Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I
Relatório
1. AA, arguido nos presentes autos, foi condenado pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, p. p. pelo art. 21 n.º 1 do DL 15/93, de 22-01, por referência às Tabelas l-A e I-B anexas, na pena de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão.
2. Inconformado, interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto e nos termos e com os efeitos dos artigos 399, 401 n.º 1 al. b), art. 407, n.º 2 al. a) , 406, n.º 1, 408º n.º 1 al. a) e al., c) do n.º 1 do art.º 432, todos do CPP.
3. Foram as seguintes as suas Conclusões:
“1ª - O recorrente foi condenado, pela prática de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, p. p. pelo art.º 21 nº 1 do DL 15/93, de 22-01, na pena de 5 anos e 8 meses de prisão.
2ª - A discordância do recorrente em relação à decisão recorrida, prende-se, em primeiro lugar com a qualificação jurídica dos factos e, subsidiariamente, com o quantum da pena.
Dos factos provados resulta que:
3ª – Quanto ao período de duração da atividade imputada ao recorrente, o mesmo decorreu numa única noite: 03/06/20, entre as 20h e as 3h e 15 mn de dia 04/06/20;
4ª - A atividade era exercida contacto pessoal, sendo que o recorrente era um mero vendedor (vulgarmente designando por bolsa) ou seja quem “dá cara”, e se situa na base da chamada pirâmide de tráfico;
5ª - Foi dada em concreto como assente uma única venda, a BB, de uma única embalagem, com menos de 0,5 gr. Para além disso o Tribunal alude, tão só a “diversos indivíduos”. Não se tendo apurado em concreto o número de outras alegadas vendas.
6ª - Relativamente à quantidade detida pelo arguido foi de 12,258 gramas de heroína e 9,854 gramas, de cocaína.
7ª - No caso dos autos não são imputadas quaisquer operações de cultivo ou de corte ou embalagem do produto.
8ª – Também não são empregues meios de transporte.
9ª – No que se reporta aos proventos obtidos, o recorrente iria receber apenas € 100.
10ª - A atividade assacada ao recorrente teve lugar numa área geográfica restrita, na zona …, …….
11ª - Resulta claramente dos factos que no caso do recorrente, estamos perante o pequeno tráfico de rua, enfim, perante a arraia-miúda;
12ª - Assim a respectiva conduta deve ser subsumida ao crime de tráfico de menor gravidade p.p. al. a) do art.º 25º do Dl 15/93 de 22/01.
13ª - A alteração da qualificação jurídica, para crime menos grave, cuja moldura penal abstracta é de 1 a 5 anos, de per si terá necessariamente se traduzir na aplicação de pena mais baixa.
Acresce que,
14ª - Dos factos provados resulta que militam favor do arguido as seguintes atenuantes: a) Admitiu parcialmente a prática dos factos; b) Está integrado na sociedade; c) Tem três filhos menores; d) Sempre teve hábitos de trabalho; e) Durante a reclusão mantém comportamento institucionalmente adequado; f) No E.P. inscreveu-se para frequentar o 9º ano de escolaridade; g) Mantém-se abstinente; h) Inscreveu-se num projeto para tratamento da sua adição.
15ª – Tudo ponderado, em nosso modesto entender, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, e colocando o acento tónico na prevenção especial positiva, dentro da moldura pena abstracta do crime, p.p. al. a) do art.º 25º, deverá conduzir à aplicação de pena concreta nunca superior a 3 anos e 6 meses de prisão.
16ª - Caso, hipoteticamente se considere correcta a qualificação jurídica constante da decisão recorrida, pelas mesmas razões aduzidas nas duas conclusões anteriores, em detrimento da pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, deve ser-lhe aplicada, quando muito a pena de 4 anos e 6 (seis) meses.
17ª - O Tribunal “a quo” violou o disposto no art.º 25 al. a) do Dl. 15/93 de 22/01, 70º e 71º, todos do CP.
TERMOS EM QUE, CONTANDO O INDISPENSÁVEL SUPRIMENTO DE VªS EXAS. DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, FAZENDO-SE DESTARTE A MAIS RECTA E SÃ JUSTIÇA!
4. A Digna Magistrada do Ministério Público junto do tribunal a quo pronunciou-se, tendo apresentado a seguinte perspetiva:
“Salvo o devido respeito, afigura-se-nos que não assiste qualquer razão ao recorrente.
No que se refere à qualificação jurídica
Pretende o arguido que a qualificação jurídica se subsuma à qualificação jurídica do disposto no artigo 25º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro.
Ora, como consta do douto acórdão, exaustivamente fundamentado:
‘A este passo e porque a questão foi, expressamente, suscitada, em sede de alegações finais, desde logo, pela defesa do arguido AA, urge explicitar que não merece reparo, em nosso entender, a qualificação jurídica que o Ministério Público deixou vertida no libelo acusatório, não podendo a conduta dos arguidos ser subsumida à previsão do artigo 25.º do citado Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Afinal, o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade pressupõe, conforme resulta da mera leitura do preceito legal em causa, que a ilicitude se mostre, consideravelmente, diminuída, “tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações’, e não é isso que se verifica.
