Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
617/16.1T8VNG.P2.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: MARIA OLINDA GARCIA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
TRIBUNAL DE COMÉRCIO
TRIBUNAL DE COMPETÊNCIA GENÉRICA
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
NULIDADE DO CONTRATO
SOCIEDADE COMERCIAL
INTERPRETAÇÃO DA LEI
INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Sumário :

Não cabe na competência do juízo de comercio, definida nos termos do art.128º da LOSJ, nomeadamente na sua alínea c), uma ação destinada a apreciar a nulidade de vários contratos de prestação de serviços celebrados entre as sociedades autoras e a sociedade ré, por não estar em causa uma ação relativa ao exercício de direitos sociais (nem uma ação comportável nas demais hipóteses previstas nesse artigo).

Decisão Texto Integral:




Processo n.617/16.1T8VNG.P2.S1


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÓRIO


1. “CABELTE - CABOS ELECTRICOS E TELEFÓNICOS, S.A.”, “CABELAUTO – CABOS PARA AUTOMÓVEIS, S.A.”, “CABELTE INCASA INDUSTRIA NAVARRA DE CABLES, S.A.” e “CABELTE METALS, TRANSFORMAÇÃO DE METAIS S.A.” propuseram, no Juízo de Comércio de ..., ação contra “ATLANTICPAR, SGPS, S.A.”, na qual formularam os seguintes pedidos principais:


a) Seja declarada a nulidade dos Contratos de Fees de Gestão, datados de 01.01.2009 e de 01.10.2010;


b) Seja a Ré condenada a restituir às Autoras as seguintes quantias, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 289.º do Código Civil:


i. € 3.986.968,50 à Autora Cabelte;


ii. € 149.076,00 à Autora Cabelauto;


iii. € 289.790,46 à Autora Cabelte Incasa;


iv. € 183.968,64 à Autora Cabelte Metals;


c) Condenação da Ré no pagamento de juros de mora vencidos e vincendos, a contar da data da citação à taxa supletiva legal até efetivo e integral pagamento.


2. Para fundamentar o pedido de nulidade do contrato, formulado na alínea a), as autoras invocaram a ocorrência de uma simulação absoluta nos termos do art. 240º do Código Civil, tendo alegado a respetiva factualidade.


Afirmaram as autoras, na sua petição:


«Através da presente ação visa-se obter a declaração de nulidade dos aludidos contratos de prestação de serviços e, bem assim, da restituição das distribuições encapotadas e ilícitas de fundos à então acionista maioritária indirecta, o que se traduz na condenação da Ré no pagamento às Autoras de uma quantia global no montante de € 4.661.453,60.»


3. A primeira instância proferiu despacho de absolvição da instância, com fundamento na incompetência do Tribunal em razão da matéria.


4. Contra tal decisão as autoras interpuseram recurso de apelação. Porém, o TRP julgou a apelação improcedente, confirmando a decisão da primeira instância.


5. Inconformadas com o referido acórdão, as autoras apelantes interpuseram recurso de revista, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:


«A. A presente Revista tem por objeto o Acórdão Recorrido, proferido em 16.05.2023, através do qual o Tribunal da Relação do Porto julgou o recurso de apelação interposto pelas Recorrentes como improcedente e, consequentemente, confirmou a decisão do Tribunal de Primeira Instância, proferido pelo Juízo de Comércio de ... que se julgou incompetente quanto à matéria para apreciar a presente ação.


B. Em resumo, considerou o Acórdão Recorrido no presente caso que: “Tal como as apelantes configuraram a petição inicial, as regras convocadas para a apreciação deste litígio são de natureza civil ─ artigos 240.º e 289.º CC”.


C. Mais estipulou que: “a proibição de distribuição de dividendos não decorre do direito societário, mas da celebração de contratos de financiamento bancário”.


D. No fundo o Acórdão Recorrido concluiu que, apesar de o pedido subsidiário passar pela aplicação da legislação societária, a competência tem de ser aferida pelo pedido principal e que, in casu, não estamos perante um litígio conformado pela legislação que rege o Direito das sociedades comerciais.


E. Ora, tanto o Tribunal de 1ª Instância como o Tribunal da Relação do Porto não lograram apreender os verdadeiros termos e essência da ação instaurada pelas Recorrentes, a qual se reconduz a uma ação instaurada pelas Sociedades integradas num Grupo Societário (O Grupo Cabelte) contra a Sociedade Holding acionista dominante (Recorrida Atlanticpar) pela pratica de um feixe de atos ilícitos – no caso Contratos de Fees de Gestão – que se consideram violadores de um conjunto de regras societárias e que nessa medida são nulos.


F. A Recorrida Atlanticpar não é um terceiro e é integralmente detida por AA, à data administrador das Recorrentes, controlando as Recorrentes quer ao nível acionista quer ao nível da administração, e considerar o litigio meramente civil, é ignorar toda a essência do litigio e todos os contornos essenciais do mesmo.


