Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
32/14.1T8PVL-A.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO CURA MARIANO
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
CONHECIMENTO DO MÉRITO
INDEFERIMENTO LIMINAR
VALOR DA CAUSA
DENEGAÇÃO DE JUSTIÇA
RECURSO DE REVISÃO
CONSTITUCIONALIDADE
ACESSO AO DIREITO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Data do Acordão: 10/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - O que distingue, uma decisão de indeferimento liminar de uma decisão que após, assegurado o contraditório da parte contrária, conhece do mérito do pedido deduzido, é o facto de na primeira a decisão ser tomada sem audição da parte contrária e a segunda ser tomada após ambas as partes terem tido oportunidade para se pronunciar sobre o mérito da pretensão formulada pelo demandante.

II - Uma decisão que num recurso de revisão de sentença, na fase prevista no art. 700.º, n.º 1, do CPC, julga improcedente o recurso, não equivale a um indeferimento liminar, uma vez que é proferida após audição do recorrido.

III - Daí que, quando essa decisão tenha sido proferida em 1.ª instância pelo tribunal da Relação, a mesma não admita recurso de revista, quando o processo tenha um valor inferior à alçada daquele Tribunal.

IV - Essa irrecorribilidade não viola qualquer parâmetro constitucional, designadamente a exigência de um processo justo e equitativo.

Decisão Texto Integral:

Recorrentes: AA

                       BB

Recorridos: CC

                     DD

                     EE

                     FF

                     GG

                     HH

                     II

                     JJ

                     LL

                                  

                                               *

I – Relatório

Os Recorrentes interpuseram recurso de revisão no Juízo de Competência Genérica da ..., do Tribunal Judicial de ..., pedindo a revisão da sentença proferida neste Tribunal, em 17.05.2018, na ação que MM havia interposto contra eles.

Foi proferido despacho liminar, admitindo o recurso interposto e determinando o exercício do contraditório.

Os Recorridos GG e HH apresentaram contestação, pronunciando-se pela improcedência do recurso de revisão.

Foi proferida decisão, admitindo os Recorridos como herdeiros habilitados de MM, mantendo o valor da ação em 30.000,00 € e julgando o Juízo de Competência Genérica ..., do Tribunal Judicial  ..... incompetente para julgar o recurso de revisão interposto.

Os Recorrentes apresentaram requerimento em que, além de arguirem nulidades desta decisão, solicitaram a remessa do processo para o Tribunal da Relação de Guimarães, por ser o tribunal competente para julgar o recurso de revisão por eles interposto.

Após remessa do processo ao Tribunal da Relação de Guimarães e do mesmo ter sido devolvido ao Juízo de Competência Genérica  ..., do Tribunal Judicial  ..., por determinação do Desembargador Relator, para que fosse apreciado o requerimento apresentado pelos Recorrentes, foi proferido despacho, declarando sem efeito as decisões proferidas sobre a habilitação de herdeiros e o valor da causa e determinando a absolvição dos Recorridos da instância, por incompetência absoluta do Juízo de Competência Genérica  ..., do Tribunal Judicial  ....

Os Recorrentes apresentaram requerimento em que declararam que não pretendiam recorrer deste despacho e requereram a remessa do processo para o Tribunal da Relação de Guimarães, o que foi ordenado.

O Desembargador Relator, após audição das partes sobre o pedido de habilitação de herdeiros, proferiu decisão em que indeferiu a habilitação de herdeiros, fixou o valor do recurso de revisão em 30.000,00 € e, após declarar que inexistiam outras questões prévias ou incidentais que obstassem ao conhecimento de mérito, proferiu decisão, nos termos do artigo 700.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, julgando o recurso improcedente.

Os Recorrentes reclamaram desta decisão para a conferência, a qual, por acórdão proferido em 18.02.2021, desatendeu a reclamação, confirmando a decisão do relator.

Os Recorrentes interpuseram então recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça desta decisão, visando a revogação da decisão recorrida, na parte em que julgou improcedente o recurso de revisão, e a sua substituição por decisão que admita o recurso, encerrando a fase rescindente do processo e abrindo-se a fase rescisória, admitindo-se a habilitação de sucessores da primitiva Autora, entretanto falecida.

Fundamentaram a admissibilidade da revista, independentemente do valor da causa, no facto da decisão recorrida ser idêntica a um indeferimento liminar da petição inicial.

Os Recorridos contestantes apresentaram contra-alegações, sustentando a improcedência da revista e a confirmação do acórdão recorrido.

