Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8068/20.7T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: DOMINGOS JOSÉ DE MORAIS
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
ACTIVIDADE DE SEGURANÇA PRIVADA
PEDIDO PRINCIPAL
PEDIDO SUBSIDIÁRIO
Data do Acordão: 09/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Sumário :

I - A baixa dos autos prevista no artigo 617.º, n.º 5, do Código Processo Civil, constitui uma mera possibilidade, atento o caso concreto, e não uma obrigatoriedade genérica para o relator.


II - Para que se verifique transmissão do estabelecimento para efeitos do disposto no artigo 285.º do CT, é essencial que o negócio ou atividade transmitida constitua uma unidade económica autónoma na esfera do transmitente.


III - Inexiste transmissão de estabelecimento quando uma empresa deixa de prestar serviços de vigilância e segurança junto de determinado cliente, na sequência de adjudicação, por este, de tais serviços de vigilância a outra empresa, sem que se tivesse verificado a assunção de qualquer trabalhador da anterior empresa e tão pouco qualquer transferência de bens ou equipamentos de prossecução da actividade susceptível de consubstanciar uma “unidade económica” do estabelecimento.


IV - Inexiste trânsito em julgado parcial de decisão judicial que aprecie pedidos - principal e subsidiário - interligados entre si pela mesma causa de pedir: despedimento ilícito.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 8068/20.7T8LSB.L1.S1


Origem: Tribunal Relação Lisboa


Recurso de revista


Relator: Conselheiro Domingos Morais


Adjuntos: Conselheiro Mário Belo Morgado


Conselheiro Júlio Gomes


Acordam os Juízes na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I. - Relatório


1. - AA intentou acção de processo comum, contra


Securitas - Serviços e Tecnologia de Segurança, S.A. e


PSG - Segurança Privada, alegando, em resumo, que:


As Rés são ambas sociedades comerciais que se dedicam, nomeadamente, à actividade de segurança privada.


A Autora trabalhou para a 1.ª Ré, como vigilante, desde 01 de outubro de 1994, desempenhando, ultimamente, as suas funções no M.... .. ........ .. ...., sito na Rua ....


A 1.ª Ré, por carta datada de 17 de janeiro de 2020, comunicou à Autora, a transmissão de estabelecimento do L... . ........... ........ .. ....... . ........ . ... ...... .. ....... . ......, seu local de trabalho, para a 2.ª Ré, a partir de 01 de fevereiro de 2020.


A 2.ª Ré informou a Autora de que não reconhecia existir qualquer transmissão do estabelecimento, e, muito menos, a transmissão do contrato de trabalho da Autora da 1.ª Ré para a 2.ª Ré.


A falta de disponibilidade para receber a Autora no seu posto de trabalho redunda num despedimento ilícito.


Terminou, pedindo:


“(D)eve a presente ação ser julgada procedente e:


1. Declarar-se como não transmitido o contrato de trabalho da Autora, ou não confirmada a sucessão do seu posto de trabalho, da 1.ª Ré para a 2.ª Ré, por não se verificar a transmissão do estabelecimento alegada pela 1.ª Ré.


2. A conduta da 1.ª Ré ser considerada adequada a constituir um verdadeiro despedimento da Autora e, em consequência, ser o mesmo declarado ilícito, porque sem fundamento legal e sem precedência de qualquer procedimento ou formalidade;


3. Ser a 1.ª Ré condenada a reintegrar a Autora no seu posto de trabalho, sem qualquer perda de direitos, regalias, categoria e antiguidade;


4. Em substituição da reintegração, se assim por ela a Autora optar, até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, ser a 1.ª Ré condenada a pagar à Autora a indemnização de antiguidade no valor correspondente a 45 dias de retribuição base por cada ano fração de antiguidade que tiver decorrido desde o início do seu contrato de trabalho e o trânsito em julgado da sentença final, tudo a quantificar em incidente de liquidação, nos termos dos artigos 609.º, n.º 2 e 358.º e seguintes do CPC e que na presente data se computa em € 31.388,37€;


5. Ser a 1.ª Ré condenada a pagar à Autora as remunerações que esta receberia se se mantivesse ao serviço até ao trânsito em julgado da decisão judicial, sem prejuízo do disposto no artigo 390.º, n.º 2, do Código do Trabalho;


6. Ser a 1.ª Ré condenada a pagar à Autora a título de retribuição do período das férias do ano de 2019, vencidas a 01 de Janeiro de 2020 e respetivo subsídio de férias no valor de 1.531,14;


7. Ser a 1.ª Ré condenada a pagar à Autora o valor de 191,40 € referente aos períodos proporcionais das férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, no ano da cessação do vínculo laboral (2020);


8. Ser a 1.ª Ré condenada a pagar à Autora a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado, pelo que deve ser compensada no valor de 486,20€;


9. Ser a 1.ª Ré condenada a pagar a Autora uma indemnização por danos não patrimoniais, não inferior a 5.000,00€ (cinco mil euros), acrescendo ainda os danos patrimoniais que vierem a ocorrer no decurso dos presentes autos e em consequência do despedimento da Autora, a apurar em sede de liquidação de sentença, ao abrigo do artigo 389.º, n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho.


10. Ser a 1.ª Ré condenada nos juros moratórios devidos pelas prestações acima peticionadas, calculados à taxa legal, vencidos desde a data da citação até efetivo pagamento, tudo com as legais consequências.


Se assim não se entender, subsidiariamente e sem prejuízo da responsabilidade solidária da 1.ª e 2.ª Rés, deve:


11. Declarar-se como transmitido o contrato de trabalho da Autora, ou confirmada a sucessão do seu posto de trabalho, da 1.ª Ré para a 2.ª Ré, por se verificar a transmissão do estabelecimento alegada pela 1.ª Ré.