G. Assim e porque as Recorrentes mantêm o seu entendimento de que a presente ação traduz-se essencialmente numa ação das sociedades dominadas contra a sua acionista que durante um período de tempo determinado exerceu o domínio sobre as mesmas, impondo a celebração de contratos artificiais, sem substancia, ilícitos e danosos e que levaram à retirada de fundos das Recorrentes sem apoio na lei societária e de forma contrária ao seu interesse social, vêm interpor o presente Recurso de Revista para esse Venerando Tribunal como derradeira tentativa de evitar que o presente litigio seja carreado para os Tribunais Civis, onde não se verifica a vocação e especialização que a resolução do presente litígio exige.


H. Em particular, o Acórdão Recorrido efetuou uma interpretação flagrantemente redutora da causa de pedir da presente ação, nomeadamente, ignorando todo o enquadramento jurídico-societário dos factos controvertidos que configuram o objeto do processo e a sua essência, interpretação esta que levou então à errada decisão de confirmação da incompetência dos tribunais de comércio para conhecer do presente litígio.


I. No fundo e muito sinteticamente, a correta decisão quanto ao tribunal materialmente competente para dirimir a presente ação reside na correta interpretação do enquadramento dos factos, que, na opinião das Recorrentes, se encontravam articulados de forma clara na sua pretensão deduzida em juízo.


J. De acordo com o artigo 629.º, n.º 2 alínea a) do CPC, é sempre admissível recurso com fundamento na violação das regras de competência em razão da matéria, pelo que a presente Revista que tem como objeto uma decisão relativa à competência em razão da matéria dos tribunais de comércio, é admissível nos termos do artigo 671.º, n.º 2 alínea a) do CPC.


DO OBJETO DO RECURSO: COMPETÊNCIA MATERIAL DOS JUÍZOS DE COMÉRCIO E O ENQUADRAMENTO DO LITÍGIO


K. Entre janeiro de 2007 e março de 2013, a Cabelte Holding era detida maioritariamente pela aqui Recorrida, através do seu beneficiário efetivo, AA, o qual detinha uma influência dominante na atividade do Grupo Cabelte.


L. Sendo que, AA foi nesse período de tempo relevante, membro do Conselho de Administração de todas as sociedades holding do Grupo Cabelte e das sociedades operacionais.


M. Neste mesmo período, a Recorrida impôs às Recorrentes, a celebração dos denominados Contratos de Fees de Gestão, com o intuito de ludibriar as regras imperativas associados à retirada de fundos sociais e à distribuição, antecipada (e encapotada), de dividendos, através dos quais a Recorrida logrou obter das Recorrentes o recebimento de verbas avultadíssimas a título de uma suposta prestação de serviços.


N. Os fatores determinantes da competência dos tribunais judiciais, na ordem interna, estão dispostos no artigo 65.º do CPC e, no que toca à determinação da competência material dos tribunais consta a mesma do artigo 40.º da LOSJ. Os Juízos de Comércio correspondem a juízos de competência especializada, sendo que a sua competência material se encontra prevista no artigo 128.º, n.º 1, c) da LOSJ.


O. In casu, as Recorrentes peticionaram que fosse proferida sentença no sentido de declarar a nulidade dos Contratos de Fees de Gestão e a condenação da Recorrida a restituir as respetivas quantias pagas pelas Recorrentes nos termos desses Contratos de Fees de Gestão, acrescidos de juros demora vencidos e vincendos a contar da data da citação à taxa supletiva legal e até efetivo e integral pagamento.


P. Ou, caso fosse entendido pelo Tribunal que o negócio dissimulado pretendido pelas Partes era a distribuição antecipada de dividendos, que fosse declarada a nulidade de tais negócios, com idênticas consequências legais às peticionadas para o pedido principal.


Q. De acordo com a Petição Inicial apresentada e nos termos da relação material controvertida, no âmbito da presente ação, o Tribunal terá de analisar e de apreciar, pelo menos, as seguintes questões (i) da violação da exigibilidade de deliberação do Conselho de Administração das Recorrentes e da prestação do consentimento do Fiscal Único para a celebração dos Contratos de Fees de Gestão (artigo 297.º, n.º 1, al. a) do CSC); (ii) se as verbas entregues à Recorrida constituíram dividendos antecipados ou sob forma oculta e, nesta medida, se era ou não exigível a elaboração e aprovação de um balanço intercalar, que demonstrasse a existência de importâncias disponíveis para os aludidos adiantamentos de dividendos (artigos 32.º, 33.º e 297.º, n.º 1, al. b) do CSC); (iii) a falta de deliberação e apreciação do Conselho de Administração das Recorridas e do Parecer do Fiscal Único para a celebração de contratos entre a sociedade e os seus administradores, a qual comina na nulidade dos negócios (artigo 397.º, n.º 2 do CSC).


