Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6961/08.4TBALM-B.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
TEMPESTIVIDADE
NÃO ADMISSÃO DE RECURSO
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
PRINCÍPIO DA BOA FÉ PROCESSUAL
PRINCÍPIO DA AUTO-RESPONSABILIZAÇÃO DAS PARTES
ACESSO AO DIREITO
TUTELA EFECTIVA DO DIREITO
Data do Acordão: 07/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: ACLARAÇÃO INDEFERIDA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / ACTOS PROCESSUAIS / INSTÂNCIA - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 6.º.,
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 161.º, N.º6, 265.º, N.º2, 265.º-A, 291.º, N.º2, 684.º- B, N.º2, 685.º, N.º1, 685.º-A, 685.º - C, N.º5, 700.º, ALÍNEA B), 726.º.
Sumário :

I. Uma vez que o executado foi citado e porque com a citação lhe foi entregue cópia do requerimento executivo, não poderia, como não pode, desconhecer, que o mesmo tinha data de 10 de Novembro de 2008 e tendo aquele intervindo no processo a 24 de Setembro de 2009, através da oposição que deduziu à execução, nunca poderia ignorar todo o processado da acção executiva da qual o seu articulado constituiu o inicio.

II. Tendo o processo executivo dado entrada em 2008, são-lhe aplicáveis as regras processuais decorrentes das alterações introduzidas pelo DL 303/2007 de 24 de Agosto, maxime as atinentes aos recursos as quais implicam que a sua interposição seja acompanhada da respectiva motivação no prazo de trinta dias a contar da notificação do Acórdão impugnado, nos termos dos artigos 685º, nº1, 685º-A, aplicáveis ex vi do disposto no artigo 726º, este como aqueles do CPCivil.

III. Não ocorre erro na forma do processo que possa dar lugar ao aproveitamento do que foi praticado, porque o erro do Recorrente deverá ser assumido pelo próprio uma vez que não pode ignorar qual a Lei aplicável ao processo, atentas as circunstâncias, face ao preceituado no artigo 6º do CCivil.

IV. Os princípios da cooperação e da boa fé processual, não se podem sobrepor, neste caso, ao principio da auto responsabilização das partes o qual impõe que os interessados conduzam o processo assumindo eles próprios os riscos daí advenientes, devendo deduzir os competentes meios para fazer valer os seus direitos na altura própria, sob pena de serem eles a sofrer as consequências da sua inactividade e ao princípio da preclusão, do qual resulta que os actos a praticar pelas partes o tenham de ser na altura própria, isto é nas fases processuais legalmente definidas.

V. O argumento utilizado pelo Recorrente de poder ser sancionado por força da densidade dos supra ditos princípios da lealdade, boa-fé processual, senão até da própria proibição de o Tribunal poder entrar numa situação de venire contra factum proprium, levado ao seu limite, poderia conduzir à conclusão, no mínimo curiosa, de este Tribunal, ao arrepio da própria Lei, ficar vinculado às decisões dos Tribunais recorridos, maxime em sede de despachos de recebimento de recursos, o que manifestamente seria violador do normativo inserto no artigo 685º-C, nº5 do CPCivil, onde se predispõe que «A decisão que admita. O recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior nem pode ser impugnado pelas partes, (…)»

VI. Se a Lei prevê, precisamente, a possibilidade de o Tribunal ad quem, “sancionar” o despacho de recebimento do recurso pelo Tribunal a quo, não se pondo aqui qualquer questão de a autoridade judiciária “dar o dito por não dito”, de igual forma não faria sentido este Supremo Tribunal ficar adstrito a um qualquer despacho do Tribunal recorrido, coarctando-se quiçá os seus poderes censórios, nomeadamente em sede de aferição da tempestividade da apresentação da motivação de recurso.

VII. Os princípios antiformalistas, “pro actione” e “in dubio pro favoritate instanciae” impõem uma interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, pelo que, suscitando-se quaisquer dúvidas interpretativas nesta área, deve optar-se por aquela que favoreça a acção e assim se apresente como a mais capaz de garantir a real tutela jurisdicional dos direitos invocados pela parte.

(APB)

Decisão Texto Integral:

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

O Executado J notificado em 6 de Julho de 2012, conforme fls 229, do Acórdão da Relação de Lisboa de fls 200 a 226, proferido a 3 de Julho de 2012, que declarou improcedente a oposição por si deduzida à execução que lhe foi movida por Banco X, SA, e ordenou em consequência o prosseguimento daquela mesma acção executiva, veio interpor recurso de Revista para este STJ, através do requerimento de fls 232, datado de 3 de Setembro de 2012.

