Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6122/17.1T8FNC.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
PRESSUPOSTOS
DANO
PRIVAÇÃO DO USO
PERDA DE CHANCE
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
PRINCÍPIO DO PEDIDO
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 01/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Em sede de recurso de revista, e salvas as exceções legais, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de discussão.
II - Por muito censurável que seja o comportamento do agente, a existência de dano é condição essencial da obrigação de indemnização. Se se mostra que não há dano, não há lugar a indemnização.
III - A privação do uso de uma coisa poderá constituir uma obrigação de indemnização sem necessidade de comprovação de certos e concretos prejuízos, mas desde que o lesado alegue e prove previamente que a privação da coisa frustrou um propósito real, concreto e efetivo do seu uso.
IV - Para que se possa falar em indemnização por perda de chance é necessário que o lesado mostre que detinha na sua esfera jurídica a oportunidade de (com grande probabilidade, pois tudo gira ao redor de factos eivados de um certo grau de aleatoriedade, de incerteza) alcançar certo efeito que lhe seria vantajoso, mas que acaba por não ser alcançado devido a facto do autor da lesão.
V - Se os autores nada alegaram e provaram em termos de oportunidade perdida, nem a isso fizeram sequer qualquer alusão, não há base jurídica para a fixação de uma indemnização a título de perda de chance.
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 6122/17.1T8FNC.L1.S1

Revista

Tribunal recorrido: Tribunal da Relação ……..

                                                           +

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

I - RELATÓRIO

1. AA. e BB. demandaram, pelo Juízo Central Cível ….. e em autos de ação declarativa com processo na forma comum, TECNOVIA - MADEIRA, SOCIEDADE DE EMPREITADAS, S.A., peticionando a condenação desta no pagamento da quantia indemnizatória de €99.000,00 pelo uso ilícito e culposo do prédio rústico que identificam, bem como a proceder à respetiva limpeza, deixando-o livre de materiais de construção, cofragens, utensílios, ferramentas e outros conexos, bem ainda, caso não proceda à entrega do imóvel livre dessas coisas, a pagar €750,00 por cada mês em que a situação perdure.

Alegaram para o efeito, em síntese, que são donos da parcela de terreno em questão, que tem a área de 767 m2.

Sucede que, poucos dias antes do Natal de 2014, constataram que nessa parcela havia a Ré depositado toda uma série de materiais inerentes à sua atividade, o que se verificava desde 2006.

Tal comportamento da Ré é ilícito e culposo.

Daqui que lhe compita indemnizar os Autores nos termos peticionados e entregar a parcela limpa de materiais.

Contestou a Ré, concluindo pela improcedência da ação.

Para além de impugnar grande parte da factualidade alegada pelos Autores, disse, em síntese, que a parcela onde deposita os materiais resulta da expropriação que aconteceu na zona, constituindo baldio sobrante, de modo que a sua utilização não ofende qualquer direito de propriedade dos Autores.

Seguindo o processo seus termos, veio, a final, a ser proferida sentença que condenou a Ré a pagar aos Autores indemnização no montante de €17.000,00, bem como a entregar aos Autores a parcela em questão, deixando-a limpa e livre de materiais. No mais, foi a ação julgada improcedente.

Inconformados com o assim decidido, apelaram tanto Autores como a Ré.

Para além de impugnarem o julgamento de parte dos factos, pretendiam os primeiros que fosse fixada em €99.000,00 a indemnização a pagar pela Ré; Para além de impugnar também o julgamento dos factos, pretendia a segunda que a ação fosse julgada improcedente na totalidade.

A Relação …… negou provimento à apelação da Ré, mas concedeu parcial provimento à apelação dos Autores, condenando a Ré a pagar aos Autores a quantia indemnizatória de €50.622,00.

Mantendo-se inconformada, pede a Ré revista.

Da respetiva alegação extrai as seguintes conclusões:

A) Os factos considerados como provados pelo Tribunal da Relação …… contrariam frontalmente a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e a inspeção ao local;

B) O douto Acórdão não reflete a prova produzida quanto à prova testemunhal e à inspeção ao local, quer quanto à matéria dada por provada quer quanto à não provada;

C) O douto Acórdão desconsiderou totalmente o depoimento do legal representante da Recorrente e das testemunhas, que demonstraram ter a ocupação do terreno resultado de autorização Governo Regional e do desconhecimento de que a mesma pertencia a terceiros;

D) Não poderia o douto Acórdão ter ALTERADO o teor do ponto 2.1.5 dos factos provados e deveria ter declarado não provada a matéria descrita na 2.a parte do referido ponto 2.1.5;

E) E devia também ter considerado provada a matéria descrita no ponto 2.2.5. do elenco de factos não provados;

F) O douto Acórdão também não devia ter acrescentado o ponto 2.1.8 como facto provado;

G) O douto Tribunal da Relação não poderia ter considerado provado que todo o terreno estava a ser ocupado pela Recorrente, quando o Tribunal a quo fundou a sua convicção na inspeção ao local efetuada e verificou que, de facto, apenas parte do terreno estava ocupado pela Recorrente;

H) O Mmo. Juiz do Tribunal de 1.ª Instância efetuou uma inspeção ao local e decidiu que a parte do terreno que foi ocupado pela Recorrente correspondia apenas a 588 m2 (quinhentos e oitenta e oito metros quadrados);

I) O douto Tribunal da Relação refere que o Tribunal a quo fundou a sua convicção na inspeção ao local, mas depois vem contrariar o que foi verificado naquela inspeção;

J) O que tem de ser considerado é a parte do terreno que efetivamente foi utilizada pela Recorrente e não a mera possibilidade de usar o terreno todo;

K) Resulta do depoimento do representante legal da Recorrente e da testemunha CC. que a parte do terreno usada pela Ré servia para depósito de material de guardas de segurança na via rápida;

L) Não resultou provado, por qualquer forma, nem foi mencionado por nenhuma testemunha que a Recorrente utilizasse o referido imóvel para "depósito de materiais de construção civil, cofragens, contentores, depósitos, manilhas e outros materiais".