R. É notório que em sede de Contestação, a própria Recorrida suscita somente questões de natureza societária: (i) a prescrição do direito das Recorrentes ao abrigo do disposto no artigo 174.º, n.º 1 do CSC; (ii) a invocação de renúncias subscritas pelas Recorrentes do direito a indemnização contra a Recorrida e AA na qualidade de administrador e/ou declarações de exoneração de responsabilidade – renúncias estas que se consideram nulas porque não foram precedidas de deliberação da assembleia geral (artigo 74.º do CSC); (iii) a alegada existência de instruções vinculativas emitidas pela Recorrida (artigo 503.º do CSC); e (v) a ausência de relatórios do órgão de fiscalização das Recorrentes, implicará a apreciação do regime constante dos artigos 405.º, 406.º, 493.º e 504.º do CSC e da relação de domínio total nos termos dos artigos 491.º e 498.º do CSC.


S. A apreciação da validade ou nulidade dos Contratos de Fees de Gestão, celebrados no âmbito da relação de influência dominante da Recorrida sobre as Recorrentes, exige apenas a discussão e apreciação de matérias de natureza estritamente jurídico-societária à luz do quadro legal do Código das Sociedades Comerciais.


T. Ademais, como tem vindo a ser entendido pela jurisprudência, para a determinação do tribunal competente em razão da matéria deverá atender-se à causa de pedir e ao pedido, tal como configurados na Petição Inicial, pois são estes os elementos que definem o objeto do processo – vide nota de roda pé n.º 6.


U. No caso em apreço, a causa de pedir depende, exclusivamente, da apreciação e qualificação de factos regidos por princípios e regras de direito societário, nomeadamente (i) o contexto jurídico-societário de relação de domínio em que os Contratos de Fees de Gestão foram celebrados, (ii) a concreta finalidade que a Recorrida pretendeu obter com os mesmos, e (ii) o subsequente conflito societário entre as Recorrentes e a Recorrida, logo que aquelas se libertaram do seu controlo acionista e de administração.


V. Para a decisão da causa e tendo por referência o artigo 240.º, n.º 1, do CC, o Tribunal deverá aferir dos seguintes elementos: (1) uma divergência intencional entre a vontade real e a vontade declarada; (2) um acordo simulatório entre declarante e declaratário; e (3) a intenção de enganar terceiros.


W. Sucede, porém, que o Acórdão Recorrido desconsiderou factos essenciais da causa de pedir que se encontravam alegados na Petição Inicial que revestem natureza jurídico-societária, embora a procedência do pedido dê lugar a consequências de institutos de Direito Civil.


X. O caráter essencial das normas de direito societário, cuja compreensão e análise é fundamental para a qualificação de factos como essenciais e, consequentemente, como integrantes da causa de pedir, conduz a que os elementos da previsão normativa que estatui o efeito peticionado pelas Recorrentes só possam ser devidamente compreendidos no quadro do regime e das regras injuntivas de direito societário.


DA DIVERGÊNCIA ENTRE A DECLARAÇÃO NEGOCIAL E A VONTADE REAL DO DECLARANTE


Y. Para verificar a existência de “divergência entre a declaração negocial e a vontade real”, as Recorrentes alegaram a evolução da estrutura acionista do Grupo Cabelte, em especial, o controlo do Grupo Cabelte pela família BB, e concretamente pela Recorrida, bem como os motivos subjacentes à celebração dos referidos Contratos de Fees de Gestão – somente por esta via será possível compreender a formação da declaração negocial e vício de vontade subjacente – vide Articulados 12.º a 56.º e 170.º a 204.º da Petição Inicial.


Z. Recorde-se que: durante o período compreendido entre janeiro de 2007 e março de 2013, a Recorrida, através do seu beneficiário efetivo, AA, deteve uma influência dominante do Grupo Cabelte.


AA. A celebração dos referidos contratos, ou em termos gerais, a transferência de fundos para a Recorrida mediante simples débitos a título de fees de gestão, não foram submetidos a apreciação e aprovados pelo Conselho de Administração das Recorrentes (não constando de qualquer ata das reuniões de Conselho de Administração uma eventual autorização), nem foi precedida de Parecer do Fiscal Único.


BB. Os Contratos de Fees de Gestão consubstanciaram um instrumento para contornar obstáculos legais ou contratuais associados à retirada de fundos sociais e, no limite, à distribuição, antecipada ou não, de dividendos, o que era também proibido pelos contratos de financiamentos (societários) celebrados pelo Grupo Cabelte, sob pena de incumprimento das obrigações mutuadas.


CC. O controlo crescente da gestão e do capital social das Recorrentes por AA e pela Recorrida, determinou a conclusão dos Contratos cuja validade de pretende ver apreciada e que foram celebrados nos exclusivos benefícios e interesses pessoais da Recorrida e de AA e em detrimento do interesse social das Recorrentes.


DD. Como agravante há no caso em apreço uma situação de coincidência entre os membros do Conselho de Administração das Recorrentes e da Recorrida à data da celebração dos Contratos de Fees de Gestão.