Tal requerimento, contendo apenas a manifestação da sua intenção de recorrer, isto é, desacompanhado da respectiva motivação e conclusões, foi objecto do despacho de recebimento da Exª Senhora Desembargadora Relatora a fls 239, o qual, devidamente notificado às partes em 11 de Outubro de 2012, fls 241 e 242, deu origem à apresentação por banda do Recorrente, das suas alegações de recurso em 15 de Novembro de 2012, como deflui de fls 242 a 267.

Porque a execução de que os presentes autos de oposição constituem apenso, foi instaurada em 2008, sendo-lhe assim aplicáveis as disposições do CPCivil com as alterações introduzidas pelo 303/2007, de 24 de Agosto, implicava a extemporaneidade do recurso interposto, por falta de motivação atempada no prazo de trinta dias a contar da notificação do Acórdão impugnado, nos termos dos normativos insertos nos artigos 685º, nº1, 685º-A, aplicáveis ex vi do disposto no artigo 726º, entendendo-se assim que se não podia conhecer do objecto do recurso, foram as partes notificadas para se pronunciarem, nos termos do artigo 704º, nº1 do CPCivil, este como aqueles do CPCivil.

O Recorrente veio fazê-lo, alegando em síntese:

1. O mandatário do Recorrente foi notificado do teor do despacho de 04 de Março de 2013, a fls. 406 e 407 dos autos, para o qual foi alertado para o facto de a execução ter sido instaurada em 2008, embora o mandatário do Recorrente estivesse convicto que a mesma tinha sido instaurada em 2007.

- O Recorrente entende que situação descrita nos autos apenas configurará uma situação de erro na forma de processo com as consequências vertidas nas normas estabelecidas nos artigos 161.º, n.º 6, 199.º, 265.º e 265.º-A do CPC

- O Recorrente entende, portanto, que, tendo-se tomado conhecimento no processo que o mandatário do Recorrente laborava em erro no seu requerimento de recurso quanto à forma do recurso judicial, as consequências legais e constitucionais de tal erro são apenas susceptíveis de ser conduzidas a uma de duas situações:

- (i) ou considera-se que todo o processado desde a data da interposição do recurso é susceptível de ser aproveitado ao abrigo do artigo 199.º do CPC e se decide do mérito do presente recurso, sem mais considerações;

- ou, numa interpretação conforme aos poderes de direcção e de acordo com os princípios pro actione, da conservação dos actos jurídicos, da boa fé processual e da cooperação, porque ainda não havia terminado prazo para interposição do recurso ao abrigo no novo regime, se manda baixar os autos, ordenando a substituição do despacho que admitiu o recurso por outro que convide a parte a apresentar um novo requerimento de recurso ao abrigo do regime de recursos estatuído no Decreto-Lei n.º303/2007, de 24 de Agosto, no prazo legal que lhe restava após a apresentação do primeiro requerimento de recurso.

O Recorrido não se pronunciou.

Face à posição assumida pelo Recorrente, no conspectu em que pôs em causa a data de entrada do processo de execução em juízo, foi solicitada ao Tribunal de 1ª instância certidão de onde constasse tal data, bem como aquela em que o executado (aqui Recorrente), havia sido citado para deduzir oposição, a fim de serem desvanecidas quaisquer dúvidas que pudessem ainda ocorrer quanto à efectiva data de instauração do processo executivo.

A referida certidão consta de fls 454 a 470, decorrendo da mesma que a execução a que diz respeito a oposição de que curamos aqui, deu entrada em 10 de Novembro de 2008, tendo o Recorrente sido citado para a mesma em Setembro de 2009, tendo-lhe sido entregue aquando tal acto o respectivo duplicado do Requerimento Inicial executivo.

Daqui deflui, prima facie, que não colhe o argumento aventado pelo Recorrente de que estava convencido de que a execução teria sido instaurada em 2007, uma vez que para ela foi devidamente citado e porque com a citação lhe foi entregue cópia do requerimento executivo, não poderia, como não pode, desconhecer, que o mesmo tem data de 10 de Novembro de 2008.

Ainda neste particular, adiantamos que tendo o Opoente/Executado, aqui Recorrente, intervindo no processo a 24 de Setembro de 2009, através da oposição que deduziu à execução, também, por aqui nunca poderia ignorar todo o processado da acção executiva, da qual o seu articulado constituiu o inicio da formação do apenso que aqui se cura.

Não houve qualquer erro da secretaria que pudesse ter prejudicado o ora Recorrente, a fim de o mesmo se poder prevalecer do preceituado no artigo 161º, nº6 do CPCivil.