Foi proferido acórdão no Tribunal da Relação de Guimarães, em 20.05.2021, indeferindo as nulidades arguidas nas alegações de recurso e determinando a subida dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça.

Neste Tribunal, as partes foram ouvidas sobre a admissibilidade da revista, tendo os Recorrentes mantido a sua posição de que, apesar do valor da causa, equivalendo a decisão recorrida a um indeferimento liminar, o recurso é sempre admissível.

Alegaram ainda que qualquer decisão que não admitisse o recurso violaria o disposto nos artigos 268.º, n.º 4, 204.º e 20.º, n.º 1, da Constituição.

Foi proferida pelo Relator decisão de não admissão do recurso, com a seguinte fundamentação:

Estamos perante um recurso de revisão regulado nos artigos 696.º e seguintes do Código de Processo Civil.

Dispõe o artigo 697.º, n.º 6, que as decisões proferidas no processo de revisão admitem os recursos ordinários a que estariam originariamente sujeitas no decurso da ação em que foi proferida a sentença a rever.

Neste caso a decisão recorrida é um acórdão, proferido, em conferência, pelo Tribunal da Relação de Guimarães.

Ora, uma decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em regra, só é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça se tiver um valor superior ao da sua alçada (artigo 629.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), ou seja, superior a € 30.000,00, o que não é o caso.

Alegam os Recorrentes que, apesar de não ter esse valor, o acórdão da Relação de Guimarães é recorrível, porque o mesmo é equivalente a um despacho de indeferimento liminar de uma petição inicial, os quais são sempre recorríveis, nos termos do artigo 629.º, n.º 3, c), do Código de Processo Civil.

A razão desta recorribilidade excecional reside no receio de poder estar em causa uma denegação básica de justiça, ao recusar-se, sem sequer ouvir a parte contrária, a tramitação de uma ação judicial.

Invocam, como apoio, a opinião de Amâncio Ferreira e de Francisco Lucas Martins, os quais efetivamente sustentam, com total pertinência, que o despacho de indeferimento liminar a que alude o artigo 699.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, é equivalente a um despacho de indeferimento liminar de uma qualquer petição inicial, pelo que, nos termos do artigo 629.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, é passível de recurso para o tribunal hierarquicamente superior, neste caso, para o Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que a decisão é do Tribunal da Relação.

Todavia o acórdão recorrido, no presente caso, não corresponde a uma confirmação do despacho de indeferimento liminar referido no artigo 699.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, mas sim da decisão de conhecimento do mérito do fundamento da revisão, prevista no artigo 700.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, tal como a própria decisão, confirmada pelo acórdão recorrido, assim o enquadrou.

Na verdade, relembre-se, como consta do relatório do presente acórdão, que após a propositura do recurso de revisão pelos Recorrentes (equivalente a uma petição inicial), o despacho proferido pelo Juízo de Competência Genérica ..., do Tribunal Judicial ..., foi de admissão do recurso, nos termos do artigo 699.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, e não do seu indeferimento liminar.

Por isso, os Recorridos foram citados para contestar, tendo dois deles exercido o contraditório.

Terminada a fase de articulados foi proferida a decisão a que se refere o artigo 700.º, n.º 1, do Código de Processo Civil – o tribunal, logo em seguida à resposta do recorrido ou ao termo do prazo respetivo, conhece do fundamento da revisão.

É esta a decisão que foi confirmada pelo acórdão recorrido, em conferência, e ela não é uma decisão de indeferimento liminar, mas sim uma decisão que julgou improcedente o recurso de revisão, conhecendo do mérito do seu fundamento, após a parte contrária já ter exercido o contraditório.

Note-se que, apesar do despacho de admissão liminar, da citação dos Recorridos e da apresentação da contestação por alguns deles ter ocorrido num tribunal que veio a ser julgado incompetente, isso não determinou a invalidade deste processado, uma vez que ele foi aproveitado, nos termos do artigo 99.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, dado que os Recorrentes assim o requereram, tendo o processo prosseguido, já na fase prevista no artigo 700.º do Código de Processo Civil, no tribunal competente – o Tribunal da Relação de Guimarães.

 O que distingue, uma decisão de indeferimento liminar de uma decisão que após, assegurado o contraditório da parte contrária, conhece do mérito do pedido deduzido, é o facto de na primeira a decisão ser tomada sem audição da parte contrária e a segunda ser tomada após ambas as partes terem tido oportunidade para se pronunciar sobre o mérito da pretensão formulada pelo demandante.

