Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2494/16.3T8AVR.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
SINAL STOP E VELOCIDADE EXCESSIVA
Data do Acordão: 04/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO ESTRADAL – TRANSITO DE VEÍCULOS E ANIMAIS / VELOCIDADE / ALGUMAS MANOBRAS EM ESPECIAL / MUDANÇA DE DIRECÇÃO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA ESTRADA (CEST): - ARTIGOS 24.º, N.º 1 E 44.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 05-07-2018, PROCESSO N.º 46/03, RELATORA MARIA DA GRAÇA TRIGO.
Sumário :
I. Em acidentes de viação, a repartição da responsabilidade entre os diversos intervenientes deve ser feita mediante a avaliação global das circunstâncias e da sua interferência causal no acidente.

II. Num acidente de viação correspondente a um embate de dois veículos em que:

a) O condutor de um veículo ligeiro realizava a mudança de direção para a sua esquerda mas, apesar de ter parado no sinal STOP, não se percebeu da aproximação de um velocípede com motor que se apresentava pela sua direita e ao qual deveria ter cedido a prioridade;

b) O velocípede com motor circulava a uma velocidade superior a 100kms/h e, apesar de o respetivo condutor ter travado, não conseguiu imobiliza-lo a tempo de evitar o embate;

c) O local era uma alameda situada numa cidade (localidade), formando uma reta, tendo ambos os condutores boa visibilidade mútua

revela-se ajustada a repartição das responsabilidades pela colisão em 30% para o condutor do veículo ligeiro e 70% para o condutor do velocípede com motor.

III. Em tais circunstâncias, sem embargo de o condutor do veículo ligeiro ter infringido a regra que o obrigava a ceder a prioridade ao velocípede com motor, a ocorrência do embate foi essencialmente motivada pelo facto de este seguir a uma velocidade muito superior (mais do que o dobro) ao máximo permitido numa via dentro de uma localidade, o que tornava previsível a ocorrência de algum obstáculo, mesmo quando este correspondesse a veículo cujo condutor não respeitou a prioridade.

A.G.

Decisão Texto Integral:

I - AA demandou BB SEGUROS, S.A., em ação declarativa de condenação emergente de acidente de viação, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 159.982,77, acrescidos de juros de mora taxa legal em vigor, desde a citação e até efetivo e integral pagamento e no pagamento das quantias a liquidar em execução de sentença, pelos danos futuros previsíveis emergentes dos tratamentos a que vier a ser submetido, sejam cirúrgicos, sejam de fisioterapia, medicação, consultas, deslocações, despesas com os mesmos e consequências definitivas.

Alegou a ocorrência em 8-12-14 de um acidente de viação em que o A. foi interveniente quando conduzia um velocípede com motor (...-NF), assim como a condutora de um veículo automóvel (...-IN-...), segurado pela R., que foi a única responsável pelo sinistro, ao violar um sinal STOP.

Desse acidente resultaram para o A. lesões físicas e na saúde, apresentando danos estéticos, tendo sofrido fortes dores.

O Instituto de Segurança Social, I.P., invocando que o AA. é beneficiário da Segurança Social e que, em consequência do acidente, esteve com baixa médica subsidiada, tendo-lhe pago € 5.106,06, pediu o pagamento desta quantia, com juros de mora legais, desde a citação até efetivo pagamento.

A R. contestou e impugnou a versão do acidente indicada na petição, sustentando que a sua segurada imobilizou o veículo antes do referido sinal STOP, circulando e ocupando a hemi-faixa esquerda da via que tomou, tendo aí sido embatida pelo velocípede com motor conduzido pelo AA., o qual seguia com excesso de velocidade.

Foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a R. do pedido.

O A. apelou e a Relação, concedendo parcial provimento ao recurso, condenou a R. a pagar ao AA. a quantia de € 29.786,30, acrescidos de juros à taxa legal de 4% ao ano até integral e efetivo pagamento, sendo o valor de € 2.786,30  desde a citação da RR. (22/ago./2016) e € 27.000,00  desde a data da sentença proferida em 1ª instância (12/jan./2018).

Para o efeito, a Relação distribuiu a responsabilidade pelo acidente entre o A. e a segurada da R., na proporção de 70% e 30% respetivamente.

