Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B1327
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ALBERTO SOBRINHO
Descritores: ACÓRDÃO POR REMISSÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: SJ20070628013277
Data do Acordão: 06/28/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: ANULADA A DECISÃO
Sumário :
Com os normativos vertidos nos nºs 5 e 6 do art. 713º C.Pr.Civil procurou-se simplificar a estrutura formal dos acórdãos, caminhando, como se refere no preâmbulo do Dec-Lei 329-A/95, de 12 Dezembro, decididamente no sentido do aligeiramento do relatório, permitindo a fundamentação por simples remissão para os termos da decisão recorrida, desde que confirmada inteiramente e por unanimidade, simplificação que visa igualmente contribuir para a celeridade da fase do recurso
Com este regime não é eliminada a imposição de fundamentação da decisão. O que acontece é que o tribunal superior, após uma análise crítica e ponderada da fundamentação aduzida na decisão recorrida e de se convencer da bondade da decisão acolhida, perfilha e faz seus os fundamentos aí invocados.
Mas para que este normativo possa ser aplicado é condição essencial que, desde logo, a matéria de facto não tenha sido impugnada. Se o quadro de facto em que assenta a sentença recorrida é atacado quer dizer que não existe base material sustentável que permita a aplicação do regime jurídico adequado. E também sem a fixação definitiva desse quadro factual, não é possível apreciar se o enquadramento jurídico é o correcto.
O acórdão recorrido não podia acolher o sentido da decisão constante da sentença quando os pressupostos de facto em que se estribou podem não ser esses.
Impugnada a decisão sobre a matéria de facto, não é possível a remissão para os termos da sentença da 1ª instância ao abrigo da faculdade prevista pelos nºs 5 e 6 do art. 713º C.Pr.Civil.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório


AA intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário,
contra BB, pedindo que seja condenado a pagar-lhe a quantia de 35.000,00 €, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento, bem como a suportar as despesas de divulgação da decisão processual.

Em fundamento desta sua pretensão alega, no essencial, que o réu, reiteradamente, teceu comentários e fez afirmações públicas atentórias do seu bom nome e consideração, enxovalhando-o na sua honestidade, com plena consciência de assim estar a denegrir e desacreditar a sua honra e imagem social.

Contestou o réu, alegando, sinteticamente, que se limitou a pronunciar sobre os actos praticados pelo autor em três processos de grande alcance e interesse para a cidade do Porto durante o período em que foi Presidente da Câmara Municipal, manifestando a sua discordância sobre o modo como geriu esses processos por as soluções terem sido ilegais ou prejudicarem o Município e os próprios munícipes.
Não pôs, por isso, em causa, nem essa era sua intenção, o bom nome e reputação do autor.
Em contrapartida, o autor proferiu várias afirmações nos meios de comunicação social, essas sim ofensivas da sua honra e consideração social, afirmações falsas, pretendendo ser ressarcido dos danos que essa actuação lhe causou, no montante de 35.000,00 €, pedido que formula reconvencionalmente, mas apenas para a hipótese de o pedido do autor vir a ser julgado total ou parcialmente procedente.

Replicou o autor para afirmar que nunca usou qualquer expressão que afectasse a honra ou consideração pessoais do réu/reconvinte, limitando-se a contrapor factos verdadeiros a afirmações inverídicas por ele produzidas.

Saneado o processo e fixados os factos que se consideraram assentes e os controvertidos, teve lugar, por fim, a audiência de discussão e julgamento.
Na sentença, subsequentemente proferida, foram a acção e reconvenção julgadas parcialmente procedentes e:
- o réu condenado a pagar ao autor a quantia de 15.000,00 €, acrescida de juros de mora desde a data da prolação da sentença até integral pagamento, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos;
- o autor, por sua vez, condenado a pagar ao réu/reconvinte também a quantia de 15.000,00 €, acrescida de juros de mora desde a data da prolação da sentença até integral pagamento, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por este sofridos.

Inconformados quanto ao assim decidido apelaram o autor e, subordinadamente, o réu/reconvinte, mas sem êxito, porquanto o Tribunal da Relação do Porto confirmou a sentença recorrida.

De novo irresignados, recorrem agora de revista para este Tribunal o autor e, ainda subordinadamente, o réu, sustentando aquele ter o acórdão incorrido em omissão de pronúncia e defendendo uma alteração das indemnizações arbitradas e pugnando este pela improcedência da acção.

Contra-alegou o réu defendendo a improcedência do recurso interposto pelo autor.


Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir


II. Âmbito do recurso

A- De acordo com as conclusões, com que remata as suas alegações, o inconformismo dos recorrentes radica, em síntese, no seguinte:


autor

1- O acórdão recorrido, limitando-se a declarar a imodificabilidade da matéria de facto apurada em 1ª instância e a manter o aí decidido, quando questões novas tinham sido suscitadas, viola regras da lei ordinária e da lei constitucional, nomeadamente os arts. 158º, n° 2, 668º, n° l al. d) e 660º, n° 2, todos do C.P.C, e 205º, n° l da C.R.P.