M) A Recorrente utilizou sempre o terreno na convicção de se tratar de um terreno pertencente à Região e com a anuência do então Secretário Regional do Equipamento Social;

N) Não foi feita prova suficiente nos presentes autos para que o douto Acórdão pudesse considerar facto 2.1.8. como provado;

O) Igualmente dos depoimentos das testemunhas DD., CC. e EE. resulta nunca ter sido a Recorrente contactada pelos Recorridos, ou por quem quer que fosse, no sentido de até à data da citação, ter de retirar os materiais do terreno;

P) Os depoimentos de parte e das testemunhas mostram-se consentâneos, coerentes e credíveis;

Q) Os Recorridos alegam que desconheciam até final de 2014 da ocupação do terreno por parte da Recorrente;

R) Se não sabiam que o terreno lhes pertencia e/ou estava ocupado, não podiam ter interpelado a Recorrente para retirar daí os materiais;

S) A desocupação e a restituição da parcela aos Recorridos revelam-se suficiente para acautelar os interesses e direitos dos Recorridos;

T) Os Recorridos não poderiam ter sofrido qualquer privação de uso de coisa que não sabiam possuir e/ou dispor;

U) Deve ser alterada a matéria de facto dada como provada e não provada, devendo passar a constar dos factos não provados a 2.a parte do ponto 2.1.5. e dar-se como provado o ponto 2.2.5.;

V) Deve dar-se como provado o facto 2.1.8;

W) Não é devida qualquer compensação monetária aos Recorridos pela privação do uso da coisa;

X) Os Recorridos não alegaram qualquer dano causado pelo uso do terreno pela Recorrente, por efetivamente não existir;

Y) Os Recorridos não têm direito ao pagamento de uma indemnização por "perda de chance";

Z) O dano indemnizável fundado numa "perda de chance" não faz qualquer sentido no caso concreto e carece de acolhimento legal;

AA) Os Recorridos não viviam na Região Autónoma ….., encontrando-se emigrados pelo que não se descortina qual a perda de chance ocorrida;

BB) Não se pode considerar que os Recorridos tinham uma "chance" de obter uma vantagem que probabilisticamente era razoável supor que almejassem;

CC) Há perda de chance quando se perde um proveito futuro ou se não se evita uma desvantagem por causa imputável a terceiro, o que não sucedeu;

DD) Não houve qualquer oportunidade perdida por parte dos Recorridos;

EE) Uma vez que a conduta violadora por parte da Recorrente não trouxe qualquer alteração à situação dos Recorridos, não implica perda dessa chance, não sendo causa adequada de qualquer dano então não tem cabimento a indemnização;

Sem conceder, mas por mero dever de patrocínio sempre se dirá que:

FF) Ainda que a Recorrente fosse condenada ao pagamento de uma indeminização, nunca a mesma podia ser no montante de € 50.622,00 (cinquenta mil, seiscentos e vinte e dois euros);

GG) A indemnização a arbitrar à Recorrente tem de ser calculada segundo juízos de equidade;

HH) Está provado nos autos que os Recorridos “não pretenderam dar qualquer uso ao terreno de que são proprietários” e que os mesmos “não tiveram qualquer prejuízo patrimonial efectivo”;

II) Os Recorridos não tinham conhecimento da ocupação do terreno e estavam emigrados pelo que não conseguiriam usar o terreno;

JJ) Os Recorridos nunca interpelaram a Recorrente no sentido de retirar qualquer material do terreno;

KK) Caso a Recorrente pague aos Requeridos uma indemnização de € 50.622,00 (cinquenta mil, seiscentos e vinte e dois euros), será um enriquecimento sem causa;

LL) Deve assim ser concedido provimento ao presente recurso, e em consequência, deve revogar-se a decisão recorrida.

                                                           +

Não se mostra ter sido oferecida contra-alegação.

                                                           +

II - ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:

- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;

- Há que conhecer de questões, e não das razões ou argumentos que às questões subjazam;

- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

                                                           +

São questões submetidas à apreciação deste tribunal:

- Saber se ocorreu errado julgamento da matéria de facto;

- Saber se existe dano e consequente obrigação de indemnização;

- Subsidiariamente, saber se a indemnização estabelecida é excessiva.

                                                           +

III - FUNDAMENTAÇÃO

De facto

Estão provados os factos seguintes, após as modificações feitas operar pelo tribunal recorrido:

2.1.1.- Até ao dia 10 de novembro de 2000, os autores eram proprietários do prédio rústico situado no lugar ………, freguesia …….., concelho ………, com a área total de 1240m2, inscrito na matriz rústica sob o nº ……., secção …… e descrito na Conservatória do Registo Predial ……. sob o nº ……...

2.1.2.- Bem como eram proprietários, até ao dia 10-11-2000, do prédio rústico situado no Lugar …….., freguesia ………, concelho ………, com a área total de 1 I70m2, inscrito na matriz rústica sob o nº ……., secção …….. e descrito na Conservatória do Registo Predial …… sob o nº ……...