12. A conduta da 2.ª Ré ser considerada adequada a constituir um verdadeiro despedimento da Autora e, em consequência, ser o mesmo declarado ilícito, porque sem fundamento legal e sem precedência de qualquer procedimento ou formalidade;


13. Ser a 2.ª Ré condenada a reintegrar a Autora no seu posto de trabalho sem qualquer perda de direitos, regalias, categoria e antiguidade;


14. Em substituição da reintegração, se assim por ela a Autora optar, até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, ser a 2.ª Ré condenada a pagar à Autora a indemnização de antiguidade no valor correspondente a 45 dias de retribuição base por cada ano fração de antiguidade que tiver decorrido desde o início do seu contrato de trabalho e o trânsito em julgado da sentença final, tudo a quantificar em incidente de liquidação, nos termos dos artigos 609.º, n.º 2 e 358.º e seguintes do CPC e que na presente data se computa em € 31.388,37€


15. Ser a 2.ª Ré condenada a pagar à Autora as remunerações que esta receberia se se mantivesse ao serviço até ao trânsito em julgado da decisão judicial, sem prejuízo do disposto no artigo 390.º, n.º 2, do Código do Trabalho.


16. Ser a 2.ª Ré condenada a pagar à Autora a título de retribuição do período das férias do ano de 2019, vencidas a 01 de Janeiro de 2020 e respetivo subsídio de férias no valor de 1.531,14€;


17. Ser a 2.ª Ré condenada a pagar à Autora o valor de 191,40 € referente aos períodos proporcionais das férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, no ano da cessação do vínculo laboral (2020);


18. Ser a 2.ª Ré condenada a pagar à Autora a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado, pelo que deve ser compensada no valor de 486,20€;


19. Ser a 2.ª Ré condenada a pagar a Autora uma indemnização por danos não patrimoniais, não inferior a 5.000,00€ (cinco mil euros), acrescendo ainda os danos patrimoniais que vierem a ocorrer no decurso dos presentes autos e em consequência do despedimento da Autora, a apurar em sede de liquidação de sentença, ao abrigo do artigo 389.º, n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho.


20. Ser a 2.ª Ré condenada nos juros moratórios devidos pelas prestações acima peticionadas, calculados à taxa legal, vencidos desde a data da citação até efetivo pagamento, tudo com as legais consequências.”.


2. - As Rés contestaram, pedindo a sua absolvição do pedido.


3. - Na 1.ª instância foi decidido:


“(J)ulgo parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:


A. Declaro e reconheço a transmissão do contrato de trabalho da autora AA para a 2.ª ré PSG – Segurança Privada, SA., com efeitos a partir de 01-02-2020, por transmissão de estabelecimento referente ao M.... .. ........ .. .... . ........... ........ .. ....... . ........, com manutenção de todos os direitos contratuais e adquiridos durante a prestação de trabalho para a 1.ª ré Securitas – Serviços e Tecnologia de Segurança, Sa., com e para todos os efeitos.


B. Declaro a ilicitude da cessação do contrato de trabalho da autora AA, com efeitos a partir de 01-02-2022.


C. Condeno a 2.ª ré PSG – Segurança Privada, Sa. no pagamento à autora AA de indemnização em substituição da reintegração correspondente a 30 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade, cujo somatório total ascendia, no dia 22-3-2020, a € 31.388,37 (artigo 391.º do Código do Trabalho).


D. Condeno a 2.ª ré PSG – Segurança Privada, SA. no pagamento à autora AA de todas as retribuições que deixou de auferir desde a cessação do respetivo contrato de trabalho (a 01-02-2020), nos termos e com os efeitos do disposto no artigo 390.º n.ºs 1 e 2 do Código do Trabalho. Aquele valor integra os montantes devidos e vencidos a título de férias e de subsídios de férias e de Natal, bem como o somatório do número de horas de formação que não tenha sido proporcionado à autora.


E. Absolvo a 2.ª ré PSG – Segurança Privada, Sa. dos demais pedidos indemnizatórios formulados pela autora AA, a título de danos não patrimoniais e a título de danos patrimoniais que ocorressem no decurso da presente acção judicial.


F. Sobre as quantias acima referidas em C e D e, por maioria de razão, ao valor que vier a ser apurado com base na data do trânsito em julgado – no caso da condenação fixada em C - são devidos juros, à taxa legal, contados desde a data de citação (artigos 804.º, 805.º n.º 2, alínea a), e 806.º, do Código Civil).


G. Absolvo a 1.ª ré Securitas – Serviços e Tecnologia de Segurança, SA. de tudo o que foi peticionado pela autora AA.”.


4. - A 2.ª Ré PSG apelou e o Tribunal da Relação acordou:


a) Julgar a apelação interposta pela R. PSG- SEGURANÇA PRIVADA, SA., procedente e, em consequência:


1. Modificar o acervo fático conforme sobredito;


2. Declarar a nulidade parcial da sentença e


3. Absolver a Apelante do pedido contra si dirigido.


Custas pela Apelada A..


b) Julgar a apelação interposta pela A. parcialmente procedente e, em consequência:


1. Declarar a nulidade parcial da sentença e


2. Condenar a R. SECURITAS- SERVIÇOS E TECNOLOGIA DE SEGURANÇA, SA. no pagamento à A. da quantia de dois mil duzentos e oito euros e oitenta e quatro cêntimos (2.208,84€).


Custas pela R. SECURITAS.”.


5. - A Autora interpôs recurso de revista, concluindo, em síntese:


A Recorrente considera que as nulidades da sentença invocadas em ambos os recursos de apelação (da Autora e da Ré PSG) e a própria decisão central e de mérito tornavam indispensável que o juiz a quo se pronunciasse sobre as mesmas, com a faculdade de as suprir, pelo que os autos deveriam ter baixado ao tribunal da 1.ª instância a fim de ser proferido o despacho em questão.