Não estando, nós perante recurso de uma decisão que tenha indeferido liminarmente a petição do recurso de revisão, a revista para o Supremo Tribunal de Justiça só é admissível se a ação tivesse um valor superior à alçada do Tribunal da Relação de Guimarães.

Como não o tem, o recurso não pode ser admitido.

Alegam os Recorrentes que a não admissão deste recurso violaria dispositivos constitucionais.

Note-se que a presente decisão não nega o acesso dos Recorrentes a uma decisão jurisdicional. Os Recorrentes já tiveram acesso ao Tribunal da Relação de Guimarães que, julgando, em 1.ª instância, julgou improcedente a sua pretensão.

O que esta decisão lhes nega, é o direito a recorrerem do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, vedando-lhes, pois, o direito ao recurso, nos termos previstos no artigo 629.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Parafraseando abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o tema, constata-se que a Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal em processo civil.

Impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional – artigo 210.º), terá de admitir-se que o legislador ordinário não poderá suprimir radicalmente os tribunais de recurso e os próprios recursos.

Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões. O legislador ordinário terá, pois, de assegurar o recurso das decisões penais condenatórias e ainda, segundo certo entendimento, de quaisquer decisões que tenham como efeito afetar direitos, liberdades e garantias constitucionalmente reconhecidos. Quanto aos restantes casos, goza de ampla margem de manobra na conformação concreta do direito ao recurso, desde que não suprima em globo a faculdade de recorrer.

Daí que nada impeça o legislador ordinário de aprovar um regime restritivo de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, obstando a que todas as decisões dos tribunais das Relações sejam passíveis de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, adotando, como é o caso, um critério, tendo por base o valor da causa.

Por este motivo, esta decisão, na medida em que não admite o recurso de revista, não ofende qualquer direito constitucional.

Desta decisão, reclamaram para a Conferência os Recorrentes, alegando, em síntese, o seguinte:

Afirma-se no despacho reclamado que a decisão recorrida é um acórdão proferido em conferência pelo Tribunal da Relação de Guimarães, pelo que este acórdão, em regra, só seria recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça se tiver valor superior ao da sua alçada, ou seja, valor superior a 30.000,00 € , o que não é o caso.

Começam aí os equívocos da decisão reclamada e isto por duas razões: em primeiro lugar, o acórdão da Relação de Guimarães em causa foi produzido em 1ª Instância e assim sendo é inconcebível que não tenha recurso; em segundo lugar, uma das questões que foi suscitada à decisão do tribunal foi precisamente a questão do valor, uma vez que os recorrentes entendem que o valor do recurso é diferente do valor da ação, pelo que, em obediência ao disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, o recurso sempre seria admissível.

Afirmaram os recorrentes que o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães em causa sempre seria recorrível, independentemente do valor da ação, porquanto equivale a um despacho de indeferimento liminar da petição inicial, e estes despachos são sempre recorríveis, nos termos do artigo 629.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Civil.

O despacho reclamado contesta essa afirmação com o argumento de que o acórdão recorrido não corresponde a uma confirmação do despacho de indeferimento liminar, mas sim de uma decisão sobre o mérito do fundamento da revisão.

Salvo o devido respeito, não é assim, e não é o facto de, como também se defende, a decisão ter sido proferida depois de ouvida a parte contrária que afasta o fundamento do recurso, embora já não se possa falar então de indeferimento liminar, uma vez que do que se recorre é da única decisão produzida pelo tribunal recorrido.

Já se sustentou, de resto, que impedir o recurso de uma única decisão produzida sobre a matéria pelo Tribunal da Relação constituiria sempre violação de veneráveis regras constitucionais que exigem que qualquer cidadão tenha o direito pelo menos a dois graus de jurisdição.

Do mesmo modo, ante o Senhor Juiz Relator do processo, no requerimento de interposição do recurso para este tribunal suscitou-se e defendeu-se a admissibilidade do recurso, nos termos que seguidamente se irão reproduzir:

“O recurso é de revista, não obstante a decisão revivenda ter sido produzida por tribunal que, sendo da Relação, se pronunciou em primeira instância (artigo 697º, n.º 6 do Código de Processo Civil) é admissível independentemente do valor da causa e da sucumbência “em termo em tudo idênticos aos do indeferimento liminar da petição inicial”, sendo interposto após reclamação para a conferência – artigo 652º, n.º 3 (Amâncio Ferreira, Manual, pagina 355 e Conselheiro Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2ª ed., pag. 646 e seguintes

Não é, pois, sustentável a inadmissibilidade do recurso de revista, único possível e admissível, sendo certo que qualquer decisão que o inviabilizasse violaria seguramente o artigo 268.º, n.º 4 (“é garantido aos administrados tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”), 204.º (“nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípio nela consignados”) e 20.º, n.º 1 (“a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus interesses legalmente protegidos”) todos da Constituição da República.