De outra banda, também não se vislumbra aqui a existência de um erro na forma do processo que possa dar lugar, quiçá, ao aproveitamento do que foi praticado, porque nada do que se praticou se poderá aproveitar, isto é, o erro do Recorrente deverá ser assumido pelo próprio uma vez que não pode ignorar qual a Lei aplicável ao processo, atentas as circunstâncias, face ao preceituado no artigo 6º do CCivil, bem como os princípios da cooperação e da boa fé processual, não se podem sobrepor, neste caso, ao principio da auto responsabilização das partes o qual impõe que os interessados conduzam o processo assumindo eles próprios os riscos daí advenientes, devendo deduzir os competentes meios para fazer valer os seus direitos na altura própria, sob pena de serem eles a sofrer as consequências da sua inactividade e ao princípio da preclusão, do qual resulta que os actos a praticar pelas partes o tenham de ser na altura própria, isto é nas fases processuais legalmente definidas.

É que, o argumento utilizado pelo Recorrente de poder ser sancionado por força da densidade dos supra ditos princípios da lealdade, boa-fé processual, senão até da própria proibição de o Tribunal poder entrar numa situação de venire contra factum proprium, alvitramos nós, levado ao seu limite, poderia conduzir à conclusão, no mínimo curiosa, de este Tribunal, ao arrepio da própria Lei, ficar vinculado às decisões dos Tribunais recorridos, maxime em sede de despachos de recebimento de recursos, o que manifestamente seria violador do normativo inserto no artigo 685º-C, nº5 do CPCivil, onde se predispõe que «A decisão que admita. O recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior nem pode ser impugnado pelas partes, (…)»

Se a Lei prevê, precisamente, a possibilidade de o Tribunal ad quem, “sancionar” o despacho de recebimento do recurso pelo Tribunal a quo, não se pondo aqui qualquer questão de a autoridade judiciária “dar o dito por não dito”, de igual forma não faria sentido este Supremo Tribunal ficar adstrito a um qualquer despacho do Tribunal recorrido, coarctando-se quiçá os seus poderes censórios, nomeadamente em sede de aferição da tempestividade da apresentação da motivação de recurso.

Por outro lado, a invocação pela Reclamante do preceituado nos artigos 265º nº2 e 265º-A do CPCivil como tendo aplicação no caso sujeito, fazendo quiçá impender sobre o Tribunal o dever de providenciar, mesmo oficiosamente, pelo suprimento da omissão cometida por aquela, concedendo-lhe um prazo suplementar para a apresentação das alegações de recurso, constitui uma leitura que extravasa aquele normativo: é que o principio da cooperação manifesta-se, além do mais, no dever de auxilio das partes na superação de eventuais dificuldades que impeçam o exercício de direitos e não a concessão de prazos contra legem, como acontece no caso sujeito, nem tão pouco uma eventual adequação formal, de uma formalidade que não foi cumprida, devendo tê-lo sido, cuja omissão conduziu à preclusão da possibilidade do seu cumprimento posterior.

Veja-se, ademais, que no âmbito do recurso de Apelação oportunamente interposto pelo aqui Recorrido, cfr fls 146 a 159, o mesmo encontra-se devidamente motivado e concluído e assim foi notificado ao agora Recorrente que contra alegou conforme fls 164 a 176, sendo que o mesmo também não pode ignorar o despacho de admissão e remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, que faz fls 178, que lhe foi notificado como resulta de fls 179.

De todos estes elementos se pode inferir que o Recorrente não poderia ignorar que a lei aplicável aos presentes autos era, como é, a decorrente das alterações introduzidas pelo DL303/2007, de 24 de Agosto.

Por último, sempre acrescentamos ex abundanti que no âmbito da ponderação dos pressupostos processuais, os princípios antiformalistas, “pro actione” e “in dubio pro favoritate instanciae” impõem uma interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, pelo que, suscitando-se quaisquer dúvidas interpretativas nesta área, deve optar-se por aquela que favoreça a acção e assim se apresente como a mais capaz de garantir a real tutela jurisdicional dos direitos invocados pela parte.

Transpondo os princípios expostos para a situação dos autos, decorre que sobre a aplicação aos presentes autos das normas recursivas decorrentes das alterações introduzidas pelo apontado DL, nenhuma dúvida interpretativa se suscita.

 

Assim e ao contrário daquilo que alega o Recorrente, não se mostram violados os invocados princípios “pro actione” e de acesso ao direito, ficando estes apenas a depender de requisitos, a satisfazer pelo interessado, nomeadamente, a apresentação tempestiva do requerimento de interposição do recurso jurisdicional devidamente motivado e concluído, o que, no caso vertente, não aconteceu.

Destarte, não se se conhece do objecto do recurso, declarando-se o mesmo deserto, por extemporaneidade da apresentação das alegações, nos termos dos artigos 291º, nº2, 684º-B, nº2 e 700º, nº1, alínea b), todos do CPCivil, aplicáveis por força do disposto no artigo 726º do mesmo diploma legal.

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Lisboa, 11 de Julho de 2013

(Ana Paula Boularot)

(Pires da Rosa)

(Maria dos Prazeres Pizarro Beleza)