Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ERNESTO VAZ PEREIRA | ||
Descritores: | RECURSO PER SALTUM TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES PENA DE PRISÃO CONFISSÃO MEDIDA CONCRETA DA PENA PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL | ||
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Data do Acordão: | 03/01/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGAO PROVIMENTO | ||
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Sumário : | I. Estamos perante atividade de tráfico antecipadamente bem pensada, planeada, elaborada e programada, com recurso a vários colaboradores, cada um com o seu papel previamente determinado para despistar a autoridade, evitando o arguido ser ele próprio a aparecer, num desenho de ações já com alguma sofisticação. Assumindo o arguido o total domínio do facere, do quando e do como. II. Atividade tanto mais grave quanto se consubstanciava na exploração da necessidade de um terceiro, a co-arguida, utilizando-a como correio transportadora. III. E concretizada na realização de três viagens, do continente para os ..., em 14/11/2021, 16/01/2022, 23/01/2022, a que só a deteção policial da terceira pôs cobro. IV. Nesta, a ser apreendida a quantidade de 12,4 quilos de haxixe, com expansibilidade para 65 096 doses. V. Com o que, além do mais provado, a pena de sete anos se mostra necessária, adequada e na justa medida, sem que ultrapasse a culpa. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes da 3ª secção Criminal: I - RELATÓRIO I.1. No Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Cível e Criminal ... - Juiz ..., por acórdão de 28/10/2022, o arguido AA pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, al. a), do DL 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-C, anexa àquele diploma legal, foi condenado, além do mais, na pena de 7 (sete) anos de prisão. Irresignado com a condenação em pena de prisão naquele quantum concreto do acórdão condenatório de 28/10/2022 vem interpor o presente recurso. I.2. Em final de alegações vieram as seguintes conclusões: “1 – O Recorrente foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, pp. pelo art. 21.º do DL n.º 15/93, com referência à tabela II-C anexa ao mesmo diploma, na pena de sete anos de prisão. 2 – Ressalvado o respeito devido, não nos parece que assim devesse ter sido. Vejamos. 3 – Ao crime de tráfico de estupefacientes corresponde a moldura penal abstrata de quatro a doze anos de prisão. 4 – O recorrente tem 44 anos de idade, 5 – Confessou os factos que lhe vinham imputados, o que sempre revelará ter interiorizado o desvalor da sua conduta, e demonstrou arrependimento. 6 –Encontra-se familiar e socialmente inserido, beneficiando do apoio da companheira e dos filhos. 7 – O antecedente criminal que possui remonta a facto ocorrido no ano de 2015, 8 – E o produto estupefaciente apreendido é aquele que menor perigosidade possui (haxixe). 9 – Deste modo, ao Recorrente deveria ter sido aplicada pena nunca superior a cinco anos e seis meses de prisão. 10 – Assim não o tendo entendido a sentença recorrida violou, entre outros, o disposto nos arts. 40.º, 70.º, 71.º, todos do C.P., e art. 21.º do D.L. n.º 15/93, de 22 de janeiro. Termos em que deve o acórdão recorrido ser substituído por outro condene o Recorrente em pena nunca superior a cinco anos e seis meses de prisão por ser de Direito e de JUSTIÇA!”
I.3. Respondeu o Mº Pº, rematando as alegações com as seguintes conclusões: “1. A prova feita em Tribunal foi devidamente ponderada pelo Tribunal recorrido, que aplicou corretamente ao caso a lei aplicável, e encontrou o sancionamento devido, termos em que nenhuma censura merece o douto acórdão. 2. Ora, é facto conhecido, e com justificação plenamente razoável, que, no âmbito do tráfico de estupefacientes e, para mais, na elevada quantidade demonstrada e com o correspondente elevado valor comercial (considerado o valor médio por que é usualmente vendido na Ilha ...), não é admissível, para quem domina tal prática, que o chamado "correio de droga"- que é patentemente o caso do arguido AA (que, a troco de dinheiro) -, entregou à coarguida BB produto estupefaciente , que esta transportou e seja recebida, com o estupefaciente, ao chegar ao aeroporto, por alguém que não seja da absoluta confiança, pois se assim não fosse quem pretenderia ter tal domínio não conseguiria controlar o destino do estupefaciente por esta transportado, após chegar ao aeroporto, e arriscar-se-ia a sua perda, por qualquer motivo. 