Ao não ter sido assim determinado o Acórdão de que se recorre violou o disposto no n.º 1 e n.º 5, do artigo 617.º, do CPC - ex vi do artigo 77.º do CPT - e no n.º 1, do artigo 641.º, do CPC. (conclusões 6. e 7.)


A Recorrente, deduziu um pedido “principal” contra a Ré Securitas e um pedido “subsidiário” contra a Ré PSG. Porém, material e substantivamente, estamos perante um mesmo pedido, quantitativa e qualitativamente, embora contra diferentes Rés, consoante se decidisse por uma ou outra solução, mas com consequências exatamente coincidentes (ilicitude do despedimento e créditos laborais daí decorrentes).


É indiscutível que a Recorrente deduziu preferencialmente o pedido contra a RéSecuritas, entidadeparaaqualprestavao seu trabalho, masadmitiu, ab initio, como possível, um entendimento contrário, ou seja, que tinha ocorrido a transmissão do estabelecimento e, por via disso, da posição do empregador no contrato de trabalho da Autora para a Ré PSG.


A Recorrente, através da Sentença da 1.º Instância, a Autora viu ser considerado procedente o seu pedido contra a Ré PSG, praticamente na sua íntegra;


E excetuando o que alegou em sede de recurso de apelação, a Autora/Recorrente não se considerou parte vencida no processo, pois, muito embora o seu pedido contra a Ré Securitas não tenha sido julgado procedente, o pedido subsidiário contemplava e assegurava o seu interesse e os seus direitos de crédito, decorrentes da ilicitude do despedimento que tinha sido declarada.


Tendo em consideração o conceito de parte vencida, previsto no artigo 631.º, nº 1, do CPC, a Autora não ficou vencida no que foi decidido pelo Tribunal da 1.ª instância.


Efetivamente, na nossa lei processual consagrou-se um critério material de legitimidade para recorrer, e não meramente um critério de legitimidade formal, em que não se obteve o que se pediu ou requereu (cfr. Acórdão do STJ, de 17.03.2016 (processo nº 806/13.0TVLSB.L1.S1).


O que verdadeira e decisivamente conta é, assim, o prejuízo causado pela decisão desfavorável (vide L. Freitas, CPC Anotado, Vol. 3º, T. I, 2ª Ed., nota 2. ao artigo 680º do anterior CPC, pág. 25/26 e Ac. do STJ de 15.1.2004, Proc.03B3904, em www.dgsi.pt).


Ora, cotejados os pedidos deduzidos pela Recorrente nestes autos, foi pretendida uma única condenação apenas sendo diferente a parte subjectiva. A Autora, tanto queria a condenação da 1.ª Ré ou da 2.º Ré, embora preferisse a condenação da Ré Securitas em primeiro lugar.


Perfilhando a Recorrente este entendimento e mesmo que, sem conceder, seja mantido o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, aqui colocado em crise, com a absolvição da Ré PSG do pedido em 2.ª Instância não se poderá considerar que a decisão absolutória do Tribunal da 1.ª instância se tivesse consolidado relativamente à Ré Securitas.


Nem mesmo se pode entender ter operado uma renúncia ao recurso por aceitação parcial tácita da decisão da 1.ª instância, uma vez que a Autora tinha obtido vencimento no seu pedido, praticamente na sua totalidade e contra a Ré PSG.


O Acórdão da Relação de Lisboa ao absolver a Ré PSG deveria ter conhecido e decidido o pedido da Autora/Recorrente contra a Ré Securitas ou mesmo anular a sentença do tribunal da 1.ª instância, nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) e n.º 3, alínea c), do CPC, fazendo baixar os autos àquele tribunal a quo para reformulação da sentença, sob pena de estarmos perante um despedimento claramente ilícito, mas sem consequências para qualquer das Rés.


Ao assim não ter decidido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa – que aqui se coloca em crise - violou o vertido no n.º 1, do artigo 631.º, do CPC e 662.º, n.º 1 a 3, ambos do CPC, bem como os princípios do acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva, da segurança dos trabalhadores no emprego e de uma justiça razoável e equitativa, previstos nos artigos 20.º e 53.º, ambos da CRP e ainda o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o artigo 47.º da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais e o artigo 10.º Declaração Universal dos Direitos do Homem, aplicáveis no nosso ordenamento jurídico por receção material, por via do artigo 8.º da CRP, ilegalidades e inconstitucionalidades que, desde já, expressamente se invocam, paratodos os efeitos legais. (conclusões 8. a 22.).


6. - A 1.ª Ré Securitas contra-alegou, concluindo, em síntese:


10. A Autora, ora recorrente, conformou-se com a absolvição da Securitas (excepto na parte referente aos créditos laborais e da responsabilidade solidária da RR).


11. Como consta das suas Alegações de Apelação a pág. 6 e do ponto 1º das conclusões “A Recorrente não se conforma com a referida Sentença, apenas na parte que se reporta aos créditos laborais reclamados e responsabilidade solidária das Recorridas, nada existindo a apontar quanto à ilicitude do despedimento que foi declarada pelo Tribunal a quo”, delimitando, assim, o objecto da sua Apelação.


12. Não tendo a Autora interposto recurso, acautelando a absolvição da Ré Securitas do pedido, consolidou-se a decisão absolutória, como muito bem decidiu o Acórdão recorrido e, consequentemente, condenou a Securitas apenas no pagamento à Autora dos créditos laborais que a sentença tinha reconhecido, no valor de € 2.208,84.


13. O douto Acórdão recorrido encontra-se bem fundamento, não violou qualquer normativo legal, devendo manter-se inalterável, negando-se provimento ao recurso, por assim ser de Direito.


7. - A 2.ª Ré PSG contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso de revista da Autora.


