Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3319/07.6TTLSB.L3.S1-A
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
MEIOS DE PROVA
DOCUMENTO
Data do Acordão: 02/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: REJEITADO
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS.
DIREITO DO TRABALHO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / INSTRUÇÃO DO PROCESSO / PROVA POR DOCUMENTOS - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- A. RIBEIRO MENDES, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, 2009, p. 196.
- LEBRE de FREITAS e OUTROS, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Coimbra Editora, 2001, p. 427.
- LEBRE de FREITAS e RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, Tomo I, Coimbra Editora, 2008, p.p. 225 e 226.
- MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, p. 221.
- PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 3.ª Edição, 1982, p. 319.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 362.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 423.º, N.º1, 696.º, AL. C), 697.º, N.º2, 698.º, AL. B), 699.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 22 DE MAIO DE 1979, BOLETIM DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, N.º 287, JUNHO DE 1979, P. 247;
-DE 12 DE MARÇO DE 2014, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 5092/07.9TTLSB-A.S1, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :

1 - O recurso de revisão é um recurso de aplicação extraordinária que só uma comprovada e clamorosa ofensa do princípio reitor da justiça leva a que este deva prevalecer sobre o princípio da segurança decorrente do caso julgado.

2 - A formulação do juízo rescindente liminar realiza-se sob duas vertentes: na primeira, com sentido formal, cuida-se de saber da correta instrução do recurso; na segunda, com carácter tendencialmente substantivo – sem prejuízo da consideração adjectiva quanto aos pressupostos, como a legitimidade e o interesse em agir – indaga-se se ocorre, ou não, manifesta inviabilidade, isto é, se é de reconhecer de imediato que não há motivo para revisão.

3 - Não têm a natureza de documentos no sentido técnico-jurídico de meio de prova, os pareceres de natureza jurídica juntos pelas recorrentes como fundamento de recurso de revisão, uma vez que esses documentos visam a análise de questões de natureza jurídica suscitadas na decisão recorrida, não contendo a demonstração de qualquer realidade fáctica que seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável às recorrentes. 

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

1 - Inconformadas com o acórdão proferido por esta Secção em 21 de Janeiro de 2014, as Rés AA, BB, Ltd, e CC PORTUGUESA – …, Lda., recorreram do mesmo para o Tribunal Constitucional.

O recurso interposto foi rejeitado por decisão sumária de 26 de Março de 2014, que, na sequência de reclamação apresentada pelas recorrentes, veio a ser confirmada por acórdão daquele Tribunal, datado de 12 de Novembro de 2014, proferido em conferência, acórdão que transitou em julgado, conforme se alcança da certidão de trânsito exarada a fls. 6017, datada de 3 de Dezembro de 2014.

Na pendência do processo no Tribunal Constitucional, em 20 de Maio de 2014, as Rés vieram interpor recurso extraordinário de Revisão do acórdão desta Secção de 21 de Janeiro de 2014, nos termos do artigo 696.º, al. c), do Código de Processo Civil.

O requerimento de interposição apresentado foi indeferido pelo Relator, por despacho de 12 de Setembro de 2014, com fundamento na ausência de trânsito em julgado da decisão de que se pretendia recorrer, nos termos dos artigos 696.º e 699.º do Código de Processo Civil.

Em 20 de Novembro de 2014, as Rés, vieram, de novo, interpor recurso extraordinário de revisão daquele acórdão, requerendo a readmissão do recurso inicialmente interposto, «remetendo para o Requerimento e respectivas alegações oferecidas no passado dia 20.05.2014 (…) atento o facto de já nesse requerimento e respectivas alegações ter sido apresentado o respectivo fundamento e documentação anexa (…) tudo ao abrigo do princípio da economia processual».

Ao requerimento de interposição de recurso apresentado em 20 de Maio de 2014, as recorrentes juntaram dois pareceres, o primeiro subscrito pelo advogado DD, doc. n.º 1, a fls. 61 e ss., datado de 20 de Março de 2014, e o segundo, doc. n.º 2, a fls. 90 e ss., subscrito pelos advogados EE e FF, datado este de 21 de Março de 2014, baseando nesses documentos o preenchimento da alínea c) do artigo 696.º do Código de Processo Civil.