2.1.3.- Todavia, mediante escritura pública, datada de 10 de novembro de 2000. aceitaram os autores a expropriação a favor da Região Autónoma ……. do imóvel identificado em 2.1.2. – parcela …… - e a parcela de terreno, com a área de 473 m2, a destacar do imóvel acima identificado em 2.1.1. - parcela …… -, a fim de se proceder á construção da via rápida …...

2.1.4.- Assim, os AA. passaram a ser, somente, proprietários do prédio rústico acima identificado cm 2.1.1., inscrito na matriz rústica sob o nº ……, agora com a área atualizada de 763 m2, na sequência do destaque da área expropriada.

2.1.5.- A ré tem vindo a ocupar, pelo menos desde 2006, todo o terreno dos autores acima identificado em 2.1.4., na parte que não foi expropriada, usando o mesmo para depósito de materiais de construção civil, cofragens, contentores, depósitos, manilhas e outros materiais.

2.1.6. - Para poderem utilizar aquela área de terreno para depósito, a ré efetuou a terraplanagem do mesmo e construiu muros de suporte.

2.1.7. - Os autores nunca deram autorização para que a ré pudesse utilizar o terreno em causa para depósito de materiais.

2.1.8.- De acordo com o PDM do concelho ……, o terreno pertencente aos Autores que está a ser ocupado pela Ré é apto para construção e para usos diversos, desde residencial até industrial e armazenagem.

Foram considerados não provados os factos seguintes:

2.2.1.- Os AA. deslocaram-se no final do ano de 2014, quando tiveram conhecimento da ocupação do seu terreno, aos escritórios da R., situados em ……., …….., a exigir a retirada cios referidos materiais.

2.2.2.- O valor locativo de um terreno para estaleiro, como o ocupado pela ré, é de €7.500,00 mensais.

2.2.3.- A parcela onde a ré deposita os materiais resulta da expropriação de parcelas pelo Governo Regional, constituindo baldios sobrantes da obra da Via Rápida.

2.2.4.- A ré usa aquela parcela de terreno há mais de 20 anos, em nome próprio, de boa-fé e sem oposição de ninguém, com a convicção de ser sua proprietária.

2.2.5.- A ré nunca foi contactada pelos autores, até á data da citação, para retirar os materiais do terreno.

2.2.6.- Só em dezembro de 2014 é que os autores tiveram conhecimento da ocupação do seu prédio.

De direito

Quanto à matéria das conclusões A), B), C), D), E), F), G), H), I), J), K), L), M), N), O), P), U) e V)

Nestas conclusões a Recorrente manifesta a sua discordância relativamente à matéria de facto, tal como esta foi julgada ou interiorizada pelo tribunal recorrido.

Na sua perspetiva, as provas a que alude (prova pessoal e prova por inspeção judicial) deveriam ter conduzido a outro desfecho factual.

Estamos aqui perante provas de livre apreciação.

Acontece, porém, que em sede de recurso de revista (como é precisamente a espécie de recurso aqui em presença), e salvo as exceções legais (mas aqui não concorrem), o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de discussão (art. s 674.º, n.º 3 e 682.º, n.º 2 do CPCivil)[1].

Deste modo, resulta evidente que a discordância dos Recorrentes acerca da matéria de facto não pode ser objeto de apreciação por parte deste Supremo Tribunal de Justiça.

O que significa que o pronunciamento da instância recorrida sobre a matéria de facto é definitivo.

O que tudo também significa que improcedem imediatamente, sem necessidade de melhores ilustrações, as conclusões em destaque.

Quanto à matéria das conclusões Q), R) S), T), W), X), Y), Z), AA), BB), CC), DD) e EE)

Nestas conclusões sustenta a Recorrente que não pode haver lugar ao pagamento de qualquer indemnização, pois que não se prova a existência de qualquer dano.

Tem razão.

Justificando:

Estamos perante uma ação que visa fazer operar uma suposta responsabilidade civil extracontratual da Ré.

Quanto a isto não pode haver a menor dúvida, tanto que os Autores denominam a ação como “Acção de Indemnização por Responsabilidade Civil Extracontratual”, invocam o art. 483.º do CCivil, utilizam o vocábulo “indemnização” e pedem precisamente a condenação da Ré a “indemnizar os AA. pelo uso ilícito e culposo” da parcela em questão.

Como é sabido e consabido, uma das condições (ou seja, um dos pressupostos) da obrigação de indemnizar (ou seja, da responsabilidade civil) é o dano ou prejuízo.

Não basta a existência de um ato ilícito e culposo do agente.

A este propósito diz-nos Galvão Telles (Direito das Obrigações, 7.ª Ed., Reimpressão, p. 373) que “A responsabilidade civil (…) traduz-se na obrigação de indemnizar, ou seja, de reparar prejuízos, e, portanto, sem estes, não existe”.

O mesmo nos diz Menezes Leitão (Direito das Obrigações, Vol. I, 12.ª ed., p. 297): “O dano apresenta-se (…) como condição essencial da responsabilidade. Por muito censurável que seja o comportamento do agente, se as coisas correrem bem e ninguém sair lesado, não poderá ele ser sujeito à responsabilidade civil”.

No caso vertente não suscita dúvidas que a Ré, culposamente (porque não podia desconhecer que a parcela em questão não lhe pertencia, mas sim a terceiro, fosse ele qual fosse), cometeu um facto ilícito (na medida em que passou a servir-se, sem para tanto ter qualquer título ou autorização, do terreno dos Autores).

