Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
274/10.9JAPRT.P1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: MAIA COSTA
Descritores: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
PENA DE PRISÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
FINS DAS PENAS
CULPA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
ILICITUDE
DOLO
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
ANTECEDENTES CRIMINAIS
Data do Acordão: 06/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO O RECURSO
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA - CRIMES CONTRA AS PESSOAS - CRIMES CONTRA A AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, N.º2, 50.º, N.º1, 71.º, 171.º, N.º2.
Sumário :

I - A arguida X foi condenada na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171.º, n.º 2, do CP.
II - Nos termos do art. 71.º do CP, a pena é determinada em função da culpa e das exigências de prevenção. A pena tem como finalidade primordial a prevenção geral (protecção dos bens jurídicos), entendida como prevenção positiva, ou seja, entendida como a afirmação da validade das normas perante a comunidade, sendo nessa moldura que devem ser valoradas as exigências da prevenção especial e intervindo a culpa apenas como limite máximo da pena.
III - Os factos praticados pela arguida apresentam uma ilicitude intensa, já que a execução do crime foi precedida de um procedimento ardiloso, insistente, despudorado e lesivo de um saudável desenvolvimento do amadurecimento sexual da ofendida. À ilicitude elevada corresponde um dolo intensíssimo, demonstrado na forma como preparou a execução dos factos e soube contornar a resistência inicial da ofendida.
IV - O valor do bem jurídico em causa, a autodeterminação sexual, é elevado e foi grosseiramente violado pela arguida. São muito fortes as exigências da prevenção geral neste tipo de criminalidade, extremamente reprovada pela comunidade e pelo legislador. A prevenção especial não se mostra muito exigente, face à ausência de antecedentes criminais da arguida.
V - A moldura penal é de 3 a 10 anos de prisão, pelo que, numa análise global das circunstâncias do crime, na sua relação com os fins das penas, considera-se a pena aplicada adequada, porque satisfaz os interesses da prevenção, não excedendo os limites da culpa.
Decisão Texto Integral:

                Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

                I. Relatório

            AA, com os sinais dos autos, foi condenada na Secção Criminal da Instância Central de Vila do Conde, da comarca do Porto, por acórdão de 22.12.2014, como coautora material de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171°, n° 2, do Código Penal (CP), na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

            Dessa decisão recorreu a arguida para este Supremo Tribunal, concluindo:

1º Elementos relevantes como as condições pessoais da arguida, a sua situação económica, os motivos que a levaram cometer tal crime, a sua conduta anterior aos factos e a sua condição de vida atual, bem como o grau da ilicitude dos factos, o modo de execução e gravidade das suas consequências, como impõe o artigo 71º do Código Penal, deveriam, salvo melhor opinião, ter sido ponderados, de outro "modo", de modo mais "proporcional", mais ajustado na escolha da medida da pena a ser aplicada à recorrente;

2º De realçar que a recorrente apesar de ter uma saúde bastante débil e estar reformada por invalidez desde 2001, após trombose pulmonar, está familiar e socialmente integrada e mantém acompanhamento psiquiátrico e psicológico regular, efetuando tratamento psicofarmacológico, beneficiando da proximidade e apoio da família e companheiro com quem mantém vínculos afetivos positivos;

3º Ademais, convive com a família, nomeadamente com o filho de 15 anos, que não obstante residir com o progenitor, mantém com a progenitora uma relação próxima e vinculação afetiva positiva;

4º E ocupa a recorrente o seu quotidiano no apoio aos progenitores, nomeadamente ao pai, que padece de problemas de saúde graves, necessitando por tal, de acompanhamento;

5º A recorrente não tem antecedentes criminais, interessando, sobretudo, verificar se se está perante uma certa tendência, que no limite se identificará com uma carreira criminosa (o que no caso em concreto não se vislumbra), ou se, se está perante uma mera ocasionalidade, radicando, pois, este princípio, na personalidade da arguida. (sublinhado nosso)

6º A pena imposta à ora recorrente peca por excessiva e deve ser reduzida para as medidas que se aproximam dos respectivos limites mínimos no crime aqui em apreço. (sublinhado nosso)

E, salvo melhor opinião,

7º Para o efeito, tal pena de prisão, atendendo o sentido pedagógico e ressocializador que a mesma impera, deverá ser suspensa na sua execução;

8º Foi assim, salvo melhor opinião em contrário, ferido, na determinação da medida concreta da pena - por excessiva, a aplicação do artigo 71º do Código Penal.