3. E por esse motivo se entende que o recorrente revelou fraco juízo crítico, sendo que apenas a debilidade deste juízo explica a invocação, para mais nos termos acríticos em que foi feita, da realização de um favor como motivo para a sua adesão ao tráfico, verificando-se ainda, como acima referido, que o recorrente, tendo decidido prestar declarações, apenas admitiu o que se lhe afigurou inegável, tendo negado tudo o mais. 4. Dai entendermos que ao contrário do que alega o recorrente, no caso “sub judice” deve atender-se, em especial, as seguintes circunstâncias para encontrar a pena concreta dentro da moldura penal: o elevado grau de desvalor objetivo e ético-subjetivo demonstrados, sendo o dolo intenso, a natureza e quantidade do estupefaciente apreendido, os propósitos da arguida, nomeadamente, a obtenção de vantagens patrimoniais à custa da saúde de terceiros e a inexistência de passado criminal do recorrente. E principalmente os seus antecedentes criminais pelo mesmo tipo de crime. 5. No acórdão recorrido a situação concreta foi analisada, de forma adequada, tendo referido que o arguido desenvolveu a papel no transporte do produto estupefaciente entre o continente português e a Ilha .... 6. Portanto, a determinação da pena concreta foi feita dentro destes limites legais. A pena concreta não ultrapassou a medida da culpa, e atendeu às exigências da prevenção geral e especial. 7. Este tipo de crime causa gravíssimos problemas de saúde pública e sociais em geral. Estamos perante um facto típico que tutela o bem jurídico – saúde pública, cujo grau de ilicitude se situa num grau elevado (basta considerar a destruição de famílias devido ao consumo de drogas). 8. Assim, tendo em atenção os padrões jurisprudenciais utilizados pelo Supremo Tribunal em matéria de correios de droga, atendendo ao limite definido pela culpa intensa do arguido, ao elevado grau de ilicitude da sua conduta, e às fortes exigências de prevenção geral que se fazem sentir, sendo elevadas também as exigências de prevenção especial, não nos merece censura a pena de 7 anos de prisão fixada pelo Tribunal recorrido, pena que se considera justa e adequada ao crime praticado. 9. O recurso não merece, pois, provimento. 10. Tendo em consideração a pena fixada e o disposto no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, fica prejudicada a questão da suspensão da execução da pena. Contudo sempre se dirá que, no caso “sub judice”, a simples censura do facto e a ameaça da prisão, subjacentes à suspensão de execução da pena, não atingem, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. 11. Como consequência o douto acórdão não viola os preceitos legais invocados pela recorrente.” I.4. O Exmo PGA disse, além o mais, o seguinte: “os Senhores juízes estiveram atentos e sopesaram as circunstâncias e índices legais que devem orientar o julgador na operação de determinação do quantum da pena (artigos 40.º e 71.º do Código Penal), incluindo as que o recorrente invoca em seu abono, com a natural exceção da idade [o recorrente, que nasceu em .../.../1966, tinha 55 e 56 anos à data dos factos (e não 44 anos como certamente por lapso refere no recurso), ou seja, era um adulto, com a personalidade integralmente desenvolvida, o que não lhe pode granjear um tratamento indulgente, tanto mais que regista uma condenação, em 2016, pela prática de idêntico crime], e aplicaram uma pena, situada abaixo da média da moldura penal abstrata, que, em atenção às assinaladas circunstâncias, respeita em absoluto o limite inultrapassável da culpa e responde equilibrada e proporcionalmente às exigências de prevenção, não demandando, por isso, a intervenção corretiva deste Supremo Tribunal. Daí que, acompanhando, em tudo o mais, as considerações vertidas no acórdão recorrido e na resposta do Ministério Público, se emita parecer no sentido da improcedência do recurso.” I.4. Foi cumprido o artigo 417, nº 2, do CPP. Não veio resposta. I.5. Foi aos vistos e decidiu-se em conferência. II - FUNDAMENTAÇÃO Admissibilidade e objeto do recurso II.1. O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP, quanto a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro). Nos termos do disposto nos artigos 434.º do CPP, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nos citados n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º. No caso, mostram-se satisfeitos os requisitos impostos pelos artigos 374.º e 375.º do CPP, correspondentemente aplicáveis aos acórdãos proferidos em recurso ex vi do artigo 425.º, n.