Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | JÚLIO GOMES | ||
Descritores: | GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS DIREITO DE RETENÇÃO HIPOTECA CONTRATO-PROMESSA SUCESSÃO POR MORTE PARTILHA DA HERANÇA | ||
Data do Acordão: | 12/01/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES - DIREITO DAS SUCESSÕES / PARTILHA DA HERANÇA. | ||
Doutrina: | - F. M. PEREIRA COELHO, Direito das Sucessões, Lições ao Curso de 1973-1974, Coimbra, p. 176. - RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, Lições de Direito das Sucessões, vol. II, 3.ª ed. renovada (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra, 2012, pp. 239-240. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 754.º E SS., 2119.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 20 DE MAIO DE 2000 (CJSTJ 2000, T. 2, 123). | ||
Sumário : | I - O direito de retenção, como direito real que é, está munido de sequela: se o proprietário de um prédio o transmitir por acto entre vivos ou se se verificar uma sucessão mortis causa o prédio continuará onerado com a garantia real. II - Antes da partilha, os prédios da herança do de cujus não estão, mas podem vir a estar com efeito retroactivo desde a abertura da herança – art. 2119.º do CC, no património do herdeiro. III - Os créditos de promitentes-compradores com direito de retenção sobre certos lotes como créditos garantidos para a hipótese de virem a integrar o património do devedor insolvente, com a partilha, devem ser graduados como créditos garantidos prioritários em relação ao crédito hipotecário do banco. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6.º Secção) Processo n.º 2864/12.6TJLSB-K.L1.S1 No processo de insolvência de AA foi proferido despacho saneador no qual se consideraram “verificados os créditos incluídos na lista de fls. 3 a 4 e não impugnados, bem como os créditos dos credores BB, CC e mulher, DD, e da Fazenda Nacional, nos montantes aprovados na tentativa de conciliação”, tendo-se determinado o prosseguimento dos autos para “decidir a questão da qualificação dos créditos impugnados e operar a qualificação dos créditos verificados, graduando-os, o que pressupõe a prévia produção de prova sobre a existência dos direitos de retenção alegados pelos credores BB e CC e mulher, DD”. Decidiu-se, igualmente, que era necessário "proferir despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova, bem como a programar os actos a realizar na audiência final e a designar a respectiva data". Deste despacho recorreram. O Tribunal da Relação considerou procedentes os recursos e revogou o despacho recorrido, com ressalva das custas e das dívidas da massa insolvente que saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda de cada bem imóvel, tendo graduado os créditos em questão para serem pagos pelo produto da venda dos imóveis pela ordem seguinte: Inconformado o Banco HH, S.A. veio pedir a revogação do Acórdão recorrido, pedindo que a verificação e graduação dos créditos fosse feita “em observância dos bens e direitos efectivamente apreendidos para a massa insolvente”, sublinhando que “no âmbito da liquidação do activo da massa insolvente nunca poderão ser vendidos os imóveis – não apreendidos para o processo de insolvência – que fazem parte da herança”. Fundamentação Tendo em conta a relação dos créditos reclamados e reconhecidos apresentada pelo administrador da insolvência e constante das folhas 303 e 304 (e já reproduzida nas folhas 630 a 632) do processo, que aqui se dá por integralmente reproduzida, bem como a matéria de facto dada por assente no Tribunal de Relação: Na sessão da tentativa de conciliação, datada de 20.11.2013, todos os presentes declararam aprovar os créditos reclamados por FF e por CC e mulher, EE, nos seguintes termos: "No que se refere ao crédito de FF – € 200.000,00, a título de capital, acrescido de juros que, à data da reclamação de créditos, ascendiam a € 13.676,71, com a natureza de garantido por direito de retenção sobre o lote n. o ..., sito na Rua ..., freguesia de ..., ..., inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na 1. a Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n. o ..."; "Relativamente ao crédito de CC e mulher, EE – € 221.566,40, a título de capital, acrescido de € 107.629,26 de juros vencidos, com a natureza de garantido por direito de retenção sobre a morada provisoriamente identificada pelo lote 37, sito na Rua ..., freguesia de ..., ..., inscrito na matriz predial urbana, sob o artigo ... e descrito na 1. a Conservatória de Registo predial de ..., sob o n. o ..."; Na mesma diligência, foi proferido despacho com o seguinte teor: “Atento o disposto no artigo 136.