...

                                               *

II – A inadmissibilidade do recurso

Os Recorrentes discordam da decisão reclamada, defendendo a admissibilidade do recurso de revista, pelas seguintes razões [1]:

- uma das questões que foi suscitada à decisão do Tribunal da Relação de Guimarães foi a questão do valor do recurso, uma vez que os recorrentes entendem que este é diferente do valor da ação, pelo que, em obediência ao disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, o recurso sempre seria admissível;

- o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães em causa sempre seria recorrível, independentemente do valor da ação, porquanto equivale a um despacho de indeferimento liminar da petição inicial, e estes despachos são sempre recorríveis, nos termos do artigo 629.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Civil;

- o acórdão da Relação de Guimarães em causa foi produzido em 1ª Instância e, assim sendo, é inconcebível que não tenha recurso, sob pena de se violarem normas constitucionais.

Quanto à primeira questão, se é verdade que os Recorrentes, no recurso de revisão, suscitaram a questão do valor do recurso de revisão, a qual foi decidida pelo acórdão recorrido do Tribunal da Relação, no recurso de revista que interpuseram desse acórdão, conforme resulta da leitura das conclusões das alegações apresentadas, não impugnaram essa decisão, pelo que a mesma não integra o objeto do recurso de revista. Por essa razão não é aplicável a este recurso de revista o disposto no artigo 629.º, n.º 2, b), do Código de Processo Civil.

Quanto à segunda questão, conforme se explica na decisão reclamada, o acórdão recorrido que confirmou a decisão singular proferida pelo Desembargador Relator, não corresponde a uma confirmação de um despacho de indeferimento liminar referido no artigo 699.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, mas sim a uma decisão de conhecimento do mérito do fundamento da revisão, prevista no artigo 700.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, tal como a própria decisão, confirmada pelo acórdão recorrido, assim o enquadrou.

Não estando nós perante uma decisão proferida nos termos previstos no artigo 699.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, mas sim perante uma decisão proferida numa fase mais avançada da tramitação do recurso de revisão, em que já intervieram ambas as partes (artigo 700.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), já não se aplica a correspondência a um indeferimento liminar, pertinentemente sustentada por Amâncio Ferreira, e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, nas obras citadas pelos Recorrentes, não havendo, por isso, lugar à aplicação analógica do disposto no artigo 629.º n.º 3, c), do Código de Processo Civil.

Finalmente, no que respeita à recorribilidade das decisões proferidas em 1.ª instância pelo Tribunal da Relação, como se explica na decisão reclamada, não é um imperativo constitucional que todas as decisões proferidas em processo civil em primeira instância tenham um grau de recurso, podendo o legislador limitar a recorribilidade das decisões judiciais. E fá-lo, habitualmente, em razão do valor da ação, estabelecendo que, dentro de determinados valores, que constituem a alçada das diferentes categorias de tribunais, estes julguem, em regra, sem que haja direito a recurso, salvo em determinadas situações, excecionalmente previstas na lei (v.g. o artigo 629.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

Daí que a decisão de um Tribunal da Relação, de não admissão de um recurso de revisão cuja ação a rever tinha um valor inferior ao da alçada daquele tribunal, não admita recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, sem que isso infrinja qualquer disposição constitucional, designadamente, o princípio do processo equitativo, previsto no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, como melhor se explica na decisão reclamada, em consonância com a posição reiterada do Tribunal Constitucional.

Por estas razões, deve a reclamação apresentada ser indeferida, mantendo-se a decisão reclamada.

                                               *

Decisão

Pelo exposto, acorda-se em indeferir a reclamação apresentada pelos Recorrentes, confirmando-se a decisão de não admissão da revista por eles interposta para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães.

                                               *

Custas da reclamação pelos Reclamantes.

                                               *

Notifique.

                                               *

Lisboa, 14 de Outubro de 2021

João Cura Mariano (relator)

Fernando Baptista

Vieira e Cunha

 

_________

[1] Os Recorrentes também invocaram razões relativas à injustiça, na sua perspetiva, da decisão recorrida, não curando delas aqui tratar, uma vez que apenas está em causa a admissibilidade do recurso e não o seu mérito.