EE. Pelo que, é por demais evidente que é essencial uma compreensão especializada das regras de direito societário para verificar a existência de uma “divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante”, nomeadamente, o conhecimento dos factos que demonstram que as partes contratantes estavam ligadas por relações de domínio total societário, com a identidade de alguns membros dos respetivos órgãos sociais.


DO ACORDO SIMULATÓRIO (PACTUM SIMULATIONIS)


FF. O elemento da causa de pedir relativo ao “acordo simulatório” só poderá ser analisado tendo em consideração a tentativa de contornar os obstáculos e limitações à descapitalização da empresa ou à distribuição de bens aos sócios e a subsequente nulidade dos pagamentos e/ou distribuição ilícita de dividendos pelas Autoras em violação das regras imperativas do Código das Sociedades Comerciais– vide Articulados 186.º a 196.º; 241.º a 249.º e 250.º a 256.º da Petição Inicial.


GG. Através dos Contratos de Fees de Gestão, a Recorrida pretendeu prejudicar os credores sociais da sociedade e os demais acionistas, dando lugar a uma distribuição encapotada de dividendos, per saltum, antecipada e não autorizada, em violação das regras de distribuição de bens a acionistas e de distribuição de dividendos que se integram no regime imperativo de direito societário.


HH. No âmbito das Recorrentes, (i) não existiu deliberação prévia do Conselho de Administração a aprovar a celebração dos contratos em apreço, (ii) não houve parecer favorável da parte do Fiscal Único de cada uma das Recorrentes, (iii) nem deliberação de qualquer outro órgão social, designadamente da Assembleia Geral, (iv) nem mesmo foi elaborado um balanço intercalar, com a antecedência máxima de 30 dias e certificado pelo revisor oficial de contas, que demonstre a existência nessa ocasião de importâncias disponíveis para os aludidos adiantamentos, com observância das regras dos artigos 32.º e 33.º do CSC.


II. Assim, nenhuma das formalidades previstas nos artigos 32.º e 297.º do CSC foi, ou pretendeu ser, cumprida, sendo que, não estando preenchidas as condições de que depende a validade dos contratos celebrados, os mesmos são nulos, nos termos do artigo 397.º, n.º 2 do CSC.


JJ. Em suma, para apreciar o elemento do “acordo simulatório” é preciso um conhecimento especializado das regras e princípios de direito societário, uma vez que será preciso indagar (i) se era ou não exigível a deliberação e aprovação em Conselho de Administração, com o consentimento do Fiscal Único; (ii) se era ou não exigível a elaboração e aprovação de um balanço intercalar, com a antecedência máxima de 30 dias e certificado pelo revisor oficial de contas, que demonstrasse a existência de importâncias disponíveis para os aludidos adiantamentos de dividendos e (iii) se houve violação da exigência legal imperativa societária que culminasse na nulidade dos negócios.


DO INTUITO DE ENGANAR TERCEIROS


KK. Quanto ao “intuito de enganar terceiros”, cumpre ressaltar que, por meio dos Contratos de Fees de Gestão, a Recorrida e o seu beneficiário efetivo visaram enganar não só o sindicato bancário que financiava as operações de compra das participações sociais da T......., como também os credores sociais do Grupo Cabelte e os acionistas minoritários da Cabelauto, conforme alegado na Petição Inicial - vide Articulados 229.º a 240.º da Petição Inicial.


LL. A Recorrida e os Administradores por si indicados no Conselho de Administração das Recorrentes definiram entre si os valores e a repartição dos débitos entre as Recorridas, com o intuito de ocultar dos acionistas terceiros a referida atuação e, assim, contornar os limites e os requisitos legais que regulam a distribuição de bens sociais ou a retirada de fundos, no exclusivo interesse e benefício da Recorrida e de AA.


MM. Em suma, os factos essenciais que fundamentam a pretensão formulada pelas Recorrentes, resultará necessariamente da análise dos princípios e regras de direito societário, que permitirão verificar o preenchimento dos elementos da previsão do artigo 240.º, n.º 1, CC.


DA NATUREZA JURÍDICO-SOCIETÁRIA DO LITÍGIO


NN. De todos os Articulados apresentados nos presentes autos, resulta cristalino que os factos em discussão neste litígio possuem natureza essencialmente jurídico-societária.


OO. Na Petição Inicial, foi peticionado a título principal (a) a declaração da nulidade dos Contratos de Fees de Gestão datados de 01.01.2019 e de 01.10.2010; e, em consequência, (b) a condenação da Ré, ora Recorrida, na restituição das quantias aí mencionadas, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 289.º do Código Civil. E a título subsidiário, caso se entendesse que o negócio dissimulado pretendido pelas Partes era a distribuição antecipada de dividendos, deveriam então também tais negócios jurídicos ser declarados nulos.