 

2 – As recorrentes fundamentaram a pretendida revisão do acórdão de 21 de Janeiro de 2014 e integraram nas alegações apresentadas, com relevo no âmbito do presente acórdão, as seguintes conclusões:

«A) Nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do art. 697.º do CPC, o presente recurso extraordinário de revisão mostra-se tempestivo, sendo que, atento o facto de a decisão revidenda ter sido proferida em 21 de Janeiro de 2014 pelo STJ, o presente recurso extraordinário de revisão desde já é interposto perante o mesmo.

B) Com a prolação do dito douto acórdão proferido pelo STJ em 21 de Janeiro de 2014, atentos os termos mediante os quais a mesma se apresentou como uma decisão-surpresa as Recorrentes tiveram a oportunidade de tomar conhecimento de documentos que de per se mostram como suficientes para modificar aquela decisão judicial num sentido manifestamente mais favorável às Recorrentes, precisamente enquanto partes vencidas.

C) O douto acórdão a rever proferido pelo STJ entendeu que as obrigações derivadas da relação jurídico-laboral dos autos devem ser enquadradas pelo Direito (material) Português, por força do reenvio da norma de conflitos Belga vigente antes da entrada em vigor na Bélgica da Convenção de Roma referente à lei aplicável ao contrato de trabalho internacional ou plurilocalizado que atribuiria segundo aquele acórdão, exclusivamente, a competência ao sistema jurídico do local da execução do contrato, configurando este o seu elemento de conexão correspectivo (próprio).

D) Simplesmente, o entendimento jurídico com que a referida norma de conflitos Belga - verdadeiro ratio decidendi ou fundamento normativo daquela decisão - foi tomada e aplicada por parte do douto acórdão a rever foi conhecido pelas Recorrentes, subsequentemente, mostra-se um entendimento incorrecto, prefigurando um manifesto erro jurídico.

E) Com efeito, o entendimento jurídico com que dita norma de conflitos Belga em matéria de contrato internacional ou plurilocalizado foi tomada e consequentemente aplicada no caso dos autos pelo douto acórdão a rever, como as Recorrentes subsequentemente vieram a tomar conhecimento, radica num manifesto erro de análise e interpretação do DIP Belga, especialmente da referida norma de conflitos.

F) O douto acórdão a rever mostrou-se manifestamente uma absoluta decisão-surpresa conforme atrás exposto.

G) Conhecido o teor do douto acórdão a rever as Recorrentes tiveram o ensejo de tomar conhecimento mediante os dois documentos subscritos pelos ilustres juristas Belgas acima mencionados que o referido entendimento jurídico perfilhado naquela decisão judicial mostra-‑se um entendimento absolutamente incorrecto.

H) a X) (…)

Y) Entendendo os Recorrentes que tendo a interpretação e apreensão de sentido com que a referida norma de conflitos Belga foi tomada e consequentemente aplicada ao caso pelo douto acórdão a rever (com base na qual foi operado o reenvio para o Direito Português ao abrigo do disposto no art. 18.º do CC) se radicado, salvo o devido respeito, num manifesto erro jurídico, inclusive, violador de preceitos e princípios constitucionais, as Recorrentes interpuseram um recurso constitucional no âmbito do qual tiveram a oportunidade de proceder a uma consulta a ilustres jurisconsultos, os quais emitiram assim a sua opinião aqui junta a par dos dois sobreditos documentos; tal documento, também apenas chegou ao conhecimento das Recorrentes subsequentemente à prolação do acórdão a rever, ganhando sentido com este, o qual, em todo o caso, mostra-se suficiente por si mesmo para modificar a referida decisão judicial a rever em sentido mais favorável às Recorrentes, precisamente demonstrando que o entendimento perfilhado pelo douto acórdão a rever - de acordo com o qual a referida norma de conflitos tinha como elemento de conexão único e exclusivo (quando na verdade não o tinha) o «lugar da execução do contrato» - implicaria até a violação de preceitos e princípios constitucionais.

Z) Como acima exposto verosimilmente nunca tendo aquele mesmo douto acórdão perfilhado tal entendimento caso se encontrasse ciente dos termos próprios do DIP Belga vigente anteriormente à Convenção de Roma.