O A. interpôs recurso de revista, impugnando a repartição da responsabilidade pela colisão, concluindo que a mesma deve ser imputada em exclusivo à condutora do veículo segurado, por não ter respeitado o sinal de STOP. Subsidiariamente entende que, a existir concorrência de culpa, deve ser atribuída a essa condutora um grau mais elevado de responsabilidade.

A R. contra-alegou, defendendo a solução que foi dada no acórdão recorrido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – Factos provados:
1. A 8-12-14, sensivelmente pelas 12h 45m, deu-se um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-IN-... e o velocípede com motor de matrícula 05-65-NF.
2. O sinistro ocorreu na ..., sendo a e estrada no local plana e tem pavimento asfaltado, em bom estado de conservação.
3. A ... consubstancia-se numa reta e dispõe de dois sentidos de marcha, separados entre si por um separador central, que é em relevo (relativamente ao piso da estrada) e coberto de relva e pequenas árvores e cada sentido de marcha tem duas pistas de trânsito, delimitadas entre si por uma linha descontínua que, no entanto, passa a contínua da zona do entroncamento que sensivelmente a meio da ... existe pela direita considerando o sentido ..., ali entronca uma via proveniente da Forca.
4. Para quem circula pela ... no sentido ..., alguns metros antes do entroncamento, a faixa de trânsito desdobra-se em três pistas, sendo a da esquerda (considerando aquele sentido) destinada a quem pretende virar à esquerda no entroncamento (em direção à Forca) e as outras duas para quem segue em frente.
5. No topo da pista mais à esquerda (acabada de referir) encontra-se pintada no pavimento, em letras grandes, a palavra STOP, sinal este que prescreve a todos os condutores que ali cheguem a obrigação de pararem no limite da intersecção das duas vias, como ainda a de ceder a prioridade a quem circula pela ..., no sentido ....
6. Toda aquela zona (quer a reta que consubstancia a ... quer o entroncamento referido) é de boa visibilidade, pois não tem quaisquer lombas ou obstáculos que a reduzam ou impeçam, sendo marginada, em ambos os sentidos de trânsito, por terrenos descampados e algumas casas de habitação e prédios habitacionais.
7. Na altura do acidente estava bom tempo; à hora em que o mesmo ocorreu era dia.
8. O velocípede com motor de matrícula ...-NF era propriedade do A., que o conduzia no seu interesse direto, dele tendo a direção efetiva e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-IN-... era tripulado por CC, sendo que a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com a circulação do mesmo encontrava-se transferida para a ré seguradora, por contrato de seguro, através da Apólice nº ....
9. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidos nos precedentes artigos, o A., conduzindo o ...-NF, circulava pela ..., com o capacete de proteção devidamente aplicado e apertado na cabeça e a condutora do veículo seguro, circulava em sentido oposto, aproximou-se do entroncamento e, pretendendo efetuar a mudança de direção à esquerda, posicionou-se na via da esquerda, isto é, no acesso onde é permitido efetuar a mudança de direção à esquerda.
10. Imobilizou o veículo para verificar o trânsito que circulava no sentido oposto e após ter ensaiado a ausência de veículos, iniciou a marcha de mudança de direção à esquerda, não se apercebendo da deslocação da mota conduzida pelo AA., atento o sentido de circulação deste, quando o podia fazer (alterado pela Relação).
11. Em virtude da condutora do referido veículo automóvel ter entrado na outra via onde circulava o A. na sua mota, fazendo-o a uma velocidade não inferior a 100 kms/h, o veículo do A. embateu no veículo seguro, no exato momento em que este ocupava a via da esquerda destinada ao trânsito oposto (alterado pela Relação).
12. O A., apesar de ter travado, não conseguiu evitar o embate, tendo colidido com a frente do ...-NF na parte lateral (lado do passageiro), quase na frente, junto à roda, do veículo de matrícula ...-IN-... e após o embate, o A. foi violentamente projetado para a frente e para o (seu) lado direito, vindo a imobilizar-se a 24 metros do local do embate, na berma direita (sentido ....
13. O velocípede com motor de matrícula ...-NF deixou um rasto de travagem de 15 metros e tombou para pavimento e acabou imobilizado sensivelmente a uns 10 metros do local onde ocorreu o embate, já na rua de acesso à localidade da Forca.
14. O ...-IN-... ficou imobilizado na pista de trânsito mais à esquerda da ..., numa posição ligeiramente oblíqua relativamente ao eixo da via.
15. O acidente ocorreu na pista de trânsito mais à esquerda da ..., tendo em conta o sentido ..., mas próximo ao eixo da via.