2- Se dada matéria de facto decorre de documento e a resposta daí emergente pode contrariar a resposta a outros pontos em matéria de facto, incorre em erro de interpretação do valor probatório consagrado no art. 236º C.Civil, bem como dos arts. 659º e 646º, n° 4, aplicáveis nos termos do art. 713º, n° 2, todos do C.P.C,

3- Ora, não só pode, como deve, haver ao menos uma pronúncia sobre a alteração da matéria de facto que o recorrente entendeu mal julgada nas alegações (isto porque sustenta que não houve qualquer intenção de ofender, mas tão somente de se defender, ao proferir as expressões vertidas nos factos dados como assentes), por parte do juiz do recurso, com base no artigo 712º do C.P.Civil.

4- Quanto ao montante indemnizatório fixado, ao desconsiderar como elemento integrador do conceito de demais circunstâncias do artigo 494 do C.Civil o facto de, reiteradamente, se ter ofendido, através de critica caluniosa (sem outra justificação que não seja a depreciação da imagem do ofendido), alguém que vinha de gerir interesses autárquicos, tratando da mesma forma duas realidades tão diferentes em termos de gravidade objectiva, como são a conduta do ofensor em paralelo com a do que se defende ou reage, viola, por erro de interpretação o artigo 494°.

5- Há, igualmente, errada aplicação do direito ao caso subjudice por desconsideração e não aplicação do artigo 570º do Código Civil –já que resulta dos factos dados como provados que aquele que se reputa como “lesado” tem, afinal, culpa na produção do efeito danoso, tendo agido de forma a provocar uma reacção do reconvindo.

6- Em qualquer caso, o montante indemnizatório fixado pelo tribunal contraria de forma gritante o fixado em casos paralelos, o que, por força do artigo 8° do C.Civil, sempre será de ter em (grande) conta.


Réu/reconvinte

1- O acórdão recorrido decidiu mal ao considerar verificados os requisitos aplicáveis à responsabilidade civil, enunciados pelos artigos 483.° e 484.° do Código Civil, e, em particular, o requisito da ilicitude, o qual não se encontra reflectido na conduta do réu/recorrente.

2- O requisito da ilicitude não se verifica, porquanto as afirmações proferidas pelo réu em relação ao autor se enquadram nos limites do direito à crítica exercido em relação a titulares de cargos públicos, quanto ao exercício das suas funções e em matérias de relevante interesse público, como tem sido entendimento da jurisprudência, aquando da interpretação do mesmo preceito.

3- O requisito da ilicitude igualmente não se verifica, porquanto as afirmações proferidas pelo réu em relação ao autor, para além de se enquadrarem nos limites do direito à crítica exercido em relação a titulares de cargos públicos, quanto ao exercício das suas funções e em matérias de relevante interesse público, têm subjacentes factos objectivamente verdadeiros, que como tal deviam e foram transmitidos aos munícipes.

3- E não se verifica ainda, uma vez que as declarações do réu se circunscreveram, como a matéria de facto dada por provada confirma, à actuação pública do autor e às divergências quanto ao modo como este entendeu, na altura específica em que o fez, prosseguir o interesse público municipal.

4- A sentença do Tribunal da Comarca do Porto, para onde o acórdão recorrido remete, decidiu, ainda, sem observância do disposto na alínea b) do n.° l do artigo 4.° da Lei n.° 29/87, de 30 de Junho, que impõe aos eleitos locais o cumprimento das “normas constitucionais e legais relativas à defesa dos interesses e direitos dos cidadãos”, do disposto no art. 48.°, n.° 2, da Constituição da República, nos termos do qual “todos os cidadãos têm o direito de ser esclarecidos objectivamente sobre actos do Estado e demais entidades públicas e de ser informados pelo Governo e outras autoridades acerca da gestão dos assuntos públicos”, e do artigo 335.° do Código Civil, que regula a prevalência de direitos, quando em colisão.

5- No caso concreto, o acórdão recorrido decidiu mal, em violação do artigo 335.° do Código Civil, na medida em que atribuiu prevalência ao invocado direito ao crédito e ao bom nome do autor, quando, em bom rigor, por força das circunstâncias do caso concreto, este deveria ter sido comprimido, de forma a assegurar o exercício de um direito e interesse público mais relevante que se consubstancia no dever de informação aos munícipes.


B- Face ao teor das conclusões formuladas, delimitativas do âmbito do recurso, reconduzem-se, no essencial, a quatro as questões controvertidas a dilucidar:

autor
- nulidade do acórdão por omissão de pronúncia;
- montante indemnizatório arbitrado.

réu
- se ocorre, no caso concreto, o requisito da ilicitude;
- colisão de direitos.


III. Fundamentação

A- Os factos

No acórdão recorrido deram-se como assentes os seguintes factos:

1. O réu é o actual Presidente da Câmara do Porto, desempenhando ininterruptamente as respectivas funções desde que tomou posse no cargo, no dia 8 de Janeiro de 2002.