 

            Respondeu a sra. Procuradora da República, dizendo:

Vem o presente recurso interposto pela arguida AA do douto acórdão proferido nos autos à margem identificados e que a condenou, como co-autora de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171.°, n. ° 2, do Cód. Penal, na pena de cinco anos e seis meses de prisão.

Insurge-se a recorrente contra esta condenação, por entender que, face à factualidade dada como provada em julgamento e ao direito aplicável, a pena aplicada pelo Tribunal "a quo" revelou-se pouco criteriosa, desequilibradamente doseada, pecando por excessiva,

Alega ainda que a pena devia ser reduzida e aproximar-se do limite mínimo e suspensa na sua execução.

Não é este o nosso entendimento.

Como bem refere a recorrente, o Tribunal "a quo" no tocante à prova dos factos que deu como assentes fundamentou-se na apreciação dos factos com base num conjunto de prova produzida e respectiva apreciação crítica, á luz das regras da experiência e da normalidade da vida.

E, no que à prova de cariz documental e pericial diz respeito, tomou em consideração os juntos aos autos, designadamente, os de fls. 42 a 44 e 85 a 91 - relatórios de perícia de natureza sexual e de Psicologia Forense -, sendo a valoração destes meios de prova efectuada em conjugação com os demais meios de prova, incluindo as declarações da ofendida.

Foi assim que o Tribunal "a quo" deu como provada a matéria de facto que nos abstemos de aqui repetir.

E, nas motivações da decisão de facto, justificou devidamente a matéria de facto que deu como provada.

Por isso, a conduta da recorrente integra os elementos objectivos do tipo de crime pelo qual foi condenada.

Nos termos do art.º 40.°, n.º 1 do Cód. Penal, as finalidades das penas são a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa (n.º 2 do mesmo artº 40.°).

Por sua vez a determinação da medida concreta da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (art.º 71.°, n.º 1 do Cód Penal).

E o n. ° 2 do art.° 71.° do Cód. Penal enumera alguns dos factores mais relevantes de carácter geral, atendíveis para a graduação das penas.

A suspensão da execução da pena de prisão tem lugar, atento o disposto no art.º 50.°, n.º 1 do Cód. Penal, se a simples censura do facto e a ameaça daquela pena forem bastantes para afastar o arguido da criminalidade, satisfazendo simultaneamente as necessidades de reprovação e prevenção do crime.

No acórdão recorrido são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena quanto à personalidade do agente e à conduta do agente anterior e posterior aos factos.

A pena está devidamente graduada, é equilibrada e justa, não havendo razões para ser reduzida e suspensa.

Face à matéria de facto dada como provada a qual se encontra devidamente fundamentada e justificada a prova que lhe serviu de suporte, bem como a exposição de facto e de direito que fundamentam a decisão, entendemos que o Tribunal não podia deixar de condenar o recorrente, como condenou.

           

            Neste Supremo Tribunal, a sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer:

            1. AA foi julgada pelo Tribunal de Vila do Conde – Inst. Central – 2ª Secção Criminal - J2, da Comarca do Porto que, por Acórdão de 22.12.2014, a condenou, pela prática, em co-autoria material, de um crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 171º, nº 2, do C.Penal, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

                2. Inconformada, recorreu per saltum para este STJ, discutindo, exclusivamente, questão de direito, centrada na medida da pena de prisão aplicada, 5 anos e 6 meses.

                2.1. O recurso foi interposto em tempo e com legitimidade (fls. 435 e segs.).

Admitido com o efeito e modo de subida devidos (fls. 446).

A resposta do MP é tempestiva e nela se pugna pela manutenção do julgado (fls. 448 e 454 e segs.).