º 4, do CPP, nomeadamente quanto à fundamentação em matéria de facto e em matéria de direito, bem como quanto à escolha e determinação da medida das penas, não se revelando qualquer dos vícios de decisão a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP, os quais, na previsão deste preceito, devem resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência, e não ocorrem nulidades não sanadas que devam ser conhecidas. Questão a decidir: se a medida da pena aplicada, sete anos de prisão, deve ser reduzida para pena não superior a cinco anos e seis meses. Factos II.2. O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos: “O arguido AA, pelo menos desde o final de 2021, decidiu transportar canabis-resina, vulgo haxixe, em viagens de avião comercial, de Portugal Continental para a ilha ..., não o fazendo directamente, pelo que decidiu usar pessoas com necessidade de dinheiro para fazerem aquele transporte, como “correios de droga”, contra a entrega de 500 a 1000 euros, por cada viagem. 2. Em execução desse intento, o arguido AA usava diversos telemóveis, e valia-se de pessoas da sua confiança, designadamente para controlar o percurso dos correios de droga e a entrega da mesma em ..., que o arguido depois fazia distribuir por terceiros por forma não apurada. 3. Em execução daquele intento, o arguido AA contactou a arguida BB para a usar como “correio de droga”, naqueles trajectos, de Lisboa para ..., e do aeroporto ... para diversos sítios em ..., um deles a casa do arguido CC, que estava a cumprir pena de prisão na habitação, na Rua ..., Urbanização ..., ..., ..., na posse das malas contendo haxixe. 4. A arguida BB, apesar de ter emprego, como precisava de dinheiro suplementar, aceitou fazer os transportes, contra aqueles 500 a 1000 euros por cada viagem, guardando o contacto de telemóvel ...64, do arguido AA, como “Tio”, no telemóvel dela, arguida, com o n.º ...25. 5. O arguido AA encarregava-se do pagamento das viagens de avião, em dinheiro, sem factura, bem como do embalamento e acondicionamento do produto estupefaciente nas malas de viagem para entrega das mesmas, com o produto, através de uma pessoa de sua confiança que usava, a BB, a qual acompanhava esta até ao terminal aéreo em Lisboa, para a controlar até à saída para .... 6. Nestes moldes, no dia 14 de Novembro de 2021 a arguida BB viajou de Lisboa para ..., de avião, transportando uma mala de porão com haxixe, que foi embalado e acondicionado numa mala de viagem pelo arguido AA, e que foi entregue à arguida BB por pessoa de confiança do arguido AA, com aquele encargo de a transportar consigo para .... 7. A arguida BB entregou a mala na casa do arguido CC, nos ..., sendo transportada até esse local, por um outro indivíduo, não identificado, sendo que pessoa não concretamente apurada lhe entregou, como pagamento, 500 euros, em dinheiro, pelo transporte da mala, e regressou a Lisboa no dia seguinte. 8. No dia 16 de Janeiro de 2022 a arguida BB, após novo contacto do arguido AA, voltou a viajar de Lisboa para ..., de avião, transportando uma mala de porão com haxixe, que lhe foi entregue por pessoa de confiança do arguido AA, o qual previamente havia feito o embalamento e acondicionamento do produto na referida mala de viagem, com o mesmo encargo, sendo acompanhada até à saída para ... por um estranho, que a controlava a mando do arguido AA. 9. A arguida BB, chegada a ..., encontrou-se com indivíduo que não foi possível identificar, que já a tinha acompanhado ao apartamento do arguido CC, no dia 14 de Novembro de 2021, entregando-lhe a mala que tinha transportado, num apartamento incerto, em ...; depois da abertura da mala, por referido indivíduo, que confirmou a existência do haxixe, este entregou à arguida BB 600 euros em dinheiro. 10. Após o regresso da arguida BB, esta encontrou-se no dia 17 de Janeiro de 2022 com o arguido AA, na ..., que lhe deu mais 400 euros pelo transporte efectuado com sucesso, bem como mais 50 euros para o regresso a casa da arguida, em .... 11. A 23 de Janeiro de 2022, no período diurno, o arguido AA, em local incerto de Portugal continental, procedeu ao embalamento, com fita adesiva e plástico, de cento e vinte placas de canabis-resina, com cerca de 12,5 kg (doze quilos e 500 gramas), que depositou numa mala de viagem, entregue à arguida BB, sendo esta de novo encarregue de transportar o produto estupefaciente de Lisboa para ..., em viagem de avião. 12. Pessoa não identificada de confiança do arguido AA entregou assim nova mala de porão à arguida BB, nos mesmos moldes, ou seja, com a obrigação de a trazer para ..., onde a entregaria a um estranho, recebendo, em troca, 500 a 1000 euros, pelo risco do transporte do haxixe. 