Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2569/01.3TBGMR-D.G1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: SOUSA FONTE
Descritores: COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
ACORDÃO DA RELAÇÃO
DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO À CAUSA
SENTENÇA
TRIBUNAL SINGULAR
PENA SUSPENSA
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Sumário :

I - Quando o acórdão recorrido não é um acórdão condenatório, nem absolutório, nem conheceu, a final, do objecto do processo, nem lhe pôs termo, não admite recurso para o STJ.

II - Recaindo o acórdão da Relação sobre recurso interposto de decisão do tribunal singular, também é insusceptível de recurso para o STJ.

III - Não tendo o arguido sido condenado em pena privativa da liberdade e não podendo essa pena ser modificada pela Relação, tanto na sua espécie como na sua medida, em seu prejuízo, o acórdão que esta vier a proferir em recurso sobre a decisão condenatória da 1.ª instância também não é susceptível de recurso para o STJ.

IV -A suspensão da execução da pena de prisão pode ser revogada, como prevê o art. 56.º do CP, mas tal eventualidade não lhe retira a natureza de pena de substituição, de pena «não privativa da liberdade», como, de resto, a qualifica o CPP ao integrar no Título III do seu Livro X, sob a epígrafe “Da execução das penas não privativas da liberdade”, a execução da pena suspensa. As vicissitudes da execução de uma pena não alteram a sua natureza.

V - Um eventual recurso para o STJ relativo e restrito ao pedido civil não tem, nem poderia ter, a virtualidade de tornar recorrível o que, em função da matéria de que trata, é irrecorrível; no recurso da parte da sentença relativa à indemnização não poderão ser introduzidas questões que lhe sejam estranhas, designadamente as que se prendam com os pressupostos da condenação/absolvição penal.

Decisão Texto Integral:



Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça


1. O arguido AA foi condenado pela 2ª Vara de Competência Mista de Guimarães, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução por 4 anos.
Dessa decisão interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão intercalar (fls. 2530 dos autos principais), determinou a remessa dos autos à 1ª instância para que aí se diligenciasse pela notificação referida na alínea b) do nº 4 do artº 105º do RGIT, entretanto introduzida no diploma pela Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro.
Foi, então, proferido naquela 2ª Vara, entre outros, o despacho certificado a fls. 1 e segs., datado de 25.03.08, que indeferiu o requerimento do Arguido para que o pagamento que havia efectuado à Segurança Social já em Setembro de 2006, com vista a extinguir a obrigação civil em cujo cumprimento fora condenado, fosse julgado relevante para efeitos daquela disposição legal.
Deste despacho interpôs o Arguido novo recurso para o mesmo Tribunal da Relação que, pelo despacho certificado a fls. 28, confirmado pelo Acórdão de fls. 2937, de 16.03.09, decidiu que o mesmo subiria imediatamente, mas em separado do recurso interposto do acórdão condenatório.
Baixados os autos à 1ª instância e cumpridas as inerentes formalidades, o recurso voltou à Relação que, pelo acórdão de fls. 53 e segs., lhe negou provimento e confirmou o despacho recorrido.
Inconformado, o Arguido interpôs recurso desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, de cuja motivação extraiu as conclusões de fls. 75 e 76 que se dão aqui por reproduzidas.

O Senhor Procurador-geral Adjunto respondeu no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.

Subidos os autos a este Tribunal, o Senhor Procurador-geral Adjunto emitiu parecer em que, depois de ponderar que o presente recurso não vai ser julgado em conjunto com o da decisão final condenatória e que o acórdão recorrido não conheceu, a final, do objecto do processo, «tanto mais que o decidido não conduziu à extinção do procedimento, estando ainda pendente o recurso da decisão final», concluiu que o mesmo deve ser rejeitado por não ser admissível.

Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2, do CPP, o Arguido disse, em conclusão, que se devia rejeitar o parecer do Ministério Público e que o recurso devia prosseguir num dos seguintes sentidos: conhecimento do seu objecto, suspensão dos seus termos até à decisão do recurso anteriormente interposto ou remessa dos autos à Relação de Guimarães para tramitação unitária.