Mas a questão é: gerou-se daqui algum prejuízo efetivo para os Autores?

Claro que não.

Percorrendo a petição inicial vemos claramente que os Autores não alegaram a existência de qualquer prejuízo para a sua esfera patrimonial em decorrência do ato intrusivo da Ré.

Embora tenham calculado a indemnização que peticionaram em função do valor de um suposto arrendamento comercial, em sítio algum alegaram que era seu propósito, ainda que hipotético, arrendar o local e que deixaram de o fazer por causa da ocupação da Ré.

E, por isso, a factualidade provada não reflete a existência de qualquer dano.

E não apenas nada alegaram os Autores nesse sentido (ou em qualquer outro sentido que de algum modo sugerisse algum tipo de prejuízo derivado do facto da Ré se servir da parcela), como até explicaram (artigos 5.º a 8.º da contestação) que estavam emigrados desde 1976, que raramente vinham à ……. e que somente em finais de 2014 tiveram notícia de que havia materiais de terceiro na parcela, significando desse modo que não se vinham servindo da parcela para efeito algum, que não lhe vinham dedicando atenção e cuidados especiais, e daqui que não representavam que a Ré ali tivesse colocado certas coisas.

O importante disto tudo é que os Autores mostram que jamais sentiram que a sua esfera patrimonial pudesse estar a ser afetada, jamais localizaram na sua esfera patrimonial qualquer prejuízo.

E certamente que não é o simples conhecimento que passaram depois a ter da ocupação, que pode funcionar como fonte de dano (esse conhecimento poderia funcionar como fonte de dano, mas dano não patrimonial, se acaso os Autores tivessem sofrido algum desgosto ou sofrimento em decorrência de saberem que fora devassado o que era seu, mas nada disto está em causa, na certeza de que os Autores nada alegaram em tal sentido nem reclamaram qualquer indemnização por danos não patrimoniais).

E tanto tudo isto é assim, que o próprio acórdão recorrido afirma (pp. 26 e 27) que os Autores não pretenderam dar qualquer uso ao terreno em questão e que “não tiveram qualquer prejuízo patrimonial efetivo decorrente direta e necessariamente (…) da conduta ilícita, ilegítima e abusiva” da Ré.

Mas não deverá ver-se no caso vertente uma situação de privação do uso da parcela, a constituir, sem mais, fonte direta e imediata de um dano?

A sentença da 1ª instância (mas não o acórdão recorrido) respondeu afirmativamente a essa questão, e foi a partir daí que considerou constituído o dano e atribuiu aos Autores uma indemnização (€17.000,00).

Mas, segundo bem nos parece, essa abordagem jurídica da sentença não pode ser subscrita.

A doutrina - vejam-se, por exemplo, as posições divergentes de Paulo Mota Pinto (Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, I, pp. 568 e seguintes e Menezes Leitão (Direito das Obrigações, I, 12.ª ed., p. 301) - e a jurisprudência têm tergiversado sobre a questão de saber se a mera privação do uso ou fruição de uma coisa é suscetível de produzir de per si um dano reparável, sem necessidade de comprovação da existência de danos concretos.

Na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, e para citar (de entre uma multiplicidade de outros) apenas dois acórdãos, vejam-se as posições dissonantes constantes do acórdão de 29 de abril de 2010, processo n.º 344/04.2GTSTR.S1 (de cujo sumário se pode ler que «X - Mesmo não se tendo produzido qualquer prova da existência de danos específicos, em condições normais e segundo as regras da experiência (…), a privação do uso de uma viatura em resultado dos danos sofridos em acidente de trânsito “constitui, só por si, um dano patrimonial indemnizável …, avaliável em dinheiro…”, tendo a perda da possibilidade da sua utilização, só por si, como é natural, um determinado valor económico») e dos acórdãos de 3 de outubro de 2013, processo n.º 9074/09.8T2SNT.L1.S1 (de cujo sumário se pode ler que «IV - A privação de um bem (no caso um imóvel), por turbação ou esbulho não confere, sem mais, direito a indemnização ao possuidor restituído, havendo este que fazer prova da existência de prejuízos reparáveis, quer na forma de danos emergentes, quer de lucros cessantes ou ainda de danos não patrimoniais. V - A circunstância de o imóvel poder, hipoteticamente, ser vendido ou arrendado não é por si só suficiente para se ter o dano como previsível») e de 12 de julho de 2018, processo n.º 2875/10.6TBPVZ.P1.S1 (de cujo sumário se pode ler que «I - A mera privação do uso da coisa não é indemnizável, devendo o lesado alegar e provar a privação do uso da coisa por acto ilícito de terceiro e a existência de uma concreta utilização relevante da coisa, o que constitui entendimento jurisprudencial dominante do STJ»).

Na nossa perspetiva, a privação do uso poderá constituir uma obrigação de indemnização sem necessidade de comprovação de certos e concretos prejuízos, mas desde que o lesado alegue e prove previamente que a privação da coisa frustrou um propósito real, concreto e efetivo do seu uso, fruição ou disposição.

É o que se passa com um veículo automóvel de que se sabe que é regularmente utilizado pelo seu dono, é o que se passa com um terreno de que se sabe que o seu dono dele se serve normalmente, não se limitando simplesmente a ser dono.

Nestes casos salta à vista que a intromissão de terceiros no uso e disponibilidade da coisa acaba por ser sempre fonte de algum tipo de prejuízo para o respetivo dono.

