Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA | ||
| Descritores: | EXERCÍCIO DO PODER PATERNAL MENOR PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL SEPARAÇÃO DE FACTO | ||
| Nº do Documento: | SJ200804030040547 | ||
| Data do Acordão: | 04/03/2008 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO | ||
| Sumário : | 1. Segundo o disposto no artigo 150º da Organização Tutelar de Menores (Decreto-Lei nº 314/78, de 27 de Outubro), os processos tutelares cíveis, entre os quais se encontra o que se destina à regulação do exercício do poder paternal, são considerados como processos de jurisdição voluntária. 2. Esta qualificação implica, nomeadamente, que as decisões tomadas no seu âmbito possam ser proferidas de acordo com critérios de conveniência e oportunidade e não de legalidade estrita (artigos 1410º do Código de Processo Civil e 180º da OTM), pretendendo assim a lei que, nestes casos, o julgador defina o regime do poder paternal de acordo com a solução que, nas circunstâncias concretas, de facto, em que o menor se encontra, melhor permita prosseguir o interesse do seu desenvolvimento pessoal e social, e não procedendo à interpretação a aplicação de uma lei que o vincule a uma determinada solução. 3. Das decisões assim proferidas não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, de acordo com o nº 2 do artigo 1411º do Código de Processo Civil; estando intimamente ligada à apreciação da situação de facto a escolha das soluções mais convenientes, e não tendo o Supremo Tribunal de Justiça o poder de controlar aquela apreciação (salvo nos caos particulares previstos nos artigos 729º e 722º do Código de Processo Civil, que aqui estão em causa), justifica-se que a lei restrinja a possibilidade de recurso até à Relação. 4. Em compensação, a decisão tomada pode ser alterada em conformidade com a evolução da situação concreta, como prevê o nº 1 do mesmo artigo 1411º. 5. Ao pretender que o Supremo Tribunal de Justiça conheça do presente recurso, alegando ter sido violada lei estrita – no caso, contida nos artigos 180º, nº 1, da OTM e 1905º do Código Civil, que manda decidir estes processos de harmonia com o interesse do menor, porque o modo concreto de regulação do exercício do poder paternal não prossegue esse interesse, do seu ponto de vista, o recorrente está precisamente a pretender que o Supremo Tribunal de Justiça controle o que não pode controlar: a adequação das medidas decididas segundo o que o Tribunal da Relação àquela finalidade. 6. O Supremo Tribunal de Justiça não pode, assim, conhecer do presente recurso (nº 2 do artigo 1411º do Código Civil, já citado). | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 7ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: 1. A fls. 389, foi decidido não conhecer do recurso interposto do acórdão da Relação de Évora, de fls. 322, nos seguintes termos: «1. Por sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Santiago do Cacém de 31 de Julho de 2006, de fls. 220, foi regulado o exercício do poder paternal relativo aos menores AA e BB, em acção proposta pela mãe, CC, contra o pai, DD, casados entre si mas separados de facto. Em síntese, o tribunal, após analisar a situação de facto e considerando que a decisão deve ser tomada de acordo com o superior interesse dos menores, atribuiu a guarda dos mesmos ao pai e fixou os regimes de visitas e de férias, bem como de prestação de alimentos. CC interpôs recurso de apelação, que foi julgado procedente pelo acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24 de Maio de 2007, de fls. 322, sendo então atribuída à mãe a guarda dos menores e introduzidas as necessárias modificações nos regimes de férias, visitas e prestação de alimentos. Justificando a alteração, a Relação, em síntese, reiterou que a regulação do poder paternal, “na vertente da guarda do menor e exercício do poder paternal”, deve ser estabelecida de forma a prosseguir o “interesse deste na valorização da sua personalidade a todos os níveis, determinante para um crescimento harmonioso e equilibrado, conforme decorre da Convenção sobre os Direitos da Criança de 26/01/1990 e do artº 1905º, nº 2 do Cód. Civil”, mas entendeu que, “perante a matéria de facto dada como assente, o progenitor que oferece em concreto melhores condições de assegurar aos menores um melhor desenvolvimento da sua personalidade, designadamente a nível psicológico, afectivo, moral e social é a mãe”, relativamente à qual “nada se provou em seu desabono, quer no relacionamento com os menores, quer com o pai dos seus filhos, no âmbito da relação matrimonial ou mesmo após a separação”, não se podendo dizer “o mesmo (…) da conduta” do pai. Deste acórdão veio então DD interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, que foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo. 2. Nas alegações apresentadas, o recorrente formulou conclusões, que se transcrevem na parte relevante: “1ª – Não deveria o douto acórdão da Relação de Évora ter revogado a douta sentença da 1ª instância, porquanto esta, ao decidir que os menores fossem ‘confiados à guarda e cuidados do pai, sobre quem incumbe o exercício do poder paternal’, revelou uma lúcida ponderação sobre o que está em causa neste tipo de processos – o interesse dos menores – e louvou-se na mais avançada jurisprudência e doutrina ultimamente produzida neste campo. 2ª – Mais: a Meretíssima Juiz que a elaborou esteve em contacto directo com os menores – que ouviu a sós – com a mãe, com o pai e com as testemunhas, encontrando-se por isso numa situação privilegiada para julgar e decidir, com conhecimento total de causa, de harmonia com o interesse dos menores, conforme prescreve o cit. artº 1905º, 2, CC. 3ª – A douta sentença da 1ª instância privilegiou – e bem – o princípio da continuidade em detrimento do princípio da presunção materna. 