2. A data da posse foi acordada entre o réu e o então Presidente da Assembleia Municipal.

3. Até essa data, o cargo era ocupado pelo autor, que exerceu funções até ao dia 7 de Janeiro de 2002, inclusive.

4. O Plano de Pormenor das Antas foi elaborado para disciplinar em termos urbanísticos a zona envolvente do (à data) projectado novo estádio do Futebol Clube do Porto (FCP).

5. Essa área de intervenção compreende terrenos pertencentes a diversos sujeitos, aplicando-se aos mesmos um regime de perequação.

6. O Município, um desses proprietários, comprometeu-se a levar a cabo os trabalhos de construção dos acessos ao novo estádio do FCP, recebendo dos restantes proprietários, como contrapartida da assunção desse encargo, uma percentagem da capacidade de construção inerente aos terrenos desses proprietários, sendo que, com esta capacidade acrescida, a capacidade de construção total do Município tinha um valor superior a € 25.000.000,00.

7. Após a realização das cedências a favor do Município, a CMP (presidida então pelo autor) assinou um protocolo com o FCP, pelo qual foi, por sua vez, cedida a este último toda a referida capacidade de construção do Município, alegando-se que tal cedência foi convencionada como forma de compensar o FCP pelos danos sofridos em consequência da alteração da localização do seu estádio, que se situa agora noutro local, mas dentro ainda, tal como o anterior, da zona de intervenção do PPA.

8. Ao fazer tal concessão ao FCP, sofreu o Município um prejuízo no valor de € 25.000.000,00.

9. O réu solicitou à Inspecção-Geral de Finanças a realização de uma inspecção para apreciação do procedimento levado a efeito no Plano de Pormenor das Antas.

10. Após esta inspecção, o réu forneceu ao autor cópia da versão preliminar do relatório e, após, e contra a sua vontade, a comunicação social teve acesso a esse documento – ou a parte dele –, tendo mesmo citado algumas passagens.

11. A «rectificação» à solução encontrada entre o autor e os proprietários, e presidida pelo réu, e a gestão do Plano de Pormenor das Antas pelo actual executivo municipal implica e conduz a uma redução da edificabilidade em 15 mil metros quadrados.

12. Por escritura pública de 27 de Dezembro 2001, titulado pelo doc. de fls. 422/426, o Município do Porto declarou adjudicar a «Adicais – Investimentos Imobiliários, S.A.», que declarou aceitar, o talhão correspondente ao lote número 1 do Alvará de Loteamento Urbano nº 8/00, sito no topo poente da futura Praça da Casa da Música e integrado na envolvente da Rotunda da Boavista – Centro Direccional, tendo as partes acordado que o Município do Porto se obrigaria a entregar aquele talhão até ao dia 31 de Março de 2002; nessa escritura ficou convencionado, ainda, que o atraso na entrega do terreno constituiria o Município na obrigação de pagamento de uma cláusula penal de 5.000,00 € por cada dia de atraso na entrega; as partes acordaram, igualmente, que, se o Município do Porto não entregasse o talhão até ao dia 31 de Dezembro de 2002, obrigava-se a pagar uma indemnização correspondente ao dobro do preço pago pela aquisição do talhão.

13. À «Casa da Música» cabia respeitar os limites do terreno de que fora beneficiária, deixando de ocupar o lote de terreno contíguo.

14. Parte do terreno sito nas traseiras da Casa da Música era, à data dos factos, materialmente independente, já que existe uma rua que separa esse talhão do resto do terreno.

15. Naquele terreno estava implantado o estaleiro de obras da Casa da Música, localização que contava pelo menos com a tolerância da Câmara Municipal do Porto.

16. O autor configurou a hipótese de não se mostrar possível a entrega do terreno no prazo estabelecido, o que foi repetidamente afirmado aos responsáveis autárquicos pelos responsáveis do projecto da Casa da Música, não havendo um local próximo onde se pudesse instalar o estaleiro.

17. À data da celebração do acordo referido em 12, era sabido publicamente que a construção desse edifício se iria prolongar por largos meses, sabendo-se, também, que a natureza dos materiais de construção obrigava a que o estaleiro estivesse próximo do local da obra, o que impossibilitava a sua deslocalização por falta de alternativas para esse efeito.

18. A obra só foi concluída muito recentemente, pelo que o estaleiro teve de permanecer no terreno até há cerca de três meses atrás, atendendo à data da contestação.

19. O réu optou por renegociar o contrato referido em 12.

20. O réu conseguiu evitar o accionamento da cláusula penal, tendo, para tanto, a compradora exigido contrapartidas.

21. O autor tinha decidido aprovar o projecto apresentado quanto aos terrenos do Parque da Cidade, informado com pareceres dos Serviços camarários.

22. O projecto inicial, com início em 1982 e autoria do Arq...., previa a construção em redor do parque público (Circunvalação, Avenida Marginal e Avenida da Boavista) e defendia construção em parte da frente marítima do parque.