8. - O Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência parcial da revista: “Em consonância, entende-se, e salvo melhor opinião, que, na improcedência do pedido subsidiário formulado pela recorrente em relação à 2.ª ré, deverão os presentes autos ser remetidos ao Tribunal da Relação de Lisboa para apreciação e decisão do pedido principal formulado contra a 1.ª ré.”.


9. - Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, ex vi do artigo 679.º, ambos do CPC, cumpre apreciar e decidir.


II. - Fundamentação de facto


1. - A 2.ª instância decidiu sobre a matéria de facto, como se transcreve:


Com relevância para a presente Decisão resultam provados os seguintes factos:


[artigos da PI:]


1. De 06-10-1992 a 30-9-1994, a autora trabalhou por conta, sob ordens, direção e fiscalização da firma R.... ........ . ........ .. .......... ..., exercendo funções de vigilante (documento n.ºs 1 e 2 juntos com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).


2. No âmbito de um acordo de transferência, celebrado a 12-9-1994, entre a R.... ........, a 1.ª ré e a autora, esta última começou a trabalhar por conta, sob ordens, direção, fiscalização e no interesse da 1.ª Ré Securitas, desde 01-10-1994.


3. À data de 31-01-2020, a autora exercia funções inerentes à categoria profissional de vigilante, no M.... .. ........ .. .... . ........... ........ .. ....... . .........


4. Essas funções de vigilante consistiam num controlo de entrada e saída de pessoas e mercadorias, com registo de ocorrências, nas portarias das instalações pertencentes ao L... (M.... .. ........).


5. A autora usava indumentária identificativa da 1.ª ré (placa identificativa e farda) fornecida por esta.


6. E com o horário de trabalho que lhe era determinado pela 1.ª ré;


7. Ou seja, um horário semanal de 40 horas, de segunda a sexta-feira, das 09h00m às 18h00m, com uma hora de intervalo para o almoço.


8. Auferia uma retribuição base ilíquida de 765,57 € mensais (documentos n.º 4 a 29 juntos com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).


9. A Autora é sindicalizada no Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades Diversas (documentos n.º 4 a 29 juntos com a PI).


10. A 1.ª ré enviou e a autora recebeu a carta - documento n.º 30 junto aos autos com a PI, a fls. 47 e 47 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.


11. Sendo que o L... .. ......, correspondia ao local de trabalho da autora (M.... .. ........ .. ....), sito na Rua ...


12. A referida carta foi recebida pela autora em 20-01-2020 e contém o seguinte teor:


“EXMO(A). SENHOR(A), AA RUA ...


N/Refª.:119/20-DRH 2020.01.17


Assunto: Transmissão de estabelecimento do L... ........... ........ .. ....... . ........ . ... ...... .. ....... . ...... - Informação Prevista no art. 286° do Código do Trabalho.


Exmo(a). Senhor(a),


Informamos que em sequência do CONCURSO PÚBLICO (...) – Relatório Preliminar, a empresa PSG – Segurança Privada, S.A., encontra-se em 1.º lugar. Está a decorrer o prazo de Audiência de Partes até às 24 horas do dia 21 de janeiro de 2020. Caso não haja nenhuma oposição, os serviços prestados pela nossa empresa nos estabelecimentos do cliente L..., onde V. Exa. presta serviço serão adjudicados à empresa, PSG-SEGURANÇA PRIVADA, S.A., para a Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância Humana.


Assim sendo e não havendo informação ao contrário até ao dia 31 de janeiro de 2020, último dia da nossa prestação de serviços, opera-se a transmissão de estabelecimento no dia 01 de fevereiro de 2020, para a empresa PSG - Segurança Privada, S.A., que assumirá a prestação do serviço naquele cliente, onde V. Exa. presta serviço.


Considerando que estamos perante uma unidade económica em que a gestão do local onde V. Exa. presta serviço está subordinada àquela Entidade, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho e demais bens transmitidos.


Como resultado deste Concurso e consequentemente a cessação do serviço de vigilância à Securitas, pela adjudicação do mesmo serviço à empresa supra indicada, constata-se que se mantém e transmite aquele, enquanto unidade económica para o novo operador, o qual deve receber a transmissão e a manutenção dos postos de trabalho e respetivos contratos de trabalho dos vigilantes que prestam funções nos locais da L..., em ... e em ..., ao abrigo do regime de transmissão de estabelecimento previsto no art° 285 do Código do Trabalho.


Informa-se ainda que por decisão do tribunal da Relação de Lisboa foi considerada nula e sem efeito a cláusula do contrato coletivo de trabalho que afastava a transmissão de estabelecimento do mesmo, vidé recurso n.º 357/13.1 TTPDL.L1 - 4ª secção de 25/03/2015.


Considerando a transmissão de estabelecimento operada, a Securitas procederá ao pagamento do vencimento correspondente aos dias trabalhados nesta empresa até à data da cessação do contrato com a Securitas, 31 de janeiro de 2020.


Com a presente missiva, esta empresa deu cumprimento dos deveres de prévia informação e subsequente consulta dos trabalhadores em causa, tal como previsto nos n° 1 e 2 do art° 286° do Código do Trabalho, comunicando aos mesmos a transmissão dos respetivos contratos de trabalho para a empresa PSG - SEGURANÇA PRIVADA, S.A., com sede na RUA ....


Mais se informa que a empresa PSG - SEGURANÇA PRIVADA, S.A., foi informada da lista dos trabalhadores a operar na L..., em ... e em ... e informação necessária para os contratos de trabalho.


Deverá proceder, nos escritórios da nossa Filial de ..., à entrega, em condições aceitáveis de manutenção, do fardamento que lhe está distribuído, bem como outros materiais e equipamentos que lhe tenham sido fornecidos, a partir do dia 01 de fevereiro de 2020.


Os melhores cumprimentos,


BB


Diretor de Recursos Humanos”.