As substâncias em causa – cocaína e heroína – tratam-se das denominadas drogas “duras”, com maior potencial aditivo.
A quantidade de embalagens apreendidas – praticamente, 6 (seis) centenas – é elucidativa q.b. do lucro que se pretendia almejar e da energia que estavam dispostos a despender para o efeito.
A quantidade de horas que ali permaneceram – superior a 7 (sete) – e o dinheiro apreendido, no montante global de € 1.500 (mil e quinhentos euros), são, por seu turno, elucidativas do lucro que já haviam logrado obter – e, desde logo, do número de transacções que haviam concretizado, bem assim como do respectivo empenho.
As circunstâncias de serem quatro, com funções distintas e bem definidas, rotinas bem oleadas, como sejam a de gerir o fluxo de consumidores, encaminhando-os para determinado local, de forma a não se acumularem na “banca”, e de se servirem de uma denominada casa-recuo para guardar o produto estupefaciente que não iria ser vendido, no imediato, evidenciam, por seu turno, o grau de organização da actividade delituosa dos arguidos.
A ponderação global de todos estes factos não aponta, pois, para uma situação de gravidade, consideravelmente, diminuída, pesando, em sentido negativo, a qualidade, a diversidade e a quantidade dos estupefacientes que detinham, a quantidade de clientes que os abordaram e o número de horas que, afincadamente, se dedicaram a tal actividade, bem assim como a forma – estruturada – como se organizaram.
Muito embora – em sentido oposto – o hiato temporal em questão se resuma a pouco mais de meia dúzia de horas, tal não é q.b. para se poder concluir por uma imagem global de ilicitude diminuta (e não o é, como já ficou escrito, porquanto não estamos perante uma actuação isolada, antes perante dezenas de transacções a que, de acordo com as expectativas dos arguidos, se seguiriam centenas de outras).”
Dúvidas não podem existir que o tribunal, na sequência da apreciação de toda a prova carreada para os autos, em sede de audiência de discussão e julgamento e, após, elencar a matéria de facto dada como provada, se debruçou sobre a questão da qualificação jurídica.
Nessa medida, o tribunal afastou a subsunção da conduta do arguido ao crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Na verdade, não nos parece que exista qualquer diminuição da ilicitude dos factos.
Não se verifica qualquer erro na apreciação da prova por parte do tribunal e que se realizou prova bastante e cabal de que o arguido cometeu os factos e o crime de tráfico de estupefacientes pelo qual foi condenado.
O tribunal, não só elenca de modo claro, exaustivo e detalhado as provas que serviram para fundar a convicção do tribunal, ainda as relaciona de modo lógico entre si, indicando como chegou aos factos provados de modo preciso e claro.
Assim, os factos dados como provados, que resultam da prova produzida, integram, sem dúvida, o crime do artigo 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, pelo qual o arguido foi condenado.
Ficou sobejamente provada a venda de produto estupefaciente pelo arguido, em coautoria material com os restantes arguidos, a troco de contrapartida económica.
Não se verifica qualquer insuficiência da matéria de facto dada como provada para a condenação, já que os factos dados como provados integram de forma cristalina o crime pelo qual o arguido foi condenado.
*
Quanto á medida da pena
O Tribunal indicou expressamente as circunstâncias que depõe a favor e contra a arguido, para justificar a aplicação da pena em causa.
Consideramos que a pena é adequada e justa, subscrevendo o entendimento do Tribunal que, a nosso ver, não merece reparo.
Efectivamente, já consta do douto acórdão que:
“Isto porque, no caso dos arguidos, AA e CC, os mesmos já haviam sofrido condenação pela prática de crimes desta natureza, tinham ambos noção que se encontravam á referenciados pelas autoridades policiais como traficantes de estupefacientes, a ambos fora aplicada, no âmbito de outro processo-crime instaurado contra si, em razão de crime idêntico, medida de coacção de apresentações periódicas semanais, ainda, vigente, na sequência de detenção e interrogatório judicial que haviam tido lugar, praticamente, 3 (três) meses antes e, no caso do primeiro, AA, a pena em que havia sido condenado tinha sido uma pena de prisão, suspensa na sua execução, estando em curso – de resto, também há escassos meses - o período de suspensão fixado. (…)
Apesar de, familiarmente, inseridos e de beneficiarem – todos – do apoio das suas famílias, de serem jovens e de estarem capazes de trabalhar, como, de resto, já haviam feito, optaram por ganhar dinheiro “fácil”, montando “banca” em local, sobejamente, conotado com o tráfico de estupefacientes e transacionando, aos olhos de todos os moradores do bairro, cocaína e heroína.
Mostraram desembaraço e ligeireza suficiente para se organizarem, distribuírem tarefas, adoptarem cautelas no acondicionamento do produto estupefaciente, em casa recuo, junto à sanita, a um balde e a uma banheira cheia de água, pronta a ser despejada, e dispunham-se – até – a continuar a fazê-lo, conforme resulta evidente do número de doses que, ainda, guardavam.