23.) Quando, em 1997, o Arq.... elabora plano de pormenor para as construções, no cumprimento do Plano Director Municipal (PDM), previu edifícios de vários pisos na frente urbana da Circunvalação, moradias nas frentes urbanas da Avenida da Boavista e Avenida Marginal e dois edifícios de r/c vazado e 6 pisos, assim se concretizando a «fronteira» para a «2ª fase» prevista já no Projecto de Execução da 2ª fase do Parque Urbano da Cidade, com base no qual se iniciaram expropriações na parcela 1 – a sul, junto da Avenida da Boavista) - e na parcela 24 – frente marítima e parte da frente voltada para a Circunvalação.

24. Até 2000, decorreram negociações com vários titulares dos terrenos sitos na zona junta da Avenida da Boavista, tendo havido intervenção de investidores, o que evitou a litigância em tribunal para definir os montantes das expropriações a pagar.

25. Fruto de longas conversações entre a autarquia e o investidor, veio este a ceder à autarquia uma área de 120.000 m2, que ficaram a integrar o núcleo central da área verde, o que possibilitou a extensão do parque até à praia e aos terrenos da antiga Feira Popular, em troca da possibilidade de poder construir um complexo habitacional numa faixa junto à Circunvalação, tendo o complexo habitacional sido cometido ao traço do Arq. ....

26. Quando a Imoloc fez apresentar – através do requerimento 17198 – o Pedido de Informação Prévia, acordado estava que a IMOLOC cederia à Câmara 136 962 m2 e a Câmara cederia à Imoloc 23.965 m2.

27. Através das negociações referidas, a Imoloc aceitou reduzir a capacidade construtiva para 79.565 m2, sendo que 70.660 m2 destes eram junto à Circunvalação e 8.505 m2 na Boavista.

28. Foi aprovado pelo Executivo Camarário o estudo de pormenor encomendado ao Arquitecto ... para o Parque da Cidade – Avenida Marginal, sendo que, com a autorização do investidor, o viaduto que alargava o Parque até ao mar foi lançado em espaço daquele.

29. O autor deferiu, a 4 dias do termo do seu mandato, dois pedidos de informação prévia, pedidos esses que respeitavam aos seguintes dois processos:
- Pedido de Informação Prévia n.º 22.320/01, formulado pela sociedade Ecop — Empresa de Construções e Obras Públicas Arnaldo de Oliveira, SA, em 13 de Setembro de 2001, com referência ao terreno sito no Gaveto da Estrada Exterior da Circunvalação com a Esplanada do Rio de Janeiro;
- Pedido de Informação Prévia n.º 22.302/01, formulado pela sociedade Jardins de França — Empreendimentos Imobiliários, SA, em 17 de Setembro de 2001, com referência a dois prédios rústicos sitos no Lugar do Queijo, Avenida da Boavista, Freguesia de Nevogilde.

30. O Pedido de Informação Prévia n.º 22.320/01 foi objecto de um primeiro aditamento promovido pela sociedade requerente em 13 de Novembro de 2001 e de um segundo aditamento formalizado em 28 de Novembro de 2001.

31. O Pedido de Informação Prévia nº 22.302/01 foi objecto de um aditamento promovido pela sociedade requerente em 13 de Novembro de 2001.
32. O autor deferiu os dois Pedidos de Informação Prévia referidos em 29 a 4 dias do termo do seu mandato e numa altura em que sabia serem outras as concepções urbanísticas dos autarcas eleitos em Dezembro de 2001, que tinham inclusivamente assumido no seu programa eleitoral o compromisso de não permitir que o Parque da Cidade fosse edificado.

31. Perante dúvidas sobre a legalidade do deferimento do pedido de informação prévia (22.302/01), o réu solicitou um parecer jurídico sobre a matéria ao Professor Doutor ...., da Faculdade de Direito de Coimbra.

32. O Parecer solicitado foi emitido pelo Professor Doutor ... em 25 de Fevereiro de 2002, tendo concluído no sentido de ser ilegal aquele acto administrativo do autor, pelo qual se deferira o pedido de informação prévia formulado pela sociedade Ecop — Empresa de Construções e Obras Públicas Arnaldo de Oliveira, SA.

33. Em conformidade, em 3 de Abril de 2002, o réu revogou, com fundamento em invalidade, tal acto administrativo.

34. Perante dúvidas sobre a legalidade do deferimento do pedido de informação prévia da autoria da sociedade Jardins de França — Empreendimentos Imobiliários, SA, o réu solicitou um segundo parecer jurídico sobre a matéria ao Professor Doutor...

35. O Parecer solicitado foi emitido pelo Professor Doutor ... na mesma data em que o fora o Parecer anteriormente referido, isto é, em 25 de Fevereiro de 2002.

36. O Professor Doutor .... concluiu no sentido de o acto administrativo do autor pelo qual se deferira o pedido de informação prévia formulado pela sociedade Jardins de França — Empreendimentos Imobiliários, SA, se encontrar viciado de ilegalidade, tendo o réu, em conformidade, revogado, em 4 de Abril de 2002, com fundamento em invalidade, tal acto administrativo.

37. Todas as forças políticas concorrentes às eleições autárquicas em que o réu foi eleito se tinham pronunciado contra essa construção, incluindo, em alguma medida, o próprio Partido Socialista, que se comprometeu a não a permitir, sem que os munícipes se tivessem podido pronunciar sobre a questão em referendo autárquico.