Na realidade, as coisas devem ser vistas como foram vistas no acórdão deste Supremo de 3 de maio de 2011 (processo n.º 2618/05.06TBOVR.P1), assim sumariado:

 «I - A privação do uso de uma coisa pode constituir um ilícito gerador da obrigação de indemnizar, uma vez que impede o seu dono do exercício dos direitos inerentes à propriedade, isto é, de usar, fruir e dispor do bem, nos termos genericamente consentidos pelo art. 1305.º do CC. II - Não é suficiente, todavia, a simples privação em si mesma: torna-se necessário que o lesado alegue e prove que a detenção ilícita da coisa por outrem frustrou um propósito real – concreto e efectivo – de proceder à sua utilização. III - A privação do uso é condição necessária, mas não suficiente, da existência de um dano correspondente a essa realidade de facto. IV - Tendo o autor demonstrado que usava o veículo sinistrado no apoio à actividade de construção civil a que se dedica, bem como nas suas deslocações diárias e de lazer, tal mostra-se suficiente para justificar a atribuição duma indemnização a título de privação do uso. V - O que na essência define o dano da privação do uso, independentemente de outros prejuízos concretos que possam alegar-se e provar-se associados a essa ocorrência (danos emergentes e lucros cessantes), é a impossibilidade de usar a coisa por virtude da conduta ilícita do lesante, e enquanto essa impossibilidade subsistir».

Ora, no caso vertente os Autores não alegaram qualquer facto que indique que se serviam da parcela, que tinham um qualquer propósito real, concreto e efetivo de uso da parcela, propósito esse que se frustrou devido à circunstância da Ré ali se ter intrometido.

Como sobredito, não apenas nada alegaram nesse sentido, como até significaram precisamente o contrário: que tinham a parcela entregue a si própria, que não a usavam, que não a supervisionavam e que jamais deram sequer conta que a sua esfera patrimonial pudesse estar a ser afetada.

Portanto, pese embora o comportamento ilícito e culposo da Ré, não se constituiu na esfera jurídica dos Autores qualquer dano, real ou patrimonial, que importe ser reparado.

E, repetindo, sem dano, não há lugar à reparação indemnizatória.

Entretanto, o acórdão recorrido, apesar de assumir que os Autores não sofreram qualquer prejuízo patrimonial efetivo em decorrência do comportamento ilícito da Ré, acaba por direcionar a questão para a área da chamada perda de chance. Mais propriamente, o acórdão argumenta assim:

«[T]anto quanto está demonstrado nos autos, os mesmos [os Autores] não tiveram qualquer prejuízo patrimonial efectivo decorrente directa e necessariamente [art.° 563° do Código Civil] da conduta ilícita, ilegítima e abusiva desse terreno por parte dessa demandada - e a Ré já foi condenada, com trânsito em julgado, a restituir o imóvel a esses seus legítimos donos.

Todavia, menos verdadeiro não é que, caso os Autores tivessem querido usar o terreno para uma qualquer finalidade, não o poderiam ter feito, constituindo essa situação uma inequívoca “perda de chance”.

E esse é um bem moral (não patrimonial) indemnizável nos termos previstos no art.° 496° do Código Civil, pois a privação da espectativa ou da possibilidade do uso de um bem que pertence a uma qualquer dada pessoa constitui um dano que, pela sua gravidade, merece a tutela do Direito.

Acresce que choca profundamente a consciência jurídica de um/a qualquer normal e minimamente diligente bom pai/boa mãe de família - logo, excede manifestamente os limites da boa fé e dos bons costumes (art.° 334° do Código Civil) - configurar como possível que uma grosseira violação de um direito constitucionalmente protegido possa ser praticada impunemente.

Como soi dizer-se, não há almoços grátis - e muito menos numa sociedade de mercado se pode conceber que, quem pratica algo tão grosseiramente antijurídico como a violação de um direito com a dignidade institucional do direito de propriedade, não pague um preço por esse seu acto.

Mal estaria a Sociedade se os Tribunais não sancionassem negativamente - isto é, não punissem -, mesmo em termos do direito civil, um acto tão eticamente censurável como esse é; tal seria, na realidade, um incentivo à prática desses actos tão disruptores e tão nocivos para a consistência do tecido social e tão perturbadores da certeza e segurança jurídicas indispensáveis à fluidez do comércio jurídico e à estabilidade da vida social.

Logo essa indemnização é, pelas razões e fundamentos jurídicos agora expostos, devida e exigível.»

Como se vê, o que sensibiliza deveras o tribunal recorrido são os valores inerentes ao direito de propriedade e os desvalores intoleráveis da sua ofensa, de sorte que a Ré não poderia ficar sem pagar um preço pelo seu ato de intromissão.

Mas, com o devido respeito (que, aliás, não é pouco), este ponto de vista não justifica, só por si, uma obrigação de indemnização.

(i) Desde logo, pelas razões já acima evidenciadas: sem dano não há lugar a reparação indemnizatória, por muito censurável que seja o comportamento do agente.

Isso corresponde a uma inevitabilidade que os tribunais não podem ultrapassar, e que é conatural ao facto da obrigação de indemnização se destinar (e apenas se destinar) legalmente à reparação de um dano.

Embora (mas isto, no caso do dano não patrimonial), não seja estranha ao fundamento da reparação compensatória a ideia de reprovação ou de castigo (v. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 10.ª ed., p. 608), a presença de um dano é sempre condição sine qua non para que se atribua ao lesado uma indemnização (sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa).