4ª – Ponderadas todas as variáveis do caso o interesse dos menores, face à situação de ruptura entre os progenitores, é realizada através da sua confiança à guarda do pai, dando-se assim prevalência ao continuum familiar, escolar e social dos menores em detrimento da chamada ’presunção materna’. (…) 5ª – Ao revogar a douta sentença da 1ª instância, dando a guarda dos menores à mãe (implicando o corte das crianças com a comunidade onde até então e desde o seu nascimento se encontravam inseridas) o douto acórdão recorrido violou designadamente o disposto nos arts. 1905º, CC e 180º, Nº 1, OTM (…)” Nas contra-alegações, CC suscitou a questão de não ser admissível o recurso interposto, por se tratar de um processo de jurisdição voluntária (artigo 150º da Organização Tutelar de Menores), o que implica, nomeadamente, a aplicação do disposto no nº 2 do artigo 1411º do Código de Processo Civil, do qual resulta que apenas cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões proferidas segundo critérios de estrita legalidade, e não de conveniência ou oportunidade, como é o caso. Todavia, admitindo a hipótese de este Supremo Tribunal vir a conhecer do objecto do recurso, defendeu a manutenção do acórdão recorrido. Notificado do despacho de fls. 383, que o convidou a pronunciar-se sobre o obstáculo ao conhecimento do recurso suscitado pela recorrida, o recorrente veio sustentar que a decisão impugnada “não teve – nem deveria ter – em conta somente critérios de conveniência ou oportunidade”, tendo violado os comandos legais, definidos pelos artigos 1905º, nº 2, do Código Civil e 180º, nº 1, da OTM, que obrigam o julgador a decidir “de harmonia com os interesses do menor”. 3. A verdade, todavia, é que se trata justamente de uma decisão proferida, nos termos permitidos pelo artigo 1410º do Código de Processo Civil e expressamente afirmados para os processos de regulação do poder paternal pelo artigo 180º da OTM, segundo critérios de conveniência e oportunidade; no caso, o que a lei pretende é que o julgador defina o regime do poder paternal de acordo com a solução que, nas circunstâncias concretas, de facto, em que o menor se encontra, melhor permita prosseguir o interesse do seu desenvolvimento pessoal e social; dito por outras palavras, a lei pretende que o juiz estabeleça as regras mais convenientes e oportunas em ordem à prossecução desse específico interesse, e não que as encontre procedendo à interpretação e aplicação de uma lei que o vincule a uma determinada solução. É justamente para este tipo de decisões que o nº 2 do artigo 1411º do Código de Processo Civil exclui a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Com efeito, e como se sabe, a escolha das soluções mais convenientes está intimamente ligada à apreciação da situação de facto em que os interessados se encontram; não tendo o Supremo Tribunal de Justiça o poder de controlar a decisão sobre tal situação (cfr. artigos 729º e 722º do Código de Processo Civil, na redacção aplicável), a lei restringiu a admissibilidade de recurso até à Relação, como se compreende. A terminar, note-se que, se, por um lado, se limitam os graus de recurso admissíveis, por outro permite-se que a decisão que tenha sido tomada (eventualmente em recurso) possa ser modificada de acordo com a evolução da situação em causa, como estabelecem o nº 1 do mesmo artigo 1411º e, para o tipo de acções que agora interessa, o artigo 182º da OTM, em afastamento da imutabilidade do caso julgado que, em regra, cabe às decisões judiciais transitadas que, como esta, conheçam do mérito da causa (cfr. nº 1 do artigo 671º do Código de Processo Civil). 4. Nestes termos, e de acordo com o disposto nos artigos 700º, nº 1 e 726º do Código de Processo Civil, decide-se não conhecer do recurso, por não ser admissível. Custas pelo recorrente.» 2. Inconformado, DD veio reclamar para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, invocando o disposto no artigo 688º do Código de Processo Civil. Sustentou, nos termos já indicados, a admissibilidade do recurso, no qual “o julgador terá de sopesar os factos pertinentes carreados para os autos para se aperceber de qual o interesse do menor e decidir em conformidade com o mesmo (…)”, e de julgar “em conformidade com o critério definido nos preceitos legais”, e não de acordo com critérios de conveniência ou oportunidade. CC pronunciou-se no sentido de não se possível conhecer do recurso, nos termos do despacho reclamado. 3. Segundo o disposto nos artigos 726º e 700º, nº 3, do Código de Processo Civil (tomar-se-á sempre como referência a versão do Código de Processo Civil anterior às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, não aplicável a este recurso), da decisão de não conhecimento do recurso, por não ser admissível, cabe reclamação para a conferência, e não para o Presidente deste Supremo Tribunal. Assim, é nestes termos que vai ser apreciada a presente reclamação. Ora a verdade é que o reclamante não apresenta nenhum argumento que não tenha sido apreciado na decisão reclamada. Pelo contrário, a explicitação do que pretende com este recurso – que o Supremo Tribunal avalie os factos trazidos ao processo e que aprecie se a concreta conformação do exercício do poder paternal é a que melhor prossegue o interesse do menor – demonstra que tal avaliação está fora do âmbito dos poderes que a lei atribui ao Supremo Tribunal de Justiça, como se disse já. Confirma-se, portanto, a decisão de não conhecimento do objecto do recurso, nos termos e pelos fundamentos expostos na decisão reclamada. Assim, indefere-se a reclamação, e confirma-se a decisão de não conhecimento do objecto do recurso. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 5 ucs. Supremo Tribunal de Justiça, 3 de Abril de 2008 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora) Lázaro Faria Salvador da Costa |