AA) Os três documentos juntos com o presente recurso pelas Recorrentes prefiguram-se como tal pressuposta a acepção de tal categoria consagrada no art. 362.º do CC, nos termos acima detalhadamente expostos.

BB) Encontram-se preenchidos in totum os requisitos previstos no art. 696.º al. c) do CPC com vista à revisão do douto acórdão proferido no transacto dia 21 de Janeiro de 2014.»

Terminam referindo que «deve o presente Recurso de Revisão ser julgado procedente por provado e, em consequência, proceder à Revisão do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no transacto dia 21 de Janeiro de 2014, revogando-se esta mesma decisão judicial, e em sua substituição ser proferida nova decisão judicial tendo em conta o conteúdo próprio do Direito Internacional Privado Belga aplicável ao caso, considerando-se desde logo igualmente como aplicável o respectivo Direito Substantivo do referido ordenamento jurídico ao caso dos autos, com as legais consequências e demais trâmites legalmente previstos».


II


1 – Conforme afirma A.RIBEIRO MENDES, o recurso de revisão «é utilizado para impugnar decisões de mérito, transitadas em julgado, afectadas por um vício» e prossegue aquele autor, referindo que «como dispõe o artigo 593.º do Código de Processo Civil francês em vigor e que substituiu o velho Código de processo napoleónico, o recurso de revisão (revision) “tende a fazer retractar uma decisão transitada em julgado para que se decida de novo a matéria de facto e de direito”» e refere ainda que «é, assim, nítido que, primeiro e em regra, tem de rescindir-se ou de tornar-se ineficaz a sentença transitada em julgado (fase rescindente) e, depois, de julgar de novo, de facto e de direito (fase rescisória)»[1].

Resulta do disposto no n.º 1 do artigo 699.º do Código de Processo Civil que «sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 641.º, o tribunal a que for dirigido o requerimento indefere-o quando não tenha sido instruído nos termos do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para a revisão» e decorre do disposto na alínea b) do artigo 698.º do mesmo código que, com o requerimento de interposição do recurso, o recorrente «apresenta certidão, consoante os casos, da decisão ou do documento em que se funda o pedido».

Deste modo, o Tribunal a quem o requerimento de interposição do recurso seja apresentado rejeita-o quando não for instruído nos termos referidos, ou quando «reconheça de imediato que não há motivo para a revisão».

No caso dos autos, tendo transitado em julgado a decisão que constitui objecto do presente recurso e não se suscitando dúvidas de fundo sobre a tempestividade do requerimento de interposição agora apresentado, face ao prazo fixado no n.º 2 do artigo 697.º do Código de Processo Civil, e tendo em conta que estão em causa documentos de que a parte não podia fazer tempestivamente uso no processo, uma vez que são posteriores à decisão ali recorrida, cumpre verificar se não ocorre alguma circunstância que evidencie «de imediato que não há motivo para a revisão», em conformidade com o disposto na parte final daquele n.º 1 do artigo 699.º do Código de Processo Civil.

2 - Sobre o juízo previsto nesta norma do qual pode decorrer a rejeição liminar do recurso, ou a respectiva admissão, referiu-se no acórdão desta Secção, de 12 de Março de 2014, proferido no processo n.º 5092/07.9TTLSB-A.S1[2], o seguinte:

«Em causa, a realização de uma apreciação prévia ou dizer de um juízo rescindente (judicium rescindens), passível de, com sentido negativo, conduzir ao indeferimento in limine caso se verifique, entre outros possíveis fundamentos, a interposição intempestiva, a ausência de conclusões, a falta das condições ou pressupostos para recorrer – sejam, ex.g. a legitimidade e o interesse em agir -, enfim quando se verifique que o recorrente não observou na instrução do recurso os termos definidos no art. 773º/CPC, ou quando do próprio recurso interposto seja de reconhecer de imediato que não há motivo para revisão.

Logrando o recurso interposto passar este crivo rescindente, seguir-se-ão os termos definidos nos arts. 774º e 775º com vista ao conhecimento do fundamento da revisão e correlata prolação do juízo rescisório (judicium rescisorium).