O Relator proferiu então, ao abrigo do disposto no artº 417º, nº 6-b), do CPP, decisão sumária de rejeição do recurso, fls. 109 e segs., do seguinte teor:
«2. Da questão previa da inadmissibilidade do recurso
Cumpre, pois, tomar posição sobre a questão prévia suscitada pelo Senhor Procurador-geral Adjunto deste Tribunal.
«Após o exame preliminar, o relator profere decisão sumária sempre que: …b) o recurso dever ser rejeitado» – artº 417º, nº 6, alínea b), do CPP.
«O recurso é rejeitado sempre que: …b) se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do nº 2 do artigo 414º» – artº 420º, nº 1, alínea b), também do CPP;
«o recurso não é admitido quando a decisão for irrecorrível …» – artº 414, nº 2, 1ª parte, ainda do CPP;
«a decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior» – artº 414º, nº 4, do CPP
Pois bem.
Como sublinhou o Senhor Procurador-geral Adjunto deste Tribunal, o acórdão de que o Arguido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça recaiu sobre um recurso que subiu separadamente do que foi interposto do acórdão condenatório e que foi interposto de um despacho posterior e complementar deste.
Nos termos do artº 432º, nº 1-b), do CPP, «recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça …b) de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas, pelas relações, em recurso, nos termos do artº 400º».
O acórdão recorrido não é seguramente um acórdão condenatório nem um acórdão absolutório (cfr. alíneas d) a f) do nº 1 daquele artº 400º).
Mas também não conheceu, a final, do objecto do processo, papel que caberá, isso sim, ao que vier a recair sobre o acórdão condenatório.
Por isso que não é susceptível de recurso, como estabelece a alínea c) do nº 1 do mesmo artº 400º.
Aliás, nem mesmo pôs termo ao processo, como se expressava o preceito antes da Reforma introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto.
Aliás, o acórdão da Relação que vem impugnado recaiu sobre uma decisão do Tribunal Singular. E, como se entendeu no acórdão deste Tribunal de 18 de Fevereiro de 2009, Pº nº 102/09-3ª, «se não é admissível recurso directo [para o Supremo Tribunal de Justiça – cfr. artº 432º do CPP, designadamente a alínea c) do seu nº 1] de decisão proferida por tribunal singular, …, por integridade da coerência que deriva do princípio da prioridade [quis naturalmente escrever-se “paridade”] ou até da maioria de razão, não poderá ser admissível recurso de segundo grau de decisão da relação que conheça de recurso interposto nos casos de decisão do tribunal singular» (sublinhei).
Acresce ainda que o presente recurso se liga a um acórdão final que condenou o ora Recorrente e um outro em penas de prisão cuja execução suspendeu, em ambos os casos, por 4 anos. Desse acórdão final, recorreram apenas os Arguidos, como se vê do acórdão interlocutório da Relação de fls. 2530 já atrás referido. Significa isto, em virtude do disposto no artº 409º, nº 1, do CPP, que aquelas penas não poderão vir a ser modificadas, tanto na sua espécie como na sua medida, em prejuízo dos Recorrentes.
Ora, a pena de suspensão da execução da prisão não é uma pena privativa da liberdade, antes uma pena de substituição (Figueiredo Dias, “As Consequências…”, 337 e segs. e epígrafe do Titulo III do Livro X da Parte Segunda do CPP) – o que torna esse futuro acórdão irrecorrível, por força dos arts. 432º, nº 1-b) e 400º, nº 1-e), com a consequente inviabilização da subida e do julgamento em conjunto do presente recurso, como pretende o Recorrente.
Não sendo admissível, o recurso tem de ser rejeitado, nos termos dos arts. 420º, nº 1-b) e 414º, nº 2, 1ª parte, também do CPP.
É o que se decide…».

2. Inconformado com esta decisão, o Recorrente reclamou para a conferência, como lhe permite o nº 8 do mesmo artº 417º, argumentando, em síntese:
1º - Não procede o argumento da irrecorribilidade do acórdão que a Relação vier a proferir sobre o recurso da decisão condenatória da 1ª instância.
Por um lado, porque, tendo sido condenado em pena de prisão cuja execução foi suspensa sob a condição de demonstrar, em certo prazo, que pagou ao IGFSS determinada quantia, tal circunstância não permite afirmar que a pena em que foi condenado não seja uma pena privativa da liberdade, pois bastará que não pague aquela importância para que a pena de substituição possa ser revogada.
Por outro, porque recorreu «plena e autonomamente da condenação relativa à indemnização civil», o que, «nos termos do disposto no artº 400º, nº 3 do C.P.Penal e atento o valor da condenação em 1ª instância, não exclui, de todo, a sua [daquele acórdão da Relação] recorribilidade para o STJ».
2º Incidindo o recurso aqui em causa sobre um acórdão da Relação proferido em recurso de um despacho posterior e complementar do acórdão condenatório, como aliás é referido na decisão sumária reclamada, então «não há, …, qualquer razão atendível para que o acerto ou desacerto de tal despacho complementar não seja conhecido em simultâneo com o recurso interposto do acórdão que ele complementa».
E termina requerendo ou o prosseguimento dos autos para conhecimento do objecto do recurso, ou a suspensão dos seus termos até à decisão do recurso anteriormente interposto, ou a anulação do acórdão recorrido e a remessa dos autos à Relação para tramitação unitária.

3. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

3.1. Como se viu, a decisão sumária ora impugnada assentou em três fundamentos. Mas qualquer deles é, só por si, suficiente para determinar a rejeição do recurso.
O primeiro, o de que o acórdão recorrido não é um acórdão condenatório nem absolutório nem conheceu, a final, do objecto do processo nem lhe pôs termo – por isso não admite recurso para o STJ.
O segundo, o de que, recaindo o acórdão da Relação aqui contestado sobre recurso interposto de decisão do Tribunal Singular, também por esse motivo é insusceptível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
O terceiro, o de que, não tendo o Arguido sido condenado em pena privativa da liberdade e não podendo essa pena ser modificada pela Relação, tanto na sua espécie como na sua medida, em seu prejuízo, o acórdão que esta vier a proferir em recurso sobre a decisão condenatória da 1ª instância também não é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça – o que também inviabilizaria o conhecimento pelo Supremo do presente recurso, se este devesse subir com aquele.