13. Naquele dia 23 de Janeiro de 2022, pelas 22:40 horas, a arguida BB chegou ao aeroporto ..., no voo ...25 da ..., proveniente de Lisboa, com aquela mala de porão, sendo a sua bagagem assinalada pelas polícias, pelo que foi abordada; buscada a sua bagagem de porão ali foi encontrado e apreendido dezasseis embalagens, contendo as 120 placas de haxixe, com o peso líquido de 12.489,361 gramas de canabis-resina, que correspondia a 65.096 doses unitárias de canabis-resina para consumo individual. 14. Efectuada revista à arguida BB, foi-lhe encontrado e apreendido: a) Um smartphone “Samsung”, modelo Galaxy A21S, com os IMEI ...44 e ...47, com o cartão SIM ...25, no qual encontravam-se registadas três tentativas de contacto (chamada de voz), por Whatsapp, daquele dia 23-1-2022, do número que tinha gravado como “Tio”, o arguido AA; b) Na sua mala de mão, foi encontrado e aprendido um bilhete electrónico n.º ...65, de avião, entre ... e Porto, viagem no dia 23 de Janeiro de 2022, 14,47 horas c) Um documento da agência de viagens “B...”, no valor de 290 euros, relativo a viagem entre ... e Porto; d) Um documento com a reserva da companhia aérea “Ryanair” para a viagem de 23 de Janeiro de 2022; e) Um cartão de embarque e etiqueta da bagagem de porão; f) Um papel com a morada do arguido CC – “R. Padre ...”. 15. Efectuada busca a 5 de Julho de 2022 a casa do arguido CC, na Rua Padre…, ali foi encontrada uma mala de viagem usada a 14 de Novembro de 2021 para um transporte de haxixe até casa deste arguido. 16. Efectuada busca, no mesmo dia, no veículo do arguido AA, de marca “Renault”, matrícula ..-..-ON, cujas chaves possuía, quando revistado, foi apreendido, na porta do condutor, um telemóvel da marca “Nokia”, modelo TA-1034, de cor azul, com os IMEIs ...22 e ...27, contendo slot com a indicação SIM 1, um cartão SIM da operadora MOCHE com o nº ...62; telemóvel que usou nos contactos com a arguida BB. 17. Os arguidos AA e BB actuaram voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei penal, e sabendo as qualidades estupefacientes da canabis-resina que detiveram, ou embalaram, ou transportaram, ou guardaram e fizeram entregar a terceiros. 18. A arguida BB colaborou com a investigação. 19. O arguido AA tem nacionalidade .... (…) Dos antecedentes criminais, situação pessoal, familiar, profissional e económica do arguido AA: 25. Por acórdão proferido em 18.07.2016, e transitado em julgado em 30.09.2016, no âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 56/15...., que correu termos em ..., foi o arguido condenado pela prática, em 11.08.2015, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, extinta nos termos do artigo 57.º do C.P. 26. AA, atualmente preso preventivo, no Estabelecimento Prisional ... , à ordem dos presentes autos, residia, à data dos factos que marcaram a instauração do presente processo, com o agregado familiar, constituído pelo próprio, pela companheira, DD, por duas filhas do casal, ainda menores, e por uma sobrinha, maior de idade. 27. O casal tem mais dois filhos, maiores de idade e já autonomizados. 28. O agregado reside na morada constante dos autos, em apartamento adquirido com recurso a empréstimo bancário, de tipologia T3. 29. No país natal (...), fruto de anterior relacionamento, tem dois filhos. 30. Tem ainda outros 3 filhos, fruto de relacionamentos diferentes, estabelecidos já em Portugal (território continental). 31. AA é natural e nacional de ... (... – ...) e o 4º mais velho de uma fratria de 9 irmãos. 32. A mãe era doméstica e o pai dedicava-se à agricultura/lavoura e criação de gado. 33. A mãe viria a falecer tinha ele 17/18 anos. 34. O arguido entrou para o sistema de ensino aos 6/7 anos tendo obtido apenas a 4ª classe. 35. O abandono em definitivo dos estudos aos 11 anos, deveu-se à necessidade de ajudar o agregado nas despesas familiares, dedicando-se à lavoura a tempo inteiro. 36. Aos 15 anos, foi aprendiz de colocar calçada (paralelo) e com 17 anos, já trabalhava por conta própria. 37. Aos 27 anos, resolveu emigrar para Portugal, com o objetivo de procurar melhores condições de vida, e assim juntar-se à avó materna que já aqui se encontrava, a residir na .... 38. Em território nacional o arguido começou a trabalhar na construção civil como ... e numa empresa de mudanças. 