Observe-se, a propósito, que no nosso ordenamento jurídico não existe nada de semelhante aos chamados punitive damages (figura que aparece no ordenamento jurídico dos Estados Unidos da América e em outros direitos da common law), e que se traduz, aqui sim, na imposição ao autor da lesão de uma pena pecuniária (que vai para além da indemnização reparatória do dano, sendo-lhe por isso suplementar) a favor do lesado, com o propósito (numa certa equiparação ao que se passa na esfera criminal) de punir o autor da lesão e de prevenir a prática de futuras infrações (v. a propósito o acórdão deste Supremo de 10 de novembro de 2020, processo n.º 2004/08.6TVLSB.L2.S1, acessível em www.dgsi.pt).

(ii) Depois porque a figura da perda de chance não tem, de forma alguma, o significado ou alcance que o acórdão recorrido lhe parece atribuir.

Não se duvida, conquanto se trate de questão dogmaticamente discutível, que a perda de uma chance é suscetível de constituir um dano (dano autónomo) e, como tal, que pode levar a uma reparação indemnizatória.

Contudo, quando se fala em perda de chance (ou perda de oportunidade), é necessário ter presente que do que se está a falar é precisamente disso, e só disso: da perda de uma chance ou oportunidade.

E o que é que isto significa?

Significa que, como condição da indemnização, é necessário que o lesado mostre que detinha na sua esfera jurídica a oportunidade de (com grande probabilidade, pois tudo gira ao redor de situações eivadas de um certo grau de aleatoriedade, de incerteza) alcançar certo efeito que lhe seria vantajoso, mas que acaba por não ser alcançado devido a facto do autor da lesão.

Como se diz no sumário do acórdão deste Supremo de 7 de outubro de 2020 (processo n.º 2036/17.3T8VRL.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt), o direito ao ressarcimento por perda de chance ou oportunidade tem como pressuposto que o autor demonstre a existência de uma probabilidade, consistente e séria (ou seja, com elevado índice de probabilidade) de obtenção de uma vantagem ou benefício, não fora a chance perdida.

Portanto, exige-se sempre que se esteja perante uma certa oportunidade de alcançar um benefício, de que se vem a ser privado, benefício esse que se deve depois calcular com base nas probabilidades de realização da oportunidade (v. Menezes Leitão, ob. cit., p. 308).

No acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 17 de novembro de 2020 (processo n.º 13132/18.0T8LSB.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt) explica-se mais detalhadamente os termos em que se coloca a figura da perda de chance, e passa-se a transcrever:

«A teoria da “perda de chance” ou da oportunidade, ao contrário da teoria geral da causalidade (…), distribui o risco da incerteza causal entre as partes envolvidas, isto é, o lesante responde apenas na proporção e na medida em que foi o autor do ilícito, traduzindo uma solução equilibrada que pretende conformar-se com uma sensibilidade jurídica a que repugna a desoneração do agente danoso por dificuldades probatórias, mas, também, que não comina a reparação da totalidade do dano que, eventualmente, não cometeu.

A perda de oportunidade apresenta-se em situações que podem qualificar-se, tecnicamente, de incerteza, situando-se o seu campo de aplicação entre dois limites, sendo um constituído pela probabilidade causal, nula ou irrelevante, de o facto do agente causar o dano, em que não há lugar a qualquer indemnização, e o outro constituído pela alta probabilidade, que se converte em razoável certeza da causalidade, que dá lugar à reparação integral do dano final, afirmando-se o nexo causal entre o facto e este dano.

A doutrina da “perda de chance” ou da perda de oportunidade propugna, em tese geral, a concessão de uma indemnização quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final, mas que as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo, foram reais, sérias, consideráveis, permitindo indemnizar a vítima nos casos em que não se consegue demonstrar que a perda de uma determinada vantagem é consequência segura do facto do agente, mas em que há a constatação de que as probabilidades de que a vítima dispunha de alcançar tal vantagem não eram desprezíveis, antes se qualificando como sérias e reais.

A “chance” ou oportunidade perdida merece a tutela do direito porque, à data da violação ilícita, integra o património jurídico do lesado, o seu património económico e moral, sendo ressarcível por consubstanciar um dano certo, salvo quanto ao seu montante, onde acaba por emergir a perda de uma possibilidade atual, e não de um resultado futuro.

É um dano presente que consiste na perda de probabilidade de obter uma futura vantagem, um acréscimo patrimonial, sendo, contudo, a perda de “chance” uma realidade atual e não futura, um bem jurídico digno de tutela, embora possa surgir no futuro, reportando-se ao valor da oportunidade perdida e não ao benefício esperado. (…)

O dano da “perda de chance” deve ser avaliado em termos de verosimilhança e não segundo critérios matemáticos, fixando-se o quantum indemnizatório, atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida, sendo o grau de probabilidade de obtenção da vantagem perdida que será decisivo para a determinação da indemnização, uma vez que o dano que se indemniza não é o dano final, mas o dano “avançado”, constituído pela perda de chance, que é, ainda, um dano certo, embora distinto daquele, pois que a chance foi, irremediavelmente, afastada por causa do ato do lesante, inexiste violação das regras gerais da responsabilidade civil que vigoram no nosso ordenamento jurídico, devendo a indemnização refletir essa diferença, cuja expressão é dada pela repercussão do grau de probabilidade no montante da indemnização a atribuir ao lesado.

A reparação da perda de uma chance deve ser medida, em relação à chance perdida, e não pode ser igual à vantagem que se procurava.»