3. O recurso da arguida não merece provimento.

Dando aqui por inteiramente reproduzida a resposta do MP no tribunal a quo, permito-me apenas realçar o seguinte:

A ofendida, criança de 13 anos, é sobrinha da arguida, não obstante, esta incentivou e coagiu a sua familiar, à sua guarda e responsabilidade naquele fim-de-semana, não só a manter relações sexuais com o filho do namorado, como provocou, proporcionou e determinou a promiscuidade de alguns daqueles actos serem mantidos à sua frente e do seu namorado, o que ocorreu, ao mesmo tempo que estes mantinham também relações sexuais à frente daqueles, na mesma cama. Não satisfeita, teve a ousadia de “sugerir” e pedir à sobrinha que mantivesse relações sexuais também com o seu namorado!

A ilicitude é elevadíssima, o dolo directo e a culpa intensíssima!

A sua doença, a sua pobreza, a sua reforma por invalidez, não relevam perante tanta degradação moral e desvalor jurídico, cívico e familiar, reveladora de um desinteresse pelos bens jurídicos protegidos, que nem a sobrinha menor poupa à devassidão da sua personalidade avessa ao direito, à relação de sangue que a une à menor e ao dever que qualquer Ser interioriza de protecção das suas crias, de familiares ou menores, em geral.

Se é indiscutível que a aplicação da pena, tendo como finalidade a prevenção geral e especial, não pode prescindir da “dignitas humana” da arguida, certo é também que não pode descurar, na aplicação da pena concreta, balizada pela culpa do agente, a dignidade da criança vítima de abusos.

              Como se escreveu no Ac. do STJ, de 26.09.2013, proc. nº 641/11.0JDLSB.L1.S1, os factores a considerar na medida da pena, previsto nos arts. 40º e 71º, ambos do CP, “(…) devem desde logo ser relevantes do ponto de vista da culpa e da prevenção, têm de ser avaliados em função do seu peso especifico e da sua recíproca influência na quantificação da pena. Esta há-de ser o resultado de todos esses factores numa avaliação complexa, tendo em vista, sempre, as necessidades de prevenção e a medida da culpa”.

Ora, de entre os factores a que a lei manda atender, destacam-se os factores relativos à execução do facto e que dizem respeito quer ao tipo de ilícito (o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente), quer ao tipo de culpa (a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram); os factores relativos à personalidade do agente (as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a sensibilidade à pena e a susceptibilidade de ser por ela influenciado); finalmente, os factores relativos à conduta do agente que se tenham manifestado anterior e posteriormente ao facto.

O recurso foi interposto da Relação para o STJ, funcionando este com a sua vocação essencial de tribunal de revista, pois a revisão da pena aplicada traduz-se na aplicação de matéria de direito. Os poderes cognitivos do STJ, como se sabe, abrangem, no tocante a esta matéria, entre outras, a avaliação dos factores que devam considerar-se relevantes para a determinação da pena: a questão do limite ou da moldura da culpa, a actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e também o quantum da pena, ao menos quando se mostrarem violadas regras da experiencia ou quando a quantificação operada se revelar de todo desproporcionada (Cf. FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 197).

 Assim que, tendo como delimitação axiológica-normativa a culpa da arguida, a fixação da pena prosseguirá os fins da prevenção geral e especial que exigem fixação de pena entendível e aceite pela comunidade como a necessária à tutela do direito e adequada à confiança na aplicação da justiça, bem ainda ao alcance dos objectivos pedagógicos e ressocializadores.

   Como exemplarmente refere o Ac. do STJ, de 28.11.2013, proc. nº 99/12.7JALRA.L1.S1, “Devendo proporcionar ao condenado a possibilidade de optar por comportamentos alternativos ao criminal, a pena tem de responder, sempre, positivamente, às exigências de prevenção geral positiva, de integração: protecção dos bens jurídicos (…)” ou, como se afirma no Ac. do STJ, de 24.11.1993, proc. nº 45742, “a pena deve resultar da retribuição justa do mal praticado, da satisfação do sentimento de justiça, de servir de elemento dissuasor relativamente aos elementos da comunidade e de contribuição para a reinserção social do agente, embora por forma a não prejudicar a sua situação senão aquilo que é necessário”.

  Tendo presente esta Jurisprudência, a gravidade do comportamento factual da arguida, o dolo directo com que actuou, a culpa intensa, o grau de parentesco entre ela e a vítima, o não motivo da sua actuação, as circunstâncias e modo como foi levado à prática o crime de abuso de menor, em co-autoria com o seu namorado e filho deste, a pena de prisão de 5 anos e 6 meses aplicada mostra-se justa, adequada, proporcional e sem excessos.