13. A autora enviou e a 1.ª ré recebeu o email junto aos autos com a PI (documento n.º 31 junto com a PI, a fls. 48, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).


14. No dia 03-02-2020 a autora esteve nas instalações da 2.ª ré PSG, Sa., sitas na Rua ..., a fim de perceber se todas as condições do seu vínculo laboral efetivamente se mantinham, agora ao serviço e por conta da 2.ª ré.


15. Foi recebida pelo Sr. CC, “K.. ....... .......”, o qual informou a autora de que a 2.ª ré PSG, Sa. não reconhecia existir qualquer transmissão do estabelecimento.


16. Crendo a autora que esta situação não fosse mais do que um equívoco, no dia 11-02-2020 e após um período de férias, a autora compareceu no seu local de trabalho, onde até à data exerceu as suas funções de vigilância, declarando querer exercer as suas funções.


17. Nesse momento, a autora, constatou que a 2.ª ré já tinha ao seu serviço, desde 01-02-2020, naquele local, um outro trabalhador, devidamente identificado e uniformizado com as iniciais da PSG (documento n.º 33 junto com a PI, a fls. 50, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).


18. A 2.ª ré não permitiu o início da jornada de trabalho da autora.


19. A autora enviou e as rés receberam as cartas juntas aos autos com a PI (documentos n.ºs 34 a 39 junto com a PI, fls. 51 a 56, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).


20. As rés enviaram as cartas juntas aos autos com a PI (documentos n.ºs 40 e 41 juntos com a PI, a fls. 57 a 58 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).


21. A 1.ª ré Securitas, Sa. reiterou a existência da transmissão do estabelecimento e consequente transmissão da posição do empregador para a 2.ª ré PSG, Sa., no que ao vínculo laboral da autora diz respeito (documento n.º 40 junto com a PI, a fls. 57, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).


22. Por seu turno, a 2.ª ré PSG, Sa. recusou a transmissão do estabelecimento e, consequentemente, a cessão da posição contratual, afirmando que a autora “não tem qualquer vínculo” consigo (documento n.º 41 junto com a PI, a fls. 58 e 58 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).


[artigos da contestação da 1.ª ré – Securitas, Sa.:]


23. A autora tinha um horário semanal de 40 horas, em média, em regime de adaptabilidade.


24. De Dezembro de 2015 a 31-01-2020 a autora desempenhou as suas funções de vigilante no Pólo M.... ......... .. .... . ........... ........ .. ....... . ......... ...., sito na Rua ..., por colocação da 1.ª ré para cumprimento de um contrato de prestação de serviços de segurança privada celebrado entre a Securitas e o L.......... ........ .. ....... . ......... ....


25. No âmbito dos sucessivos contratos de prestação de serviços de vigilância e segurança celebrados entre a Securitas e o L..., que a título meramente exemplificativo aqui se juntam os celebrados em 27/12/2017 e 20/12/2019, com início, respetivamente, em 01.01.2018 a 31.12.2019 e 01.01.2020 a 31.01.2020 e caderno de encargos (documentos n.ºs 2, 3 e 4 juntos com a contestação da 1.ª ré, a fls. 98 e seguintes, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido) a Securitas obrigou-se a prestar os referidos serviços nas instalações do L..., sitas nos seguintes Polos:


Pólo de A......... .... .. .. ...... .. ......., no Pólo de A........ e no M.... ........., em ..., conforme consta dos citados contratos.


26. Entretanto, o L... abriu concurso público para aquisição de serviços combinados de vigilância e segurança humana com serviços de ligação a central de alarmes para os meses de Fevereiro a Junho de 2020, publicado no D.R. nº 4, II, Série, de 07.01.2020 (documento n.º 5 junto com a contestação da 1.ª ré, a fls. 112 verso e seguintes, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).


27. A 1.ª ré Securitas tomou conhecimento da data do início da nova adjudicação à 2.ª ré PSG em 23-01-2020.


28. A autora trabalhava sob a autoridade e direção da Securitas no M.... ......... .. ...., em ..., a exercer as funções de vigilante naquele M...., para satisfação dos serviços de vigilância e segurança que àquela tinham sido adjudicados até 31-01-2020.


29. A autora usava no desempenho das suas funções, farda da 1.ª ré Securitas com placa identificativa, canetas e impressos em papel para registos com o timbre da Securitas.


30. Cada empresa de segurança tem o seu próprio alvará, modelo de uniforme, bem como distintivos, símbolos e marcas os quais não podem ser utilizados pelas outras empresas.


31. Não existiu qualquer contrato ou negócio jurídico entre as sociedades PSG, Sa. e Securitas, Sa.


32. Apesar de só ter tido conhecimento em 23-01-2020 da adjudicação à PSG, a Securitas verificou que, na sequência do Relatório Preliminar do Concurso Público, a PSG encontrava-se em 1.º lugar, pelo que procedeu às comunicações previstas na lei o que fez no dia 17-01-2020.


33. A 1.ª ré Securitas, Sa. comunicou e a autora e o STAD – Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza Domésticas e Atividades Diversas receberam as cartas juntas nos autos com a contestação da mesma 1.ª ré (documentos n.ºs 7 e 10 juntos com a contestação, a fls. 114 verso e 115, 116 e 116 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).


34. A 2.ª ré PSG enviou à 1.ª ré Securitas a carta junta aos autos com a contestação desta 1.ª ré - documento n.º 15 junto com a contestação, a fls. 119 a 121, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido – informou a ré que não aceitava a transmissão.


35. A 1.ª ré enviou à 2.ª ré carta junta aos autos com a contestação da 1.ª ré – documento n.º 16, a fls. 121 verso, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.


36. A 1.ª ré enviou à ACT – Unidade Local de Lisboa Oriental a comunicação da transmissão do estabelecimento em causa nos autos (documento n.º 17 junto com a contestação da 1.ª ré, a fls. 122 verso e 113, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).