Urge, a este passo, considerar, adicionalmente, que o grau de ilicitude não é diminuto, sendo mais elevado no caso do arguido, AA, na medida em que protagonizou as vendas, agindo como “bolsa”, recolhendo, para o efeito, o produto estupefaciente das mãos de DD, no interior do Lote …., e entregando ao mesmo o dinheiro que ia recebendo, e se assumiu, de algum modo, como recrutador do vigia, referindo, nas suas palavras, que “tinha” alguém a desempenhar tais funções.
A este propósito, importa ter presente, novamente, que em causa estão drogas “duras”, como já se referiu, com elevado poder aditivo e destrutivo, dezenas de transacções concretizadas e centenas de transacções que se pretendiam concretizar, a breve trecho, conforme resulta das apreensões efectuadas.
Acresce, por outro lado, o dolo (que é intenso, porquanto existiu na modalidade de dolo directo).
Milita – outrossim - a favor dos arguidos:
- no caso de AA, para além da confissão, a inserção familiar e o bom comportamento que, em contexto de reclusão, tem mantido, pesando em seu desfavor, para além do que já ficou referido, não só a condenação, anteriormente, sofrida, mas também o processo-crime pendente, que deveria ter servido de dissuasor”.
Assim, resulta claro e evidente que o tribunal apreciou, em concreto, todas as circunstâncias que se apurou em audiência de discussão e julgamento, quer favoráveis, quer desfavoráveis ao arguido, com o objectivo de determinar a pena justa e adequada ao caso concreto.
O crime em causa inclui-se na denominada criminalidade violenta e criminalidade altamente organizada, com gravíssimas consequências, desde logo, para a paz e tranquilidade da sociedade em geral.
O que resulta dos factos provados em sede de audiência de discussão e julgamento é que é real e bastante elevada, diga-se, a necessidade de prevenção, quer geral, quer, igualmente, especial, pelo que tudo nos encaminha, com clareza, para que apenas a pena de prisão efectiva se mostre adequada a realização as finalidades de aplicação de uma pena.
Pelo que deverá ser negado provimento ao presente recurso interposto pelo arguido AA.
Porém, VOSSAS EXCELÊNCIAS, decidindo, farão como sempre a costumada JUSTIÇA!”
5. Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta igualmente se pronunciou pela improcedência total do recurso, designadamente tendo considerado:
“O ora recorrente foi condenado na forma de co-autoria material: “DD, AA, EE e CC agiram em conjugação de vontades e esforços, no desenvolvimento de um plano por todos, previamente, arquitetado, com o propósito concretizado de terem consigo os mencionados produtos estupefacientes, cujas características, natureza e quantidades conheciam, com o fito de os entregar a terceiros a troco de quantias monetárias.“
Desse modo, não faz sentido o recorrente alegar apenas a quantidade de produto estupefaciente que lhe foi apreendida ou que vendeu a BB. O plano arquitetado por todos os arguidos de terem o produto estupefaciente com vista a entrega a terceiros a troco de quantias monetárias, leva a patamar de produto estupefaciente detido na ordem de 145,881 gr de heroína e de 66,052 gr de cocaína, e a cerca de 6 centenas de embalagens.
A factualidade dada comprovada, relativamente ao ora recorrente, não permite a subsunção da mesma ao crime de tráfico de menor gravidade, pp pelo art. 25º do DL 15/93 de 22.01, pelos fundamentos aduzidos no acórdão sob recurso, cujo segmento se transcreve:
“Afinal, o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade pressupõe, conforme resulta da mera leitura do preceito legal em causa, que a ilicitude se mostre, consideravelmente, diminuída, “tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações”, e não é isso que se verifica.
As substâncias em causa – cocaína e heroína – tratam-se das denominadas drogas “duras”, com maior potencial aditivo.
A quantidade de embalagens apreendidas – praticamente, 6 (seis) centenas – é elucidativa q.b. do lucro que se pretendia almejar e da energia que estavam dispostos a despender para o efeito.
A quantidade de horas que ali permaneceram – superior a 7 (sete) – e o dinheiro apreendido, no montante global de € 1.500 (mil e quinhentos euros), são, por seu turno, elucidativas do lucro que já haviam logrado obter – e, desde logo, do número de transacções que haviam concretizado, bem assim como do respectivo empenho.
As circunstâncias de serem quatro, com funções distintas e bem definidas, rotinas bem oleadas, como sejam a de gerir o fluxo de consumidores, encaminhando-os para determinado local, de forma a não se acumularem na “banca”, e de se servirem de uma denominada casa-recuo para guardar o produto estupefaciente que não iria ser vendido, no imediato, evidenciam, por seu turno, o grau de organização da actividade delituosa dos arguidos.
A ponderação global de todos estes factos não aponta, pois, para uma situação de gravidade, consideravelmente, diminuída, pesando, em sentido negativo, a qualidade, a diversidade e a quantidade dos estupefacientes que detinham, a quantidade de clientes que os abordaram e o número de horas que, afincadamente, se dedicaram a tal actividade, bem assim como a forma – estruturada – como se organizaram.