A exigência legislativa de um tal juízo rescindente – extensível ao juízo rescisório, se bem se compreende o princípio axiológico-normativo subjacente a este tipo de recurso - parece encontrar a sua razão de ser na natureza em si mesma anómala e/ou extraordinária da revisão.

Dizia Alberto dos Reis:

«O recurso de revisão apresenta, à primeira vista, o aspeto duma aberração judicial: o aspeto de atentado contra a autoridade do caso julgado».

Verdade, todavia, que o mesmo mestre não deixava de lhe conferir uma razão de ser.

Ponderava, então: «Bem consideradas as coisas, estamos perante uma das revelações do conflito entre as exigências da justiça e a necessidade da segurança ou da certeza. Em princípio, a segurança jurídica exige que, formado o caso julgado, se feche a porta a qualquer pretensão tendente a inutilizar o benefício que a decisão atribuiu à parte vencedora.

Mas pode haver circunstâncias que induzam a quebrar a rigidez do princípio. A sentença pode ter sido consequência de vícios de tal modo corrosivos, que se imponha a revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda consideração e remédio.

Quer dizer, pode a sentença ter sido obtida em condições tão estranhas e anómalas, que seja de aconselhar fazer prevalecer o princípio da justiça sobre o princípio da segurança.» (.)

Nesta breve nota tem-se por condensada uma filosofia que, ontem como hoje, deve presidir à aplicação do recurso em causa: trata-se de um recurso de aplicação extraordinária que só uma comprovada e clamorosa ofensa do princípio reitor da justiça leve a que este deva prevalecer sobre o princípio da segurança decorrente do caso julgado.»

Cumpre, pois, decidir, em sede de admissão do presente recurso, nos termos do n.º 1 do artigo 699.º do Código de Processo Civil, se os dois pareceres de natureza jurídica, obtidos pelas Rés depois de ter sido proferido o acórdão de 21 de Janeiro de 2014, podem ser invocados como fundamento da revisão daquele acórdão, preenchendo o pressuposto do recurso de revisão previsto na alínea c) do artigo 696.º do Código de Processo Civil, questão que constitui o objecto do presente acórdão.


III


1 - Conforme resulta do artigo 362.º do Código Civil, «diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa coisa ou facto», dispositivo que consagra uma noção ampla de documento, sendo essencial a esta noção «a função representativa ou reconstitutiva do objecto»[3].

Existe, contudo, uma noção restrita de documento que o define como «o escrito que corporiza uma declaração de verdade ou ciência (declaração testemunhal: destinada a representar um estado de coisas) ou uma declaração de vontade (declaração constitutiva, dispositiva ou negocial: destinada a modificar uma situação jurídica pré-existente)»[4].

Nesta acepção, o documento surge como um suporte material que integra uma declaração de natureza meramente descritiva de uma realidade ou destinada a produzir efeitos de natureza jurídica sobre uma situação pré-existente.

2 - O Código de Processo Civil disciplina a junção de documentos aos autos, referindo no n.º 1 do artigo 423.º que «os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser juntos com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes» e estabelece também nos n.ºs 2 e 3 deste dispositivo as condições em que pode ocorrer a junção posterior de documentos, vindo no artigo 425.º a referir que «depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, sendo junto com as alegações, nos termos do artigo 651.º do mesmo código.

Aquele código separa, contudo, de uma forma clara a junção de documentos destinados à prova dos factos alegados como fundamento da acção ou da defesa, da junção de pareceres independentemente da natureza que estes tenham.

Resulta com efeito do disposto do artigo 426.º que «os pareceres de advogados, professores ou técnicos podem ser juntos, nos tribunais de 1.ª instância, em qualquer estado do processo».

Estão em causa os pareceres de natureza jurídica ou técnica, com interesse relativamente à dilucidação das questões de natureza jurídica suscitadas pelo processo, ou de questões de natureza técnica essenciais à fixação da matéria de facto, sendo certo que neste caso «a utilidade do parecer cessa com a decisão sobre a matéria de facto, sem prejuízo da sua utilidade nos casos em que haja recurso em matéria de facto[5].

A separação entre documentos e pareceres permite afirmar que para o Código de Processo Civil, os pareceres, nomeadamente, os pareceres de natureza jurídica, têm um regime de aquisição processual e são realidade diversa dos documentos que integram a prova documental e que se destinam à prova dos factos que servem de fundamento à acção ou à defesa.