37. O grupo de 4 trabalhadores que estavam colocados no Pólo de A........ não foram incluídos pela 1.ª ré na lista de transmissão, tendo-os mudado para outro cliente.


38. A partir de 01-01-2020 e até 31-01-2020 e no que diz respeito ao Pólo de A........, não incluía serviços de vigilância e segurança humana, mas apenas serviços de ligação a central de receção e monitorização de alarmes, conforme consta do ANEXO I ao contrato de prestação de serviços e do ANEXO I do respetivo Caderno de Encargos (documentos n.ºs 3 e 4 juntos com a contestação da 1.ª ré Securitas, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).


39. Pelo que, a lista de trabalhadores enviada à PSG, Sa. apenas contém 5 trabalhadores.


40. Destes 5 trabalhadores a 1.ª ré Securitas chegou a acordo com a trabalhadora DD que foi transferida para outro estabelecimento, antes de 01-02-2020, o que foi comunicado à 2.ª ré PSG, Sa. para ser retirada da referida lista (documento n.º 18 junto com a contestação da 1.ª ré, fls. 123 verso e 124, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).


41. A autora, por mail de 27-01-2020 enviou à Securitas, Sa. o documento n.º 31 junto aos autos com a PI (fls. 48), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.


42. Eliminado


43. Não ocorreu qualquer transmissão da 1.ª ré para a 2.ª ré de quaisquer instrumentos de trabalho, não se observando uma alteração de titularidade dos mesmos, ou seja, não houve nenhuma transmissão de elementos corpóreos do ativo da 1.ª ré (como instalações, imobiliário, equipamentos, fardas, etc.) para a 2.ª ré.


44. A ora 2.ª ré, aquando do início da exploração dos postos da cliente, forneceu equipamentos da sua propriedade aos trabalhadores, não tendo adquirido/recebido nenhum daqueles por parte da sociedade que antes explorava o posto, aqui 1.ª ré.


45. Não foi transmitido da 1.ª ré para a 2.ª ré a transmissão de elementos incorpóreos, designadamente, do método de organização de trabalho, do know-how, etc., adotando a aqui ré métodos organizativos distintos da 1.ª ré, tais como a obrigação dos seus trabalhadores comunicarem à central, mediante contacto telefónico, as entradas e saídas dos postos.


46. Os serviços prestados nos postos em questão pelos trabalhadores que a eles se encontram alocados são ordenados, coordenados, e vigiados pela central da aqui 2.ª ré, sita na sua sede, tendo os trabalhadores a obrigação de dar conhecimento quer ao supervisor, quer à sede, dos registos de entrada e saída, bem como das demais questões que se coloquem no âmbito da prestação de serviço.


47. Eliminado


48. Os trabalhadores estão adstritos aos horários e turnos indicados pela 2.ª ré, utilizam os equipamentos por esta fornecidos e regem-se pelas suas orientações e diretrizes, sendo que, para além dos elementos por esta fornecidos, utilizam somente os meios disponibilizados pela cliente, não utilizando qualquer elemento cedido por parte da 1.ª ré Securitas.


[Dos alegados danos (artigos 68 e seguintes da PI)].


49. A autora era cumpridora das suas funções.


50. O agregado familiar da autora é constituído pela própria e pela filha desta – EE, nascida a ...-...-2006, atualmente com 15 anos de idade (documentos n.ºs 42 e 43 da PI, a fls. 59 a 61, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).


51. A autora assegura todas as despesas inerentes à sua filha.


52. À autora foi concedido empréstimo para habitação própria, cuja dívida total ascendia, a 18-02-2020, a € 39.253,34 e cuja prestação mensal – àquela data – era de € 236,36 (documento n.º 44 da PI, a fls. 62, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).


53. O vencimento que a autora auferiu até ao final de Janeiro de 2020 constituía o único rendimento do seu agregado familiar.


54. Como causa direta do acima exposto nos pontos 1 a 48, a autora sentiu-se consternada, triste e deprimida, com reflexos nas suas relações pessoais.


III. – Fundamentação de direito


1. - Do objeto do recurso de revista


- Da nulidade do acórdão recorrido pela violação do disposto no artigo 617.º, n.º 1, do CPC;


- Da (não) transmissão da unidade económica.


- Das consequências da absolvição da 1.ª Ré Securitas do pedido principal da Autora.


2. - Da nulidade do acórdão recorrido


A Autora recorrente alega que foram invocadas nulidades da sentença - por omissão de pronuncia e por contradição - nos recursos de apelação interpostos por si e pela 2.ª Ré PSG, as quais não foram apreciadas pelo juiz de 1.ª instância, nem os autos aí foram remetidos pela Relação para essa apreciação, o que implicou a violação pelo acórdão recorrido do disposto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 617.º e no n.º 1 do artigo 641.º, ambos do CPC.


O artigo 617.º, n.º 1, dispõe:


1 - Se a questão da nulidade da sentença ou da sua reforma for suscitada no âmbito de recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de indeferimento.”.


E o n.º 5 prescreve:


5 - Omitindo o juiz o despacho previsto no n.º 1, pode o relator, se o entender indispensável, mandar baixar o processo para que seja proferido; se não puder ser apreciado o objeto do recurso e houver que conhecer da questão da nulidade ou da reforma, compete ao juiz, após a baixa dos autos, apreciar as nulidades invocadas ou o pedido de reforma formulado, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o previsto no n.º 6.”. (negrito nosso).


Em termos interpretativos, os elementos gramatical ou textual e teleológico permitem concluir que a expressão “pode o relator, se o entender indispensável” significa apenas uma mera possibilidade, atento o caso concreto, e não uma obrigatoriedade genérica para o relator.