Muito embora – em sentido oposto – o hiato temporal em questão se resuma a pouco mais de meia dúzia de horas, tal não é q.b. para se poder concluir por uma imagem global de ilicitude diminuta (e não o é, como já ficou escrito, porquanto não estamos perante uma actuação isolada, antes perante dezenas de transacções a que, de acordo com as expectativas dos arguidos, se seguiriam centenas de outras). (sublinhados nossos)
No que tange à medida da pena aplicada, de 5 anos e 8 meses de prisão, considera-se a mesma proporcional e adequada ao grau de culpa com que o recorrente atuou, acompanhando-se os fundamentos aduzidos no acórdão sob recurso, realçados na resposta apresentada pelo MºPº junto do tribunal de 1ª instância. De tais fundamentos, salientaremos a circunstância de:
“AA já registava 1 (uma) condenação, em pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão que ficou suspensa na sua execução por idêntico período, por acórdão proferido, em 10 de Setembro de 2018, nos autos que sob o número 82/16….. correm termos perante este Juiz …. do Juízo Central Criminal …., transitada em julgado em 26 de Fevereiro de 2020, em razão da prática, em 8 de Julho de 2016, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, em co-autoria com o pai e um irmão.
. Aguarda julgamento no âmbito do processo número 31/20……., a correr termos neste Juízo Central Criminal ….., no âmbito do qual também se encontra acusado da prática, em finais de Fevereiro e início de Março de 2020, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, justamente, na Rua ….., em …….
. Já tinha sido sujeito, em 6 de Março de 2020, no âmbito desses autos, a 1.º interrogatório judicial de arguido detido e, na sequência do mesmo, a medida de coacção de apresentações periódicas semanais.
Pelo exposto, pronunciamo-nos igualmente pela improcedência global do recurso em causa.
6. Foi cumprido o disposto no art. 417, n.º 2 do CPP, tendo o recorrido respondido muito sinteticamente, reiterando o seu ponto de vista.
Sem vistos, dada a presente situação pandémica, cumpre apreciar e decidir em conferência.
Particularmente relevantes se afigura o seguinte segmento do Acórdão recorrido, sem prejuízo, como é óbvio, da atenção que merece a integralidade do mesmo:
“2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Matéria de Facto Provada
Instruída e discutida a causa, com relevo para a decisão da mesma, resultou provada a seguinte matéria de facto:
1. Em data não apurada, anterior a 3 de Junho de 2020, os arguidos, EE, AA, DD e CC, congeminaram, de comum acordo, um plano que se traduzia na entrega de produtos estupefacientes a terceiros, a troco de quantias monetárias.
2. Na prossecução do referido projecto, no dia 3 de Junho de 2020, pelas 20 horas, os arguidos encontravam-se na Rua ….., em …….
3. AA estava junto da entrada do lote ….., ao passo que EE e CC se encontravam, cada um dos dois, num ponto distinto da citada rua.
4. Até às 22 horas do aludido dia, surgiram no local diversos indivíduos que, após dialogarem com o arguido, EE, foram por este encaminhados para junto do arguido AA.
5. AA entregou a tais pessoas embalagens e recebeu, em troca das mesmas, quantias monetárias não desvendadas.
6. Ao mesmo tempo, os arguidos, CC e EE, olhavam em todas as direcções, no sentido de avistar a polícia e alertar o arguido AA.
7. Pelas 22 horas e 30 minutos, acorreu àquele bairro um veículo da Polícia de Segurança Pública, tendo o arguido EE, imediatamente, gritado “uga”, termo alusivo à polícia.
8. Logo de seguida, o arguido AA refugiou-se no interior do lote ….., ao passo que os arguidos CC e EE se afastaram dos pontos em que se encontravam.
9. Ao cabo de alguns minutos, os arguidos AA, CC e EE regressaram aos locais da rua que, anteriormente, ocupavam.
10. Pelas 23 horas, surgiu no local BB, que se aproximou do arguido AA, pedindo-lhe cocaína para seu consumo pessoal.
11. AA entregou a BB uma embalagem de continha cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 0,427 gramas e recebeu em troca a quantia pecuniária de € 15 (quinze euros).
12. Após, o arguido AA acedeu ao interior do lote ….., dirigindo-se para o … andar.
13. Nesse local, os arguidos AA e DD reuniram-se.
14. Logo de seguida, o arguido DD deslocou-se até ao …. andar e o arguido AA regressou à entrada do lote …...
15. No dia 4 de Junho de 2020, pelas 3 horas e 10 minutos da madrugada, o arguido AA voltou a entrar no lote ...... e deslocou-se, de novo, ao ..... andar.
16. Na mesma altura, o arguido DD saiu da sua residência, sita no ……-A do mesmo prédio, e desceu ao ..... andar, o arguido AA esperava por si.
17. AA entregou, então, ao arguido DD a quantia de € 1.500 (mil e quinhentos euros), em notas de € 5 (cinco euros), € 10 (dez euros) e € 20 (vinte euros).
18. DD entregou, por seu turno, ao arguido, AA, 31 (trinta e uma) embalagens que continham heroína, com o peso líquido de 12,258 gramas e 33 (trinta e três) embalagens que continham cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 9,854 gramas.
