Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
220/10.0TBPNI.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
CONTRATO DE MÚTUO
CONTRATO BILATERAL
CONTRATO REAL
FORMA DO CONTRATO
FORMALIDADES AD SUBSTANTIAM
NULIDADE POR FALTA DE FORMA LEGAL
Data do Acordão: 10/03/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- Aliste Santos, Tomás-Javier, La Motivazione de las Resoluciones Judiciales, Marcial Pons, Proceso y Derecho, Madrid, 2011, pág. 253
- Antunes Varela, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 124.º, pp. 254, 255, 269 a 271 e 274.
- Martinez Zorrilla, David, Metodologia Jurídica y Argumentación, Marcial Pons, Madrid, 2010, p.207.
- Mota Pinto, Carlos, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 2012, 4.ª edição, editada por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, p. 434.
- Nieva Fenoll, Jordi, La valoración de la Prueba – La impugnación de la valoración de la Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2010, pp. 196-199, 346-356.
- Taruffo, Michelle, La Motivazione della sentenza civile, Padova, 1975, pp. 149-169; Paginas sobre Justicia Civil, Marcial Pons, Madrid, 2009, pp. 233, 516-520, 531-532, 535-537; Simplemente la Verdad. El Juez y la construción de los hachos, Marcial Pons, Madrid, 2010, pp. 232 a 274, em especial de pp. 266 a 274.
-Vaz Serra, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Anteprojecto do Livro das Obrigações, p. 67 e segs..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 219.º, 220.º, 289.º, N.º1, 364.º, 1142.º, 1143.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 668.º, 721.º, Nº 2, 722.º, NºS 1 E 2, 729.º, Nº 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 12-03-2009;
-DE 24-05-2011, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - A afirmação pelo tribunal de que um facto se considera provado não dependerá da íntima convicção do julgador, mas da aplicação de critérios racionais que, em processo civil, diferentemente do que ocorre em processo penal, se rege pelo standard da «probabilidade prevalente» ou do «mais provável que não».

II - A necessidade da motivação da decisão de facto ancora neste ajuizamento racional da actividade probatória e na obrigação de o juiz expor as razões por que considerou demonstrado um determinado enunciado fáctico.

III - A fundamentação deficiente não se equipara ou equivale a uma fundamentação omissa, determinante da nulidade elencada no art. 668.º do CPC; para que ocorra uma omissão, importa que o tribunal tenha deixado de indicar os meios de prova em que firma a sua convicção.

IV - Ocorre uma contradição entre um enunciado ou pressuposto de facto e uma conclusão (decisória) se o raciocínio dedutivo se revele antinómico na sua coerência, validade e compatibilidade discursiva e fáctico-material. Vale por dizer que, numa operação de argumentação lógica, os pressupostos de facto contradizem o que se inferiu no epítome conclusivo.

V - O contrato de mútuo (art. 1142.º do CC) apresenta-se como um contrato bilateral ou sinalagmático, porquanto da sua assumpção nascem ou emergem obrigações recíprocas para ambos contraentes, e oneroso, porquanto dele resulta um benefício para ambas as partes; é um contrato típico e assume a natureza de um contrato real, quoad constitutionem, porquanto só se perfectibiliza com a entrega da quantia ou da coisa para a esfera de propriedade do mutuário.

VI - O contrato de mútuo assume, relativamente à forma, as características de um contrato solene (art. 1143.º do CC), dado que, para que seja eficaz e válido, se torna necessário que as declarações de vontade expressas pelos contraentes sejam plasmadas em escritura pública, se a quantia mutuada for igual ou superior às quantias legalmente fixadas.

VII - Tratando-se de um contrato de mútuo real e oneroso, a necessidade de redução das declarações em escritura pública ou documento particular autenticado torna-o um contrato solene, não podendo a prova ser efectuada senão por documento de valor idêntico, o que faz depender a validade do contrato de mútuo, a partir dos limites fixados na lei, de um requisito ad substantiam (art. 364.º, ex vi do art. 219.º, do CC).

VIII - Não sendo utilizada a forma estipulada, legalmente, para a formalização dos contratos de mútuo (art. 1143.º do CC), a sanção a aplicar será a nulidade do contrato (art. 220.º, ex vi do art. 1143.º, do CC), com as consequências impostas pelo art. 289.º, n.º 1, do mesmo Código.
Decisão Texto Integral:

I – RELATÓRIO.

AA, LDA., pessoa colectiva n.º ..., com sede na Rua ..., n.º …, ..., ... ..., intentou acção declarativa de condenação, com forma de processo comum ordinário, contra a ré BB - ..., LDA., pessoa colectiva n.º ..., com sede em Rua da ..., n.º …, ... ..., pedindo a condenação da ré a pagar e restituir à autora a quantia de € 204.000,00 (duzentos e quatro mil euros), acrescida de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Em substanciação do pedido que formulou, alegou, em síntese, que emprestou à ré as quantias de € 84.000,00, € 15.000,00, 10.000,00, € 85.000,00 e € 10.000,00, que perfazem o montante total de € 204.000,00, quantias estas que a ré se obrigou a restituir à autora mas que não o fez. Tratando-se de contratos de mútuo, em que não foi respeitada a forma legal (escritura pública e documento assinado pelo mutuário), os acordos contratuais estão feridos de nulidade, pelo que deve a ré restituir tudo o que foi prestado.

Caso assim não se entenda, sempre a ré deverá restituir tal montante legal com base no instituto do enriquecimento sem causa.

Na contestação, a ré pugna pela improcedência da acção, por, em sumula apertada, o empréstimo cujo montante foi referido como sendo de € 84.000,00, o contrato não ter chegado a ser celebrado, não obstante a existência de um documento contendo declarações de vontade que referem a celebração daquele contrato, tanto mais que a autora nunca entregou aquele montante à ré. Relativamente às quantias de € 15.000,00 e 10.000,00 as mesmas foram entregues para pagar prestações de serviço feitas a um sócio da ré e não como empréstimo a esta, e quanto às restantes quantias de € 85.000,00 e € 10.000,00, as mesmas nunca lhe foram entregues, nem tão pouco celebrados acordos nesse sentido.

Culminando a audiência de julgamento foi proferida decisão, em que veio a decidir-se pela total improcedência da acção e consequente absolvição do pedido.

Na apelação impulsada pela demandante, o tribunal de recurso, depois de alterar a resposta a dois enunciados fácticos a que a 1.ª instância tinha fornecido resposta negativa, veio a julgar a apelação parcialmente procedente e, consequentemente, a condenar a demandada a pagar á autora a quantia de cento e dez mil euros (€ 110.000,00), acrescida dos juros de mora; á taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Desta decisão impulsou a demandada recurso, tendo alentado, no acervo conclusivo, o sequente: 

I.A. – QUADRO CONCLUSIVO (SÍNTESE).

As incidências recursivas da recorrente condensam-se e precipitam-se nas sequentes questões:

a) - Nulidade do acórdão recorrido, por violação do disposto nos artigos 668.º, n.º 1, alínea b) do Código Processo Civil – omissão de fundamentação de facto – e alínea c) do mesmo preceito e livro de leis – oposição entre os fundamentos e a decisão;

b) – Divertida qualificação jurídica do negócio concentrado na factualidade adquirida para a decisão;

c) – Subsidiariamente, estima a recorrente que, a não serem atendidas as requestas anteriores deve ser deduzido o montante “(…)mencionado no quesito 19.º e no documento que consta como tendo efectivamente sido celebrado entre os sócios gerentes da Autora e da Ré, considerando-se que afinal apenas é devida pela Ré a quantia de 25 OOO€.”  