4. Pelo exposto, emite-se Parecer no sentido do não provimento do recurso da arguida, devendo manter-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.

                Cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, a arguida nada disse.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

            II. Fundamentação

            A única questão colocada pela recorrente é a da medida da pena, que ela entende que deve ser reduzida para próximo do limite mínimo e suspensa na sua execução.

            É a seguinte a matéria de facto fixada:

1. BB, nascida a ...1996, é sobrinha da arguida AA.

2. Dadas as relações de parentesco e a proximidade existente entre a BB e a arguida AA, era frequente a menor passar os fins-de-semana em casa da segunda.

3. No dia 28 de Janeiro de 2010, a arguida telefonou à BB convidando-a a passar o fim-de-semana em sua casa, sita na Rua ..., alegando que o seu filho CC, que residia com o progenitor, também iria passar o fim-de-semana em sua casa.

4. No final da tarde de sexta-feira, dia 29 de Janeiro de 2010, a BB foi ter a casa da arguida e foi tomar um banho.

5. Antes de jantar, a arguida informou a BB que o seu primo CC não passaria o fim-de-semana com elas e que iriam jantar em sua casa com o DD, seu namorado, e com o filho deste, de nome DD.

6. Findo o jantar, a arguida tentou convencer a menor BB a ter relações sexuais com o filho do seu namorado, insistindo com ela nesse sentido ao longo da noite, dizendo-lhe que a "devia ajudar", que era importante para ela que colaborasse e permitisse que aquele indivíduo consigo tivesse relações sexuais.

7. A menor BB inicialmente recusou tais propostas.

8. Após, a arguida e os referidos indivíduos levaram a menor BB a um bar sito no Centro Comercial Brasília, no Porto.

9. Quando regressaram a casa, a arguida e o namorado ausentaram-se de casa durante algum tempo, ficando a menor BB sozinha com o filho do namorado da tia, altura em que este começou a beijar, acariciar e apalpar a menor em várias partes do corpo, nomeadamente nos seios e nas pernas.

10. Após, quando a tia e o namorado retornaram a casa, foram todos para o quarto da arguida, onde esta e o seu namorado, bem como a menor e o filho daquele, se despiram e deitaram todos na mesma cama.

11. Nessa sequência, a arguida e o namorado mantiveram relações sexuais de cópula, ao mesmo tempo que a menor e o filho daquele também mantiveram relações da mesma natureza.

12. Assim, o filho do namorado da arguida introduziu o seu pénis erecto na vagina da menor BB.

13. Após, a menor BB fez sexo oral ao filho do namorado, introduzindo na sua boca o pénis daquele, na presença da arguida e do respectivo namorado.

14. O namorado da arguida perguntou novamente à menor BB se no dia seguinte estaria disposta a ter relações sexuais consigo.

15. A menor BB pernoitou em casa da arguida.

16. Na manhã seguinte, sábado, a arguida saiu de casa e a menor ali permaneceu.

17. No final dessa manhã de sábado, quando a arguida regressou a casa perguntou novamente à menor BB se estava na disposição de manter relações sexuais com DD, namorado da arguida.

18. A menor recusou novamente a proposta de manter relações sexuais com o referido individuo, abandonando nessa altura a casa da tia.

19. A arguida tinha conhecimento que a BB, à data da prática dos factos, tinha apenas 13 anos de idade.

20. A arguida agiu em conjugação de esforços com os referenciados indivíduos.

21. A arguida quis valer-se da sua relação de parentesco com menor BB sabendo que, ao actuar da forma descrita, convencia a menor a praticar com o referenciado indivíduo, DD-filho, atos sexuais de relevo, de cópula e coito oral, sabendo ainda que assim atentava contra a liberdade de autodeterminação sexual da menor.

22. A arguida agiu sempre de modo livre, deliberado e conscientemente bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

23. A arguida não tem antecedentes criminais - cfr. CRC de fls. 364.

Da contestação:

24. A menor encontra-se, actualmente, a viver com os avós, pais da aqui arguida.

25. Após os factos, a menor passou um período de férias em casa da aqui arguida, a pedido dos seus avós, pais da arguida.