19. Na mesma data, pelas 3 horas e 15 minutos, o arguido, DD, tinha, no interior da sua residência, sita na Rua …., Lote ......, …….-A, em ……:
• 154 (cento e cinquenta e quatro) embalagens que continham cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 46,959 gramas;
• 48 (quarenta e oito) embalagens que continham cocaína, com o peso líquido de 8,812 gramas;
• 330 (trezentas e trinta) embalagens que continham heroína, com o peso líquido de 133,623 gramas; e
• um papel manuscrito, com anotações alusivas a entregas de estupefacientes.
20. DD, AA, EE e CC destinavam os referidos estupefacientes a terceiros, a troco de quantias monetárias.
21. A quantia monetária de € 1.500 (mil e quinhentos euros) foi entregue aos arguidos em troca de estupefacientes.
22. DD, AA, EE e CC agiram em conjugação de vontades e esforços, no desenvolvimento de um plano por todos, previamente, arquitectado, com o propósito concretizado de terem consigo os mencionados produtos estupefacientes, cujas características, natureza e quantidades conheciam, com o fito de os entregar a terceiros a troco de quantias monetárias.
23. Agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
*
24. AA já registava 1 (uma) condenação, em pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão que ficou suspensa na sua execução por idêntico período, por acórdão proferido, em 10 de Setembro de 2018, nos autos que sob o número 82/16…… correm termos perante este Juiz ….. do Juízo Central Criminal ….., transitada em julgado em 26 de Fevereiro de 2020, em razão da prática, em 8 de Julho de 2016, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, em co-autoria com o pai e um irmão.
25. Aguarda julgamento no âmbito do processo número 31/20……, a correr termos neste Juízo Central Criminal …., no âmbito do qual também se encontra acusado da prática, em finais de Fevereiro e início de Março de 2020, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, justamente, na Rua …., em …….
26. Já tinha sido sujeito, em 6 de Março de 2020, no âmbito desses autos, a 1.º interrogatório judicial de arguido detido e, na sequência do mesmo, a medida de coacção de apresentações periódicas semanais.
27. AA é o segundo filho de uma fratria de quatro, dos quais o mais velho faleceu, durante a infância, de acidente.
28. Moravam – AA, seus pais e irmãos - com a avó, numa casa arrendada, em pátio sito em zona de …. conotado com o consumo e tráfico de estupefacientes.
29. A mãe trabalhava, inicialmente, no “…...” e, ultimamente, numa …….
30. Provia ao sustento dos filhos.
31. A avó entregava dinheiro ao pai de AA para os seus consumos.
32. Após algumas reprovações, o arguido AA completou o 6.º ano de escolaridade.
33. Muito embora tenha estado inscrito em cursos profissionais, o arguido AA não os completou.
34. Aos 17 (dezassete) anos, o arguido AA, começou a trabalhar, inicialmente, na …… e, uns meses depois, no …… “…...” de …, onde a companheira trabalha, há mais de 10 (dez) anos, e se conheceram.
35. AA e a companheira têm 3 (três) filhos, actualmente, com 7 (sete), 5 (cinco) e 2 (dois) anos de idade, que o arguido sempre apoiou, não obstante se ausentasse, nos tempos livres, sem que a família soubesse para onde.
36. As pessoas que lhe são mais próximas têm-no como um indivíduo altruísta.
37. Mudara-se, com a família, para junto dos progenitores e trabalhara, com a mãe, num …… que a mesma abrira e que, entretanto, fechou.
38. Ultimamente, o arguido, AA trabalhava como ……, para a “…..”.
39. Perdeu a avó.
40. Iniciou o consumo de cocaína, com o grupo de pares, apresentando uma conduta instável e agressiva, o que levou à separação do casal.
41. Passou a pernoitar, junto de uma tia, num bairro problemático …… e a ter dificuldades em custear os seus hábitos aditivos.
42. Após a sua detenção, o arguido, AA, reconciliou-se com a companheira.
43. Apoiam-no, para além da companheira, os pais.
44. Pretende regressar para junto da família, completar o 9.º ano e fazer formação na área ….., para enveredar por uma carreira nesse sector de actividade.
45. Mantém boa conduta no estabelecimento prisional.
46. Inscreveu-se para frequentar o 9.º ano, não obstante as aulas estejam suspensas.
47. Mantém-se abstinente e pretende requerer a sua admissão num projecto vocacionado para o tratamento/acompanhamento da toxicodependência.
48. Persiste numa atitude desculpabilizante e minimizadora do ocorrido, perante os técnicos, e evidencia dificuldade em assumir uma postura crítica relativamente aos pares, a cuja influência permanece, ainda, permeável.
*
(…)
*
2.2. Matéria de Facto Não Provada
Inexistem factos por demonstrar com interesse para a decisão a proferir.
(…)”.