38. Autor e réu são adversários políticos a nível local, sendo chamados a avaliar a conduta política um do outro.

39. Nesse contexto, o réu pronunciou-se por diversas vezes sobre a alegada “ilegalidade e/ou a irracionalidade” dos actos praticados (e as consequências financeiras que daí advêm) pelo seu antecessor em três processos da Cidade do Porto (e que despertam grande interesse por parte dos munícipes):
- O Parque Urbano da Cidade do Porto no seio do qual, em benefício das sociedades Imoloc — Promoção Imobiliária, SA, e Imoloc — Investimento Imobiliário, SA, o autor deferiu, a 4 dias do termo do seu mandato, dois pedidos de informação prévia;
- O Plano de Pormenor das Antas;
- A venda do terreno sito nas traseiras da Casa da Música com uma convenção de entrega imediata do terreno e com cláusulas penais em caso de não entrega.

40. Em 25 de Novembro de 2003, no final de uma reunião pública da Câmara, e no decurso de uma conferência de imprensa, e a propósito de possível construção da frente urbana do Parque da Cidade, foram proferidas pelo réu as seguintes expressões: «O Eng. AA, sabendo a posição de todos os partidos sobre esta matéria, dois dias antes de ir embora causou (este) enorme prejuízo à CMP e à cidade. Politicamente, trata-se de falta de respeito democrático pelos cidadãos; fora da política é uma coisa ainda mais feia (...)»; «Mas, obviamente, houve má fé da parte de quem, no dia 4 de Janeiro de 2002, ainda era presidente da CMP (...)». «É evidente que o facto de se ter conferido capacidade construtiva à Imoloc beneficiou esta empresa».

41. Pretendendo com tais expressões afirmar ter havido, a coberto da «res publica», favorecimento a terceiros.

42. O réu representou que tais declarações iam criar junto da opinião pública, e por força da larga divulgação que aqueles órgãos de comunicação social têm na área do Grande Porto, a imagem de desonestidade da conduta do autor, de quem a cidade «devia defender-se», atribuindo-lhe um comportamento contrário aos deveres éticos que devem nortear qualquer mandatário ou representante.

43. Com as declarações referidas 40, o réu referia-se à capacidade do autor para gerir os destinos do município, reagindo assim ao facto do autor ter deferido os pedidos de informação prévia.

44. O réu proferiu a seguinte declaração «A maior crítica não é à IMOLOC. Está a defender os seus interesses. O que é altamente criticável é que AA defendeu os interesses da Imoloc também».

45. Foi assim que, entre aspas, para reproduzir um discurso directo, apareceu essa afirmação no Jornal de Notícias de 26 de Novembro de 2003 e já antes em 25 de Novembro.

46. E, como se reproduziu no jornal «Público», de 26 de Novembro de 2003, bem como no jornal «O Comércio do Porto», de 26 de Novembro de 2003», nos jornais «Açoriano Oriental» e «Diário Económico», de 26 de Novembro de 2003, em discurso directo foi dito, na mesma altura: «A minha obrigação é defender a cidade do engenheiro AA. As pessoas são eleitas para defender aquilo que é público e não o resto».

47. E ainda: nos noticiários de SIC "1º Jornal", dia 25/11/2003, pelas 13.00 horas; SIC NOTÍCIAS "Notícias”, dia 25/11/2003, pelas 13.00 horas; SIC NOTÍCIAS "Jornal das 2" dia 25/11/2003, pelas 14 horas; SIC NOTÍCIAS "Edição da Tarde", dia 25/11/2003, pelas 16.00 horas; SIC NOTÍCIAS, "Jornal das 7", dia 25/11/2003, pelas 19.00 horas; SIC NOTÍCIAS "Notícias", dia 26/11/2003, pelas 05.00 horas, além de ter sido relatada a versão trazida no JN, se fez eco de que, «Para os responsáveis camarários, AA prejudicou dessa forma a Câmara do Porto e beneficiou o promotor imobiliário».

48. A propósito do processo movido pela IMOLOC contra a Câmara, o réu proferiu a seguinte afirmação: «Há aqui uma coisa por trás que é fundamental, ou seja, tudo isto acontece porque o Eng.º AA, como Presidente da Câmara Municipal do Porto, dois dias antes de eu entrar, dois dias antes dele sair, horas antes de sair, foi deferir dois pedidos de informação prévia que davam capacidade construtiva à IMOLOC e, portanto, que prejudicavam fortemente a Câmara do Porto e beneficiavam fortemente o promotor imobiliário. Depois dele saber, que quem ganhou as eleições tinha dito que politicamente não permitia construções no parque da cidade, do mesmo ser dito pela CDU, do mesmo ser dito pelo bloco de esquerda e o próprio partido socialista, lista do PS, que não ganhou as eleições, disse que se ganhasse só o faria através de referendo à cidade».

49. E ainda: «Mau é que quem cá esteja não o tivesse estado para defender os interesses da Câmara, da cidade, mas sim da IMOLOC e criou aqui um imbróglio de todo o tamanho».