Embora os pareceres de natureza técnica relevem no contexto da prova ao nível da interpretação e da fixação dos factos, eles não se confundem com os documentos nem estão sujeitos ao regime de aquisição processual específico deste meio de prova.

Os pareceres de natureza jurídica relevam ao nível do estudo e do enquadramento das questões de natureza jurídica suscitadas pelas partes mas nada têm a ver com a fixação da matéria de facto e com a prova.

3 - Sobre a especificidade da relação entre parecer e documentos, referiu-se no acórdão desta Secção acima citado, o seguinte:

«Com interesse recordar-se-á que o Código de Processo Civil na versão de 1939 [DL 29.637 de 20 de maio de 1939] dispunha na Subsecção relativa à Produção da Prova Documental: «Não se consideram documentos os pareceres de advogados, professores ou técnicos, os quais podem ser juntos em qualquer estado do processo.» (Art. 550º § único)

Interpretando o normativo, Alberto dos Reis entendia que, decorrendo dele que a função específica dos documentos era servirem de meio de prova de determinados factos, naturalmente, os pareceres ficavam excluídos da categoria de documentos.

Ressalvava, porém, o mesmo mestre, que a lei lhes tinha aberto francamente as portas, «permitindo a junção em qualquer estado do processo», colocando, desta arte, os Pareceres sob regime mais favorável do que o dos documentos.

E porquê?

Justificava do seguinte modo: «Decerto porque viu neles alguma vantagem; (…) porque lhes atribuiu algum valor, alguma função útil. E a função útil só pode ser esta: contribuírem para esclarecer o espírito do julgador.»

Distinguia, ainda: (i) «Os pareceres de técnicos dizem respeito, em regra, a questões de facto; destinam-se a elucidar o tribunal sobre a significação e alcance de factos de natureza técnica, cuja interpretação demanda conhecimentos especiais (…).» (ii) «Os pareceres de advogados e de professores é que têm, ordinariamente, feição jurídica; propõem-se quase sempre resolver questões de interpretação e aplicação da lei.»

Sendo certo que, não obstante o reconhecimento de que «os pareceres dos técnicos, …, são como os dos advogados e professores, peças escritas que se juntam ao processo para serem tomadas pelo tribunal na consideração que merecerem», não deixava, de igual passo, de admitir que o Parecer técnico pudesse constituir documento de prova quando integrando relatório «oferecido precisamente para fazer a prova do facto». (.)

Com a Revisão de 1967, a «Prova por documentos», inserida na Secção II, passou a comportar, no art. 523º, a definição do momento da apresentação dos documentos [«Os documentos destinados a fazer  prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes» (nº1)] e no art. 525º a definição do momento da apresentação de pareceres [«Os pareceres de advogados, professores ou técnicos podem ser juntos, nos tribunais de 1ª instância, em qualquer estado do processo»]

Julga-se legítima, todavia, a interpretação de que, não obstante a exérese de que os pareceres não se consideram documentos, a lei adjetiva não deixava, na Revisão sob referência, de reconhecer uma diferença qualitativa e/ou de natureza entre documentos e pareceres, como defluía, a título de exemplo, dos artigos 542º ou 706º.

Natureza distinta que manter-se-ia na Revisão de 2007, como se pode aferir, v.g., pela leitura dos artigos 542º, 700º nº1 al. e), 726º.

Continua a valer, assim, como se colhe da leitura conjugada das normas adjetivas e substantivas, uma distinção que ora leva a conferir ao Documento a função específica de meio de prova, ora reconduz os Pareceres, salvo casos contados de natureza especificamente técnica, a «peças escritas que se juntam ao processo para serem tomadas pelo tribunal na consideração que merecerem».

4 - Assente a autonomia do regime de aquisição processual dos documentos e dos pareceres, importa enfrentar a interpretação da alínea c) do artigo 696.º do Código de Processo Civil e responder à questão suscitada de saber se os pareceres invocados pelas recorrentes, como fundameno do presente recurso de revisão, se podem considerar documentos para este efeito.

Refere aquele dispositivo que «a decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão quando: c) se apresente documento que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida».

