Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B1569
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: LUÍS FONSECA
Descritores: DEPÓSITO BANCÁRIO
PENHORA
FORMALIDADES
Nº do Documento: SJ200406030015692
Data do Acordão: 06/03/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 6395/03
Data: 07/09/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


Na execução para pagamento de quantia certa instaurada por Banco Mais, S.A. contra Arlindo José Costa Reis Sobral e António Sobral, a exequente nomeou à penhora, no requerimento executivo, entre outros bens, os saldos de todas e quaisquer contas de depósito bancário, quer à ordem quer a prazo, que os executados, possuam em quaisquer Bancos ou Instituições Financeiras, requerendo que o Tribunal oficiasse ao Banco de Portugal, nos termos do art.º 861.º- A, n.º 6 do CPC.
Foi proferido o despacho de 5/6/02, convidando a exequente a aperfeiçoar o requerimento de execução, justificando a necessidade da intervenção prévia do Banco de Portugal.
A exequente veio declarar não aceitar o convite de aperfeiçoamento porque o requerimento executivo estava completo.
Por despacho de 21/6/02 foi anulado o referido requerimento de nomeação de bens à penhora, respeitante à nomeação dos saldos de depósito bancário.
A exequente agravou deste despacho, tendo a Relação de Lisboa, por acórdão de 16 de Dezembro de 2003, negado provimento ao recurso, confirmando o despacho recorrido.
A exequente agravou deste acórdão para este Tribunal, o qual foi admitido, atento o disposto no art. 754º, nº 2 do C.P.C., dado que tal acórdão está em oposição com o da mesma Relação de 9/7/03.
Conclui, assim, a sua alegação do recurso:
1- Entendeu-se no acórdão recorrido – erradamente no entender da ora recorrente – que o despacho de fls. , que anulou o requerimento da exequente, ora recorrente, de nomeação de bens à penhora, na parte em que foram nomeados todos os saldos de depósito das contas bancárias dos executados, ora recorridos, não merece qualquer censura, sustentando que não se pode desde logo partir do princípio que a exequente não tem possibilidade de identificar essas contas e seus saldos, acrescentando que a exequente não só alegou quaisquer razões ou dificuldades concretas e sérias para a adequada identificação dos saldos das contas, como entendeu, depois de ter sido convidado a fazê-lo, que não tinha que alegar quaisquer razões.
2- Conclui-se no acórdão recorrido que a execução à penhora dos saldos das contas bancárias dos executados não podia prosseguir, em virtude de a sua nomeação não obedecer aos requisitos que a lei determina, negando-se provimento ao recurso de agravo interposto pela recorrente.
3- É esta a questão que cabe a este Tribunal decidir de harmonia com o disposto na 2ª parte do artigo 754º e artigos 732º-A e 732º-B, todos do C.P.C., pois a mesma foi decidida de forma manifestamente contraditória, no domínio da mesma legislação em, pelo menos, dois acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa porquanto não foi ainda fixada pelo S.T.J. jurisprudência conforme com o acórdão recorrido.
4- Resulta do requerimento da exequente, ora recorrente, de nomeação de bens à penhora, que esta identificou todos os bens que conseguiu apurar serem pertença dos ora executados, pois nomeou não só todo o mobiliário, aparelhos electrodomésticos, televisão, telefonia e demais recheio e existência que guarnecessem a residência dos executados, ora recorridos, como nomeou também o veículo automóvel da marca Ford, modelo Fiesta Studio, com a matrícula 54-41-LG, sendo que, como não logrou, nas suas investigações, apurar a existência de quaisquer outros bens, nomeou todos os saldos de depósito das contas bancárias dos executados.
5- Acresce que a exequente, ora recorrente, não sabe, nem pode saber, qual o valor do recheio da casa dos executados, como também não sabe, nem pode saber qual o valor do veículo automóvel, não podendo, por isso, saber se tais bens são suficientes para pagar a quantia exequenda, pelo que, não sabendo da existência de contas bancárias dos executados, ora recorridos, mas pressupondo que os mesmos terão algumas, requereu, nos termos da lei, que o Tribunal, como é seu dever, averiguasse de tais contas.