39. O actual agregado vive com o rendimento auferido pela companheira do recluso, que trabalha numa empresa de limpezas (“I...”), no Hospital ... e com a contribuição para a economia doméstica por parte dos filhos que se encontram autonomizados e da sobrinha que está integrada no agregado familiar do arguido.” II.3. O Tribunal justificou a pena da seguinte forma: “Cumpre determinar a pena concretamente aplicável aos arguidos AA e BB pela prática do crime acima analisado, atendendo à pena abstractamente aplicável, aos critérios de escolha e medida da pena e às suas finalidades. Quanto às finalidades das penas, estabelece o artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal que “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.” A protecção dos bens jurídicos, sendo estes determinados por referência à ordem axiológica jurídico-constitucional, implica a rejeição de uma limitação da intervenção penal assente numa qualquer ordem transcendente e absoluta de valores, fazendo assentar a referida legitimação unicamente em critérios funcionais de necessidade (e de consequentemente utilidade) social. Por isso a aplicação da pena não mais pode fundar-se em exigências de retribuição ou de expiação da culpa, sem qualquer potencial de utilidade social, mas apenas em propósitos preventivos de estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada. – Cfr. Figueiredo Dias, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 1, Fascículo 1, 1991, Aequitas, Editorial Notícias, página 17 e 18. Subjacente à protecção jurídica de bens jurídicos está a chamada finalidade de prevenção geral positiva que juntamente com a prevenção especial positiva ou ressocialização constituem as finalidades das penas no nosso ordenamento jurídico. A pena tem por fundamento e limite a medida da culpa, não podendo ultrapassá-la (cfr. artigos 40.º, n.º 2 e 71.º, n.º 1 do Código Penal). Na verdade, “(…) à culpa, a que se reconhece a dignidade de pressuposto irrenunciável de toda e qualquer punição, caberá a função, única mas nem por isso menos decisiva, de determinar o limite máximo e em todos os casos inultrapassável da pena (…)” in Manuel Lopes Maia Gonçalves, “Código Penal Português, Anotado e Comentado”, Almedina, 2004, 16ª edição, pág. 176. Para a determinação da medida concreta da pena, nos termos do artigo 71.º do Código Penal, atender-se-á à culpa do agente e às exigências de prevenção, ponderando ainda todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente as circunstâncias previstas nas diversas alíneas do artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal. O limite superior da pena é pois o da culpa do agente. O limite mínimo é o que resulta da aplicação dos princípios de prevenção geral positiva segundo os quais a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor. Daí para cima, a medida exacta da pena é a que resulta das regras da prevenção especial de socialização; é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade. Ao crime de tráfico de estupefacientes corresponde, em abstrato, a pena de prisão de 4 (quatro) a 12 (doze) anos de prisão (art. 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 janeiro). No caso vertente as exigências de prevenção geral são muitíssimo elevadas, com especial relevo nesta região tão fustigada pelas consequências associadas ao vício que a droga desencadeia. Com efeito, estamos perante um crime que é alvo de grande censura comunitária, o qual acarreta danos são incomensuráveis no que toca à saúde dos consumidores que, a final, é atingida. Por outro lado, este crime potencia um enorme sentimento de insegurança, exigindo a necessidade de transmitir um sinal claro à comunidade no sentido da afirmação da validade da norma violada, restabelecendo o sentimento de segurança abalado pelo crime. Do arguido AA: O arguido agiu com dolo direto e intenso. O grau de ilicitude da conduta e da culpa são elevados atendendo à sua intervenção (nele reunindo o comando das operações entre Lisboa e ..., desde a angariação de correios, ao controlo destes, ao embalamento e acondicionamento do produto, compra das viagens aéreas, entrega do produto a terceiros que depois os entregava aos correios de droga, pagamentos); a natureza do produto visado (haxixe); quantidade e à persistência na atividade criminosa. Tem antecedentes criminais também por crime de tráfico de estupefacientes. Confessou os factos e disse-se arrependido. A sua postura durante e após os factos demonstra que que o mesmo, embora confessando, revela diminuta consciência crítica, dificuldade de descentração e de responsabilização pelos seus actos, como aliás resulta do seu relatório social. Não revela qualquer dependência de produtos estupefacientes, está