Porém, o Recorrente/reclamante nada disse sobre os dois primeiros fundamentos. Certamente porque não encontrou maneira de os refutar.
Por isso que a presente reclamação esteja, desde logo, votada ao insucesso, sem necessidade de outras considerações.

3.2. Não deixaremos, contudo, de analisar cada um dos argumentos com que o Recorrente/reclamante intenta demonstrar o «menor acerto» do terceiro daqueles fundamentos.

Poderia dizer-se que o fundamento da irrecorribilidade do acórdão que a Relação vier a proferir sobre a decisão condenatória enferma da fragilidade inerente ao pressuposto em que assente – o de que, até lá, não ocorrerá alteração legislativa com incidência no caso.
Mas nem por isso procederia a crítica, porquanto o Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo que, no caso de sucessão de leis processuais no tempo, a lei aplicável em matéria de recursos é a que vigorar no momento em que é proferida a decisão (cfr., a título de exemplo, o acórdão de 01.10.09, Pº nº 2345/01.03TAGMR.S1, também oriundo da comarca de Guimarães, assinado pelos mesmos Juízes Conselheiros que assinam este).

Mas não é nesse plano de crítica que se coloca o Reclamante.

Diz, com efeito, não se poder afirmar, como se afirma na decisão reclamada, que não foi condenado em pena privativa da liberdade, porquanto bastará que não cumpra a condição a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena de prisão para que esta possa ser revogada.
É verdade que sim, que a suspensão da execução da pena de prisão pode ser revogada, como prevê o artº 56º do CPenal. Mas tal eventualidade não lhe retira a natureza de pena de substituição, de pena «não privativa da liberdade», como, de resto, a qualifica o CPP ao integrar no Título III do seu Livro X, sob a epígrafe “Da execução da penas não privativas da liberdade”, a execução da pena suspensa (cfr. o seu Capítulo II).
As vicissitudes da execução de uma pena não alteram a sua natureza. Na lógica da argumentação do Recorrente/reclamante também a pena de multa não seria uma pena não privativa da liberdade já que pode ser convertida em prisão subsidiária.

Também não procede o argumento de que recorreu «plena e autonomamente da condenação relativa à indemnização civil», com a consequente possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça quanto a essa matéria, nos termos do nº 3 do artº 400º do CPP.
É verdade que a essa possibilidade nem sequer equacionada.
E também não oferece dúvidas que o recurso relativo à questão civil pode ser admissível, mesmo quando o não seja quanto à matéria penal, como claramente prescreve a norma que citou.
Só que o recurso rejeitado tem a ver, tem exclusivamente a ver, com a questão penal – razão por que um eventual recurso para o Supremo Tribunal de Justiça relativo e restrito ao pedido civil não tem nem poderia ter a virtualidade de tornar recorrível o que, em função da matéria de que trata, é irrecorrível. No recurso da parte da sentença relativa à indemnização não poderão ser introduzidas questão que lhe sejam estranhas, designadamente as que se prendam com os pressupostos da condenação/absolvição penal. Trata-se de recursos autónomos, como, de resto, o próprio Reclamante afirma no primeiro parágrafo de fls. 119.

Finalmente, diz o Reclamante que o recurso rejeitado é um recurso de um acórdão proferido sobre um despacho posterior e complementar do acórdão condenatório da 1ª instância e, por isso, «não há qualquer razão atendível para que o acerto ou desacerto de tal despacho complementar não seja conhecido em simultâneo com o recurso interposto do acórdão que ele complementa».
O mérito que eventualmente possa ter o argumento, do ponto de vista dos princípios não pode, no caso concreto, ser atendido. Ter-se-á criado, desde o acórdão intercalar de fls. 2530 dos autos principais), algum imbróglio processual. No entanto, o Tribunal da Relação, no uso da sua competência, decidiu, por decisão transitada em julgado que o recurso desse despacho «posterior e complementar» subiria imediatamente e em separado e, assim, foi pelo mesmo Tribunal julgado. O respeito por esse caso julgado obsta a que agora se altere aquele processamento.

Improcedem, como se vê, as críticas que o Reclamante dirige à decisão sumária.

4. Em conformidade com o exposto, acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a reclamação apresentada e em confirmar a decisão sumária que se deixou transcrita pela qual foi rejeitado o recurso interposto.
Custas pelo Recorrente/reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC’s.
Pagará ainda a soma de 3 (três) UC’s, nos termos do nº 3 do artº 420º do CPP.

Lisboa, 13 de Janeiro de 2010
(processado e revisto pelo Relator)

Sousa Fonte (relator)
Santos Cabral