III
Fundamentação
A
Questões Processuais Prévias
1. Não se vislumbram quaisquer motivos que impeçam o conhecimento do recurso por este Supremo Tribunal de Justiça.
2. É consensual que, sem prejuízo do conhecimento oficioso de certas questões legalmente determinadas – arts. 379, n.º 2 e 410, n.º 2 e 3 do CPP – é pelas Conclusões apresentadas em recurso que se recorta ou delimita o âmbito ou objeto do mesmo (cf., v.g., art. 412, n.º 1, CPP; v. BMJ 473, p. 316; jurisprudência do STJ apud Ac. RC de 21/1/2009, Proc. 45/05.4TAFIG.C2, Relator: Conselheiro Gabriel Catarino; Acs. STJ de 25/3/2009, Proc. 09P0486, Relator: Conselheiro Fernando Fróis; de 23/11/2010, Proc. 93/10.2TCPRT.S1, Relator: Conselheiro Raul Borges; de 28/4/2016, Proc. 252/14.9JACBR., Relator: Conselheiro Manuel Augusto de Matos).
3. O thema decidendum no presente recurso é duplo: qualificação jurídica dos factos e quantum da pena.
1. O Recorrente apresenta uma narrativa minimalista dos factos, desgarrada do seu enquadramento, no tempo e em organização, um cliché momentâneo da atividade delituosa, a qual teve preparação, cumplicidade e obviamente não se poderia esgotar numa única transação de produto estupefaciente. Aliás, existia todo um estoque de droga, vultuoso até, como consta da matéria de facto e a que se aludirá também infra.
2. Se não tivesse ficado provado que toda essa máquina existia, com divisão do trabalho entre os cúmplices, funcionando como uma empresa, com vigia quando se avista a polícia, com (mutatis mutandis) certamente um fundo de comércio, dir-se-ia que a simples transação entre o arguido e BB, de uma única embalagem, com menos de 0,5 gr., poderia quiçá ser motivo para um outro enquadramento. Mas estar-se-ia a ver a nuvem por Juno, ou, por outras palavras, incorrendo-se numa forma de metonímia (mais especificamente, de sinédoque): tomando-se, aqui, a parte (a micro ação) pelo todo (a ação na sua completude e total dimensão).
3. Como foi observado, sintética e de forma certeira, pela Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, como se citou supra, “não faz sentido o recorrente alegar apenas a quantidade de produto estupefaciente que lhe foi apreendida ou que vendeu a BB. O plano arquitetado por todos os arguidos de terem o produto estupefaciente com vista a entrega a terceiros a troco de quantias monetárias, leva a patamar de produto estupefaciente detido na ordem de 145,881 gr de heroína e de 66,052 gr de cocaína, e a cerca de 6 centenas de embalagens”. Trata-se de uma coautoria, com elementos de alguma organização do trabalho criminoso, e o facto de se estar ante um “negócio” de seis centenas de embalagens, de tipos de droga ditas “duras” e altamente aditivas, não pode ser tratado ou enquadrado como se fora uma bagatela, tráfico ocasional de rua, etc.
4. O raciocínio enquadrador por parte do Tribunal a quo revela-se claro e sem reparo. A situação com que deparamos nestes autos acaba por ser um dos possíveis contrários (ou simétricos) daquela que é advogada pelo recorrente. Não se verificam os requisitos para a consideração de um tráfico de menor gravidade, muito pelo contrário. Designadamente, como diz a lei, “tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações”.
5. A qualificação jurídica dos factos não pode, perante a matéria provada, ser a de crime de tráfico de menor gravidade, p.p. pelo art. 25 da Lei 15/93 de 22.01, tanto mais que as alegações nesse sentido (atividade numa única noite; uma única venda, de menos de 0,5 gr, quantidade detida pelo arguido de 12,258 g de heroína e 9,854 g de cocaína) foram desconstruídas e / ou integradas numa interpretação contextual, perdendo a força que poderiam eventualmente ter, de per si.
Daí que a medida da pena (adiante-se) não possa ser nem de 3 anos e 6 meses de prisão, nem (agora atenta a gravidade dos factos e todos os elementos mais, como se verá infra) de 4 anos e 6 meses de prisão.
A subsunção efetuada está correta. Estamos perante crime de tráfico de estupefacientes, p. p. pelo art. 21 n.º 1 do DL 15/93, de 22-01, por referência às Tabelas l-A e I-B anexas.
Brevitatis causa, veja-se, com elementos a contrario, o Acórdão deste STJ de 21-09-2011, proferido no Proc.º n.º 556/08.0GVIS.C1.S1 (Relator: Conselheiro Souto Moura):
“I - Para se saber se o crime cometido é o do art. 21.º ou o do art. 25.º, ambos do DL 15/93, de 22-01, deverá ter-se em conta que este último faz depender a sua aplicação de uma diminuição considerável da ilicitude do facto, sendo índices dessa diminuição, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a quantidade ou qualidade do produto traficado ou a traficar.
II - O tipo fundamental é o do art. 21.º, com uma estrutura altamente abrangente, ao compreender comportamentos tão diversos como a mera detenção, a importação, compra, exportação ou venda, o que só reforça a necessidade de análise do caso concreto.