Relativamente á primeva questão – omissão de fundamentação da decisão de facto (modificativa da decisão de facto da 1.ª instância) o tribunal recorrido não procedeu “(…) a uma análise crítica de todas as provas por si tidas em conta, não explicando, de forma clara, por que razão se convenceu das conclusões por si apresentadas.” “Nenhuma prova das apresentadas pelo Tribunal, nomeadamente o depoimento de algumas testemunhas, nem o seu conteúdo ou o sentido das conclusões que o Tribunal formula, a partir da análise das mesmas se mostra fundamentadora do sentido da decisão de modificar a resposta aos quesitos em questão (…)”.

No que tange á segunda nulidade com que é acoimado acórdão recorrido – contradição entre os fundamentos e a decisão -, a recorrente, refere que, apesar de ter sido dado como adquirida a transferência de determinadas quantias para a conta da Ré, por parte da Autora, não existe qualquer referência factual de que essas transferências correspondessem a empréstimos desta relativamente àquela.

No atinente á segunda das questões elencadas – divertida qualificação do negócio jurídico - “(…) verifica-se uma errada qualificação jurídica dos factos, na medida em que, o Tribunal a quo confunde "entregar" com "emprestar". “O que se verificou, nos presentes autos, foi que a Autora entregou (sob a forma de transferência e depósito) as quantias em causa na conta da Ré, mas sem acompanhar esta entrega com uma declaração de vontade no sentido de estar a proceder a um empréstimo, nem ter a vontade de ter emprestado, pois, ficou demonstrado e considerado pelo Tribunal que a vontade era outra e o Tribunal a quo qualificou esta realidade como se tratando de um contrato de mútuo.”

Na resposta a recorrida pugna pela inexistência das alanceadas nulidades, sendo que se assim, se não entender requer que “(…)  seja apreciado recurso no que concerne à questão do enriquecimento sem causa, sendo, assim, com este fundamento a acção julgada procedente.”

II. – FUNDAMENTAÇÃO.

II.A. – DE FACTO.

Da alteração/modificação da decisão de facto a que o tribunal da Relação, resulta adquirida para a decisão, a factualidade que a seguir queda extractada, sendo que os quesitos que agora foram dados como provados vão intercalados entre os números 7. e 8. Da matéria de facto dada como inicialmente provada, tendo-lhe sido aposta a numeração 7.A. e 7.B..    

“1) A autora dedica-se à indústria de ..., empreitada de obras públicas, compra e venda de imóveis, materiais de construção e todo o comércio correlativo (A).

2) A ré dedica-se à actividade de ..., compra, venda, revenda e permuta de imóveis e prestação de serviços de ... (B).

3) Mostra-se junto a fls. 9 dos autos documento subscrito pela então gerência da aqui ré, do seguinte teor:

«(...) Em    nome    da     firma     CC - ... Lda. declaro que já recebemos da firma AA a título de empréstimo o valor de 84.000.00 para as infra-estruturas na urbanização do ...  em ....

Por ser verdade assino. (...)» (C).

4) Em 05/03/2007 a aqui autora transferiu da sua conta n.º … -C, do balcão ... do DD, para a conta n.º …-2, titulada pela aqui ré no mesmo balcão e instituição bancária, a quantia de €15.000,00 (quinze mil euros) (D).

5). Em 11/07/2007 a autora transferiu da sua identificada conta para a também identificada conta titulada pela ré a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) (E).

6). Em 16/05/2008 foi depositado numa conta bancária titulada pela ré no balcão de ... da Caixa EE um cheque que a autora havia recebido de FF no valor de € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros) (F).

7. Com a data aposta de 16/05/2008, GG assinou um cheque no valor de € 10.000,00 (dez mil euros), sacado sobre o banco HH, que foi depositado em 19/05/2008 no Banco II, em conta em que não era titular a ré (1.º).

7-A – As quantias mencionadas em D), E)e F) foram entregues à R a titulo de empréstimo (2.º).

7-B – Em razão do qual, a R deveria restituir à A tais quantias (3.º)

8. O documento mencionado em 3 foi elaborado na sequência de pedido feito nesse sentido por JJ a KK (4.º).

9. Uma vez que necessitava do mesmo para justificar contabilisticamente o montante nele inscrito (5.º).

10. Por volta de 2006 ou 2007, KK prestou, no âmbito da actividade profissional de canalizador, que exerce a título individual, diversos serviços à aqui autora (8.º).

11. Nomeadamente numa obra em ..., onde prestou serviços nos cerca de trinta apartamentos ali construídos pela mesma (9.º).

12. Houve facturação dos serviços referidos em 10 e 11 (10.º).

13. Era habitual o então sócio da ré, LL, depositar na conta da ré cheques pessoais a cujo levantamento posteriormente procedia (13.º).

14. KK, MM e LL construíram, em conjunto, um prédio sito em C..., concelho da ..., tendo vendido as respectivas fracções autónomas (14.º).

15. Facto que é do conhecimento da sócia-gerente da autora, NN (15.º).

16. KK, MM e LL distribuíam, entre si, as despesas da construção com o intuito de repartirem os lucros das vendas (16.º).

17. Em 17/09/2007 KK e LL disseram à testemunha OO para esta elaborar, o que ela elaborou, o documento denominado "acordo de pagamento", cuja cópia se mostra junta a fls. 31 e 32, tendo aqueles KK e LL apenas assinado a folha cuja cópia consta a fls. 32, não tendo estes assinado ou rubricado a folha cuja cópia consta a fls. 31 (19.º).

18- Nos termos do qual JJ declarou confessar-se devedor da quantia de € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros) a KK (20.º).

II.B. – DE DIREITO.

II.B.1. – Nulidade do acórdão por omissão da fundamentação da decisão de facto.

Na óptica da recorrente, o aresto recorrido, padece de nulidade consubstanciada na omissão da fundamentação da decisão de facto que reverteu ou reconsiderou a matéria de facto que havia sido adquirida pela primeira instância para a solução de direito – cfr. al. b) do n.º 1, do artigo 668.º, do Código Processo Civil. Na estabilização fundamental com que substancia a arguição da acoimada nulidade, sustenta que: “(…) das 5 conclusões que o Tribunal apresenta, bem como de todo o sentido do douto Acórdão, no que a esta matéria diz respeito, não se vislumbra e indicação de nenhum fundamento concreto que permita aferir qual a razão que levou o Tribunal da Relação de Lisboa a contrariar os argumentos da primeira Instância e a modificar o sentido da resposta aos quesitos.

A verdade é que, o Tribunal não se pronunciou sobre essa questão, acabando por concluir que, afinal, a resposta aos quesitos deve ser no sentido diferente daquele que a primeira instância decidiu.

(…) Para se poder aceitar uma decisão que modificasse o sentido das respostas da primeira instância, impunha-se que essa decisão fosse acompanhada da devida fundamentação de facto, o que, de todo, não aconteceu.