6- Nestes termos, estando desde logo identificados outros bens, resulta claro que a exequente, ora recorrente, procedeu a investigações sobre quais os bens pertença dos executados, ora recorridos, e que em tais averiguações não logrou saber a identificação de tais contas, sendo que ressalta à saciedade que tal não é possível, atento o sigilo bancário a que os Bancos e as Instituições Financeiras estão obrigados nos termos da lei, sendo que não é possível à exequente, ora recorrente, obter tais informações.
7- Acresce que, ao contrário do que se pretende no acórdão recorrido, nos termos do art. 837º-A do C.P.C., ao nomear todos os saldos de contas de depósito bancário dos executados, ora recorridos, a exequente, ora recorrente, por não poder obter tais informações nos termos da lei, está desde logo devidamente justificada a dificuldade na identificação e localização de tais bens, pelo que o Tribunal tem o dever de auxiliar a exequente, ora recorrente, na identificação dos mesmos, como resulta do dito preceito legal.
8- Assim, o Sr. Juiz a quo e, assim, também o acórdão recorrido – ao manter o despacho proferido em 1ª instância – não só violou os arts. 837º-A e 861º-A do C.P.C., como errou ao formular o convite à exequente, ora recorrente, para aperfeiçoar o seu requerimento de nomeação de bens à penhora, pois violou e interpretou erradamente o disposto no art. 811º-B, também do C.P.C.
9- No caso dos autos, o pretenso vício invocado pelo Sr. Juiz a quo – ausência de justificação na identificação ou localização de bens penhoráveis – não constitui qualquer irregularidade ou falta de pressuposto processual do requerimento executivo.
10- E não se diga, como se refere no acórdão recorrido, que o Sr. Juiz a quo não indeferiu o requerimento executivo mas apenas anulou tal requerimento na parte de nomeação á penhora dos saldos das contas bancárias pois que o Sr. Juiz a quo ao decidir pela forma que decidiu – no entender da recorrente – violou, também, o disposto no art. 811º-B do C.P.C., na medida em que ao anular – e assim indeferir – o requerimento de penhora dos saldos das contas bancárias dos executados, ora recorridos, impediu que a exequente, ora recorrente, fosse paga pelos seus créditos sobre os executados.
11- Errou, portanto, o Sr. Juiz a quo e, assim também, o acórdão recorrido, ao anular o requerimento da exequente, ora recorrente, de nomeação de bens à penhora na parte em que foram nomeados todos os saldos de depósitos das contas bancárias dos executados, ora recorridos, aplicando e interpretando erradamente o disposto nos arts. 811º-B, 837º- A e 861º-A, todos do C.P.C., que assim violou.
12- É mais um exemplo flagrante da protecção que os devedores incumpridores impunemente gozam em detrimento dos credores que cumprem e honram aquilo a que se obrigaram.
13- E a confirmar a razão que à recorrente assiste decidiu, e bem, o acórdão da Relação de Lisboa, de 7 de Junho de 2002, cuja publicação a recorrente desconhece e por isso juntou, em fotocópia, com o requerimento que apresentou nos autos a fls. 26 a interpor recurso do despacho recorrido. Acórdão que, aliás, revogou decisão idêntica proferida pelo Sr. Juiz a quo.
14- E, também a confirmar a razão que à recorrente assiste, decidiu, e bem, o acórdão da Relação de Lisboa, de 9 de Julho de 2003, cuja publicação a recorrente desconhece e por isso juntou, em fotocópia, com o requerimento que apresentou nos autos a interpor o presente recurso, acórdão que, aliás, revogou, também, decisão idêntica proferida também pelo Sr. Juiz a quo ao referir que: “Sendo o exequente o principal interessado na efectivação da penhora, está implícito no requerimento de nomeação de bens por ele formulado que ali são indicados os bens que o mesmo conseguiu identificar.” E, ainda que: “Sendo nomeados à penhora saldos bancários, o exequente não deixará de, no seu próprio interesse, fornecer, desde logo, todos os elementos de que disponha, e que permitam a imediata efectivação da penhora. Mas essa será, em princípio, uma situação excepcional, pois que, em regra, não existe informação disponível sobre as contas bancárias de terceiros.”