III - Atentando nos factos provados, verifica-se que no tocante ao indicador de ilicitude meios utilizados pelo arguido na sua actividade de traficante, o que se provou foi um modus operandi simples e com recurso a meios sem qualquer sofisticação: encomenda via telemóvel e encontro em local escolhido para entrega do produto, não tendo sido apreendidos quaisquer instrumentos usados no tráfico, para além do plástico que servia para empacotamento de doses individuais.
IV - O recorrente actuava, ao que se sabe, sozinho, sem estrutura organizativa, interessando, quanto ao parâmetro modalidade ou circunstância da acção, que o recorrente traficou durante 3 anos e que abasteceu regularmente vários consumidores da cidade de V (tendo fornecido pelo menos 87 doses de heroína, vendida por regra a € 10/dose, a 10 pessoas diferentes). (…)”
Note-se ainda que mesmo quantidades não significativas de estupefacientes transacionados não implicam ipso facto, a qualificação de tráfico de menor gravidade, como se pode aquilatar do Acórdão deste STJ de 12-03-2015, proferido no Proc.º n.º 7/10.OPEBJA.S1 (Relator: Conselheiro Armindo Monteiro), máx. Sumário, in fine:
“I - O crime de tráfico de menor gravidade, previsto no art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, que se situa entre o crime de tráfico simples e o crime de tráfico agravado, tem lugar sempre que a ilicitude se mostrar consideravelmente diminuída.
II - A ilicitude exigida neste tipo legal tem de ser, não apenas diminuta, mas mais do que isso, consideravelmente diminuta, pelo desvalor da acção e do resultado, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a quantidade ou a qualidade das plantas ou substâncias estupefacientes, como factos-índice a atender numa valoração global, não isolada, de que a configuração da acção típica não prescinde, em que a quantidade não é o único nem, eventualmente, o mais relevante.
III - A modalidade de venda assenta no contacto directo com o consumidor na sua residência, reparte-se ao longo de 3 anos, o tempo não serviu como contra-motivo da sua acção reprovável, teve por objecto 2 dos mais nocivos estupefacientes (heroína e cocaína), para além de resina de cannabis, e o arguido é dono de um automóvel, o que se mostra incompatível com a condição de quem se acha desempregado ou com a vida de um miserável traficante que vende, em sobressalto e deslocalizadamente, para subsistir e para alimentar o vício.
IV - Estas circunstâncias, numa visão global dos factos, não se reconduzem a um crime de tráfico de menor gravidade, pese embora os produtos vendidos não repercutam quantidades significativas.”
6. O crime em apreço é de tráfico de estupefacientes (simpliciter - art. 21 n.º 1 do DL 15/93, de 22-01), o qual, como é bem sabido, viola, antes de mais, o bem jurídico saúde, de entre eventualmente outros (cf. Ac. STJ de 10/10/2018, Proc.º n.º 5/16.0GAAMT.S1; Ac. 5/16.0GAAMT.S1), tais como “a estabilidade económica, financeira, cultural e política da sociedade e a segurança e soberania do Estado” (cf. Ac. 89/18.6JELSB.L1.S1), dependendo, como é natural, a verificação da sua mais concreta e mais vultuosa lesão dos contornos específicos do caso.
A existência de um volume considerável de heroína e cocaína no estoque dos arguidos (145,881 gr de heroína e de 66,052 gr de cocaína, e cerca de 6 centenas de embalagens), é já um grande perigo potencial para a saúde pública de um muito alargado número de pessoas, ainda que não ainda transacionada.
Sempre se diga ainda que a simples atividade criminosa preparatória (a própria montagem da “banca”) já atentaria contra a paz jurídica e o respeito pelo Direito e não pode deixar de configurar lesão de bens jurídicos independentemente do facto de uma disseminação ulterior se efetuar ou não (cf. Ac. 89/18.6JELSB.L1.S1).
7. A moldura penal abstrata que corresponde a este tipo de crime situa-se entre os 4 anos a 12 anos de prisão, de acordo com o art. 21, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas l-A e I-B anexas ao mesmo diploma.
Sendo que o Tribunal a quo condenou o arguido em 5 anos e 8 meses de prisão, ou seja, abaixo do valor médio da moldura penal, que seriam 8 anos de prisão, e um pouco acima do valor mínimo: pouco acima da barreira dos 5 anos, aliás fundamental para a questão da suspensão ou não da pena. Contudo, aqueles valores da pena (entre 4 e 12 anos) são um espectro alargado para aplicação a uma infinidade de situações, desde a mais leve à mais severa.
A determinação da pena deve ser feita à luz do art. 40 e do art. 71, n.º 1, do CP e nomeadamente dos fatores de medida da pena aí consagrados, numa “tópica” que inclui, precisamente, o bem jurídico, a reintegração social, a culpa e a sua medida e as exigências de prevenção, pela forma articulada como o Código Penal as conexiona.
Trata-se de um ilícito grave, o modo de execução tem algum grau de preparação e organização. O arguido bem sabia da ilicitude dos seus atos, agiu livremente, com intuito de obter ganhos materiais, sem consideração das consequências dos mesmos.
E ainda o arguido “Persiste numa atitude desculpabilizante e minimizadora do ocorrido, perante os técnicos, e evidencia dificuldade em assumir uma postura crítica relativamente aos pares, a cuja influência permanece, ainda, permeável.” (factos provados, 48).