Não se pode considerar como devidamente fundamentada a decisão de facto em que o julgador se limita a enunciar as provas que o convenceram a dar como provados certos factos, não analisando criticamente todas as provas e não explicando, de forma clara, por que razão se convenceu das conclusões por si apresentadas.

O que significa que, a decisão de modificar a resposta aos quesitos se encontra inquinada, por não estar, minimamente, fundamentada. Sendo, por isso, nula.”

A função e a natureza da prova concebem-se em diferentes acepções, ou seja de acordo com a configuração e a finalidade fundamental do processo. “Se se parte da premissa segundo a qual o processo está dirigido exclusivamente para resolver controvérsias, segue-se que não se considera relevante a qualidade da decisão que põe termo ao conflito: a única preocupação é que a decisão seja eficiente no mencionado sentido, quer dizer, no sentido de pôr fim à confrontação entre as partes. Neste caso, não se considera relevante a condição de que a decisão se sustente numa determinação probatória da verdade dos factos. Considera-se, outrossim, que a busca da verdade não só é inútil, mas ao invés, é contraproducente, justamente porque requer o emprego de tempo e os aspectos processuais para a aquisição da prova. (…) Esta concepção da prova está bastante difundida: é a que caracteriza, com efeito, a maior parte das teorias do adversary system e está presente em todas as concepções que giram em torno da ideia de procedural justice.”

Distinta abordagem tem de operar se se considera que o processo, para além de ter de resolver uma controvérsia, deve faze-lo por meio de uma decisão justa. “A justiça da decisão não pressupõe somente a sua legalidade, quer dizer, que derive de uma correcta interpretação e aplicação das normas, mas também, da sua veracidade, quer dizer, a determinação da verdade dos factos relevantes: a razão fundamental de tal concepção é que nenhuma decisão pode considerar-se justa se se baseia numa determinação falsa ou errada dos factos em causa.”    

   Numa adequada formulação do problema da verdade material (que alguns, mais realistas e com uma aproximação jusfilosófica de cariz mais pragmático crismam tão só de histórico-processual) haverá que relevar que a verdade que se obtém num processo é uma verdade relativa, no sentido de que a verdade processual se dessume ou ressuma “[exclusivamente] nas provas que se adquirem para o processo e, portanto, é «relativa» no grau de confirmação que as provas podem atribuir aos enunciados relativos aos factos da causa. Pode haver, então, graus diversos de verdade na determinação dos factos segundo o fundamento que as provas atribuam à afirmação de que tais factos são verdadeiros ou falsos.”         

Numa perspectiva diversa deve precisar-se que a verdade de que se fala no processo se concebe como aproximação da reconstrução processual dos factos à sua realidade empírica ou histórica. O processo implica “[a] adesão a uma concepção «correspondentista» da verdade, precisamente porque exige que se determine, a partir de provas disponíveis, se se verificaram realmente - no mundo exterior que se supõe existente e cognoscível - os factos dos quais depende a subsistência das posições jurídicas que são objecto de controvérsia. Isto leva a excluir que seja realmente aplicável no contexto processual (…) uma concepção radicalmente «narrativista» da verdade, segundo a qual a verdade de um enunciado fáctico poderia depender tão só da sua coerência com outros enunciados, no âmbito de uma narração que se assume como única dimensão na que faz sentido falar dos factos.” [[1]

Desbordando, por supérfluo na abordagem escolhida, das questões atinentes à natureza e função da prova, como instrumento de persuasão, definindo-se como retórica, numa acepção, ou como instrumento de conhecimento, em que coloca a tónica, na sua função epistémica, sempre se dirá que se assume como mais ajustada esta segunda perspectiva, por, essencialmente, ser aquela que se mostra orientada na busca e determinação da verdade dos factos, sendo que ela arranca de uma premissa segundo a qual [a verdade dos factos não é resultado de uma actividade imperscrutável que ocorre na interioridade do juiz - como em contrário afirma a já recordada versão radical da intima convicção - mas sim que é o resultado de uma actividade cognoscitiva que se articula em passos cognoscíveis e controlados como a recolha da informação, a verificação da sua admissibilidade, a análise da sua pertinência e a formulação de inferências válidas, logicamente, que conduzem a conclusões racionalmente justificadas.” [[2]]

A afirmação pelo tribunal de que um facto se considera provado não dependerá, como atrás se disse, da «íntima convicção» do julgador, mas mais, e prevalentemente, da aplicação de critérios racionais que, em processo civil, diferentemente do que ocorre em processo penal, se rege pelo standard da «probabilidade prevalente» ou do mais «provável que não», vinculando-se a um juízo positivo sobre os factos a uma análise comparativa das distintas hipóteses que se referem aos factos, desde um ponto de vista da confirmação que recebem das provas disponíveis.

A necessidade da motivação da decisão de facto ancora neste ajuizamento racional da actividade probatória e na obrigação de o juiz ter de expor os motivos ou razões por que considerou demonstrado um determinado enunciado fáctico, ou no dizer do autor que temos vindo a seguir “[o] juiz está obrigado a racionalizar o fundamento da decisão articulando os argumentos (as «boas razões») em função das quais aquela pode resultar justificada: a motivação é, então, um discurso justificativo constituído por argumentos racionais.” [[3]]           

A motivação é informada ou perpassada por um princípio basilar, qual seja o da completude. Finca-se este princípio na necessidade de uma justificação cabal de todas as razões que determinaram a valoração (lógico-racional), tanto de facto como de direito, em que o Juiz se escorou para conferir determinada opção ou eleição decisória.

No ensino de Michele Taruffo o princípio da completude comporta duas implicações. “[A] primeira implicação é que a motivação completa deve incluir tanto a chamada justificação interna, que atende à conexão lógica entre premissas de Direito e premissa de facto (a chamada subsunção do facto à norma) que sustenta a decisão final, como a justificação externa, quer dizer, a justificação das eleições das premissas das quais deriva a decisão final. A justificação externa da premissa de facto da decisão concerne às razões pelas quais o juiz reconstruiu e determinou de uma dada maneira os factos da causa: estas razões referem-se, essencialmente, às provas das quais o juiz se serviu para decidir acerca da verdade ou falsidade dos factos.” [[4]]        

No entanto, como adverte este autor, torna-se necessário eliminar um equívoco, consistente em considerar que a motivação é uma espécie de registo do razoamento que o juiz desenvolveu para chegar à decisão. “[Pelo] que respeita à motivação do juízo de facto, a motivação seria então uma espécie de narrativa (recuento) do que o juiz havia pensado ao praticar as provas, ao valorá-las e ao derivar delas a decisão final. Trata-se de uma concepção errada: há que distinguir entre o razoamento com que o juiz chegou a uma decisão e o razoamento com que o juiz a justifica. O primeiro razoamento tem um carácter heurístico, procede por hipóteses verificadas e falseadas, inclui inferências abdutivas e articula-se numa sequência de eleições até à eleição final sobre a verdade ou falsidade dos factos. A motivação da decisão consiste num razoamento justificado que – por assim dizer – pressupõe a decisão e está dirigida a mostrar que há «boas razões» e argumentos logicamente correctos, para a considerar válida e aceitável. Naturalmente, pode suceder que haja pontos de contacto entre as duas fases do razoamento do Juiz: o juiz que sabe que deve motivar estará induzido a razoar correctamente ainda quando está valorando as provas e formulando a decisão. O mesmo juiz ao redactar a motivação, poderá completar argumentos e inferências que formulou ao valorar as provas e ao configurar a decisão final. Isto não demonstra, sem embargo, que as duas fases de razoamento do juiz tenham a mesma estrutura e a mesma função, nem muito menos que uma possa considerar-se como uma espécie de reprodução da outra,” [[5]/[6]]