Relativos às condições pessoais da arguida:

26. AA é a segunda de três descendentes de um casal de modesta condição socioeconómica. O progenitor era pintor de automóveis na Camara Municipal do ... e a progenitora empregada de limpeza.

 27. Cresceu num ambiente familiar positivo e coeso, e beneficiou de uma educação estruturada, com regras e valores adequados ao socialmente vigente.

28. Integrou a escolaridade em idade normal, frequentando o ensino até ao 5° ano que concluiu sem retenções e com aproveitamento médio. Não prosseguiu os estudos por sua vontade em integrar o mercado de trabalho, de forma a autonomizar-se financeiramente e auxiliar a economia do agregado.

29. Aos 12 anos de idade teve a sua primeira experiência profissional como operária fabril em fábrica de produção de capacetes, onde laborou 6 meses. Integrou-se em fábrica de produção de panelas, vindo a sair por motivos de saúde causados pelos químicos necessários à laboração, cerca de um ano após.

30. Trabalhou dois anos como operária em fábrica de produção de carteiras, vindo a ficar desempregada na sequência do encerramento daquela unidade. Integrou o Hotel D. Henrique como camareira, funções que exerceu cerca de 6 anos.

31. Em 2001, após trombose pulmonar foi reformada por invalidez, nesta altura iniciou também acompanhamento psiquiátrico.

32. Fez tentativas de suicídio e esteve internada, pelo período de um mês, no Hospital Magalhães Lemos, em data não determinada.

33. Contraiu matrimónio com EE, aos 16 anos de idade, com quem manteve relacionamento até há cerca de 4 anos, tendo do mesmo um descendente, CC, presentemente com 15 anos de idade.

34. À data dos factos supra descritos, a arguida residia sozinha em apartamento arrendado, sito em S. Mamede de Infesta. Encontrava-se separada há alguns meses, subsistia da sua reforma e dos rendimentos auferidos enquanto empregada de balcão em café.

35. Apresentava uma situação financeira frágil, beneficiando de apoio por parte dos progenitores.

36. Neste período, durante cerca de 2/3 meses manteve relacionamento afetivo com um indivíduo, alegadamente funcionário dos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras.

37. Presentemente e desde há cerca de 3 anos, reside com o companheiro, FF, trabalhador da construção, em apartamento propriedade deste, tipologia 2, com condições de habitabilidade.

38. O casal subsiste dos rendimentos de trabalho do companheiro, cerca de € 500/mês, e da pensão de invalidez da arguida, 274,79, recorrendo, por vezes, ao apoio de familiares seus e do companheiro.

39. No que refere à saúde, a arguida apresenta patologias ao nível dos rins, coração, pulmões, diabetes tipo II e apresenta ainda sintomas de depressão e ansiedade, sendo acompanhada em consultas regulares de psiquiatria e psicologia, no Hospital de S. João, desde 2001, efetuando tratamento psicofarmacológico.

40. Ocupa o seu quotidiano no apoio aos progenitores, nomeadamente o pai, que padece de problemas de saúde graves, necessitando por tal de acompanhamento.

41. Convive ainda com a família, nomeadamente com o filho, que não obstante residir com o progenitor, mantém com a progenitora uma relação próxima e vinculação afetiva positiva.

42. Presentemente ainda que revele alguma fragilidade económica, revela-se familiar e socialmente integrada, e mantém acompanhamento psiquiátrico e psicológico regular, beneficiando da proximidade e apoio da família e companheiro, com quem mantém vínculos afetivos positivos.

            Analisemos então a matéria do recurso, que se prende, como vimos, exclusivamente com a medida da pena e (eventualmente) com a sua suspensão.

Nenhuma dúvida pode aliás suscitar a integração dos factos no art. 171º, nº 2, do CP, já que os atos sexuais de relevo praticados na pessoa da ofendida, de 13 anos de idade à data dos factos, consistiram em cópula e coito oral.

Nos termos do art. 71º, nº 1, do CP, a pena é determinada em função da culpa e das exigências da prevenção.

O relacionamento entre culpa e prevenção vem exposto no art. 40º do CP, relativo aos fins das penas, que dispõe que a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo porém a pena ultrapassar a medida da culpa (nº 2 do art. 40º do CP).