15- A nomeação á penhora dos saldos das contas dos executados, pela exequente, ora recorrente, obedece, pois, aos requisitos que a lei determina, devendo a sua execução prosseguir.
16- Só a análise superficial das questões pode conduzir a solução tão injusta e contrária ao espírito do direito.
17- Errou-se, pois, uma vez mais, no acórdão recorrido, ao considerar-se que a execução à penhora dos saldos das contas bancárias dos executados não podia prosseguir, em virtude de a sua nomeação não obedecer aos requisitos que a lei determina, ao negar-se provimento ao recurso de agravo interposto pela recorrente.
18- Ao decidir-se pela forma como se decidiu esta questão, o acórdão recorrido violou e erradamente interpretou e aplicou – como já fora feito na 1ª instância – de forma flagrante, o disposto nos arts. 837º-A e 811º-B, ambos do C.P.C.
Não houve contra-alegações.
É pelas conclusões da alegação do recurso que se delimita o seu âmbito – cfr. arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do C.P.C.
A questão suscitada neste recurso respeita a saber se a exequente, nomeando à penhora, sem mais, os saldos de contas bancárias do executado, pedindo a intervenção prévia do Banco de Portugal sobre quais as instituições em que os executados são detentores de contas bancárias, está dispensado de justificar a razão de tal intervenção em virtude da mesma estar implícita.
Dispõe o art. 837º, nº 1 do Código de Processo Civil (Diploma a que se referem as normas a seguir indicadas sem outra menção) que a nomeação deve identificar, tanto quanto possível, os bens a penhorar.
Compete, pois, ao exequente identificar em 1ª mão, os bens que pretende penhorar, sendo que na nomeação à penhora de depósitos bancários, se aplicam as regras referentes à penhora de créditos – cfr. art. 861º-A, nº 1.
Se tiverem sido nomeados à penhora saldos em contas bancárias que o exequente não consiga identificar adequadamente, o tribunal solicitará previamente ao Banco de Portugal informação sobre quais as instituições em que o executado é detentor de contas bancárias – cfr. nº 6 do art. 861º-A.
Assim, só no caso do exequente não ter possibilidades de identificar convenientemente os saldos das contas bancárias do executado, é que pode requerer ao tribunal que solicite ao Banco de Portugal as referidas informações.
Acrescentando o art. 837º- A, nº 1, que sempre que o exequente justificadamente alegue séria dificuldade na identificação ou localização de bens penhoráveis do executado, incumbe ao juiz determinar a realização das diligências adequadas.
Portanto, o tribunal só manda proceder à realização das diligências adequadas, neste caso mandar pedir as informações solicitadas pela exequente ao Banco de Portugal, caso esta invoque grandes dificuldades nessa obtenção, só assim se podendo efectivar o princípio da colaboração entre o tribunal e o titular do direito.
Como se refere no Relatório do DL nº 329-A/95, quando o exequente justificadamente alegue dificuldades sérias na identificação ou localização de bens penhoráveis do executado, impõe-se ao tribunal o dever de prestar-lhe o auxílio possível.
Compreende-se que assim seja porque o tribunal não é um mero instrumento das partes, neste caso da exequente para esta realizar a penhora dos saldos das contas bancárias.
O tribunal interpreta e aplica a lei, cumprindo-a.
Neste caso, a lei – art. 837º-A, manda que o exequente indique as razões porque existem dificuldades sérias na identificação ou localização dos bens penhorados, para que o juiz mande realizar as diligências adequadas.
A exequente no seu requerimento de nomeação de bens à penhora e, posteriormente, quando convidado a corrigi-lo, não indicou as razões porque não indicou os elementos necessários para a penhora dos saldos das contas bancárias.
Assim, não tendo cumprido este ónus imposto pela lei, o requerimento da nomeação de bens à penhora, na parte em que solicitou a intervenção do Banco de Portugal para que se identifique quais os Bancos ou Instituições Financeiras onde os executados têm as contas depositadas, devia ter sido indeferido (e não anulado, mas os efeitos práticos são os mesmos).
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso de agravo, confirmando-se o acórdão recorrido, apenas se corrigindo a anulação da referida parte do requerimento pela de indeferimento.
Custas pela recorrente.
x

Lisboa,