50. No Telejornal da RTP, do dia 25/11/2003, pelas 20.00 horas, reproduz-se a afirmação seguinte: «É evidente que o meu antecessor, com a decisão que tomou prejudicou a câmara, porque a câmara vê-se agora envolvida nesta situação e beneficiou aqueles que queriam ter direitos, que acabaram por ter por força dessa decisão».

51. O réu proferiu a seguinte declaração que decorre reproduzida na SIC NOTÍCIAS, no "Discurso directo", dia 13/11/2003:
- SIC " Se fosse professor dele que nota lhe dava?"
.........
- SIC " E ao Eng.º AA?"
- BB: "Bom ... esse não admitia sequer a matrícula .... Nem matrícula na faculdade…!".

52. Foi o réu quem tal proferiu e representou e, apesar da publicidade prevista pelos meios usados e acima referidos, o réu nunca entendeu corrigir tais afirmações antes afirmando que eventual reacção do aqui autor só «pode ser uma fuga para a frente, tentando atrapalhar as pessoas para que se não perceba porque tudo isto aconteceu».

53. No que se refere ao caso da «Imoloc», o réu declarou: «ao revogar os PIP, limitei-me a fazer o que a cidade me mandou fazer, em face do meu compromisso», pois o «resultado das eleições tinha dado a vitória à coligação PSD-CDS-PP, que disse que não permitiria construções no Parque da Cidade».

54. O réu entendeu «pouco depois de termos tomado posse, anula(mos)r os Pedidos de Informação Prévia(PIP) sobre a construção naqueles terrenos».

55. Com as declarações proferidas pelo réu, o autor sentiu-se vexado na sua imagem de cidadão honesto, pelo que a notícia, por demais repetida – e para que se reservou novo espaço em entrevista ao J.N. de 08.01.04 e de 09.01.04 –, lhe causou dissabores e alteração no seu comportamento social e familiar, manifestada em irritação no trato com terceiros.

56. O autor vê buscada uma depreciação da sua conduta cívica e pública, sendo apontado como um perigo de que a cidade deve ser defendida.

57. O autor, em consequência de tais afirmações, fez esclarecimentos.

58. O facto foi largamente divulgado na imprensa e restante comunicação social.

59. As afirmações proferidas pelo réu foram-no depois do termo do mandato do autor, numa altura em que o réu presidia à Câmara Municipal do Porto.

60. O autor exerce funções em vários departamentos, com reconhecido prestígio, auferindo um rendimento mensal médio, líquido, da ordem dos € 4.500,00.

61. O «Comércio do Porto», de 21/02/2002, pág. 4 (em conferência de imprensa), publicou que «São fabricados e mentirosos» «os números que dão conta do buraco financeiro apresentado pelo presidente da Câmara do Porto, BB», tendo esta expressão sido proferida pelo autor.

62. No «24 HORAS», de 21/02/2002, pág. 7, referiu-se:
«24horas: Afinal, qual é o valor exacto das obras (respeitantes aos acessos ao) novo Estádio das Antas?»
«AA: o custo global da obra é de 9,7750 milhões de contos (48 milhões de euros)».
«24horas: Porque são então apresentados (pelo réu) valores na ordem dos 12 milhões de contos (60 milhões de euros)?»
«AA: os números foram manipulados, o Dr. BB está a mentir e não tem mostrado seriedade», tendo estas declarações sido proferidas pelo autor.

63. O jornal «Público», de 28/03/2002, pág. 42, publicou: «BB foi incorrecto e impreciso, para não dizer mentiroso». E acrescentou que também (?) ele queria lançar uma suspeição: «O Plano das Antas tem sido gerido de forma obscura. As reuniões são à porta fechada e nunca lá estiveram a Associação Comercial do Porto, nem os representantes da hotelaria. Para BB, parece que há lobbies bons e lobbies maus e é ele que os define», tendo tais declarações sido proferidas pelo autor.

64. O «Jornal de Notícias», de 28/03/2002, pág. 5, publicou: «BB foi incorrecto, impreciso, para não dizer mentiroso, em relação a este dossier. Mais uma vez, geriu o processo com má fé contra o anterior Executivo». E à frente: «O ex-Presidente da Câmara foi mais longe, admitindo suspeitar das actuais negociações à volta do PPA, realizadas “à porta fechada” e de “forma obscura” em que “foram chamadas associações de mediadores imobiliários. Nas negociações está um lóbi da cidade (a Associação de Comerciantes do Porto), mas nunca estiveram outros lóbis, como a Associação Comercial do Porto (União dos Industriais de Hotelaria e Similares do Norte – UNIHSNOR ). O que quer dizer que para o Dr. BB há lóbis bons e lóbis maus», declarações que foram proferidas pelo autor.

65. O «Público», de 21 de Fevereiro de 2002, pág. 47 [Local Porto] publicou:“Incompetência”, “irresponsabilidade”, “total incapacidade”, “falta de bom senso”, “manipulação”, “falsidade”, “ignorância” e “insensatez”.