O dolo é intenso e direto.
As condições pessoais do agente, não sendo de desafogo nem de especial preparação profissional ou escolar (que porém pretende colmatar), contudo têm elementos positivos (apoio familiar, conduta correta na prisão, etc.). Porém, pesa negativamente, e com ponderação significativa, o facto de não ser a primeira vez que tem contacto com o sistema judiciário, com condenação anterior, e encontrando-se pendente um processo:
“AA já registava 1 (uma) condenação, em pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão que ficou suspensa na sua execução por idêntico período, por acórdão proferido, em 10 de Setembro de 2018, nos autos que sob o número 82/16…… correm termos perante este Juiz ….. do Juízo Central Criminal ….., transitada em julgado em 26 de Fevereiro de 2020, em razão da prática, em 8 de Julho de 2016, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, em co- autoria com o pai e um irmão.
. Aguarda julgamento no âmbito do processo número 31/20….., a correr termos neste Juízo Central Criminal ….., no âmbito do qual também se encontra acusado da prática, em finais de Fevereiro e início de Março de 2020, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, justamente, na Rua .…., em …….
. Já tinha sido sujeito, em 6 de Março de 2020, no âmbito desses autos, a 1.º interrogatório judicial de arguido detido e, na sequência do mesmo, a medida de coacção de apresentações periódicas semanais.” (como é sublinhado pelo Ministério Público em 1.ª Instância e neste Supremo Tribunal de Justiça).
Espera-se que, com o cumprimento da presente pena, possa, finalmente, o Recorrente vir a perseverar numa conduta afastada das seduções de dinheiro “fácil” do tráfico e outras condutas delituais, seguindo a conduta normativa que tem seguido em reclusão. Porquanto, até ao momento, não foram pedagogicamente bem sucedidos os contactos com o sistema judiciário.
8. Sendo necessário manter coerência e equidade entre o sentenciado por este Supremo Tribunal de Justiça, contribuindo-se para uma aplicação uniforme do direito (art. 8.º, n.º 3 do Código Civil), nomeadamente, importa a consideração do volume de drogas (assim como a motivação do ganho). Recorde-se que está em causa, como pano de fundo, um “plano arquitetado por todos os arguidos de terem o produto estupefaciente com vista a entrega a terceiros a troco de quantias monetárias, leva a patamar de produto estupefaciente detido na ordem de 145,881 gr de heroína e de 66,052 gr de cocaína, e a cerca de 6 centenas de embalagens”, conforme a eloquente síntese do Ministério Público neste STJ.
As penas, como salienta o art. 49, n.º 3, da CDFUE, “não devem ser desproporcionadas em relação à infração”. E tal proporcionalidade deve atender a todos os contornos da infração. No caso, não se está perante simples “arraia-miúda” como afirma o Recorrente, nem meramente perante meio grama de estupefaciente vendido a um único consumidor…
Havendo factualidade criminosa provada, existindo culpa, dolo direto, atendendo à necessidade de prevenção geral e especial e dada a potenciação de alarme social proveniente de situações de tráfico (e sobretudo sendo ele feito “aos olhos de todos os moradores do bairro”) e estando em causa, pelo menos, o magno bem da saúde pública, não restam dúvidas de que a ordem jurídica precisa de dar uma resposta que não desça a um limiar de baixar das guardas face ao crime, dissolvendo a sua força normativa.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal sublinha que a sua intervenção no controle da proporcionalidade com que há que pesar os crimes e as penas não é ilimitada e que o quantum da pena se deve manter quando se revele, em geral, o acerto dos vários enfoques analíticos e judicatórios em questão (v.g. Ac. STJ, Proc. n.º 14/15.6SULSB.L1.S1 - 3.ª Secção, 19-09-2019). É o que ocorre no presente caso.
Sopesados, pois, todos os elementos pertinentes reunidos nos autos, em conformidade com o disposto no art. 71 do CP, e tendo em consideração que a medida da tutela dos bens jurídicos, correspondente à finalidade de prevenção geral positiva ou de integração, tem um horizonte “válvula de segurança” consentido pela medida da culpa do agente, e um limite mínimo, barreira intransponível, que é o ainda suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma e a prevalência dos bens jurídicos (violados com a prática do crime), considera-se a pena atribuída equilibrada, proporcional e ajustada à culpa concreta do agente (cf. Acórdão deste STJ de 05-12-2012 ).
Termos em que, decidindo em conferência, a 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça acorda em negar provimento ao recurso, confirmando integralmente o Acórdão recorrido.
Custas pelo Recorrente.
Taxa de Justiça: 3 UCs
Supremo Tribunal de Justiça, 7 de julho de 2021
Ao abrigo do disposto no artigo 15.º-A da Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, o relator atesta o voto de conformidade da Ex.ma Senhora Juíza Conselheira Adjunta, Dr.ª Maria Teresa Féria de Almeida.
Dr. Paulo Ferreira da Cunha (Relator)
Dr.ª Maria Teresa Féria de Almeida (Juíza Conselheira Adjunta)