O tribunal quando procede à reapreciação da decisão de facto deve motivar a sua decisão, dado que esta exigência constitucional realiza uma das funções determinantes da acção jurisdicional na legitimação interna e externa do processo. [[7]]

Entre os aspectos determinantes da função extraprocessual da motivação, Michele Taruffo assinala a instrumentalidade que caracteriza a obrigação constitucional da motivação “[c]om respeito às garantias fundamentais relativas á administração da Justiça: é mediante a motivação, com efeito, que se torna possível controlar se em cada caso se cumpriram efectivamente princípios como o da legalidade ou os atinentes ao “devido processo”. “Otro aspecto relevante de la función de la motivación, que esta en el fundamento de su obligatoriedad, es que induce al juez a demostrar, justificando su decisión, que hay razones válidas para considerar la decisión misma como coherente con el sistema jurídico en el que se inserta. En este sentido, la motivación desarrolla una función de legitimación de la decisión, em cuanto muestra que responde a critérios que guían el ordenamiento y gobieman la muestra la actividad del juez”. [[8]]  

Discorrendo sobre a natureza da motivação este autor assevera que não será correcta a ideia que parece querer impor-se de que o juiz deveria reproduzir o percurso lógico e psicológico da decisão que tomou “[a] a decisão estaria motivada sobre a base de uma espécie de explicação, quer dizer sobre a base de momentos e passagens mediante os quais a decisão se foi formando na mente do juiz”. “Este modo de entender la motivación como un discurso que desenhe la formación de la decisión está bastante difundido pero es impropio y está sustancialmente equivocado por varias razones que se pueden indicar sinteticamente.” [[9]] A primeira é que a psicologia da decisão e a estrutura da sentença não são coisas qualitativamente diferentes e deve ser evitada a confusão entre elas. Por outro lado parece obvio a impossibilidade de para o juiz de redactar uma espécie de registo ou reconto das suas próprias passagens mentais para explicar como chegou à decisão: “[e]l procedimiento mental  deI juez se desarrolla em vários momentos en el curso del proceso, y sóIo aI flnal lleva a cabo la decisión final. ”Em otros términos lo que se exige al juez cuando se Ie impone la obligación de motivación, es suministrar una justificación racional de su decisión és decir, desarrollar un conjunto de argumentaciones que hagan que su decisión resulte justificada sobre la base de critérios y estándares intersubjetivos de razonamiento. Si se acoge, como parece necesario, la concepción «legalracional» de la justicia, em los términos que han sido establecidos claramente por ejemplo, por Jerzy WROBLEWSKI con referencia a ordenamientos que – como el nuestro – están marcados por el principio de la legalidad, resulta evidente que la motivación de la sentencia consiste precisamente em um discurso justificativo en el que el juez enuncia y desarrolla las «buenas razones» que fundamentan la legitimidad e la racionalidad de la decisón”. [[10]]  

Arrancando destes ensinamentos, o juiz que reaprecia a prova, em via de recurso, deve “[S]iempre y cuando eI juez haya motivado su razonamiento probatório, el juez ad quem podrá revisar las declaraciones prestadas por los sujetos del  proceso, y comprobar que efectivamente eran coherentes, estaban corroboradas, contextualizadas y no contenían detalles oportunistas, siempre que cada uno de esos aspectos sea relevante en el caso concreto, […] El juez de apelación, finalmente, puede hacer algo más que descubrir los errores en el razonamiento probatório de la forma indicada. También puede, a raiz del descubrimiento de dichos errores, valorar conjuntamente toda la prueba practicada y extraer una versión diferente a la afirmada por el juez a quo.” [[11]/[12]]

Na posse destes instrumentos de razoamento poderemos asseverar que, a motivação supra extractada, não podendo crismar-se como exemplar ou de tábua de ensino, cumpre os critérios e função de uma motivação atinada com o dever constitucional de motivação de uma decisão judicial.

Antes de prosseguir importa deixar nota impressiva que o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, só conhece, em princípio, de matéria de direito, devendo acatar a decisão de facto que as instâncias, nesta matéria, hajam adquirido para a decisão jurídica (artigo 729.º nº 1 do Código Processo Civil). Daí que o eventual erro na apreciação das provas e na fixação da matéria de facto pelo tribunal recorrido só possa ser objecto do recurso de revista quando haja ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (arts. 721.º, nº 2 e 722.º, nºs 1 e 2, do CPC). Decorre deste prius jusnormativo que o Supremo Tribunal de Justiça só pode sindicar a decisão das instâncias quanto à matéria de facto fixada, nomeadamente da Relação, quando esta considerar como provado um facto sem produção da prova por força da lei indispensável para demonstrar a sua existência ou se houver desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no ordenamento jurídico, excepções estas que claramente não ocorrem no caso “sub-judice”.

Para sustentar a alteração/modificação da decisão de facto que advinha da 1.ª instância, o tribunal recorrido ponderou, depois de ter transcrito o depoimento das testemunhas que haviam sido indicadas como demonstração da errada interpretação da prova testemunhal efectuada pelo tribunal de primeira instância que (sic): “O que decidir, conjugando o depoimento das testemunhas, cujos depoimentos são os acima explanados, e documentos?

Os depoimentos de PP e QQ afiguram-se nos como fundamentais face ao envolvimento profissional com a contabilidade da A. e com a teia de relações interpessoais entre o sócio da A JJ, sua esposa e demais sócios da R.

A este respeito, há que salientar também o depoimento de OO, que também se dá conta do que é descrito pela testemunha PP, acrescentando que a fronteira entre a R e uma sociedade irregular era inexistente, de facto.

Dai que possamos concluir:

- que entre a esposa do Sr. JJ e este, o ambiente era de pura hostilidade, querendo este último que a primeira não viesse a receber nada da A. O processo de separação e divórcio estava a decorrer; dai a descapitalização da A.

- Por outro lado, o Sr. JJ estava particularmente doente, tendo posteriormente falecido.

As relações entre a R e a dita sociedade irregular eram ténues

— Foram vendidos apartamentos (pág. 87 a 109)

Dentro deste contexto, de relações interpessoais e societárias atribuladas, não podemos deixar de compaginar os documentos de fls. 10 a 12,31 com o referenciado pelas testemunhas PP e QQ, bem como de OO. Há a salientar o seguinte, quanto ao cheque de fls. 13 atenta a informação de fls. 190, nada se sabe quanto ao mesmo.”

Não se escolheria a fundamentação espraiada no acórdão recorrido como exemplo académico de uma motivação, tal como a entendem os autores supra citados. Só que a fundamentação deficiente não se equipara ou equivale a uma fundamentação omissa. Para que ocorra uma omissão, essencial e determinante da nulidade elencada no artigo 668.º do Código Processo Civil, importa que o tribunal tenha deixado de, indicar os meios de prova em que firma a sua convicção, deixe de fazer alusão a prova documental donde retira a existência de realidades factuais aí plasmadas e relevantes para o raciocínio que se depreende e perscruta na exposição que desenvolve na decisão e deixe de aludir, com o mínimo de arrimo a todo o material probatório analisado e ponderado, à concatenação ou conchavo factual onde escora a sua razão de inteligência para dessumir pela solução afirmativa ou negativa ao enunciado que havia sido proposto para decisão da questão de direito a resolver.

