora.

As custas da revista principal e subordinada ficarão a cargo da Ré.

A Autora suportará as custas do incidente a que deu causa, fixando-se a taxa de justiça no mínimo.

Lisboa, 21 de Março de 2013

António Leones Dantas (Relator)

Maria Clara Sottomayor

Pinto Hespanhol

____________________
[1] Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3.ª edição, 2010, Almedina, pp. 969 e 970.
[2] O Despedimento Colectivo no Dimensionamento da Empresa, Verbo, 2000, p. 523.
[3] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[4] PIRES de LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume II, Coimbra Editora, 4.ª Edição, 1987, pp. 64 e 65
[5] Processo de Execução, vol. I, p. 446.
[6] Das Obrigações em Geral, vol. 2, 2.ª edição, 1974, pp. 110.
[7] Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, Princípia, 2012, p. 447.