66. No mesmo texto referido no artigo anterior: “(...) acusando BB de ter ‘manipulado números’ para fazer uma ‘encenação’ com motivações políticas, por força das eleições legislativas de 17 de Março” [cf. também Local Lisboa do mesmo dia, pág. 52 e Diário de Notícias da mesma data, págs. 1 e 26.

67. O «Primeiro de Janeiro», de 5 de Março de 2002, pág. 40 [num jantar com os seus ex-vereadores], publicou: «Entre outras coisas, BB foi acusado por AA de ser “ o campeão da demagogia (...)“».

68. O «Comércio do Porto», 13 de Março de 2002, pág. 36, publicou: «Para AA, ex-presidente da Câmara, “os protocolos não foram feitos por debaixo da mesa; foram feitos às claras. Por debaixo da mesa estamos nós agora a ver muita coisa, nomeadamente os cheques que voam e muitas negociações que as pessoas não conhecem”.

69. O «Diário de Notícias», Edição Norte, de 14 de Maio de 2003, pág. 25, publicou: «Instado a pronunciar-se sobre a moção dos vereadores rosas aprovada na autarquia tendo em vista a festa da consagração do FC Porto, votação rejeitada por BB, o ex-presidente do município comentou: “Ficou claro que temos no exercício do poder alguém que não respeita a democracia. Tem cultura germânica antiga”».

70. O «Comércio do Porto», de 14 de Maio de 2003, pág. 8, publicou: «mas o bombo da festa foi o autarca BB, a quem AA acusou, a propósito da gestão do percurso do Futebol Clube do Porto nesta temporada, de ter uma “ formação germânica de antigamente “».

71. O «Comércio do Porto», de 16 de Novembro de 2003, Secção de Desporto, pág. VI [em entrevista], publicou: «Lamentavelmente BB nunca quis ouvir explicações [do Autor sobre o PPA] e preferiu denegrir o projecto na praça pública. Antes quis passar um conjunto de mentiras e com isso ninguém lucrou, só a cidade perdeu. Posso falar de pouca honestidade política e da forma leviana como este complexo dossiê foi tratado, em contraponto com o sentido de rigor que por nós foi imprimido».

72. O «Primeiro de Janeiro», de 18 de Abril de 2003, pág. 5, publicou: «Respondendo às críticas (...) do despesismo socialista na autarquia, AA acusou duramente BB de ser “um economista, ou talvez um contabilista, que tem uma perspectiva de investimento que deixa qualquer um perplexo”, “já que só se ouve falar de custos “».

73. O «Primeiro de Janeiro», de 11 de Maio de 2003, pág. 7 [em entrevista], publicou: «Rejeita então o discurso do descalabro financeiro? É uma mentira completa. Escreva isso com todas as letras. É uma mentira das grandes».

74. O «Público», de 21 de Fevereiro de 2002, pág. 47 [Local Porto], publicou: «não sei se este rio vai chegar ao mar».

75. «O Comércio do Porto», «O Primeiro de Janeiro» e o «Diário de Notícias», Edição Norte, todos de 14 de Maio de 2003, págs. 8, 2 e 25, respectivamente, publicaram:«[na CMP existe um] “poder promíscuo entre PSD, CDS/PP e CDU”».

76. O «Diabo», de 27 de Maio de 2003, pág. 17 [em entrevista], publicou: «[BB] produz ataques à promiscuidade entre desporto e política quando ele é o maior dos promíscuos de forma deliberada para obter mais-valias políticas».

77. As declarações referidas em 65,66,68, 74 e 76 foram proferidas pelo autor, pretendendo assim ofender o réu.

78. Tais declarações foram feitas através de alguns dos órgãos de comunicação social que mais público atingem.

79. Face a tais declarações o réu ficou em estado de tensão nervosa diário, estado que se foi agravando, durante o longo período de tempo em que o autor insistiu na sua conduta.

80. O réu sofreu um grave estado de preocupação gerado pela configuração da possibilidade de que a táctica de repetição daquelas declarações pelo autor pudesse contagiar alguns munícipes.

81. O réu tem rendimento não inferior a 4.000,00 €, mensais.


B- O direito


1. omissão de pronúncia

Sustenta o autor/recorrente que o acórdão recorrido não se pronunciou sobre a alteração da decisão em matéria de facto, questão por si suscitada nas alegações de recurso, já que se limitou a confirmar a decisão impugnada mediante remissão para os seus fundamentos.