16. Na sequência do embate, o A. foi assistido no local pelos Bombeiros Novos de ... que ali lhe prestaram os primeiros socorros, tendo-o imobilizado e foi conduzido ao Hospital ... Onde deu entrada no mesmo dia pelas 13h55, no serviço de urgência da referida unidade hospitalar, tinha dores ao respirar, sendo a dor à palpação mais intensa no hemitórax direito, bem como dores no braço esquerdo e na região inguinal esquerda.
17. Realizou estudo imagiológico – radiografia do tórax, grelha costal, esterno, mão direita, punho, antebraço esquerdo, bacia, coluna cervical e lombar, ecografia abdominal e pélvica e TAC – CE (tomográfica axial computorizada crânio-encefálica) – tendo sido diagnosticadas, no dia da urgência, as seguintes lesões:
- Fratura oblíqua M4 (4º osso metacarpiano) da mão direita;
- Fractura multiesquirolosa diafisária de ossos do antebraço esquerdo, com atingimento articular no punho esquerdo;
- Fratura da clavícula direita.
18. O resultado conjunto de tais lesões determinou o imediato internamento do autor naquela unidade hospitalar, no Serviço de Ortopedia e neste serviço, realizou cirurgia de osteotaxia das fraturas do antebraço esquerdo, com fixadores externos, sendo feita imobilização gessada da mão direita e foi medicado com analgésicos, tendo permanecido internado naquela instituição hospitalar até dia 13-12-14, data em que teve alta, sendo remetido para consulta externa de ortopedia, com indicação de fazer cuidados de penso no Centro de Saúde a 16-12-14 e remoção dos pontos de fio de sutura em 19-12-014.
19. O A. iniciou um período de tratamentos e recuperação funcional, com consultas no Serviço de Ortopedia do Hospital ... e após consulta de ortopedia realizada em 17-2-15, foi decidido rever a osteotaxia/osteossíntese, com placa para manter osteotaxia, sendo o autor novamente internado no Serviço de Ortopedia do referido hospital, em 23-2-15, data em que foi submetido a cirurgia de EMOS (extração de material de osteossíntese) do antebraço esquerdo e manipulação do punho direito, tendo alta no dia seguinte ao internamento, orientado para consulta externa de ortopedia para exérese de gesso e agrafos.
20. Após nova revisão, ocorrida na sequência de consulta externa realizada em 7-4-15, é decidida a realização de nova cirurgia, que teve lugar em 13-4-15, sendo o autor sujeito a osteossíntese (placa) em virtude de não consolidação e desvio acentuado de fratura do terço distal do rádio esquerdo, após o que teve alta, no dia 15-4-15, para consulta externa de ortopedia, a fim de serem removidos os pontos do fio de sutura, e com indicação para manter tala e fazer cuidados de penso no Centro de Saúde.
21. O A., por indicação médica, realizou a mobilização dos membros afetados, tudo com o propósito de desenvolver a mobilidade, que se encontrava reduzida.
22. Necessitava do apoio de terceiros para os seus cuidados diários (banho, vestir e despir e e alimentação) e foi sendo acompanhado pelo Serviço de Ortopedia do Hospital ..., em ..., na pessoa do Dr. ....
23. Entretanto, a R. também tomou a seu cargo a recuperação do A., tendo-lhe marcado algumas consultas no Hospital ..., onde acabaram por detetar que, em consequência do acidente, o A. também havia fraturado de uma vértebra, a D 9, tendo na altura os serviços clínicos da R. referido que o A. precisaria de, no futuro, ser operado à coluna para tratar dessa vértebra, além de, a mais curto prazo, entenderem ser necessário operar o punho e a clavícula direita.
24. Apesar de reconhecer a necessidade de tais procedimentos cirúrgicos, a R. nada fez e em 18-5-16, o A. acabou por ser novamente internado no Hospital ..., sendo sujeito, nessa mesma data, a cirurgia de descorticação, osteossíntese com placa e parafusos e enxerto proveniente de osso ilíaco, por pseudartrose da clavícula direita.
25. Com as lesões sofridas e com os tratamentos a que foi submetido, o A. teve dores, fixadas no grau 5 numa escala de 7 graus de gravidade crescente.
26. Ainda em consequência do acidente dos autos, o A. foi internado no Centro Hospitalar ..., EPE, no passado dia 4-4-17, a fim de ser submetido nesse mesmo dia a uma intervenção cirúrgica que consistiu em EMOS de placa e parafusos de clavícula direita e rádio esquerdo e que provocou dores acrescidas no pós-operatório.
27. O A. teve alta hospitalar, no dia seguinte (5-4-17), com indicação da analgesia em SOS, enoxaparina (40mg diárias) durante 4 semanas, evicção de esforços durante 1 mês, penso de 2 em 2 dias no Centro de Saúde, retirada de agrafos ao 15º dia no Centro de Saúde e revisão clínica e radiográfica dentro de 4 semanas em consulta de ortopedia.
28. Em consequência do acidente, o A. apresenta as seguintes lesões e/ou sequelas:






29. Apresentando ainda um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 18 pontos, em resultado dos seguintes danos de carácter permanente:
- Limitação na mobilidade da coluna dorsal;
- Omalgia direita em relação com clavícula homolateral (status pós-fratura com pseudoartrose operada);
- Rigidez na extensão do punho direito;
- Subluxação da 4ª articulação metacarpofalângica (MTF) direita;
- Rigidez na pronação do antebraço esquerdo;
- Rigidez na supinação do antebraço esquerdo;
- Rigidez na extensão do punho esquerdo;
- Rigidez na flexão do punho esquerdo.
30. O dano estético resultante das cicatrizes/deformidades referidas em 28. foi fixado no grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente.
31. A R. considerou o A. totalmente incapaz para todo o trabalho desde a data do acidente até 17-8-15 data em que passou a considerá-lo numa situação de incapacidade permanente parcial e apto a retomar o trabalho.
32. O A. ficou totalmente incapacitado para o trabalho durante 422 dias, a que acrescem 30 dias referentes à operação cirúrgica para extração de material de oesteossíntese e recuperação funcional.
33. A repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, decorrente das sequelas supra-descritas, foi fixada no grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente.
34. As sequelas que o autor apresenta são compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual à data do acidente, mas implicam esforços acrescidos, sendo, no entanto, incompatíveis com o exercício da atividade profissional de bombeiro.
35. O quantum doloris foi fixado no grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo o A. necessidade de mediação analgésica em SOS.
36. À data do acidente era um homem saudável, era voluntário nos Bombeiros em ..., tendo nascido a 5-10-80 e trabalhava como caixeiro-viajante na ..., auferindo o salário mensal de € 550,00.
37. Durante o período em que não trabalhou, deixou de auferir, pelo menos a quantia de € 7.315,00, em farmácias, com medicação e artigos ortopédicos, gastou não menos de € 88,48 e na aquisição de um pulso imobilizador com tala, gastou € 34,19.
38. O vestuário e equipamento que usava, próprio para a circulação em velocípede com motor, igualmente ficou inutilizado (ou porque se rasgou com o impacto ou porque foi cortado para lhe ser prestada assistência).
39. Por força do embate, o ciclomotor de matrícula ...-NF, propriedade do A. sofreu danos, determinando a sua perda total; era de marca Susuki, modelo GSX 600 F, a gasolina.
40. O A. reclamou da R., no concerne ao velocípede com motor, a verba de € 2.000,00, em contraproposta ao valor por esta adiantado, mas sem qualquer resposta da R.; a R. avaliou o veículo do A. e chegou à quantia de 1.850,00 €, sem o desconto do salvado.
41. O A. é beneficiário do Centro Distrital de ..., com o n.º ....
42. Em consequência das lesões sofridas no acidente, o A. esteve com baixa médica subsidiada de 14-12-14 a 9-1-16 e por tal facto, o ISS, IP, pagou-lhe, a título de subsídio de doença, a quantia de e 5.106,06.
43. Na certidão que constitui o doc. junto com a p.i., o A gastou € 20,00.