No caso em apreço, o tribunal, ainda que não exemplarmente, deu uma razão motivante para a solução a que chegou, ainda que de forma antinómica a que havia chegado o tribunal de primeira instância. Escorou-se no depoimento das testemunhas e congraçou-os com os documentos que haviam sido juntos ao processo para concluir que as quantias transferidas o haviam sido a título de empréstimo.

Como se disse supra, a errada análise e defeituoso julgamento efectuado pela Relação, relativamente à reapreciação da decisão de facto não se constitui matéria sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, a menos que tenha ocorrido violação das regras probatórias.

Estando vedado a este Tribunal sindicar ou proceder a uma reapreciação da ponderação essencial dos razoamentos e percursos intelectivos que conduziram á concreta solução da decisão de facto, quedaria a omissão da fundamentação para critica do aresto.

Não ocorrendo esta, concluir-se-á pela inexistência de nulidade de omissão de fundamentação, que geraria a arguida nulidade.                

II.B.2. – Nulidade do acórdão por contradição entre a fundamentação e a decisão.

Estima a recorrente, para escorar a existência de uma nulidade do aresto substanciada na contradição da fundamentação com a decisão – cfr. al. c) do n.º 1, do artigo 668.º do Código Processo Civil - que : “(…)dos factos que são dados como provados e com base nos quais o Tribunal a quo sustenta a sua decisão, nenhum aponta para a causa daquela transferência ser a existência de um empréstimo. Sendo que, outros apontam para a existência de uma outra causa.

Ou seja, os únicos factos tidos como provados revelam outra causa, sendo esse o motivo que conduz à conclusão de haver uma contradição entre o que se considera provado e a conclusão.

Esta realidade nem, tão pouco, é contrariada pelo facto de o Tribunal a quo ter mencionado que: "Perante estas conclusões de facto, constatamos que a autora e a Ré se vincularam reciprocamente por diversos contratos de mútuo, os quais não observaram forma prevista no art. 1143.º do C.C.”.

(…) Pode o Tribunal concluir que entre Autora e Ré foram feitas inúmeras operações de empréstimos recíprocos, o que não significa que estas transferências tenham sido para esse efeito. Tanto mais que, resulta provado nos autos, que o sócio gerente da Autora usava a conta da ré para depositar dinheiro e depois levantar para prejudicar o seu cônjuge. O que significa que, se alguém prejudicou o património da Autora não foi a ré, mas, outrossim o, então, sócio gerente da própria Autora, não se apurando, sequer, que a sociedade Ré tenha retirado, com isso, algum beneficio.

De todo o exposto, resulta que os factos considerados provados revelam que aqueles montantes (10.000€; 15000€ e 85000€) foram entregues pela Autora à ré, entrando na conta desta. Foi ainda provado que o sócio gerente da Autora, habitualmente, fazia depósitos de dinheiro pessoal na conta da Ré e que tentava fazer com que o dinheiro da Autora não passasse pela conta desta, de forma a descapitalizá-la para prejudicar a outra sócia, seu cônjuge.

Tal factualidade não permite a conclusão que o Tribunal da Relação extraiu e que levou à decisão de aquele dinheiro ter sido entregue a título de mútuo. Verifica-se, portanto, uma contradição entre os fundamentos, ou seja, os factos provados que sustentam a conclusão e a decisão do Tribunal.

Devendo o Acórdão se declarado nulo, por força do disposto no art. 668.º n.º 1 c) do CPC.”

A contradição entre os termos de uma operação de logicidade – postuladas as premissas e a conclusão – ocorre quando do termo conclusivo da operação emerge um sentido antagónico e incontido nas premissas condicionantes ou onde ela se deveria conter. As premissas na medida em que enunciam as balizas e os parâmetros em que um raciocínio se tem que movimentar contêm os pressupostos de razoamento que, num processo indutivo, encerram e condicionam a validade da conclusão.  

A sentença não se constitui como um silogismo, [[13]] no sentido de uma operação de logicidade subjectivo-formal, mas antes como uma operação de coerência racional intrínseca na argumentação que desenvolve no sentido de configurar um resultado em que o conteúdo de sentido se prefigure compatível com os termos da enunciação dos problemas a resolver. A sentença constitui um momento de solução de uma caso, em que para além das soluções fácticas já encontradas importa encontrar o sentido normativo para a factologia sedimentada. [[14]] Assim é que na sentença o juiz não está ilaqueado de lançar mão de máximas de experiência para integrar os factos que por si só não se poderiam constituir como factores de subsunção às normas aplicáveis. Daí que para além dos pressupostos de facto em que a decisão tem que assentar, a sentença deva apresentar uma coerência ou uma compatibilidade, não só semântica ou formal, mas, principalmente, material entre o que ficou adquirido, no plano fáctico, com aquilo que o tribunal deve argumentar, num plano discursivo, para constituir uma peça em que o conjunto do teor argumentativo se mostre compatível e inteligível com a realidade (fáctica) descrita e conseguida apurar no conspecto endoprocessual. [[15]] Os argumentos devem apresentar-se organizados e configurados segundo critérios de coerência racional e lógica, como forma de se figurarem válidos e prestáveis para a conclusão que pretendem impor.

Para que ocorra uma contradição entre um enunciado ou pressuposto de facto e uma conclusão (decisória) avulta como decisivo que o razoamento ou o raciocínio dedutivo se revele antinómico ou adverso na sua coerência, validade e compatibilidade discursiva e fáctico-material. Vale por dizer que numa operação de argumentação lógica os pressupostos de facto (supostamente válidos) contradizem ou conformam um sentido de razão oposto ao que se inferiu no epítome conclusivo. Existe, assim, uma inconciliabilidade ou incongruência intrínseca e lógico-material entre o que foi enunciado como pressuposto (fáctico) da decisão e a desinência normativa obtida.

Com a alteração/modificação da decisão de facto que tinha sido adquirida pela 1.ª instância, o tribunal de 2.ª instância passou a ter como adquiridos para a decisão jurídica, a proferir nesta instância, dois enunciados fácticos que não aquele, por virtude do juízo negativo que acerca da sua verificação tinha formulado, não tinha considerado. Nomeadamente que: “[As] quantias mencionadas em D), E)e F) foram entregues à R a titulo de empréstimo” – resposta alterada, e ora validada, relativamente ao quesito 2.º - e que: “[Em] razão do qual, a R deveria restituir à A tais quantias” – resposta adquirida pela alteração/modificação da decisão de facto provinda da primeira instância. 

Em face desta nova decisão de facto, a decisão a que tinha chegado a primeira instância não se poderia manter na 2.ª, devendo este tribunal adequar a solução jurídica á nova factualidade que resultou da reapreciação da decisão de facto.