familiarmente inserido, embora sem qualquer actividade profissional lícita. O arguido mantém, igualmente, uma postura passiva no sentido da procura de soluções para alterar o seu actual circunstancialismo de vida. AA revela que não consegue identificar as reais consequências do seu comportamento sobre si e sobre terceiros. Ao nível das necessidades de prevenção especial arguido revela que a pena anterior que lhe foi aplicada, pelo mesmo crime, foi absolutamente ineficaz enquanto meio ressocializador e de neutralização de factores de risco. O arguido revela diminuta interiorização dos valores e normas, desvalorização dos comportamentos ilícitos. Apesar da existência de fatores de proteção: manutenção do enquadramento familiar, aparenta demonstrar algumas lacunas ao nível das competências pessoais relacionadas com o raciocínio crítico e pensamento consequencial.” II.4. Vejamos se a pretensão do Recorrente deve proceder. O Recorrente indica como violados os artigos 40º, 70º e 71º do CP e o artigo 21º do DL 15/93. Em termos de “finalidades das penas”, o artigo 40.º, do Código Penal rege que “a aplicação de penas (…) visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (nº 1) e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” (nº 2). O artigo 70º, entre pena privativa e pena não privativa da liberdade, impõe a escolha da segunda, e, naturalmente, por decorrência do princípio constitucional da proporcionalidade (artigo 18º, nº 2, da CRP) uma pena privativa da liberdade, se for caso disso, que não ultrapasse a necessidade, a adequação e a justa medida. Por sua vez estabelece o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” (nº 1) e que o tribunal deve atender “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele” (nº 2), considerando, nomeadamente, as indicadas nas alíneas do nº 2 do preceito. Nessas alíneas se enumera, de modo não taxativo, fatores que conformam a determinação da medida da pena que se referem (i) à execução do facto, als a), b), c) e e), parte final, (“o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, “a intensidade do dolo ou da negligência”, “os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram”); (ii) à personalidade do agente, als d) e f), (“As condições pessoais do agente e a sua situação económica”, “a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”) e (iii) outros relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto, al. e), (“a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime”) . (cfr “Penas e Medidas de Segurança”, Maria João Antunes, Almedina, 2ª edição) O objetivo primeiro das penas é a proteção, o mais eficaz possível, dos bens jurídicos fundamentais. Esta proteção implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo primordialmente para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração). A prevenção geral radica no significado que a “gravidade do facto” assume perante a comunidade, isto é, no significado que a violação de determinados bens jurídico-penais tem para a comunidade e visa satisfazer as exigências de proteção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas na validade do direito. Com o limite da culpa. A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida. É a prevenção geral positiva que fornece uma moldura de prevenção dentro de cujos limites podem e devem atuar considerações de prevenção especial. Mas os preceitos de determinação da medida da pena hão de conformar-se obrigatoriamente com as normas constitucionais convocáveis, artigos 27.º, n.º 2 e 18.º, n.ºs 2 e 3, a imporem o respeito do princípio da proporcionalidade, nas suas três vertentes, da necessidade, da adequação e da justa medida, ou seja, a pena privativa da liberdade se há de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos –, adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”. A lei fundamental afasta logo as penas desproporcionadas ou excessivas. A aplicação da pena tem como pressuposto que o agente do crime tenha agido com culpa, devendo ser censurado pela violação do dever de atuar de acordo com o direito, sendo o grau da culpa o limite da pena (artigo 40.º, n.