Fazendo uso da faculdade prevista no nº 5 do art. 713º C.Pr.Civil, o acórdão recorrido julgou improcedentes os recursos interpostos, remetendo para os fundamentos da sentença da 1ª instância.
Mas, nas alegações do recurso de apelação interposto desta sentença, sustentava o autor/apelante que a outra afirmação imputada (ao autor) é que “não sei se este rio vai chegar ao mar”, cujo sentido objectiva e subjectivamente analisados não se vê que sentido injurioso possa ter … tanto que parte da ideia serviu de mote aos cartazes de propaganda do reconvinte, aquando da recente candidatura à reeleição –arts. 26º e 27º das alegações.
Para mais adiante alegar ainda que se censura o recorrente por, defendendo-se da imputação de uma “promiscuidade entre desporto e política “, ter dito que promiscuidade praticava-a o reconvinte, explicitando, com o contexto da notícia … e essa notícia aparece inserida num contexto, em que o A. recorrente alude à ligação considerada “espúria” – tanto que afastada logo que obtida a recente maioria absoluta! – entre PPD/PSD – CDS/PP e CDU, para daí obter maior base de apoio política –arts. 29º e 30º.
E, em consonância com esta alegação, conclui -al. C- que tratando-se de notícias contidas em jornais e cujo contexto se pode apreender, sendo nestes que se fundamentou a douta decisão quanto à resposta á alínea j’’’, deve, fazendo-se uso da faculdade contida no artigo 712° n. 1, alínea a) e/ou b) do C.P.C, modificar a resposta a esse item, para dele excluir a matéria das alíneas g’”) e i’”), pelas razões apontadas.

Os factos vertidos sob as aludidas als. j’’’, g’’’ e i’’’ são os constantes dos nºs. 77, 74 e 76, respectivamente, da matéria de facto assente, supra mencionada.
E esses factos haviam sido levados à base instrutória, concretamente aos pontos controvertidos nºs 109º e 110º, 106º e 108º, respectivamente.

Não obstante os recorrentes terem atacado, no recurso de apelação, a decisão sobre a matéria de facto, a verdade é que no acórdão da Relação nada se disse sobre esta questão, deixando-se, aliás, consignado expressamente, contra a evidência alegada, que os recorrentes não questionam a matéria de facto dada como apurada em sede de 1ª instância, donde que para a análise e exame crítico da sentença, tenhamos de atender simplesmente à factualidade apurada e dada como assente, e exclusivamente a esta, por imodificável dada a não verificação de qualquer das circunstâncias do art. 712° e 690-A do CPC.

Com os normativos vertidos nos nºs 5 e 6 do art. 713º C.Pr.Civil procurou-se simplificar a estrutura formal dos acórdãos, caminhando, como se refere no preâmbulo do Dec-Lei 329-A/95, de 12 Dezembro, decididamente no sentido do aligeiramento do relatório, permitindo a fundamentação por simples remissão para os termos da decisão recorrida, desde que confirmada inteiramente e por unanimidade, simplificação que visa igualmente contribuir para a celeridade da fase do recurso (1).
Com este regime não é eliminada a imposição de fundamentação da decisão. O que acontece é que o tribunal superior, após uma análise crítica e ponderada da fundamentação aduzida na decisão recorrida e de se convencer da bondade da decisão acolhida, perfilha e faz seus os fundamentos aí invocados.
Mas para que este normativo possa ser aplicado é condição essencial que, desde logo, a matéria de facto não tenha sido impugnada. Se o quadro de facto em que assenta a sentença recorrida é atacado quer dizer que não existe base material sustentável que permita a aplicação do regime jurídico adequado. E também sem a fixação definitiva desse quadro factual, não é possível apreciar se o enquadramento jurídico é o correcto.
O acórdão recorrido não podia acolher o sentido da decisão constante da sentença quando os pressupostos de facto em que se estribou podem não ser esses.
Impugnada a decisão sobre a matéria de facto, não é possível a remissão para os termos da sentença da 1ª instância ao abrigo da faculdade prevista pelos nºs 5 e 6 do art. 713º C.Pr.Civil.

O autor/recorrente defendeu que os elementos de prova constantes do processo impunham decisão diversa quanto à matéria de facto dada como assente.
No acórdão recorrido não se apreciou, de todo, esta questão, nem sobre ela se tomou qualquer posição, aceitando, acriticamente, a fundamentação de facto assente na sentença.
Ao não apreciar e decidir se os factos apurados deviam manter-se ou ser alterados, deixou de se pronunciar sobre questão essencial posta à sua consideração, incorrendo na nulidade por omissão de pronúncia a que alude a al. d) do nº 1 do art. 668º C.Pr.Civil. Neste mesmo sentido se pronunciou o ac. deste Tribunal e secção, de 2007/04/17 (2)
.

Procedendo a nulidade decorrente de omissão de pronúncia pela Relação, impõe-se, nos termos do nº 2 do art. 731º C.Pr.Civil, a baixa do processo para aí se proceder à reforma do acórdão, nos termos que se deixaram referidos.
Face à procedência desta questão, fica prejudicado o conhecimento das outras questões colocadas pelos recorrentes.


IV. Decisão

Perante tudo quanto exposto fica, acorda-se em anular o acórdão recorrido, determinando-se que os autos voltem à Relação para que, se possível pelos mesmos Exmºs Juízes Desembargadores, seja apreciada a questão cujo conhecimento foi omitido.

Custas pela parte vencida a final.


Lisboa, 28-06-2007

Alberto Sobrinho (relator)
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Salvador da Costa

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(1) cfr. Armindo Ribeiro Mendes, in Os Recursos no Código de Processo Civil Revisto, pág. 88
(2) in www.dgsi.pt/jstj, processo nº 07B956