A recorrente, salvo o devido respeito, conserva uma matriz argumentativa que mantém o padrão factual que foi conferido no tribunal de primeira instância, rechaçando ou desbordando, de forma evidente, a decisão de facto adveniente da reapreciação da decisão de facto operada pelo Tribunal da Relação. Na argumentação a que se procede, como ressalta do troço (significativo) que se deixou transcrito, a recorrente descarta os factos aditados – como provados – pela Relação para se fincar na questão das transferências de quantias entre as contas pertencentes á Autora e à Ré. Descartando o que ficou consolidada no Tribunal da Relação – existência de um empréstimo e obrigação de restituição, contidos nas respostas alteradas pela Relação – a recorrente mantém na sua veia argumentativa que as transferências foram efectuadas por motivações distintas ao empréstimo e que sendo essas as motivações que determinaram as transferências, naturalmente, não se poderia, inferir, como o faz a Relação que existiu um contrato de mútuo e que, as meras transferências de quantias de uma conta a outra não podem sustentar uma relação contratual em que a Autora entregou à Ré determinadas quantias e esta se obrigou a restituí-las.

Adrega que, para além dos factos que a recorrente inculca, relativamente ás transferências, também ficou provado, agora pela alteração/modificação fornecida aos quesitos 2.º e 3.º que ocorreu um empréstimo relativo às quantias referidas nas alíneas D) a F) e que a Ré tinha obrigação - ”deveria” – de as restituir à Autora.

Tendo como pano de fundo esta decisão de facto, a decisão de direito não se encontra dissonante com a decisão de direito, ou dito de outro modo, não ocorre a arguida dissensão entre a fundamentação e a decisão.                         

II.B.3. – Contrato de Mútuo. 

Em derradeiro transe, considera a recorrente que o tribunal a quo operou uma errada qualificação dos factos ao direito, porquanto (sic): “(…) aqueles montantes entraram na conta da ré, saindo da conta da Autora, ou pelo menos, do activo da Autora. O que significa que saiu dinheiro da Autora para a Ré. Mas tal não significa que tal transferência de verbas tivesse sido entregue a título de empréstimo.

Para se tratar de um mútuo, a tradição da coisa (dinheiro) deve ser efectuada com intuito de aquele que entrega o dinheiro ao outro o fazer para servir como empréstimo. Ou seja, para emprestar para que o outro use, como bem entenda e depois restitua outro do mesmo género, quantidade e qualidade. O que pressupõe declarações de vontade nesse sentido e real intuito de celebrar o negócio com esse fim. Assim, também aquele que recebe, obtém o dinheiro no seu património com intuito de o receber a título de empréstimo, ou seja, de o utilizar e, depois, restituir.”

O contrato de mútuo – cfr. art. 1142.º do Código Civil - configura-se como aquele em que alguém empresta a outrem dinheiro ou outra coisa fungível, “ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”. Quanto à sua natureza e caracterização jusnormativa, o contrato de mútuo, apresenta-se como um contrato bilateral ou sinalagmático, porquanto da sua assumpção nascem ou emergem obrigações recíprocas para ambos contraentes e oneroso, porquanto dele resulta um benefício para ambas as partes. Por um lado, para o mutuante, [[16]] que proporcionando ao mutuário a cessão temporária de uso de determinadas quantias ou bens, colhe desse cessão um beneficio ou proveito, pecuniário ou de outra natureza, por outro para o mutuário que recebe a coisa para retirar dela uma utilização proveitosa. A relação contratual ou o sinalagma perfecciona-se com a entrega da coisa ou quantia pecuniária, do lado do mutuário, do mesmo passo que, da banda do mutuante, o correlativo dever (recíproco) se consubstancia com a restituição de quantia ou bem fungível em valor equivalente, do mesmo género e qualidade, ao que lhe foi entregue pelo mutuante.

Poder-se-á dizer que o contrato de mútuo se apresenta como representando uma cessão, pelo mutuante, de um valor patrimonial, traduzido na possibilidade de se traduzir num valor em que se expressa, financeira e/ou economicamente, a quantia ou a coisa mutuada.  

O mútuo é um contrato típico e assume a natureza de um contrato real, quoad constitutionem, porquanto só se perfectibiliza com a entrega da quantia ou da coisa para a esfera de propriedade do mutuário. [[17]] Este traço característico do contrato de mútuo não surge, por exemplo, em contratos em que ocorre uma entrega de uma coisa, como é o caso dos contratos de comodato ou de depósito, dado que nestes não se opera uma translatio dominii.  

O contrato de mútuo pode “funcionar como contrato oneroso, desde que seja remunerada (com juros adequados) a concessão do uso do dinheiro (ou de outra coisa fungível) proporcionada pelo mutuante (art. 1145.º do Cód. Civil)”. [[18]]

O mútuo típico revela-se, pelos apontados traços definidores, como um contrato mediante o qual uma das partes, o mutuante, como ou sem retribuição renúncia temporariamente à disponibilidade de uma certa quantia de dinheiro ou ao equivalente a certa coisa fungível, pela cedência a outrem, o mutuário, podendo este retirar delas um aproveitamento.

Ao lado do contrato típico de mútuo real cujo traço distintivo se caracteriza pela entrega de uma quantia ou outra coisa fungível, a doutrina configura o contrato de mútuo consensual. “[De] acordo com essa doutrina, ao lado da figura do mútuo real, tal como o Código de 1867 o previu e regulou nos artigos 1523.º e seguintes (e o Código de 1966 o remodelou nos arts. 1142.º e segs.), dentro da galeria dos contratos típicos ou nominados, haveria que admitir a existência e a validade do contrato de mútuo consensual, trazido pelo intérprete, não através dos módulos negociais típicos da lei, mas à arreata (perdoe-se­-nos a expressão) do principio da liberdade de contratar.

A principal diferença prática existente entre as duas espécies residiria no facto de o mutuante, neste último caso, ficar obrigado pelo contrato antes da entrega da coisa, logo que houvesse mútuo acordo das partes acerca da realização do empréstimo. Ao passo que, no caso do mútuo real, o mutuante não ficaria vinculado senão a: partir da entrega, podendo antes dela voltar atrás na consumação do contrato (porque perdesse a confiança no outro contraente, porque precisasse do dinheiro para outros fins, porque não tivessem sido oferecidas garantias com que contava, etc.).

Ora, a verdade é que, não obstante a convicta sugestão de VAZ SERRA, o contrato de mútuo continuou a ser definido, quer nos textos dos anteprojectos (1.a e 2.a revisões ministeriais), quer na versão definitiva do Código, em termos que apenas cobrem ou albergam a figura do mútuo real.” [[19]

O contrato de mútuo assume, relativamente à forma, as características de um contrato solene – cfr. artigo 1143.º do Cód. Civil – dado para que seja eficaz e válido se torna necessário que as declarações de vontade expressas pelos contraentes sejam plasmadas em escritura pública, se a quantia mutuada for igual ou superior às quantias legalmente fixadas.   

Tratando-se de uma formalidade exigida por lei resulta do preceituado no n.º 1 do artigo 364.º do Cód. Civil que “quando a lei exigir, como forma da declaração negocial. Documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior.” Nos termos do n.º 2 do citado preceito o documento pode ser substituído por confissão expressa, se resultar claramente da lei que foi exigido apenas para prova da declaração.