º 2). Em resumo, “(1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção geral e especial; (2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa; (3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; (4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excecionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais” (Figueiredo Dias, “Direito Penal, Parte Geral I, Gestlegal, 3ª edição, pag. 96). A prevenção geral positiva ou de integração apresenta-se como a finalidade primordial a prosseguir com as penas, não podendo a prevenção especial positiva pôr em causa o mínimo de pena imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, tendo a culpa como limite. Culpa sempre entendida como “censurabilidade do comportamento humano, por o culpado ter actuado contra o dever quando podia ter actuado «de outra maneira», isto é, de acordo com o dever” (Figueiredo Dias, Liberdade, Culpa e Direito Penal, 1995, p. 244), devendo o agente ser censurado pela personalidade revelada no facto, pelos aspectos desvaliosos da sua personalidade contrários ao direito e revelados nesse facto. O tráfico de estupefacientes põe em causa uma pluralidade de bens jurídicos, mas protege primordialmente a saúde pública e, em segundo plano, bens jurídicos pessoais, como a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores; ademais, afeta a vida em sociedade, pelos comprovados efeitos criminógenos e dificulta a inserção social dos consumidores; configurando-se como tipo de criminalidade, geradora de fortes sentimentos de insegurança e de alarme social. (cfr acórdãos do STJ de 10/10/2018, proc.º n.º 5/16.0GAAMT.S1 e de 7/7/2021, proc. n.º 57/20.8SWLSB.S1, inter alia). O art.21º, n.º 1, do DL nº15/93, estatui «Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer titulo receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art.40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.». A ressonância do bem protegido reflete-se na pena abstrata aplicável. No caso, o crime fundamental de tráfico de estupefacientes, imputado ao recorrente é punível com pena de 4 a 12 anos de prisão, nos termos do artigo 21º, tipo fundamental do tráfico de estupefacientes, do DL 15/93. E está em causa um tipo de estupefaciente, canábis, que integra a Tabela I-C anexa ao DL n.º 15/93, de 22 de janeiro. A pena de sete anos de prisão situa-se relativamente próximo do mínimo da pena abstracta aplicável, que é de quatro a doze anos de prisão. Para sustentar o pedido de redução da pena invoca o Recorrente a idade, 55 anos (não 44, ao que indica), a confissão, a interiorização do desvalor da conduta, o arrependimento, a distância temporal do antecedente criminal, que remonta a 2015, a sua inserção familiar, as características do haxixe, como produto menos nefasto. Mas deve desde já adiantar-se que este argumentário não tem a virtualidade de fazer proceder a sua pretensão. Começando por repetir o acórdão recorrido,: “No caso vertente as exigências de prevenção geral são muitíssimo elevadas, com especial relevo nesta região tão fustigada pelas consequências associadas ao vício que a droga desencadeia. Com efeito, estamos perante um crime que é alvo de grande censura comunitária, o qual acarreta danos que são incomensuráveis no que toca à saúde dos consumidores que, a final, é atingida. Por outro lado, este crime potencia um enorme sentimento de insegurança, exigindo a necessidade de transmitir um sinal claro à comunidade no sentido da afirmação da validade da norma violada, restabelecendo o sentimento de segurança abalado pelo crime.” E não podemos deixar de corroborar que a danosidade social associada ao crime de tráfico de estupefacientes é elevada, sendo provavelmente um dos maiores flagelos das sociedades modernas, não só pelo mal que causa à saúde e à vida dos consumidores e das próprias famílias, mas também por toda a criminalidade que lhe está associada e que tem na sustentação do vício a sua causa, pelo que são fortíssimas as exigências de prevenção geral. Escreve-se no acórdão do STJ de 05/02/2016, 426/15.5JAPRT, “O Supremo Tribunal de Justiça tem sublinhado que na fixação da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve-se atender a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade. De facto, estamos perante um crime de perigo abstracto e pluriofensivo que põe em causa, como se lê no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/91, de 8 de Novembro de 1991, uma pluralidade de bens jurídicos: «a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes», afectando, «a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos», protegendo, enfim, «uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal – embora todos eles possam ser reconduzidos a um mais geral: a saúde pública».” A idade funciona contra ele, com 55 anos, essa idade não reclama indulgência, demanda antes forte censura; nesse escalão etário não há lugar para desvarios comportamentais destes ademais em recidiva e quando é o próprio a afirmar a sua