Assim, tendo o acórdão recorrido apreciado as invocadas nulidades, sob a epígrafe “OS VÍCIOS DA SENTENÇA”, ficou sanada a mera irregularidade processual praticada na 1.ª instância.


Improcede, pois, nesta parte, o recurso de revista da Autora.


3. - Da (não) transmissão da unidade económica.


3.1. – Na sentença da 1.ª instância pode ler-se:


Da factualidade acima provada resulta ter existido entre a sucessão entre a 1.ª ré Securitas, Sa. e a 2.ª ré PSG, Sa. a continuidade, estabilidade, permanência e autonomia da prestação de serviços de vigilância e de segurança humana no M.... .. ........ .. ...., nomeadamente quanto aos recursos humanos e meios disponibilizados pelo adjudicante permitem sindicar a existência de uma unidade económica, ainda que dependente da organização e estrutura de cada uma das prestadoras.


Ao nível económico, os serviços prestados pela 1.ª ré até ao dia 31-01-2020 com recurso ao trabalho da autora é correspectiva, plena e totalmente igual à caracterização económica dos serviços prestados de vigilância e de segurança humana prestados pela 2.ª ré PSG, Sa. no mesmo M.... a partir de 01-02-2020.


Os serviços prestados por ambas as rés são funcionalmente os mesmos. Entre as duas rés, enquanto prestadoras, não se verificou qualquer ruptura funcional ou alteração organizativa do conteúdo e núcleo da prestação.


(…).


Ao nível dos recursos humanos, a 2.ª ré, para o desenvolvimento da prestação de serviços de vigilância e de segurança humana no M.... em apreço, bastou-se com a afectação ou contratação de trabalhadores no posto de trabalho que não foi ocupado pela autora enquanto trabalhadora da 1.ª ré.


Ambas as rés, no âmbito da execução da prestação de serviços contratados com o L..., limitam-se à disponibilização de tais meios humanos, sem que se possa identificar qualquer outra prestação relevante para o conteúdo e núcleo da prestação adjudicada pelo mesmo L....


(…).


Assim, na qualidade de adquirente, a 2.ª ré PSG, Sa. assumiu a transmissão da posição de empregador no contrato de trabalho da autora com produção de todos os efeitos previstos no artigo 285.º, n.º 1 do Código do Trabalho.”.


3.2. – O acórdão recorrido divergiu nos seguintes termos:


“(…).


Ora, compulsados os factos relevantes, sendo evidente a continuidade no exercício da mesma atividade, parece-nos que não está configurada uma unidade económica dotada daquela autonomia.


Na verdade, resultou provado que os serviços prestados nos postos em questão pelos trabalhadores que a eles se encontram alocados são ordenados, coordenados, e vigiados pela central da 2.ª ré, sita na sua sede, tendo os trabalhadores a obrigação de dar conhecimento quer ao supervisor, quer à sede, dos registos de entrada e saída, bem como das demais questões que se coloquem no âmbito da prestação de serviço. Autonomia técnico organizativa absolutamente ausente, pois!


Tratando-se da prestação de serviços de segurança e vigilância é indiscutível a importância do fator humano no exercício da atividade. Os factos não revelam, porém, o número de trabalhadores que, no M...., exerciam funções por conta da SECURITAS e o número de trabalhadores que passaram a exercê-las por conta da PSG1.


Não houve qualquer transmissão direta de bens corpóreos ou incorpóreos, sendo absolutamente relevante que não foi transmitido, designadamente, o método de organização de trabalho, o know-how, adotando cada uma das RR. métodos organizativos distintos, tais como a obrigação dos seus trabalhadores comunicarem à central, mediante contacto telefónico, as entradas e saídas dos postos.


A tudo acresce a utilização dos equipamentos fornecidos pela R. PSG a que acresce a dos meios disponibilizados pela cliente – desconhecem-se quais -, mas estando também provado que não são utilizados quaisquer elementos cedidos por parte da R. SECURITAS.


Está, pois, evidenciada uma organização de meios próprios da Apelante, a submissão a uma hierarquia sedeada fora do local em causa, o que nos impele a concluir que os factos cuja prova se obteve revelam uma mera sucessão de contratos de prestação de serviço, sem que se possa estabelecer qualquer conexão ao nível dos meios afetos ao posto de trabalho antes e depois da transferência dos serviços de vigilância. Cada uma das RR. desenvolve a sua atividade com recurso aos seus equipamentos, materiais, elementos organizacionais…


Donde, tal como afirma a Apelante, o acervo fático não sustenta a decisão jurídica.


Termos em que procede a questão em apreciação.”.


3.3. – Apreciemos.


Damos aqui por reproduzida a fundamentação de direito exposta no acórdão do STJ de 08 de março de 2003, proferido no processo n.º 1644/20.0T8BRR.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt, no qual figuravam como Rés, as mesmas destes autos, transcrevendo apenas a declaração final do acórdão de 16 de fevereiro de 2023, do Tribunal de Justiça da União Europeia, processo C-675/21:


E o Tribunal de Justiça declarou:


1) A Diretiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos EstadosMembros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos, deve ser interpretado no sentido de que:


a inexistência de vínculo contratual entre o cedente e o cessionário de uma empresa ou de um estabelecimento ou de uma parte de empresa ou de estabelecimento é irrelevante para a construção da existência de uma transferência na aceção desta diretiva.