Do preceituado no n.º 2 pode-se inferir que quaisquer documentos – autênticos ou particulares – poderão constituir formalidades “ad probationem,, desde que, excepcionalmente, resulte, inequivocamente, da lei que a finalidade tida em vista ao ser formulada certa exigência de forma foi apenas a de obter prova segura acerca do acto. [[20]]

Tratando-se de um contrato de mútuo real e oneroso a necessidade de redução das declarações em escritura pública ou documento particular autenticado torna este tipo de contrato um contrato solene, não podendo a prova ser efectuada senão por documento de valor idêntico, o que faz depender a validade do contrato de mútuo, a partir dos limites fixados na lei, de um requisito ad substantiam – cfr. artigo 364.º, ex vi do artigo 219.º, do Código Civil.

Tal como a acção foi gizada pelo autor, este fundamenta os pedidos no facto de os empréstimos não terem sido formalizados em escritura pública ou documento assinado pelo mutuário, o que por ausência de forma os contratos deveriam ser declarados nulos e o mutuário obrigado a restituir as quantias que lhe foram entregues a título de empréstimo – cfr. artigo 289.º do Código Civil.

Para que a pretensão do demandante vencesse tornava-se necessário que, da prova produzida, resultasse que as quantias haviam sido entregues a título de empréstimo e que, correlativamente, a Ré se tivesse obrigado a restituir o equivalente ao que avia recebido a esse título.

Resultou provado que as quantias referidas nas alíneas D), E), e F) haviam sido entregues – rectius transferidas – pela demandante, a título de empréstimo, à demandada e que esta se havia obrigado a restituí-las – cfr. resposta modificada e positiva aos quesitos 2.º e 3.º.

Tendo as quantias referidas nos quesitos 2.º e 3.º sido transferidas, pelo mutuário, para as contas da Ré com a intenção de as vir a reaver, pela restituição, em equivalente, por banda da Ré, resulta perfeito o sinalagma que funda o contrato bilateral de mútuo. De um lado a entrega, mediante transferência das quantias especificadas nas alíneas D), E), e F), por outro a obrigação assumida pela Ré de as vir a restituir.

Resultando igualmente que não foi utilizada a forma estipulada, legalmente, para a formalização dos contratos de mútuo – cfr. artigo 1143.º do Código Civil – a sanção a aplicar será a nulidade do contrato – cfr. artigo 220.º, ex vi do artigo 1143.º, ambos do Código Civil – com as consequências impostas pelo artigo 289.º, n.º 1 do mesmo livro de leis.

Não merece, portanto, censura, a decisão impugnada, que se deverá manter.

A solução conferida ao aresto, inviabiliza o conhecimento da questão enunciada em quarto lugar das alegações da recorrente – “Da não consideração de todos os factos provados” – dado que do enunciado fáctico constante da resposta ao quesito 19.º não se retira o sentido confessório que lhe é atribuído pela recorrente.   

III. – DECISÃO.

Na defluência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 1.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Negar a revista;

- Condenar a recorrente nas custas.

Lisboa, 3 de Outubro de 2013

Gabriel Catarino – (Relator)

Maria Clara Sottomayor

Sebastião Póvoas                                 

_____________________________
[1] Taruffo; Michele, in “Paginas sobre Justicia Civil”, Marcial Pons, Madrid, 2009, pág. 531-532.
[2] Taruffo; Michele, in “Paginas sobre Justicia Civil”, Marcial Pons, Madrid, 2009, pág. 233.
[3] Taruffo; Michele, in “Paginas sobre Justicia Civil”, Marcial Pons, Madrid, 2009, pág. 535.
[4] Taruffo; Michele, in “Paginas sobre Justicia Civil”, Marcial Pons, Madrid, 2009, pág. 536.
[5] Taruffo; Michele, in “Paginas sobre Justicia Civil”, Marcial Pons, Madrid, 2009, pág. 537.
[6] Cfr. no mesmo sentido Nieva Fenoll, Jordi, in “La valoración de la Prueba”, Marcial Pons, Madrid, 2010, pág. 196 a 199 ou ainda Taruffo, Michele, in “Simplemente la Verdad. El Juez y la construción de los hachos”, Marcial Pons, Madrid, 2010, 232 a 274, em especial de págs. 266 a 274. 
[7] Cfr. Taruffo, Michele, in “Paginas sobre Justicia Civil”, Processo e Direito, Marcial Pons, Madrid, 2009, pág. 516 e 517. Para este autor a motivação desdobra-se numa dupla função, uma de cariz ou índole endoprocessual e outra de feição extraprocessual. “La función endoprocesaI es aquella gue desarrolla la motivación de la sentencia, entendida como requisito técnico del pronunciamiento jurisdiccionaI, em ell interior deI proceso. Esta función está conectada directamente com la impugnación de la sentencia y se articula em dos aspectos principales: a) la motivación es útil para las partes gue pretenden impugnar la sentencia,dado que el conocimiento de los motivos de la decisión facilita Ia identificación de los errores cometidos por eI juez y em cualquier caso de los aspectos criticables de la decisión misma, y, por tanto, hace más fácil la identificación de los motivos de impugnación. (…), La motivación de la sentencia és también útil para eI juez de Ia impugnación, dado que facilita la tarea de reexaminar la decisión impugnada, tomando em consideración las justificaciones aducidas por el juez inferior”. “La función extraprocesal de la motivación se conecta directamente com la dimensión constitucional y la naturaleza garantista de la correspondiente obIigación, y al mismo tiempo se explica y justifica em la absoluta generalidad y la consecuente imposibilidad de entenderla como derogable ad libitum por ellegislador ordinário (y mucho menos como derogable ad libitum por el juez o las partes). Tal función no se plantea, obviamente, como altemativa a la función endoprocesal recién descrita, sino que se añade a ella, ubicandose por lo demás en un riivel diverso y de mayor relevância político-institucional. Consiste funndamentalmente en el hecho de que la motivación se encuentra destinada a hacer posible un control externo (es decir, no limitado al contexto del proceso concreto en nl que se pronuncia la sentencia, y no limitado a Ias partes y al juez de Ia impugnación) sobre las razones que sustentan la decisión judicial. Em este sentido, Ia obligación de motivación se entiende como una expresión importante (obviamente no la única) de la concepción democrática dei poder, y em particular del poder judicial, con base en la cual una condición esencial para el correcto y legítimo ejercicio del poder consiste precisamente em Ia necesidad de que los órganos que lo ejercen se sometan a um controI externo, eI cujo sóIo puede llevarse a cabo suministrando las razones por Ias cuales aqueI poder se ha eiercido de esse modo.”   
[8] Cfr. Michele Taruffo, op. loc. Cit, pág. 518.
[9] Cfr. Michele Taruffo, op. loc. Cit, pág. 519.
[10] Cfr. Michele Taruffo, op. loc. Cit, pág. 520.
[11] Cfr. Nieva Fenoll, Jordi, in “La valoración de la Prueba – La impugnación de la valoración de la Prueba”, Marcial Pons, Madrid, 2010, págs. 346 a 356. “El tribunal de apelación está en perfectas condiciones de reinterpretar toda la resultancia probatoria, com lo que podrá resolver el litigio, desde luego de manera más justa, practicando incluso pruebas complementarias en los casos em que el ordenamiento le autorice para ello.”   