PP. Sucede que, estes pedidos formulados pelas Recorrentes não podem ser apreciados superficialmente pelos seus invólucros ou pela sua cominação. Pelo que, é essencial ter em consideração o contexto das relações de natureza estritamente societária em que residem estes pedidos, nomeadamente, na violação de um conjunto de regras societárias, na relevância da estrutura societária, no tema do domínio, e na relação do acionista e administrador relativamente às Recorrentes.


QQ. Relembre-se que a Recorrida, e em concreto, AA, deteve uma influência dominante na atividade do Grupo Cabelte, mediante a detenção da maioria do capital social das sociedades holdings do Grupo. Neste mesmo período temporal, foram celebrados os Contratos de Fees de Gestão, os quais revelam características de descapitalização e de distribuição encapotada e ilícita de dividendos e de bens das Recorrentes à Recorrida e indiretamente à AA, que, enquanto acionista e administrador da Recorrida e do Grupo Cabelte, determinou a vontade de ambas as partes.


RR. Por todo o exposto, as Recorrentes sustentam na sua Petição Inicial que os atos que se procuram discutir nestes autos violam os artigos 32.º, 33.º e 297.º do Código das Sociedades Comerciais, prejudicando os credores sociais da sociedade e demais acionistas.


SS. Mas mais: a própria Recorrida se limita a invocar questões de natureza societária em sede de Contestação, na qual se defendeu por exceção invocando (i) uma suposta prescrição do direito das Recorrentes nos termos da legislação societária, nomeadamente, com base no artigo 174.º, n.º 1 do CSC; (ii) uma suposta renúncia do direito à indemnização– renúncias estas, todavia, se consideram nulas porque não foram precedidas de deliberação da assembleia geral, em violação do artigo 74.º da CSC; (iii) a existência de instruções vinculativas (validamente) emitidas pela Recorrida – o que não só não seria possível por não haver um contrato de subordinação, como a terem existido, foram emitidas fora dos limites legais, ao abrigo do artigo 503.º do CSC; e (iv) alegados relatórios do órgão de fiscalização das Recorrentes, o que implica a apreciação do regime constante dos artigos 405.º, 406.º, 493.º e 504.º do CSC e da relação de domínio total nos termos dos artigos 491.º e 498.º do CSC – vide Articulados 35.º a 46.º; 47.º a 73.º; e 74.º a 91.º da Contestação.


TT. Por último, na Réplica apresentada, as Recorrentes tiveram a oportunidade de se pronunciar sobre a improcedência das mencionadas exceções perentórias arguidas pela Recorrida em sede de Contestação, bem como sobre a falta de fundamento do respetivo pedido reconvencional –vide Articulados 8.º a 19.º, 48.º a 59.º, e 60.º a 95.º da Réplica.


UU. Atento tudo quanto ficou supra exposto, apenas a consequência da causa de pedir da presente ação possui natureza civil (declaração de nulidade do ato e consequente restituição das prestações), mas para apreciar a sua procedência, o que está em causa verdadeiramente, é um conjunto de factos essenciais que demandam a compreensão de regras de natureza estritamente societária.


VV. Estes factos essenciais são: (i) a exigibilidade da deliberação em Conselho de Administração e o consentimento do Fiscal Único – em especial, o artigo 297.º, n.º 1, al. a) do CSC; (ii) exigibilidade da elaboração e aprovação de um balanço intercalar, que demonstrasse a existência de importâncias disponíveis para os adiantamentos de dividendos – em especial, os artigos 32.º, 33.º e297.º, n.º 1,al.b) do CSC); (iii) violação da exigência legal imperativa societária, a qual cominada com a nulidade dos negócios – em especial, o artigo 397.º, n.º 2 do CSC; (iv) a alegada prescrição do direito das Recorrentes – em especial, o artigo 174.º, n.º 1 do CSC; (v) a existência de renúncias que não foram precedidas de deliberação da assembleia geral – em especial, o artigo 74.º da CSC; (vi) s suposta existência de instruções vinculativas emitidas pela Recorrida na qualidade de acionista dominante – em especial, o artigo 503.º do CSC; (vii) a ausência de relatórios do órgão de fiscalização e a relação de domínio total – em especial, os artigos 405.º, 406.º, 493.º e 504.º; e 491.º e 498.º do CSC.


WW. De tudo quanto se expôs não é possível outra conclusão senão que em causa no caso sub judice aplicação de regras que resultam dum regime específico da legislação sobre sociedades comerciais, o que demanda o conhecimento especializado por um Tribunal especializado.


XX. Como vem sendo reconhecido de forma pacífica pela jurisprudência, a expressão “direitos sociais”, prevista no artigo 128º nº 1 alínea c) da LOSJ, não deve ser interpretada de forma restritiva, não abrangendo apenas os litígios que correspondam a direitos substantivos de que são titulares exclusivamente os sócios, mas também a discussão de direitos de natureza societária, quer os titulares sejam sócios, a sociedade ou os administradores – vide nota de roda pé n.º 20.