E como se aponta no acórdão ainda deste Supremo de 30 de maio de 2019 (processo n.º 6720/14.5T8LRS.L2.S2, disponível em www.dgsi.pt), para se fazer operar a responsabilidade por perda de chance «impõe-se, (…) num primeiro momento, averiguar da existência, ou não, de uma probabilidade, consistente e séria (ou seja, com elevado índice de probabilidade), de obtenção de uma vantagem ou benefício não fora a chance perdida, importando, para tanto, fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento” (…). E, num segundo momento, caso se conclua afirmativamente pela existência de uma perda de chance (…), proceder à apreciação do quantum indemnizatório devido (…)».

Ora, se pegarmos na figura da perda de chance tal como deve ser conceptualizada, logo vemos, e até à saciedade, que no caso vertente não há qualquer espaço para se poder falar de uma oportunidade perdida pelos Autores.

Isto é assim porque não havia nenhuma oportunidade em forja (em vista), de que se possa dizer que foi perdida pelos Autores. Pura e simplesmente não nos movemos aqui no campo da incerteza e da probabilidade, que são apanágio da perda de chance.

O que se passa simplesmente é que os Autores reclamaram da Ré uma certa indemnização por dano patrimonial, mas não alegaram nem provaram a existência de danos (como aliás reconhece o próprio acórdão recorrido), e isto liquida imediata e inexoravelmente a questão no sentido da improcedência da sua pretensão indemnizatória.

Só se poderia falar de oportunidade perdida se acaso os Autores detivessem na sua esfera jurídica uma chance ou oportunidade já constituída, real, séria e consistente, no sentido de que, com grande probabilidade, a parcela de terreno lhes iria proporcionar certo efeito vantajoso, mas que essa chance ou oportunidade se não concretizou devido ao facto da detenção da parcela pela Ré.

E para que assim fosse, era necessário que os Autores tivessem alegado factos que indicassem que existia a chance ou oportunidade de se verificar esse certo efeito vantajoso para eles.

Acontece, porém, que não alegaram quaisquer factos nesse sentido.

Em sítio algum da sua petição inicial (ou fora dela) se referiram a qualquer oportunidade perdida, e não foi em função de uma perda de oportunidade que pediram o que pediram em termos indemnizatórios.

Pelo contrário, e repetindo, o que alegaram na sua petição inicial constitui até a negação da existência de qualquer oportunidade perdida, na medida em que significaram que a parcela vinha sendo deixada como se encontrava (isto é, entregue a si própria).

Portanto, não se pode dizer que o comportamento da Ré privou os Autores da chance ou oportunidade de obter um certo resultado que lhes seria favorável, e que se frustrou, pelo que a esse título nunca poderia haver lugar a qualquer reparação indemnizatória.

Procedem, pois, no que está em linha com o que vem de ser dito, as conclusões em destaque.

O que significa que não há fundamento jurídico para condenar a Ré no pagamento de qualquer indemnização.

Aqui chegados, cabe observar, em breve nota, que o comportamento abusivo da Ré não teria de ficar necessariamente isento de consequências jurídicas.

Mas essas consequências deveriam ter sido feitas valer, não em sede de responsabilidade civil, mas sim em sede de enriquecimento sem causa (no figurino do chamado enriquecimento por intervenção).

Ao aproveitar-se daquilo que, segundo a sua destinação jurídica, só podia ser aproveitado pelos Autores (proprietários), a Ré poderia, na verdade, ter de restituir qualquer enriquecimento que possa ter obtido às custas dos Autores.

Acontece, porém, que os Autores não estruturaram a sua pretensão, sequer por via subsidiária, à luz do enriquecimento sem causa da Ré, nada tendo alegado quanto a um eventual enriquecimento, real ou patrimonial, da Ré.

Quanto à matéria das conclusões FF) a KK)

Nestas conclusões, e no essencial, a questão que é colocada é a do quantum da indemnização (€50.622,00) arbitrada pelo acórdão recorrido, que a Recorrente defende ser excessivo.

Trata-se de uma questão suscitada a título subsidiário, isto é, para o caso de dever haver lugar a indemnização.

Como se julga ter demonstrado, não há fundamento para condenar a Ré no pagamento de qualquer indemnização.

O que significa que fica prejudicado (art.s 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 679.º do CPCivil) o conhecimento da questão de saber se a indemnização fixada é ou não excessiva.

                                                           +

Pelo que fica dito resta concluir que procede o recurso, com o que também procede a conclusão LL).

                                                           +

V - DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em conceder a revista, revogando o acórdão recorrido e a sentença da 1ª instância na parte em que condenaram a Ré em indemnização, absolvendo-a do pedido que foi formulado pelos Autores nesse sentido.

Regime de custas:

As custas do presente recurso de revista e as custas da 2ª instância são encargo exclusivo dos Autores, que é a única parte que acaba vencida.

As custas da 1ª instância são encargo de ambas as partes, pois que ambas acabam por ficar parcialmente vencidas na ação. Fixa-se em ½ para cada parte a proporção da respetiva responsabilidade.