III – Decidindo:

1. É questionada unicamente a repartição da responsabilidade entre os condutores cujos veículos colidiram. Considera o A. que a mesma é de imputar em exclusivo à condutora do veículo segurado, por não ter respeitado o sinal de STOP e, além disso, pretender mudar de direção, por forma a passar a circular na via por onde o A. circulava com o velocípede com motor. Subsidiariamente considera que deve ser atribuída a tal condutora uma quota superior à do A.

2. Os factos mais relevantes acerca da dinâmica do acidente revelam que:

- O acidente ocorreu numa alameda localizada na cidade de Aveiro, a qual constituía uma reta com dois sentidos de marcha separados entre si por um separador central; cada sentido de marcha tinha duas pistas de trânsito, delimitadas entre si por uma linha descontínua que passava a contínua da zona do entroncamento onde ocorreu o embate;

- Na via por onde anteriormente circulara o veículo segurado a faixa de trânsito desdobrava-se em três pistas, sendo a da esquerda destinada a quem pretendia virar à esquerda no entroncamento e as outras duas para quem seguia em frente;

- No topo da pista mais à esquerda encontrava-se pintada no pavimento, em letras grandes, a palavra STOP;

- Tratava-se de uma zona de boa visibilidade, sendo marginada, em ambos os sentidos de trânsito, por terrenos descampados e algumas casas de habitação e prédios habitacionais;

- Na altura do acidente estava bom tempo e era de dia;

- A condutora do veículo segurado perante o sinal de STOP imobilizou o veículo para verificar o trânsito que circulava no sentido oposto e, após ter ensaiado a ausência de veículos, iniciou a marcha de mudança de direção à esquerda, mas não se apercebeu da deslocação da mota conduzida pelo AA. que advinha do seu lado direito, quando o podia fazer, entrando na via por onde circulava o A.;

- O A., por seu lado, circulava a uma velocidade não inferior a 100 kms/h, pela hemi-faixa esquerda da sua via, embatendo no veículo seguro no exato momento em que este ocupava a via da esquerda destinada ao trânsito oposto. Apesar de ter travado, o A. não conseguiu evitar o embate, tendo colidido com a parte lateral (lado do passageiro), quase na frente, junto à roda, do veículo segurado, deixando um rasto de travagem de 15 metros;

- O acidente ocorreu na pista de trânsito mais à esquerda da ..., tendo em conta o sentido ..., mas próximo ao eixo da via.

3. Em face da dinâmica do acidente, não existem motivos para excluir a responsabilidade do A., o que é induzido de imediato pelo facto de circular a mais de 100 kms/h dentro de uma localidade, numa via ladeada por habitações e edifícios habitacionais.

Tal responsabilidade não é exclusiva, como, aliás, decidiram as instâncias, sem que R. o tenha impugnado. Com efeito, a condutora do veículo segurado fora confrontada com um sinal de STOP e, apesar de ter parado, não cedeu a prioridade a quem vinha pela sua direita, intrometendo-se na hemi-faixa de rodagem pela qual circulava o A. sem atentar na sua aproximação.

Decorre do art. 29º do Cód. da Estrada, que, perante um sinal de STOP, o condutor de veículo, para além de o imobilizar, deve ceder a passagem a outros veículos que se apresentem com prioridade.

O facto de a condutora do veículo ligeiro pretender mudar de direção levou-a aproximar-se da via mais à sua esquerda e, perante o sinal de STOP, parou o seu veículo, como o determina o art. 44º do Cód. da Estrada. Mas antes de ocupar algum segmento da faixa contrária não poderia deixar de prestar atenção ao trânsito que circulava por essa via e que, além do mais, se apresentava pela sua direita.

Porém, também não pode ser desconsiderado de modo algum o comportamento do A. que, de modo muito mais acentuado, esteve na causa da colisão de veículos.

É verdade que seguia numa via que lhe atribuía prioridade relativamente ao tráfego que, como o veículo segurado, se apresentava pela sua esquerda. Porém, ao circular numa via dentro de uma localidade a uma velocidade que excedia duas vezes o limite máximo objetivo a que estava obrigado (50 kms/h), agiu com um elevado grau de desconsideração pelos deveres inerentes à circulação automóvel.