[12] Cfr. neste sentido o acórdão deste Supremo Tribunal de 12-033-2009 que doutrinou: “1. Após a entrada em vigor do Dec-lei 183/00, de 10 de Agosto, tendo ocorrido, em julgamento, gravação dos depoimentos prestados, e sendo impugnada, nos termos do art. 690º-A do CPC, a decisão de facto com base neles proferida, a reapreciação das provas em que assentou a parte impugnada da decisão, a efectuar pela Relação, nos termos do n.º 2 do art. 712º do mesmo Código, implica, além do mais, que esta ouça ou visualize os depoimentos indicados pelas partes, como o impõe o n.º 5 daquele art. 690º-A. 2. Nesse caso, a Relação vai, na sua veste de tribunal de apelação, reponderar a prova produzida em que, no tocante aos pontos de facto visados, assentou a decisão impugnada. 3. Essa reapreciação tem, quanto aos pontos sobre que incide, a amplitude de um novo julgamento em matéria de facto, podendo a Relação, no uso da sua liberdade de convicção probatória, aderir ou não aos fundamentos e à decisão da 1ª instância: a liberdade de julgamento a que alude o n.º 1 do art. 655.º vale também nesta reapreciação. 4. Só assim se assegura um duplo grau de jurisdição em matéria de facto e se vai além de um mero controlo formal da motivação da decisão da 1ª instância, dando-se concretização a uma das garantias judiciárias fundamentais das partes. 5. Se, não obstante a gravação da prova, a Relação não cumpre o poder-dever de a reapreciar nos moldes supra referidos, não procedendo à sua audição e não fazendo o exame crítico, concreto e pontual dos meios de prova invocados pelo recorrente e pelo recorrido, deve o Supremo anular o acórdão recorrido e fazer baixar o processo à Relação para que aí, se possível pelos mesmos juízes, se proceda à reapreciação em termos devidos, e se profira nova decisão.” Mais recentemente o Acórdão deste supremo Tribunal 24-05-2011 (Conselheiro Garcia Calejo), disponível em www.stj.pt “II – Com vista à concretização do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto impõe-se a gravação e registo da prova, abrindo-se assim o recurso amplo sobre a matéria de facto, tendo o legislador, para a prossecução desse desiderato, aditado ao CPC um conjunto de normas relativas ao registo dos depoimentos, designadamente os arts. 512.º, n.º 1, 522.º-A, 522.º-B, 522.º-C, 3 690.º-A; III – O legislador ao afirmar que a Relação “reaprecia as provas”, acrescentando que na reapreciação se poderá atender a “quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão” (cf. art. 712.º, n.º 2, do CPC), pretendeu que o tribunal de 2.ª instância faça novo julgamento da matéria de facto, vá à procura da sua própria convicção e, assim, se assegure o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto. IV – Quando exista gravação dos depoimentos prestados em audiência, a Relação reapreciará e reponderará a prova produzida sobre que assentou a decisão impugnada, atendendo aos elementos indicados, de modo a formar a sua própria convicção; V - Não é compatível com a exigência da lei, em termos de reapreciação da matéria de facto, o exercício (apenas formal) por parte da Relação de um poder que se fique por afirmações genéricas de não modificação da matéria de facto, por não se evidenciarem erros de julgamento, ou se contenha numa simples adesão aos fundamentos da decisão, ou numa pura aceitação acrítica das provas, abstendo-se de tomar parte activa na avaliação dos elementos probatórios indicados pelas partes ou adquiridos oficiosamente pelo tribunal; VI – Não tendo o tribunal a quo procedido a uma correcta reavaliação da matéria de facto, procurando a sua própria convicção, não cumpriu o disposto no art. 712.º, n.º 2, do CPC, não tendo assegurado o duplo grau de jurisdição, em termos de matéria de facto, pelo que tem de ser anulado o acórdão recorrido, determinando-se a baixa do processo à Relação para que se proceda à devida reapreciação da prova.”
[13] Cfr. Tarufo, Michelle, in “La Motivazione della sentenza civile”, Padova, 1975, pp. 149-169 considera que a doutrina do silogismo lógico [è peraltro errónea si se presenta come una teoria del giudizio, in quanto non è possible dimostrare che il ragionamento decisorio ha strutura silogística, mentre è possible dimostrare che ha una strutura diversa; è invece incompleta se si presenta come teoria della motivazione, poichè la strutura dedutiva è solo una componente della motivazione, mentre vi sono ragioni decisive per respingerla se si presenta como una teoria di ciò che la motivazione dovrebbe essere; infine, la stessa dottrina è priva di significato se si presenta contemporaneamente come teoria sia del giudizio che la motivazione”. Citado por Aliste Santos, Tomás-Javier, in “La Motivazione de las Resoluciones Judiciales”, Marcial Pons, “Proceso y Derecho”, Madrid, 2011, pág. 253       
[14] Para uma abordagem mais aprofundada veja-se Martinez Zorrilla, David, “Metodologia Jurídica y Argumentación”, Marcial Pons, Madrid, 2010.
[15] “Sólo podemos explicar lo que es un hecho con la ayuda de la verdad de un enunciado sobre los hechos; e lo que es real sólo podemos explicarlo en términos de lo que es verdadero” – Habermas, Jürgen, “Verdad y Justificación”, Editorial Trotta, Madrid, 2007, pág. 237. “[…] Uno de los aspectos esenciales de la justificación de un argumento es la llamada justificación interna, esto es, de la corrección lógica del razonamiento. Si no existe un vinculo logicamente correcto entre las premissas y la conclusión, el argumetno es rechazado. (…) Un argumento válido es todo argumento que satisface los requisitos de la lógica; esto es, un argumento logicamente correcto.” - apud Martinez Zorrilla, Davis, op. loc. cit. pág. 207.       

[16] Antunes Varela, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 124.º, págs. 269 a 271 e 274, depois de apontar os traços definidores que devem assumir os contratos sinalagmáticos ou bilaterais e onerosos e gratuitos, refere que “No que concerne ao contrato de mútuo, este pode ser considerado o exemplo típico do contrato que, sendo por natureza, graças à sua estrutura, um contrato unilateral, pode ao mesmo tempo funcionar como uni con­trato oneroso, desde que seja: remunerada (com os juros adequados) a concessão do uso do dinheiro (ou de outra coisa fungível) proporcionada pelo mutuante (cfr. art. 1145.º do Cód. Civil).

Com efeito, do contrato de mútuo resul­tam obrigações, em princípio, apenas para uma das partes, que é o mutuário (a obrigação de restituir o equivalente da coisa recebida; a obrigação de pagar os juros estipulados ou os juros devidos; etc.).
A prestação a cargo do mutuante, que é a peça fundamental da operação negocial no seu aspecto económico, não assenta numa obrigação resultante do contrato, porquanto se trata, bem pelo contrário, de uma prestação integradora do contrato”   
[17] Para uma distinção mais impressiva entre mutuo real e mútuo consensual vide Antunes Varela, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 124.º, n.ºs 3809 e 3810, págs. 254 e segs. 
[18] cfr. Antunes Varela, in op. loc. cit. pág. 271 e 274, quanto à necessidade de ter em conta a função económica do contrato para definição da gratuitidade ou onerosidade do contrato de mútuo. 
[19] cfr. Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência, “Anteprojecto do Livro das Obrigações”, págs. 67 e segs., citado por Antunes Varela, in op. loc. cit, pág. 254 e 255. 
[20] Cfr. neste sentido Mota Pinto, Carlos , in “Teoria Geral do Direito Civil”, Coimbra Editora, 2012, 4.ª edição, editada por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, pág. 434.