boa inserção familiar. A confissão aqui apresenta-se de escassa valia já que nada de relevante teve para a descoberta dos factos. A atividade de tráfico só foi travada pela oportuna deteção policial da mala transportadora. A interiorização da conduta e o arrependimento não vêm dados como provados. Ao contrário, citando o acórdão recorrido, “A sua postura durante e após os factos demonstra que que o mesmo, embora confessando, revela diminuta consciência crítica, dificuldade de descentração e de responsabilização pelos seus actos, como aliás resulta do seu relatório social. (…). AA revela que não consegue identificar as reais consequências do seu comportamento sobre si e sobre terceiros. (…) O arguido revela diminuta interiorização dos valores e normas, desvalorização dos comportamentos ilícitos.” Mostram-se, pois, prementes as necessidades de prevenção especial. À inserção familiar não pode atribuir-se-lhe qualquer valor; tal inserção já se verificava e apesar dela o Recorrente não deixou de praticar os factos de que vinha acusado e por que foi condenado. A sua personalidade aliada às circunstâncias em que atuou desvelam que a prognose sobre o seu comportamento à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização, é negativa. Por acórdão proferido em 18.07.2016, e transitado em julgado em 30.09.2016, no âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 56/15...., que correu termos em ..., foi o arguido condenado pela prática, em 11.08.2015, de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, extinta nos termos do artigo 57.º do C.P. Ora, tal antecedente criminal à distância de seis anos da prática de um novo ilícito do mesmo tipo deveria ainda funcionar como factor inibitório. Esquecê-lo, e às consequências daí advindas, é de censurar e leva a concluir que o efeito admonitório não resultou. Ademais quando a suspensão da execução da pena só terminou em setembro de 2019, a três anos da primeira viagem de tráfico, em 14/11/2022. Como se assinala, no ac. do STJ de 05/05/2022, proc. nº 41/20.1PJCSC.L1.S1, Orlando Gonçalves, “O tráfico de canábis não tem o carácter menosprezável do ponto de vista criminal que frequentemente se pretende atribuir-lhe. A ideia que atualmente se quer generalizada de que o consumo de cannabis não tem efeitos perniciosos nem gera dependência, não tem fundamento científico. Neste sentido, consigna-se no «Relatório Europeu sobre Drogas – 2020», do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (EMCDDA)», que “a canábis tem hoje um peso significativo nas admissões a tratamento de toxicodependência”. A canábis gera apetências gradativamente mais exigentes, sendo frequentemente referida por consumidores de estupefacientes, como uma fase de acesso ou de iniciação a estupefacientes mais perniciosas para a saúde.” Estamos perante atividade de tráfico antecipadamente bem pensada, planeada, elaborada e programada, com recurso a vários colaboradores, cada um com o seu papel previamente determinado para despistar a autoridade, evitando o Recorrente ser ele próprio a aparecer, num desenho de ações já com alguma sofisticação. Assumindo o Recorrente o total domínio do facere, do quando e do como. Em ilicitude elevada e culpa com dolo direto e intenso. Com motivação de lucro fácil. Atividade tanto mais grave quanto se consubstanciava na exploração da necessidade de um terceiro, a co-arguida, E concretizada na realização de três viagens, em 14/11/2021, 16/01/2022, 23/01/2022, a que só a deteção policial da terceira pôs cobro. Numa delas a ser apreendida a quantidade de 12,4 quilos, com expansibilidade para 65 096 doses. A gravidade das consequências, é a inerente ao tráfico de estupefacientes, no caso, o perigo potencial para a saúde pública e de outros bens jurídicos de um alargado número de consumidores. Como é próprio de um crime abstrato, de perigo. Com o que, forçoso é concluir, a pena de sete anos se mostra necessária, adequada e na justa medida, sem que ultrapasse a culpa. Não houve, assim, violação dos invocados artigos 40º, 70º e 71º do CP, nem do artigo 21 do DL 15/93, nem de qualquer outro dispositivo legal pelo que, não se impondo a intervenção corretiva deste Supremo, se conclui pela improcedência do recurso.
III - DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes da 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA. Custas pelo Recorrente com taxa de justiça em quatro (4) unidades de conta. STJ, 01 de março de 2023 Ernesto Vaz Pereira (Relator) José Luís Lopes da Mota (1º Adjunto) Paulo Ferreira da Cunha (2º Adjunto) |