Com efeito, nos termos do art. 24º, nº 1, do Cód. da Estrada, para além de o A. estar obrigado a respeitar o limite objetivo de velocidade que vigorava dentro de uma localidade, deveria regulá-la de modo a atender designadamente à presença de outros utilizadores, ao facto de na via por onde circulava entroncaram outras vias, como aquele de que precedia a condutora do veículo segurado e ao facto de se tratar de uma via que, embora ladeada de alguns terrenos descampados, também tinha habitações e prédios habitacionais.

Tais circunstâncias conjugadas impunham que circulasse a uma velocidade muito inferior àquele a que seguia, tomando atenção a outras incidências, tanto mais que se tratava de uma reta com boa visibilidade e era de dia.

4. O A. procura afastar ou reduzir a sua responsabilidade mediante a contabilização dos deveres que terão sido incumpridos, apontando à condutora do veículo segurado duas infrações: a de não ter respeitado o sinal de STOP e a de não ter tomado as providências exigíveis para quem pretenda mudar de direção. Já no que lhe diz respeito invoca que “só” seguia a uma velocidade não inferior a 100 kms/h.

Ora, como já se referiu, a matéria de facto revela que a condutora do veículo segurado começou por respeitar o sinal de STOP, imobilizando o seu veículo, de modo que a sua infração restringiu-se ao desrespeito da regra da prioridade.

De qualquer modo, a metodologia indicada pelo recorrente não se mostra a mais ajustada nesta ou noutras circunstâncias, sendo relevante apreciar a dinâmica dos acidentes e o comportamento dos intervenientes numa perspetiva global que ponha o foco na causalidade relativamente aos sinistros.

Sem ocultar que também a condutora do veículo segurado estava obrigada a acautelar algum embate com veículos que advinham da sua direita, a solução ajustada ao caso passa pela atribuição ao A. de um grau de responsabilidade mais elevado, tendo em conta o grau de culpa inerente ao facto de circular a uma velocidade superior a 100 kms/h com um velocípede com motor dentro de uma localidade.

É na verdade esta a infração que emerge como a causa principal do acidente, o qual era evitável e poderia ter sido evitado se, apesar de a condutora do outro veículo não ter detetado a aproximação do velocípede com motor, o A. tivesse respeitado a velocidade máximo de 50 kms/h que lhe era imposta ou seguisse a uma velocidade ainda mais moderada, em face das circunstâncias.

Repare-se que um velocípede com motor, pelas suas características, comporta um maior risco de acidentes em situações em que a velocidade máxima não é respeitada, tendo em conta o facto de a aderência ao solo se fazer apenas com dois rodados, importando na redução do atrito necessário a uma travagem a tempo de evitar o embate com outros veículos ou obstáculos que se anteponham. Acresce ainda a reduzida estabilidade de tal veículo e o facto de a reduzida massa influir na capacidade de absorção da energia em caso de embate com outro veículo, fatores que conjugadamente apelavam a uma condução mais prudente.

Afinal, tratava-se de uma via urbana em que era antecipável a probabilidade de existirem obstáculos, mesmo quando estes pudessem derivar do incumprimento de deveres estradais, como ocorreu no caso com a condutora do veículo segurado e como acontece frequentemente com o atravessamento na via de pessoas ou de animais.

5. O A. invoca em seu apoio alguns arestos deste Supremo (um deles, de 5-7-18, 46/03, foi relatado pela Cons. Maria da Graça Trigo, ora adjunta). A enunciação desses arestos é útil mas não é decisiva para modificar o resultado, já que cada acidente é integrado por circunstâncias diversas, sendo a repartição de responsabilidades o resultado de uma avaliação global dos comportamentos e das circunstâncias relevantes.

Pelo exposto, avaliando globalmente as circunstâncias que se apresentavam na ocasião em que ocorreu o acidente, consideramos ser de confirmar a repartição de responsabilidades que foi decidida pela Relação, ou seja de 70% para o A. e de 30% para a condutora do veículo segurado.

Em face desta solução, mais não resta do que confirmar o acórdão recorrido, já que nenhuma outra questão foi suscitada.

IV – Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas da revista a cargo do recorrente.

Notifique.

Lisboa, 11-4-19

Abrantes Geraldes (Relator)

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo