Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1379/09.4TBGRD-A.C1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
LIVRANÇA
RELAÇÕES IMEDIATAS
RELAÇÃO CAMBIÁRIA
EXCEPÇÕES
COMUNICAÇÃO
DEVER DE INFORMAÇÃO
DEVER DE ESCLARECIMENTO PRÉVIO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário : I - O aval dado pelo subscritor da livrança, tal como acontece com o aceitante de letra, não tem valor, porquanto este é o principal obrigado da relação cambiária, responsável perante todos os demais signatários, sendo certo que o aval só pode ter utilidade pratica se for dado a um signatário cuja responsabilidade seja mais onerosa.

II - Não se provando quais os aspectos compreendidos nas cláusulas contratuais gerais cuja aclaração se justificava, nem quais tenham sido os esclarecimentos razoáveis solicitados pelo executado, alegadamente, afectado com elas e que o proponente não haja satisfeito, antes tendo ficado demonstrado que as cláusulas do contrato foram, previamente, explicadas por este a um outro beneficiário do mútuo oriundo de um contrato de abertura de crédito, também, executado, não ocorre a nulidade, por omissão dessa formalidade, que vicie o contrato ou qualquer uma das suas cláusulas, em relação ao executado a quem não foi concedida a explicação.

III - Intervindo todos os executados como avalistas dos subscritores, no domínio das relações imediatas, poderiam opor à exequente, portadora da livrança, todas as excepções que aos avalizados subscritores seria lícito invocar.

IV - Não contendendo a falta de prévia explicação das cláusulas do contrato subjacente ao subscritor de uma livrança, nem a falta da entrega de uma cópia do contrato ao mesmo com a respectiva forma, a eventual nulidade daí resultante não altera a obrigação do avalista, que se mantém, porquanto não tem a ver com as condições externas de forma do acto de onde emerge a livrança garantida, com os requisitos de validade extrínseca da mesma, sendo certo que só a nulidade por vício de forma compromete, simultaneamente, a eficácia cambiária do título.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]:

Os executados AA, BB, CC e DD, residentes no Bairro de S. D..., Guarda, deduziram as presentes oposições à execução, constantes dos apensos A e B, contra a exequente “Caja de Ahorros de S... Y S... – Sucursal Operativa”, com domicílio na Av. ... de O..., ... D, Lisboa, solicitando que, na sua procedência, seja declarada a sua absolvição do pedido executivo formulado nos autos principais.

Com vista a alcançar o fim pretendido, alegam todos os executados, em suma, que a exequente não tem legitimidade para a execução, por não ser a entidade beneficiária que consta da livrança, nem haver justificado a posse do título, por qualquer série de endossos.

 Por outro lado, os executados assinaram a livrança em branco, presumindo-se que o seu preenchimento pela exequente tenha sido em consonância com o contrato de crédito que lhe serve de causa subjacente, sendo certo, contudo, que as cláusulas desse contrato não foram objecto de prévia negociação com os executados, que se limitaram a aceitá-las e subscrevê-las, sem que as mesmas lhes tivessem sido explicadas, assim como não receberam cópia do contrato, com a consequente nulidade das respectivas cláusulas contratuais.

Na sua contestação, a exequente conclui pela improcedência das oposições à execução, afirmando não existir qualquer ilegitimidade da sua parte, e ainda que irreleva a defesa apresentada pelos executados, sobretudo, quanto à validade do contrato subjacente, impugnando, também, motivadamente, a generalidade da matéria alegada pelos mesmos.

No despacho saneador, julgou-se improcedente a excepção da ilegitimidade da exequente.

A sentença julgou a oposição à execução, referente ao apenso A, totalmente, procedente, e a oposição à execução, relativa ao apenso B, parcialmente, procedente e, em consequência, determinou a extinção dos autos principais de execução quanto aos executados AA, BB e DD, ordenando, porém, o seu prosseguimento, apenas, contra o restante executado, CC.

Desta sentença, a exequente interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado procedente a apelação, em função do que revogou a decisão impugnada, na parte em que determinou a extinção da execução quanto aos executados AA, BB e DD, podendo a mesma prosseguir contra todos os executados.

Deste acórdão da Relação de Coimbra, os executados AA, BB e DD interpuseram agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e substituição por outro que acolha as razões por si invocadas, formulando as seguintes conclusões, que, integralmente, se transcrevem:

1ª – A aqui recorrente DD (como bem resulta dos factos dados como provados e dos documentos constantes dos presentes autos) interveio como mutuária no acordo designado por "contrato de abertura de crédito conta-corrente (pessoas singulares)";

2ª - Não se encontra dado como provado que as cláusulas que fazem parte de tal contrato tenham sido explicadas à aqui recorrente DD (mutuária de tal contrato de abertura de crédito, percute-se);

3ª - Por isso que, aceitando os próprios ensinamentos do Acórdão aqui em apreço («tal explicação tinha que ser dada ao beneficiário do contrato de abertura de crédito e não a eles na qualidade de avalistas, que eram estranhos ao contrato de abertura de crédito»), parecer ser lógico concluir que, pelo menos quanto à recorrente DD não pode a execução prosseguir,

4ª - Isto porquanto sendo esta mutuária do contrato com base no qual foi preenchida a livrança dada à execução, e não resultando provado que lhe hajam sido explicadas as cláusulas constantes de tal contrato, não podiam tais cláusulas servir já de legitimação para o preenchimento da livrança dada à execução;

5ª - Podem definir-se cláusulas contratuais gerais como estipulações predispostas ou predefinidas, em vista de uma pluralidade de contratos ou de uma generalidade de pessoas, para serem aceites em bloco - sem negociação individualizada capaz de influir na modelação do respectivo conteúdo - ou possibilidade de alterações singulares - pré-formulação, generalidade e imodificabilidade são, pois, as suas características essenciais;

6ª - Daí que não seja difícil concluir que, in casu, estamos perante um nítido contrato de adesão: celebrado com base em cláusulas gerais previamente redigidas (pela apelante), a que a contraparte (os apelados) se limita a aderir, sem qualquer possibilidade de as alterar;

7ª - Ora, para que as cláusulas pré-estabelecidas em vista dum contrato devam considerar-se parte integrante dele é necessária a respectiva aceitação pela outra parte, o que só pode ocorrer se esta tiver conhecimento dessas componentes da proposta negocial;

8ª - Nesta conformidade a generalidade da doutrina e da jurisprudência entendem que o dever de comunicação não se cumpre pela mera comunicação para que as condições gerais se consideram incluídas no contrato singular,

9ª - Sendo, outrossim, necessário para que esta inclusão se verifique e aquele dever se concretize, que, antes da conclusão do contrato, a comunicação se efective e seja de molde a proporcionar à contraparte a possibilidade e um conhecimento completo e real do conteúdo do clausulado;

10ª - No caso dos autos as cláusulas do contrato de abertura de crédito (com base nas quais foi preenchida a livrança dada à execução) não foram explicadas à aqui recorrente DD (que interveio como mutuária no dito contrato de abertura de crédito);

11ª - Tais cláusulas (di-lo expressamente o Acórdão revidendo) deviam ser explicadas aos beneficiários do contrato de abertura de crédito;

12ª - Por isso, se o não foram relativamente a um dos beneficiários/avalizados, são as ditas cláusulas contratuais nulas;

13ª - E, sendo nulas tais cláusulas contratuais, não podiam as mesmas servir de base legitimamente para o preenchimento da livrança dada à execução;

14ª - O Acórdão revidendo violou, entre outras, as normas dos arts. 5o, 6o e 8°, do DL n° 446/85, de 25 de Outubro.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 3 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:

1. No dia 22 de Dezembro de 2006, os executados CC e DD apuseram a sua assinatura como “mutuários” e os executados AA e BB apuseram a sua assinatura como “avalistas”, todos no acordo designado por “contrato de abertura de crédito – conta corrente (pessoas singulares)”, em que a entidade mutuante é “Caja de Ahorros de S... Y S... (Caja Duero)”, tudo conforme consta de folhas 21 a 27, que se deram por, integralmente, reproduzidas – A).

2. Os executados CC e DD apuseram a sua assinatura como subscritores da livrança dada à execução nos autos principais, que apresenta o valor de €62.788,75 e data de vencimento de 16 de Outubro de 2009 - B).

3. E, no verso da mesma livrança, os executados AA e BB apuseram a sua assinatura, declarando dar o seu aval aos aludidos subscritores CC e DD - C).

4. A livrança, mencionada em B) e C), foi assinada por todos os executados, CC, DD, AA e BB, sem que dela constasse ainda o respectivo local e data de emissão, o valor, a importância ou a data de vencimento, tendo estes elementos sido apostos, posteriormente, pela exequente - D).

5. Tais assinaturas dos executados foram, assim, efectuadas, em cumprimento da cláusula 11, als. a) e b) do acordo, referido em A), segundo as quais, “Para garantia do bom pagamento de quaisquer obrigações ou responsabilidades emergentes do presente contrato, os mutuários entregam à Caja uma livrança em branco por si subscrita, avalizada pelas restantes pessoas atrás identificadas”, e “em caso de falta de cumprimento do presente contrato, fica a Caja desde já autorizada a preencher e descontar a referida livrança, pelo valor que lhe for devido, conforme o preceituado neste contrato, a fixar as datas de emissão e de vencimento, a designar o local de pagamento, bem como a proceder ao débito na conta de depósitos à ordem dos mutuários pelo valor devido a título de imposto de selo.” - E).

6. As cláusulas constantes do acordo, referido em A), foram elaboradas e minutadas, exclusivamente, pela exequente, sem que tivessem sido objecto de prévia negociação com os executados, tendo-se estes últimos limitado a aceitá-las e subscrevê-las - F).

7. As cláusulas do acordo, mencionado em A), foram, previamente, explicadas pela exequente ao executado CC – 1º.

8. Consta, igualmente, do verso da livrança exequenda a assinatura de cada um dos executados, CC e DD, precedidas da menção “Dou o meu aval aos subscritores” – Documentos de folhas 106 e 107.

                                               *

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

A única questão a decidir, na presente revista, em função da qual se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 685º-A e 726º, todos do CPC, consiste em saber se ocorre a situação de falta de legitimidade da exequente para o preenchimento da livrança exequenda, devido à nulidade das cláusulas contratuais, por não terem ser explicadas à mutuária DD, beneficiária do contrato de abertura de crédito, e nesta qualidade.

        

          DA NULDADE DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS. CONSEQUÊNCIAS

1. O núcleo central do objecto do recurso de revista contende com a alegada nulidade das cláusulas contratuais, por não terem sido explicadas à mutuária DD, beneficiária do contrato de abertura de crédito, e nessa qualidade, com a consequente falta de legitimidade da exequente para o preenchimento da livrança exequenda.

Efectuando uma síntese do essencial da factualidade que ficou consagrada, impõe-se reter que os executados CC e DD apuseram as suas assinaturas como mutuários e os executados AA e BB como avalistas, respectivamente, em relação a um designado contrato de abertura de crédito em conta corrente de pessoas singulares, em que figurou como mutuante a exequente “Caja de Ahorros de S... Y S... (Caja Duero)”, tendo aqueles executados mutuários, CC e DD, aposto ainda a sua assinatura como subscritores da mencionada livrança, no valor de €62.788,75, com data de vencimento de 16 de Outubro de 2009, no verso da qual os executados AA e BB colocaram a sua assinatura, declarando dar o seu aval aos aludidos subscritores, CC e DD.

Esta livrança foi assinada por todos os executados, sem que, nessa ocasião, dela ainda constasse o respectivo local e data de emissão, o valor, a importância ou a data de vencimento, tendo estes elementos sido apostos, posteriormente, pela exequente, de acordo com o clausulado no contrato.

Porém, os termos constantes do denominado contrato de abertura de crédito em conta corrente de pessoas singulares foram elaborados e minutados, exclusivamente, pela exequente, sem que tivessem sido objecto de prévia negociação com os executados, tendo-se estes últimos limitado a aceitá-los e a subscrevê-los, sem embargo de haverem sido, previamente, explicados pela exequente, tão-só, ao executado CC.

Constam, igualmente, do verso da livrança exequenda as assinaturas de cada um dos executados, CC e DD, precedidas da menção “dou o meu aval aos subscritores”.

2. Assim sendo, os executados CC e DD subscreveram, mas estes e os demais executados, AA e BB, avalizaram a aludida livrança, que continha as respectivas assinaturas, apostas num título com a designação expressa de «livrança», efectuadas com intenção de contrair uma obrigação cambiária, mas a que lhe faltavam alguns dos outros requisitos, a que se reporta o artigo 75º, nºs 3, 4, 5 e 6, da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (LULL), ou seja, o respectivo local e data de emissão, o valor, a importância e a data de vencimento, tendo todos estes elementos sido apostos, posteriormente, pela exequente, de acordo com o clausulado pelas partes.

A livrança em branco é aquela a que falta algum dos requisitos indicados pelos artigos 1º e 77º, da LULL, mas que incorpora, pelo menos, uma assinatura efectuada com a intenção de contrair uma obrigação cambiária.

A livrança, assim passada, deve ser entregue pelo subscritor ao credor, constituindo, então, ainda uma livrança incompleta, que só se transforma numa livrança em branco quando o subscritor confere ao credor autorização para o seu preenchimento[2], podendo, então, conjuntamente com a assinatura e a sua entrega pretéritas, ser lançada em circulação[3].

Com efeito, os executados, para garantia do débito resultante do contrato de abertura de crédito em conta corrente, entregaram ao Banco exequente uma livrança, previamente, subscrita pelos executados CC e DD, autorizando-o a proceder ao seu completo preenchimento, em obediência às condições ajustadas pelas partes, ou seja, fixando o seu vencimento e apresentando-a a desconto ou a pagamento, pelo valor total das importâncias em dívida, até ao limite do crédito aberto, a qual foi, também, antecipadamente, avalizada por todos os executados.

Assim sendo, tendo a livrança sido, posteriormente, preenchida pela exequente, nos termos acordados, em conformidade com o estipulado pelo artigo 75º, da LULL, passou a produzir todos os efeitos que lhe são próprios, não sendo necessário que contenha já a totalidade dos seus requisitos constitutivos, no momento de ser passada.

Ora, quem emite uma livrança em branco atribui aquele a quem a entrega o direito de a completar, em certos e determinados termos, pelo que o preenchimento da mesma só é abusivo se for efectuado com desrespeito pelo contrato de preenchimento.

Embora a eficácia da livrança fique dependente do seu preenchimento, a obrigação cambiária por ela titulada considera-se constituída, desde o momento da sua assinatura e entrega.

3. Assim sendo, os executados CC e DD subscreveram e todos os quatro executados avalizaram uma livrança em branco, relativamente à qual não deduziram a excepção do seu preenchimento abusivo, por parte da exequente, muito embora lhe imputem a falta de legitimidade para o seu preenchimento, devido à nulidade das cláusulas contratuais contidas no negócio subjacente, por não terem sido explicadas à mutuária DD, enquanto beneficiária do contrato de abertura de crédito.

Por outro lado, o aval de livrança consiste numa garantia dada por um terceiro ou por um signatário da mesma, isto é, por quem já seja obrigado cambiário, quanto ao seu pagamento pelo subscritor, ou seja, o avalizado, atento o estipulado pelos artigos 30º, nº 2, 32º, nº 4 e 77º, nº 3, da LULL.

Assim, o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele avalizada, ficando o avalista na situação do devedor cambiário perante aqueles subscritores em face dos quais o avalizado é responsável e, na mesma medida em que este o seja, respondendo, solidariamente, com os demais subscritores, em virtude do disposto pelos artigos 32º, nº 1, 47º, nº 1 e 77º, nº 3, todos da LULL.

Porém, o aval dado pelo subscritor da livrança, tal como acontece com o aceitante de letra, não tem valor, porquanto este é o principal obrigado da relação cambiária, responsável perante todos os demais signatários, sendo certo que o aval só pode ter utilidade pratica de for dado a um signatário cuja responsabilidade seja mais onerosa[4].

4. 1. Na verdade, ficou provado, como já se disse, que as cláusulas do contrato de abertura de crédito foram, previamente, explicadas pela exequente, apenas, ao executado CC.

A relação subjacente à obrigação cambiária consiste num contrato de mútuo bancário oneroso, na modalidade de contrato de abertura de crédito ou financiamento ao consumo, regulado pelos artigos 2º, nº 1, a), b) e c), e 3º, «a contrario sensu», do DL nº 359/91, de 21 de Setembro, vigente à data da sua celebração, que teve lugar ao abrigo do princípio da liberdade contratual.

A liberdade contratual vem definida, no artigo 405º, nºs1 e 2, do Código Civil (CC), como sendo a faculdade que as partes têm de fixar, livremente, dentro dos limites da lei, o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver, e bem assim como reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente, regulados na lei.

Embora o principio da autonomia da vontade encontre a sua máxima expressão, nas figuras do contrato de tipo clássico, existem hoje novas categorias contratuais, que se individualizam pelas particularidades do seu modo formativo e pela maior ou menor debilitação do aspecto voluntarista, como acontece, entre outros, com os contratos bancários, que se incluem nos denominados contratos de adesão, em que a liberdade dos contraentes quase se elimina, tornando-se problemática a inclusão de tais hipóteses no conceito de contrato, em que os consumidores são indeterminados, limitando-se a aceitar ou a rejeitar o contrato proposto e o respectivo clausulado constante de modelo impresso, prévia e unilateralmente, redigido para todos, que não têm hipótese de o discutir[5].

Com vista a combater estes desvios ao principio da liberdade contratual, na tentativa de conciliar o legitimo interesse das empresas na racionalização dos seus negócios e na adequação dos regimes dos contratos à crescente especialização da actividade comercial, com as exigências da justiça comutativa e da protecção devida à parte económica ou, socialmente, mais fraca, surgiu, na legislação portuguesa, o DL nº 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo DL nº 220/95, de 31 de Agosto, que consagrou o regime das «cláusulas contratuais gerais», sujeitando-as a uma disciplina tendente à defesa dos aderentes a contratos onde figurassem cláusulas desse tipo.

Tratou-se de uma resposta normativa à instauração, por iniciativa privada, de uma ordem contratual, significativamente, divergente dos critérios legais de uma equilibrada composição de interesses, em prejuízo de um amplo círculo de contraentes[6].

Com efeito, quando as pessoas estão dotadas de capacidade negocial, de modo a poderem participar no tráfico jurídico, devem respeitar, não obstante, na conformação das suas relações jurídicas privadas, os limites legais impostos quanto aos respectivos negócios jurídicos em que intervenham, porquanto a autonomia privada, a que se reporta o artigo 405º, nº 1, do CC, apenas pode ser exercida «dentro dos limites da lei».

Dispõe, neste particular, o artigo 6º, nº 1, do já aludido DL nº 446/85, de 25 de Outubro, que “o contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique”, acrescentando o respectivo nº 2 que “devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados”.

4. 2. Por outro lado, o contrato de crédito em que a entidade bancária não cumpra a obrigação de entregar ao consumidor um exemplar escrito do mesmo, no momento da respectiva assinatura, está ferido de nulidade, presumindo-se imputável ao credor a inobservância daquele requisito, sendo certo que a respectiva invalidade só pode ser invocada pelo consumidor [invalidade mista], atento o disposto pelo artigo 7º, nºs 1 e 4, do DL nº 359/91, de 21 de Setembro.
E o artigo 294º, do CC, estatui que “os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei”.
O princípio geral da nulidade dos negócios jurídicos celebrados contra a lei não é absoluto, porquanto é o próprio normativo acabado de transcrever que exceptua deste regime-regra aquelas hipóteses em que outra solução resulte da lei, devidamente interpretada, como é o caso, mesmo sem texto que assim o declare, em que dos termos da norma ou de quaisquer outros factores atendíveis na sua interpretação, se possa concluir, com suficiente grau de probabilidade, resultar pouco adequada a sanção da nulidade, atendendo aos interesses em presença e ao fim prosseguido pelo legislador, como reacção, em determinada situação, à violação de uma norma injuntiva.
É que o negócio nulo não produz, «ad initio», por força da falta ou vício de um elemento interno ou formativo, as consequências a que tendia, porquanto o regime e os efeitos mais severos da nulidade encontram o seu fundamento teleológico, em motivos de interesse público predominante, ao passo que as anulabilidades se fundam na infracção de requisitos dirigidos à tutela de interesses, primacialmente, particulares[7].
Porém, existem outras situações em que à nulidade textual cominada na lei se justifica a atribuição de um regime misto de nulidade e de anulabilidade, um regime de invalidade mista mais adequado aos interesses que constituem a matéria da respectiva regulamentação e às exigências da justiça, designadamente, nas hipóteses consagradas pelos artigos 410º, nº 3 [regime aplicável às formalidades da promessa de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele], 877º [venda a filhos ou netos], 892º e 895º [nulidade da venda com convalidação do contrato] e 1939º, nºs 1 e 2 [nulidade dos actos praticados pelo tutor][8].
A este propósito, importa, desde já, reter dois princípios fundamentais na matéria, quais sejam, em primeiro lugar, que as formalidades legais de qualquer declaração são, por via de regra, formalidades «ad substantiam», e, em segundo lugar, que a inobservância de forma legal da declaração negocial só origina a nulidade, quando outra não seja a sanção, especialmente, prevista na lei, de harmonia com o preceituado pelo artigo 220º, do CC[9].
Efectivamente, impõe-se ainda distinguir a «forma» das «formalidades», pois que aquela é o corpo de uma certa exteriorização da vontade ou a própria exteriorização em si mesma, enquanto que as formalidades não exprimem a vontade negocial em si, antes se exigindo para o surgimento válido de certos negócios jurídicos[10].
Prevendo a lei, expressamente, a sanção da nulidade para «os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo», como decorre do disposto no já citado artigo 294º, do CC, o legislador reservou a aplicação desse regime mais rigoroso para determinadas situações, sendo, por isso, difícil encontrar hipóteses em que se possa falar de mero erro do legislador na qualificação estabelecida[11].
No caso em apreço, como já se disse, é a própria lei que comina para a falta de entrega de um exemplar do contrato de crédito ao consumidor, no momento da respectiva assinatura, a sanção da invalidade mista e, portanto, não a sanção da nulidade típica ou absoluta e, como tal, insanável.
A isto acresce, como já se disse, que o artigo 6º, nº 1, do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, preceitua que “o contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique”, acrescentando o respectivo nº 2 que “devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados”.
Ora, não se provou, porque, desde logo, tal não foi alegado pelos executados, quais os aspectos compreendidos nas aludidas cláusulas contratuais gerais cuja aclaração se justificava, nem quais tenham sido os esclarecimentos razoáveis por eles solicitados e que a exequente não haja satisfeito.
Assim, tendo ficado demonstrado que as cláusulas do contrato foram, previamente, explicadas pela exequente, apenas, ao executado CC, e não à executada DD, também, beneficiária do mútuo, face a tudo o que acabado ficou de dizer, não ocorre a nulidade, por omissão dessa formalidade, que vicie o contrato ou qualquer uma das suas cláusulas, em relação à executada DD.
5. Relativamente aos executados AA e BB, avalistas do executado CC, a quem foram explicadas as respectivas cláusulas contratuais, não sendo aqueles sujeitos das relações jurídicas existentes entre o portador e o subscritor da livrança, mas, tão-só, sujeitos da relação cambiária do aval, não poderão os mesmos invocar as excepções do avalizado perante o portador, com ressalva do que ao aval, directamente, diga respeito, a menos que tenham assumido intervenção no pacto de preenchimento, desde que se trate de um título cambiário que se encontre no âmbito das relações imediatas.
E o contrato de preenchimento é o acto pelo qual as partes acordam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede do pagamento, a estipulação dos juros, etc[12].
Ora, considerando que todos os executados intervieram no contrato de abertura de crédito, na qualidade de avalistas dos subscritores, encontrando-se a situação no domínio das relações imediatas, poderiam os avalistas opor à exequente, portadora da livrança, todas as excepções que ao avalizado CC seria lícito invocar, nomeadamente, a excepção do preenchimento abusivo, ou a excepção decorrente da celebração do contrato subjacente à relação cambiária, como seja a falta de explicação das cláusulas do contrato de abertura de crédito.
Porém, tendo as cláusulas contratuais sido, previamente, explicadas pela exequente ao subscritor CC, não obstante o não terem sido aos avalistas, não podem estes prevalecer-se dessa eventual nulidade, incluindo a executada DD, por não se ter verficado, sendo, assim, todos responsáveis, em forma solidária, para com a exequente, pelo cumprimento da obrigação exequenda, nos termos do estipulado pelos artigos 47º, nº 1 e 77º, nºs 1 e 3, da LULL.
6. Por seu turno, relativamente aos executados AA e BB, preceitua o artigo 32º, nº 1, da LULL, que “o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada”, continuando o respectivo nº 2 a preceituar que “a sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma”.
De facto, não é possível conceber, quanto à obrigação do subscritor, uma nulidade por vício de forma que não comprometa, ao mesmo tempo, a própria existência da livrança, como acontece com a falta de assinatura do subscritor, porque se trata de menções essenciais da declaração de vontade da pessoa que cria ou emite a livrança, de requisitos essenciais desta, condições de que depende a sua existência.
Assim sendo, não contendendo a falta de prévia explicação das cláusulas do contrato subjacente à executada subscritora DD, por parte da exequente, nem a falta de entrega de uma cópia do contrato à mesma com a respectiva forma, a eventual nulidade daí resultante não altera a obrigação do avalista, que se mantém, porquanto não tem a ver com as condições externas de forma do acto de onde emerge a livrança garantida, com os requisitos de validade extrínseca da mesma, sendo certo que só a nulidade, por vício de forma, compromete, simultaneamente, a eficácia cambiária do título[13].
Deste modo, a livrança subscrita em branco e com aval incompleto, para garantia das responsabilidades decorrentes do contrato de mútuo bancário para crédito ao consumo que lhe estava subjacente, constitui titulo executivo válido, em conformidade com o disposto pelos artigos 10º e 77º, da LULL, e 46º do CPC, relativamente a todos os executados.

Não colhem, assim, as conclusões constantes das alegações da revista dos executados.

CONCLUSÕES:

I - O aval dado pelo subscritor da livrança, tal como acontece com o aceitante de letra, não tem valor, porquanto este é o principal obrigado da relação cambiária, responsável perante todos os demais signatários, sendo certo que o aval só pode ter utilidade pratica se for dado a um signatário cuja responsabilidade seja mais onerosa.
II – Não se provando quais os aspectos compreendidos nas cláusulas contratuais gerais cuja aclaração se justificava, nem quais tenham sido os esclarecimentos razoáveis solicitados pelo executado, alegadamente, afectado com elas e que o proponente não haja satisfeito, antes tendo ficado demonstrado que as cláusulas do contrato foram, previamente, explicadas por este a um outro beneficiário do mútuo oriundo de um contrato de abertura de crédito, também, executado, não ocorre a nulidade, por omissão dessa formalidade, que vicie o contrato ou qualquer uma das suas cláusulas, em relação ao executado a quem não foi concedida a explicação.
III - Intervindo todos os executados como avalistas dos subscritores, no domínio das relações imediatas, poderiam opor à exequente, portadora da livrança, todas as excepções que aos avalizados subscritores seria lícito invocar.
IV - Não contendendo a falta de prévia explicação das cláusulas do contrato subjacente ao subscritor de uma livrança, nem a falta da entrega de uma cópia do contrato ao mesmo com a respectiva forma, a eventual nulidade daí resultante não altera a obrigação do avalista, que se mantém, porquanto não tem a ver com as condições externas de forma do acto de onde emerge a livrança garantida, com os requisitos de validade extrínseca da mesma, sendo certo que só a nulidade por vício de forma compromete, simultaneamente, a eficácia cambiária do título.

DECISÃO[14]:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista, confirmando o douto acórdão recorrido.

 

                                                     *

Custas da revista, a cargo dos executados-recorrentes, AA, BB e DD.

                                                     *

Notifique.

Supremo Tribunal de Justiça, 24 de Janeiro de 2012.


Helder Roque (Relator)

Gregório Silva Jesus

Martins de Sousa

_________________________
[1] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.
[2] Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Letra de Câmbio, III, 1966, 124.
[3] Vaz Serra, RLJ, Ano 61º, 264; Ano 109º, 263; Oliveira Ascensão, Direito Comercial, III, 113 e 116.
[4] Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Letra de Câmbio, III, 1966, 199 e 200.
[5] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1970, 189.
[6] Joaquim de Sousa Ribeiro, Responsabilidade e Garantia em Cláusulas Contratuais Gerais, Direito dos Contratos, Estudos, Coimbra Editora, 2007, 184.
[7] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 2005, 619 e 620.
[8] Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 1966, 415 e nota (2) e 416.
[9] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª edição, revista e actualizada, 1987, 211; Castro Mendes, Teoria Geral, 1979, III, 136; Menezes Cordeiro, O Novo Regime do Contrato-Promessa, BMJ nº 306, 34.
[10] Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, T1, 2ª edição, 2000, 375 e nota (795) e 376.
[11] Oliveira Ascensão, Direito Civil, Teoria Geral, II, 2ª edição, 2003, 389.
[12] Abel P. Delgado, Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, 1984, 82.
[13] Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Letra de Câmbio, III, 1966, 204 a 206.
[14] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.