YY. No caso sub judice, o objeto do processo resulta de um conflito societário entre as Recorrentes (as Sociedades) e a Recorrida (Acionista e simultaneamente detida por um ex-administrador) que só se poderá compreender no quadro das regras e princípios de direito societário que regulam a relação entre sociedades dominantes e dominadas, uma vez que os factos essenciais que constituem a causa de pedir das Recorrentes pressupõem a aplicação do regime jurídico-societário.


ZZ. Sendo assim, em razão do princípio da especialização da função jurisdicional, justifica-se plenamente que o presente litígio seja apreciado pelo Juízo de Comércio que, pela sua organização, composição e especialização, melhor avaliará a pretensão das Recorrentes e assegurará a realização da justiça, sob pena de se subverter a competência especializada dos tribunais, que se encontra definida no artigo 65.º do CPC e na LOSJ.


AAA. O Acórdão Recorrido violou assim as regras de competência em razão da matéria, nomeadamente, o artigo 65.º do CPC e os artigos 40.º e 128.º, n.º 1) c) da LOSJ, pelo que deverá ser revogado e substituído por outro que julgue o Juízo de Comércio de ... competente para conhecer do pedido formulado pelas Recorrentes.


Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deverá o presente Recurso de Revista ser admitido e ser dado provimento ao mesmo e, por conseguinte, deve o Acórdão Recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue o Juízo de Comércio de ... competente para conhecer da presente ação


*


II. FUNDAMENTOS


1. Admissibilidade e objeto do recurso


Estando em causa uma questão de competência do tribunal em razão da matéria, o recurso é sempre admissível, nos termos do artigo 629º, n.2, alínea a) do CPC, independentemente do valor da causa ou da sucumbência.


O objeto da revista, delimitado pelas conclusões das alegações das recorrentes (art.635º, n.º4 do CPC) e tendo como referente o objeto da apelação, traduz-se apenas na apreciação de uma questão: a de saber se o acórdão recorrido fez a correta aplicação do direito (concretamente da lei processual) quando (confirmando a decisão da primeira instância) concluiu que o Juízo de Comércio não é o competente para apreciar a ação, cabendo tal competência, supletivamente, aos tribunais de competência genérica.


Cabe, portanto, a este tribunal fornecer uma resposta definitiva para o referido problema jurídico, não tendo de proceder ao rebatimento de todo e qualquer argumento que as recorrentes invocam para sustentar a sua tese.


2. Factualidade relevante


Para além do que já consta do relatório supra apresentado, extrata-se da decisão da primeira instância, com relevo para a apreciação do presente recurso, que os contratos cuja nulidade é invocada pelas autoras são por elas descritos (nos arts. 57º e ss. e 80º e ss. da petição inicial), em síntese, nos seguintes termos:


«-A Autora Cabelte, representada por CC e DD, e a Atlanticpar, representada por EE e FF, celebraram um Contrato de Prestação de Serviços, que dataram de 1 de Janeiro de 2009, nos termos do qual a primeira contratava à segunda serviços de apoio de administração e gestão geral, apoio e aconselhamento na definição de objetivos e investimentos estratégicos e serviços de avaliação de projetos de expansão comercial” (art. 57º);


-Seguidamente, e com data de 1 de Outubro de 2011, a Ré Atlanticpar, representada pelo Administrador FF, celebrou, individualmente, com (a) a Autora Cabelte, (b) a Autora Cabelauto, (c) a Autora Cabelte Incasa e (d) a Autora Cabelte Metals, todas elas representadas pelo Administrador DD, 4 (quatro) contratos de prestação de serviços, em tudo idênticos. De acordo com os referidos Contrato de Fees de Gestão de 01.10.2011, as Autoras contratavam à Ré Atlanticpar serviços de apoio de administração e gestão geral, nomeadamente através da análise e controlo das suas contas, do apoio e aconselhamento na definição de objetivos e investimentos estratégicos, de elaboração de planos plurianuais e orçamentos, da avaliação regular das participações financeiras, da negociação com entidades bancárias e para-bancárias de financiamentos e projetos de investimento, de apoio na elaboração de projetos de internacionalização e de expansão comercial e na montagem de operações” (arts. 80º e 81 da petição inicial).»


3. O direito aplicável


3.1. O acórdão recorrido, em sintonia com o entendimento do Juízo de Comércio onde a ação foi proposta, entendeu que o pedido e a causa de pedir (tal como as autoras os apresentam) não respeitam a matéria especificamente regida pelo direito societário, não estando em causa uma ação relativa ao exercício de direitos sociais, pelo que não se encontrará preenchida a hipótese normativa invocada pelas autoras, ou seja, a alínea c) do art.128º da LOSJ. Consequentemente, competentes para apreciar o presente litígio serão os tribunais de competência genérica.