A redacção deste dispositivo não difere da alínea c) do artigo 771.º do anterior Código de Processo Civil, na versão resultante do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.

Pronunciando-se sobre este dispositivo referiram LEBRE de FREITAS e RIBEIRO MENDES que se prevê «a apresentação de documento anterior omitido, por a parte dele não ter conhecimento ou dele não ter podido fazer uso no processo, e que seja susceptível de modificar a decisão revidenda em sentido mais favorável à parte vencida (documento superveniente essencial). O documento tem de fazer prova de um facto inconciliável com a decisão a rever»[6].

Como se referiu no acórdão deste SupremoTribunal de 22 de Maio de 1979[7], [o documento apresentado tem de ter a virtualidade bastante para, só através dele e sem recurso a novos elementos de prova, impor à causa uma solução diversa daquela que teve» e cita-se o «ensinamento do Prof. Alberto dos Reis, ao escrever: «O documento há-de ser tal, que por si só, tenha força suficiente para destruir a prova que fundou a sentença, quer dizer o documento deve impor um estado de facto diverso daquele em que a sentença assentou» (Código de Processo Civil Anotado, vol. 6.º, pag. 356)].

No caso dos autos não está em causa neste juízo de admissão ou rejeição do recurso a informação de natureza jurídica que conste dos documentos agora invocados como fundamento da revisão e qualquer visão crítica dos mesmos, nomeadamente, a relação desses pareceres com os pareceres juntos anteriormente aos autos, ou o rigor na descrição da situação de facto apresentada aos ilustres juristas que os subscreveram e que é essencial para a ponderação do respectivo conteúdo, mas apenas o conteúdo desses documentos enquanto meros suportes de informação jurídica sobre as questões decididas no processo, sem qualquer relação com a matéria de facto fixada no processo e que é base do ali decidido.

Ora ponderando o disposto na alínea c) do artigo 696.º do Código de Processo Civil no contexto do recurso de revisão, os valores de verdade e de Justiça na realização do Direito que lhe estão subjacentes e a função deste recurso, pode concluir-se que o conceito de documento que aqui está em causa é o de documento enquanto meio de prova dos factos que servem de fundamento à acção ou à defesa, não integrando os pareceres de natureza jurídica juntos pelas partes aos autos em abono das suas posições sobre o sentido da decisão a proferir.

Está em causa o documento que «só por si seja suficiente para modificar a decisão», ou seja, que releve na demonstração dos factos que constituem o objecto do processo, servindo de fundamento à acção ou à defesa, estando declaradamente ligado à decisão em matéria de facto.

Assim, o documento legitimador da revisão há-de ser portador de informação sobre os factos que constituem o litígio que tenha a virtualidade, não só de abalar a matéria de facto fixada na decisão recorrida, mas, acima de tudo, de ser de tal modo antagónico com ela que justifique, visto de uma forma isolada e sem qualquer relação com a prova produzida no processo, a decisão em sentido contrário.

É este valor objectivo do documento como meio de prova, associado ao facto de a parte não ter do mesmo conhecimento, ou não ter podido dele fazer uso no processo, que justifica a revisão do processo para que esse documento seja tomado em consideração na nova decisão a proferir.

Os pareceres de natureza jurídica não se integram, assim, no conceito de documento referido na alínea c) do artigo 696.º do Código de Processo Civil para servir de fundamento ao recurso de revisão, existindo no caso dos autos, motivo para a rejeição do recurso interposto, nos termos do n.º 1 do artigo 699.º do Código de Processo Civil.  


III


Em face do exposto, acorda-se em rejeitar o recurso de revisão interposto.

Custas pelas Rés.

Junta-se sumário do acórdão.

Lisboa, 4 de Fevereiro de 2015

António Leones Dantas (relator)

Melo Lima

Mário Belo Morgado

____________________
[1] Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, 2009, p. 196.
[2] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[3] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 3.ª Edição, 1982, p. 319.
[4] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, p. 221.
[5] LEBRE de FREITAS e OUTROS, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Coimbra Editora, 2001, p. 427.
[6] Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, Tomo I, Coimbra Editora, 2008, p.p. 225 e 226.
[7] Boletim do Ministério da Justiça, n.º 287, Junho de 1979, p. 247.