A culpa não é, pois, fundamento da medida da pena, mas somente o seu limite. A pena tem como finalidade primordial a prevenção geral (proteção dos bens jurídicos), entendida como prevenção positiva, ou seja, a afirmação da validade das normas perante a comunidade; é nessa moldura que devem ser valoradas as exigências da prevenção especial, intervindo a culpa apenas como limite máximo da pena, como travão inultrapassável às exigências preventivas.

É neste quadro que, para determinação da medida concreta da pena, há que atender, de acordo com o nº 2 do citado art. 71º, às circunstâncias do crime, nomeadamente: à ilicitude, modo de execução dos factos, gravidade das consequências, e grau de violação dos deveres impostos ao agente – al. a); à intensidade do dolo – al. b); aos sentimentos manifestados pelo agente e aos motivos do crime – al. c); às condições pessoais do agente e sua situação económica; al. d); à conduta anterior e posterior ao crime – al. e); e à personalidade do agente - al. f). 

            Da análise da matéria de facto, resulta de imediato a intensidade da ilicitude dos factos.

            Na verdade, a execução do crime foi precedida de um “convite” da arguida à ofendida, sua sobrinha, para a atrair a sua casa para aí passar um fim de semana, convencendo-a de que nesse fim de semana também iria estar presente o seu filho, primo da ofendida, com idade aproximada.

            Tratava-se afinal de uma “armadilha”, pois o dito primo não se encontrava em casa da arguida. Quem aí se encontrava, para surpresa da ofendida, era o companheiro da arguida e o filho do mesmo.

            E rapidamente a arguida desvendou as suas intenções, pois logo tentou convencer a ofendida a ter relações sexuais com o filho do seu namorado, insistindo com ela para que acedesse a essa proposta.

            Perante a recusa da ofendida, a arguida criou de imediato as condições para que tal projeto se viesse a concretizar, primeiro deixando a ofendida sozinha em casa com o filho do namorado, altura que este aproveitou para iniciar a excitação física da ofendida, depois, quando voltou para casa com o namorado, juntando os quatro na mesma cama, onde todos se despiram e a arguida manteve relações sexuais com o namorado, sendo nesse “ambiente” de promiscuidade, fortemente perturbador para uma menor de 13 anos, que a ofendida acabou por aceder a ter relações sexuais (cópula e coito oral) com o filho do namorado da arguida.

            Este procedimento, ardiloso inicialmente, insistente e despudorado depois, certamente lesivo de um saudável desenvolvimento do amadurecimento sexual da ofendida, revela uma ilicitude muito acentuada.

A isso acresce um elevado grau de violação dos deveres que lhe eram impostos por parte da arguida, sendo a menor sua sobrinha e estando assim, de alguma forma, confiada à sua guarda e responsabilidade naquela ocasião, sobretudo pelo facto de ser menor.

            À ilicitude elevada corresponde um dolo intensíssimo, demonstrado na forma como preparou a execução dos factos e soube contornar a resistência inicial da ofendida, e “convencê-la” a ceder. Numa atitude altamente censurável, expôs a sobrinha a uma situação degradante, objeto do prazer sexual de outrem, sem atender à menoridade da ofendida e aos seus interesses enquanto jovem incapaz, pela sua idade, de se autodeterminar sexualmente.

            Por outro lado, importa salientar o elevado valor do bem jurídico em causa, a autodeterminação sexual, grosseiramente violado pela arguida.

            São muito fortes as exigências da prevenção geral neste tipo de criminalidade, extremamente reprovada pela comunidade e pelo legislador.

Já a prevenção especial não se mostra muito exigente, face à ausência de antecedentes criminais da arguida.

            A moldura penal é de 3 a 10 anos de prisão.

            Numa análise global das circunstâncias do crime, na sua relação com os fins das penas, considera-se que a pena aplicada se mostra adequada, porque satisfaz os interesses da prevenção, não excedendo os limites da culpa.

            Prejudicada fica a questão da suspensão da pena, por ser a pena aplicada superior a 5 anos de prisão (art. 50º, nº 1, do CP).

            Improcede, pois, o recurso.

            III. Decisão

            Com base no exposto, nega-se provimento ao recurso.

            Vai a arguida condenada em 5 UC de taxa de justiça.

                                           Lisboa, 24 de junho de 2015