As recorrentes entendem que a competência pertence aos tribunais de comércio, por se encontrar preenchida a hipótese da alínea c) do art.128º da LOSJ, tendo as instâncias feito uma interpretação demasiado restritiva dessa hipótese.


3.2. Determina o artigo 64º do CPC (sobre a competência dos tribunais em razão da matéria) que:


«São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional».


E o artigo 65º do CPC estatui que:


«As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotadas de competência especializada


Por sua vez, estabelece o artigo 128.º da LOSJ:


Compete às secções de comércio preparar e julgar:


a) Os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização;


b) As ações de declaração de inexistência, nulidade e anulação do contrato de sociedade;


c) As ações relativas ao exercício de direitos sociais;


d) As ações de suspensão e de anulação de deliberações sociais;


e) As ações de liquidação judicial de sociedades;


f) As ações de dissolução de sociedade anónima europeia;


g) As ações de dissolução de sociedades gestoras de participações sociais;


h) As ações a que se refere o Código do Registo Comercial;


i) As ações de liquidação de instituição de crédito e sociedades financeiras


No caso concreto, está em discussão o âmbito da referida alínea c), pois é essa disposição que as autoras invocam para justificar a competência do Juízo de Comércio onde propuseram a ação.


3.3. Pode, desde já, afirmar-se que, contrariamente ao sustentado pelas recorrentes nas suas alegações, na interpretação deste preceito, as instâncias não decidiram com base em jurisprudência ultrapassada, nem seguiram uma visão redutora do conceito de direitos sociais para aferição da competência dos tribunais.


A jurisprudência mais recente do STJ não tem adotado um critério restritivo do conceito de direitos sociais para efeitos da delimitação aplicativa da alínea c) do art.128º da LOSJ. Efetivamente, tem-se entendido que tal conceito não se reduz aos direitos específicos dos sócios, mas tem-se exigido que os direitos a exercer respeitem a matéria especificamente regida pelo direito societário, conclusão a que se chegará considerando o pedido formulado e a causa de pedir.


Veja-se, neste sentido, o que se sumariou nas seguintes decisões:


- Acórdão do STJ, de 24.02.2022 (relator Cura Mariano)1, no processo n. 1044/21.4T8LRA-A.C1.S1:


«A expressão exercício de direitos sociais, utilizada pelo legislador na alínea c), do n.º 1, do artigo 128.º, da LOSJ, para delimitar a competência dos tribunais de comércio, não deve ser equiparada a direitos dos sócios, mas sim a direitos específicos do regime do direito das sociedades, competindo àqueles tribunais decidir os litígios emergentes de relações jurídicas conformadas pela legislação que especificamente rege as sociedades comerciais, designadamente o Código das Sociedades Comerciais.


Assim, o julgamento de uma ação em que um administrador de uma sociedade anónima reclama dessa sociedade o pagamento da remuneração das funções de administrador compete aos tribunais de comércio.»


- Acórdão de STJ, de 26.10.2022 (relator António Barateiro Martins)2, no processo n. 4583/21.3T8VNF-B.G1.S1:


«A expressão “direitos sociais” (constante da alínea c) do art. 128.º/1 da LOSJ) não equivale ou corresponde a “direitos dos sócios”, devendo entender-se que, quando em tal alínea se fala em “ações relativas ao exercício de direitos sociais”, se está a pensar e a referir às ações que emergem do regime jurídico das sociedades comerciais, se está a pensar e a referir às ações em que estão em causa e são invocados os direitos sociais emergentes de tal regime jurídico, sendo que podem ser titulares de tais direitos sociais quer os sócios, quer a sociedade, quer os credores sociais quer mesmo terceiros.


É o caso da ação/pedido indemnizatório de administrador por a sua destituição não se fundar em justa causa, ação/pedido para o qual são materialmente competentes os tribunais de comércio.»


No acórdão do STJ, de 05.07.2018 (relator Abrantes Geraldes)3, no processo n.11411/16.0T8LSB.L1, num caso com algumas semelhanças com o dos presentes autos, decidiu-se pela competência do juízo cível, tendo-se concluído, em sumário, que:


«- Compete aos juízos do comércio, além do mais, a apreciação das ações relativas ao “exercício de direito sociais”, isto é, ao exercício de direitos que emergem especificamente do regime jurídico das sociedades comerciais.


- Não se inscreve nessa esfera de competência especializada a ação interposta pelo sócio de uma sociedade comercial contra essa sociedade e uma outra, na qual é formulado o pedido de declaração de nulidade de acordos que celebraram alegadamente inseridos numa atuação concertada de ambas com o objetivo de descapitalizarem a primeira sociedade.


-Para além de em tal ação também ser parte uma sociedade comercial na qual o A. não detém qualquer participação, o facto de estar em causa o vício de nulidade decorrente de simulação contratual afasta qualquer especificidade da matéria, objetivo que presidiu à delimitação da competência especializada dos juízos do comércio, inscrevendo-se a referida ação na competência residual dos juízos cíveis.»