º do C.lR.E., considero reconhecidos os créditos reclamados pelos credores FF, CC e mulher, EE "(fls. 305 e 306). Na sessão posterior da tentativa de conciliação, realizada em 10.12.2013, (estando presentes, além do Magistrado do Ministério Público os ilustres mandatários dos credores CC e DD; a ilustre mandatária do B.HH e a ilustre mandatária do credor BB) o Banco HH, S.A., e o Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, acordaram o seguinte: Nesta mesma diligência, "seguidamente, foi declarado por todos os presentes que concordam com o teor do mesmo ". Foi proferido despacho com o seguinte teor: "Atento o disposto no artigo 136.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, considero reconhecidos os créditos reclamados pela Fazenda Nacional". Foram apreendidos para a massa: O direito de retenção (artigos 754.º e seguintes do Código Civil) é um direito real de garantia. Visa, designadamente, garantir ao seu titular um pagamento preferencial relativamente ao valor dos bens sobre os quais incide. Por outro lado, e como direito real, está munido de sequela: se o proprietário de um prédio o transmitir por ato entre vivos ou se se verificar uma sucessão mortis causa o prédio continuará onerado com a garantia real. Assim, não é evidentemente, por morrer o proprietário de um prédio que desaparece o direito de retenção sobre este mesmo prédio: o direito de retenção subsiste, ainda que enquanto não se verificar a partilha nenhum dos herdeiros possa, em rigor, considerar-se proprietário daquele prédio. É à luz da natureza do direito de retenção e do seu escopo, mas também dos efeitos da partilha e da natureza jurídica desta que, a nosso ver, há que apreciar o pedido feito pelo Recorrente. Trata-se de um credor hipotecário que vem alegar que tendo sido penhorado apenas o quinhão hereditário de um dos herdeiros no processo de insolvência deste o crédito garantido por um direito de retenção sobre determinados imóveis do de cujus não poderia ser graduado como crédito garantido e com prevalência sobre a hipoteca que incide sobre esses mesmos prédios, porquanto não era ainda seguro que tais prédios integrariam o quinhão hereditário deste herdeiro em concreto de cuja insolvência tratam os presentes autos. Como atrás dissemos, no entanto, o direito de retenção existe e continua a existir após a morte do de cujus, não sendo um direito que tenha cessado ou até esteja em estado de suspensão para só recobrar eficácia após a partilha. Trata-se, como dissemos, de um direito real de garantia que continua a onerar o bem e que tanto se impõe ao proprietário como a quem tem uma expetativa de aquisição do bem. Assim se por acordo de todos os credores os créditos de promitentes-compradores foram reconhecidos no presente processo, então parece lógico que sejam graduados como créditos garantidos, caso tais prédios venham a integrar o património deste herdeiro com a partilha. É que importa, desde logo, ter em conta a unidade do sistema jurídico e os efeitos e a natureza da partilha. O artigo 2119.º do Código Civil dispõe que “(f)eita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, sem prejuízo do disposto quanto a frutos”. E daí que a partilha, para uma parte importante da doutrina e da jurisprudência[1], tenha carácter declarativo, “tudo se passando” – nas palavras de PEREIRA COELHO – “como se esses bens (e só esses) tivessem sido sempre seus [do herdeiro a quem foram adjudicados na partilha]”[2]. Assim, antes da partilha os prédios não estão, mas “podem estar” (podem vir a estar com efeito retroactivo desde a abertura da herança) no património do herdeiro. E daí que decidir como fez o Tribunal da Relação de Lisboa e graduar os créditos de promitentes-compradores com direito de retenção sobre certos lotes como créditos garantidos para a hipótese de tais lotes virem a integrar o património deste devedor, com a partilha, é a solução mais coerente, não só com o escopo do direito de retenção, mas e sobretudo com o regime legal dos efeitos da partilha. Decisão: Indefere-se o recurso e mantém-se o Acórdão recorrido Custas do Recurso pelo Recorrente Lisboa, 1 de Dezembro de 2015 Júlio Gomes (Relator) José Raínho Nuno Cameira
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