                                                           +

Lisboa, 26 de janeiro de 2021

José Rainho (Relator)

Graça Amaral (tem voto de conformidade, não assinando por dificuldades de ordem operacional. O relator atesta, nos termos do art. 15.º-A do Dec. Lei. n.º 10-A/2020, essa conformidade)

Henrique Araújo (tem voto de conformidade, não assinando por dificuldades de ordem operacional. O relator atesta, nos termos do art. 15.º-A do Dec. Lei. n.º 10-A/2020, essa conformidade)

                                                           ++

Sumário (art.s 663.º, n.º 7 e 679.º do CPCivil)

     

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[1] Vejam-se, a este propósito, e se dúvidas houvesse (que não pode haver) face à lei, alguns sumários de acórdãos deste Supremo (disponíveis em www.stj/jurisprudência/sumários):
- Acórdão de 08--03-2018, Revista n.º 2183/14.3TBPTM.E2.S1:
I - O STJ é um tribunal de Revista ao qual compete aplicar o regime jurídico que considere adequado aos factos fixados pelas instâncias, n.º 1 do art. 674.º do CPC, sendo a estas e, designadamente à Relação, que cabe apurar a factualidade relevante para a decisão do litígio, não podendo este tribunal, em regra, alterar a matéria de facto por elas fixada.
II - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista, a não ser nas duas hipóteses previstas no n.º 3 do art. 674.º do CPC, isto é: quando haja ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova
III - A revista, no que tange à decisão da matéria de facto, só pode ter por objecto, em termos genéricos, situações excepcionais, ou seja quando o tribunal recorrido tenha dado como provado determinado facto sem que se tenha realizado a prova que, segundo a Lei, seja indispensável para demonstrar a sua existência; o tribunal recorrido tenha desrespeitado as normas que regulam a força probatória dos diversos meios de prova admitidos no sistema jurídico; e ainda, quando o STJ entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada ou ocorram contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito, caso específico do normativo inserto no art. 682.º, n.º 3, do CPC.
IV - Se o segundo grau fundamenta a alteração efectuada à materialidade impugnada fazendo apelo aos elementos de prova indicados pelo impugnante, cumpre desta sorte, de pleno, a função de reponderação que sobre si impende de harmonia com o disposto no art. 662.º, n.º 1, do CPC, exercendo as suas plenas competências na reapreciação da materialidade factual posta em causa, através de uma análise crítica dos depoimentos prestados acerca da mesma, conjugados com os elementos documentais.
V - A reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem de ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância pois só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição, sendo incorrecta a asserção de o tribunal da Relação apenas poder alterar a decisão da matéria de facto, quando esta enferme de erro grosseiro ou manifesto.
VI - Se os recorridos, recorrentes na apelação, indicaram naquele seu recurso, para além dos pontos de facto que, no seu entender, mereceriam resposta diversa, como também quais os elementos de prova que no seu entendimento levariam à alteração proposta, tendo inclusivamente feito transcrever as declarações do autor, da ré e das testemunhas, deram cabal cumprimento ao preceituado no art. 640.º, n.º 1, als. a) e b), do CPC.
- Acórdão de 22-03-2018, Revista n.º 2183/14.3TBPTM.E2.S1:
III - Na vertente adjetiva, cabe ao STJ o controlo dos parâmetros formais ou balizadores a seguir pela Relação na reapreciação da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância, nos termos do arts. 640.º, e 662.º do CPC, i.e., averiguar se, ao manter ou alterar a decisão da matéria transitada da 1.ª instância, a Relação violou, ou não, a lei processual que estabelece os pressupostos e os fundamentos em que se deve mover a reapreciação da prova; já na vertente substantiva, cabe ao STJ, no domínio do erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais relevantes, sindicar se a Relação violou alguma regra de direito probatório material ou se aquela apreciação ostenta juízo de presunção judicial revelador de manifesta ilogicidade nos termos dos arts. 682.º, n.º 2, e 674.º, n.º 3, ambos do CPC. 
IV - Constitui entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência que a finalidade ou função dos recursos é a revisão ou reexame das decisões da instância recorrida e não criar decisões sobre matéria nova, não sendo lícito às partes invocar, nessa sede, questões que não tenham suscitado perante o tribunal recorrido, nem sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer delas. 
- Acórdão de 24-11-2015, Revista n.º 661/13.0TBPFR-F.P1.S1:
I - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista, a não ser nas duas hipóteses previstas no n.º 3 do art. 674.º do NCPC (2013): (i) quando haja ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou (ii) haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova. 
II - Enquanto segundo o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, o julgador tem plena liberdade de apreciação das provas, de acordo com o princípio de prova legal ou vinculada, aquele tem de sujeitar a apreciação das provas às regras ditadas pela lei que lhes designam o valor e a força probatória, designadamente, no caso da prova por confissão, da prova por documentos autênticos ou autenticados e particulares devidamente reconhecidos (arts. 358.º, 364.º e 393.º do CC). 
III - Os poderes correctivos do STJ, quanto à decisão da matéria de facto, circunscrevem-se em verificar se estes princípios legais foram, ou não, no caso concreto, violados, não lhe competindo averiguar se a convicção firmada pelos julgadores nas instâncias em relação a determinado facto, em prova de livre apreciação, se fez no sentido mais adequado. 
IV - Se a alteração da matéria de facto levada a cabo pelo tribunal da Relação, decorreu, não por recurso a presunções judiciais, mas mediante apreciação da prova segundo critérios de valoração racional e lógica dos julgadores, não tem o STJ poder de correcção, o que não sucederia se fosse caso da primeira hipótese, por não poderem as presunções incidir sobre os factos concretos sujeitos e objecto de prova a produzir pelas partes.
- Acórdão de 29-09-2020, Revista n.º 2293/18.8T8LRA.C1.S1:
I.- Em sede de recurso de revista o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de discussão.