E lê-se na fundamentação deste acórdão que «embora ao caso presente esteja subjacente a existência de um conflito entre um dos sócios-gerentes e outros sócios gerentes da 1ª R., relativamente a medidas de gestão adotadas no seio da administração da 1ª R., não assoma nele qualquer especificidade que justifique que a resolução do litígio seja atribuída a juízos do comércio já de si tão sobrecarregados com outros processos tão complexos ou tão morosos como o são os de insolvência ou de revitalização ou as ações de anulação de deliberações sociais. (…)


Estão fundamentalmente em causa atos praticados por certos gerentes da 1ª R. em alegado conluio com a gerência da 2ª R. na qual o A. não tem qualquer participação social, sendo-lhe aplicável um regime jurídico que emerge do direito civil em geral, sem especial conexão com o regime que emerge do Cód. das Sociedades Comerciais e, dentro deste, com o preceituado acerca de direitos sociais.


Enfim, para além de a ação também ser dirigida contra uma outra sociedade comercial, não está verdadeiramente em causa o exercício de um direito social, antes o exercício do direito de ação numa área em que acabam por dominar as regras gerais do direito civil


Neste quadro, pode concluir-se que a jurisprudência não tem feito uma interpretação restritiva do âmbito de aplicação da alínea c) do art.128º da LOSJ, mas tal não significa que tal disposição possa ter a amplitude que as recorrentes lhe pretendem atribuir.


3.4. O facto de o conflito apresentado pelas autoras se desenvolver no âmbito da vida interna de várias sociedades (ou das relações entre elas), tendo, portanto, uma origem societária, em sentido amplo, e podendo, eventualmente, ter subjacente a violação de normas de direito societário, não significa que a imediata causa de pedir e o pedido tenham natureza dominantemente societária. Como é sabido, múltiplas decisões tomadas no âmbito da vida das sociedades (que podem implicar também a violação de normas de direito societário) acabam por ter consequências de natureza normativa diversa, como, por exemplo, contraordenacional, fiscal, laboral, etc., não sendo, portanto, os tribunais de comércio os competentes para apreciar tal tipo de conflitos.


De igual modo, quando o resultado normativo que o autor pretende alcançar convoca, essencialmente (e, portanto, a título não subsidiário) quadros jurídicos de direito civil, a correspondente ação tem, consequentemente, natureza civil (ou dominantemente civil), sendo, portanto, adequada a intervenção dos tribunais de competência genérica.


Por outro lado, considerando o modo como o art.128º da LOSJ define a competência do tribunal de comércio (espartilhando-a em diferentes alíneas), conclui-se que o legislador não pretendeu consagrar um critério de abrangência total dessa competência a todos os conflitos de origem societária (ou gerados no âmbito da vida ou da dinâmica das sociedades comerciais). Se tivesse sido esse o propósito, certamente que o legislador o teria enunciado de forma clara, dizendo que os tribunais de comércio são competentes para conhecer de todos os conflitos respeitantes a matéria societária, em vez de ter estabelecido diferentes hipóteses de ações nas várias alíneas.


A configuração das alíneas dessa norma (que não tem natureza exemplificativa) leva, portanto, a concluir que as ações que não couberem nas diferentes hipóteses a que correspondem tais alíneas, serão reconduzidas ao critério supletivo que convoca os tribunais de competência genérica. É assim que a jurisprudência tem decidido (como supra citado).


No caso concreto, as autoras sustentaram a sua pretensão normativa [a declaração de nulidade dos contratos celebrados entre autoras e ré] na demonstração dos pressupostos da figura jurídica da simulação, regulada no artigo 240º e seguintes do CC.


A essencialidade dessa pretensão normativa não radica, assim, na obtenção de uma decisão diretamente sancionadora da violação de determinados direitos societários das autoras. Na realidade (como se afirma na decisão da primeira instância), as autoras não chegam a definir quais os concretos direitos de natureza societária cuja reparação exigisse a tutela judicial. E, em rigor, a ação dificilmente poderia ter outra configuração, dado que aquilo que as autoras pedem é a declaração de nulidade dos contratos celebrado entre as sociedades que são partes na presente ação.


Concluiu-se, assim, que o acórdão recorrido não merece censura, pois fez a correta aplicação do direito processual pertinente.


*


DECISÃO: Pelo exposto, decide-se julgar o recurso improcedente, confirmando-se o acórdão recorrido.


Custas pelas recorrentes.


Lisboa, 22.02.2024


Maria Olinda Garcia (Relatora)


Luís Espírito Santo


António Barateiro Martins


_________________________________________

1. Publicado em:

https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/222d2ccdef9e5fa8802587f3006e16bd?OpenDocument↩︎

2. Publicado em:

https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1d592c581356a711802588e70049b416?OpenDocument↩︎

3. Publicado em:

https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/82812b97ea8059ee802582c2003d5d66?OpenDocument↩︎