2) O artigo 1.º, n.º 1, da Diretiva 2001/23 deve ser interpretado no sentido de que:


não é suscetível de ser abrangida pelo âmbito de aplicação desta diretiva uma situação em que uma empresa prestadora de serviços que, para as necessidades de um dos seus clientes, tinha afetado a este último uma equipa composta por um certo número de trabalhadores é substituído, por esse cliente, para prestar os mesmos serviços, por uma nova empresa prestadora e em que, por um lado, esta última assume apenas um número muito limitado dos trabalhadores que integravam essa equipa, sem que os trabalhadores reintegrados tenham competências e conhecimentos específicos indispensáveis ​​para a prestação dos serviços ao referido cliente, e, por outro, não se prestou assistência à transmissão para a nova prestadora de bens corpóreos ou incorpóreos necessários para a continuidade desses serviços.” - fim de citação


3.4. – No caso dos autos, e considerando o citado acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, a Ré Securitas não só não provou, como era seu ónus, quais dos “5 trabalhadores” que constavam “da lista de trabalhadores enviada à PSG, Sa” foram reintegrados pela Ré PSG para o exercício de funções de vigilância e segurança “nas instalações do L...” - cfr. pontos 25, 37 a 40 dos factos dados como provados -, como foi dada como provada, nos pontos 43. a 48., a não transferência para a 2.ª Ré PSG de quaisquer bens corpóreos ou incorpóreos, necessários para a continuidade do serviço de vigilância privada.


Deste modo, não se verificou a transmissão da unidade económica em causa.


4. - Das consequências da absolvição da 1.ª Ré Securitas do pedido principal da Autora.


4.1. - Na alínea G. da parte decisória da sentença consta:


“G. Absolvo a 1.ª ré Securitas – Serviços e Tecnologia de Segurança, SA. de tudo o que foi peticionado pela autora AA.”.


No acórdão recorrido pode ler-se:


A petição inicial é enformada por um pedido principal - dirigido contra a R. SECURITAS - e por um pedido subsidiário – dirigido contra a R. PSG.


No decisório constante da sentença julgou-se procedente o pedido subsidiário, com o que se veio a condenar a R. PSG, e absolveu-se a R. SECURITAS do pedido.


A A. conformou-se com esta absolvição (exceto na parte em que se debate pelos créditos laborais e pela solidariedade nesta apelação, conforme infra melhor explicaremos).


Tal como salienta António Santos Abrantes Geraldes “quando o autor tenha formulado um pedido principal e um pedido subsidiário, sendo aquele julgado improcedente e este procedente, deve considerar-se parte vencida, na medida em que, de acordo com a ordenação expressa na petição, a decisão não deu acolhimento ao pedido principal.”


Também Armindo Ribeiro Mendes, em anotação ao anterior artigo 680.º, atual artigo 631.º, refere: “De um modo geral, coincidem os critérios material e formal de legitimidade para o recurso, pois quem pretende recorrer é a parte prejudicada pela decisão e essa parte, em regra, não obteve em juízo aquilo que pediu ou requereu. Se uma parte formulou um pedido a título principal e outro a título subsidiário, a condenação do réu no pedido subsidiário permite ao autor recorrer, uma vez que não obteve a decisão mais favorável, que correspondia à procedência do pedido principal.”


Assim, deveria a A. ter interposto recurso da sentença acautelando a absolvição da 1ª R. do pedido.


Donde, a decisão absolutória (quanto ao mais) se consolidou.”.


4.2. - A Autora entende [como, aliás, a 2.ª Ré/recorrida, ao referir nas contra-alegações que “o acórdão recorrido não acautela o direito da trabalhadora, permitindo um vazio quanto à aplicação das consequências legais de um despedimento ilícito”] que o acórdão da Relação, ao absolver a 2.ª Ré PSG, deveria, então, ter conhecido e decidido o pedido principal contra a 1.ª Ré Securitas, sob pena de acabar por existir um despedimento ilícito, mas sem consequências para qualquer uma das Rés.


4.3. - O artigo 631.º (art.º 680.º CPC 1961) do CPC, prescreve:


1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido.”.


No dizer de Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, anotado, volume V, pág. 266, “Parte vencida e parte prejudicada são conceitos equivalentes”.


A Autora demandou as duas Rés, formulando um pedido principal contra a 1.ª e referindo de seguida: “Se assim não se entender, subsidiariamente e sem prejuízo da responsabilidade solidária da 1.ª e 2.ª Rés, (…)”.


Deve, pois, concluir-se, que a Autora não pretendeu autonomizar o pedido “principal” do pedido “subsidiário”, mas sim interligá-los entre si, tanto assim que ambos têm subjacente a mesma causa de pedir: a declaração da ilicitude do despedimento da Autora e suas consequências legais.


Neste contexto, tendo a Autora apelado, por prejudicada, não cabe qualquer efeito de caso julgado seja sobre que parte for da decisão da 1.ª instância, ao contrário do decidido no acórdão recorrido.


Num caso similar, o Supremo Tribunal de Justiça ordenou a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para apreciar e decidir sobre a alegada ilicitude do despedimento e suas consequências jurídicas.


[cfr. Acórdão do STJ de 06 de Dezembro de 2017, processo n.º 357/13.3TTPDL.L1.S1, Ana Luísa Geraldes (Relatora), in www.dgsi.pt.].


Em conformidade, devem os presentes autos baixar ao Tribunal da Relação para conhecer do pedido formulado contra a 1.ª Ré, mormente, do alegado despedimento ilícito e respectivas consequências jurídicas daí decorrentes.


Procede, pois, parcialmente, o recurso de revista da Autora.


IV. - Decisão


Atento o exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Social:


1. – Julgar parcialmente procedente o recurso de revista, devendo os autos baixar ao Tribunal da Relação de Lisboa para conhecer do pedido formulado contra a 1.ª Ré, mormente, do alegado despedimento ilícito da Autora e respectivas consequências jurídicas daí decorrentes.


2. – No mais, manter a decisão recorrida.


Custas a cargo da Autora e da Ré Securitas, na proporção de metade.


Lisboa 13 de setembro de 2023


Domingos José de Morais (Relator)


Mário Belo Morgado


Júlio Gomes


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1. A factualidade ínsita nos pontos 37 a 40 não é elucidativa↩︎