Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
9215/15.6T8PRT-V.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: ANULAÇÃO DE PARTILHA
ERRO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 05/03/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSOS ESPECIAIS / INVENTÁRIO / EMENDA E RESCISÃO DA PARTILHA / PARTILHA / EMENDA DA PARTILHA NA FALTA DE ACORDO.
Legislação Nacional:
CPC DE 1961 – ARTIGO 1387.º.
REGIME JURÍDICO DO PROCESSO DE INVENTÁRIO: - ARTIGO 71.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


-DE 25-2-10, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. Verificando um dos interessados em processo de inventário pós-divórcio, após a partilha, que o valor atribuído à verba correspondente a uma quota no capital social de uma sociedade não tinha qualquer correspondência com o seu valor nominal, ocorre uma situação de erro que lhe permite obter a emenda dessa partilha.

II. Este efeito apenas pressupõe que o conhecimento do erro ocorra após a partilha.

Decisão Texto Integral:
I - Por apenso ao processo de inventário pós-divórcio foi instaurada ação declarativa com vista a proceder-se à emenda da partilha que naquele foi realizada, com fundamento em erro, pretendendo a A. que seja eliminada uma verba que lhe foi adjudicada e, por via da redução em € 59.855,75 do valor do acervo patrimonial, que seja organizado novo mapa de partilha. Alegou a A. que, após a partilha, verificou que aquela verba, correspondente a uma quota no capital social de uma sociedade comercial, não tinha qualquer valor, uma vez que, além de ter apenas sido realizado 50% do capital social, a sociedade em causa não tinha qualquer património, encontrando-se paralisada há vários anos e com dívidas tributárias.

O R. contestou a pretensão, alegando que a A. sempre teve conhecimento da situação em que se encontrava a dita sociedade cuja quota integrava o acervo comum do casal, não se verificando qualquer motivo para a pretendida emenda.

A 1ª instância julgou a ação improcedente, mas a Relação inverteu esse resultado e determinou que deveria proceder-se à pretendida emenda à partilha, com eliminação da “verba nº 3 da relação de bens correspondente a esta quota, retificação do valor dos bens a partilhar e o montante a que cada um cabe na forma à partilha e despacho determinativo de partilha, em consequência desta exclusão e anulação do sorteio, devendo repetir-se esta diligência, agora sem a verba ora em causa”.

O R. interpôs recurso de revista em que, no essencial, se insurge contra o acórdão recorrido, na medida em que determinou a eliminação de uma verba correspondente a uma quota reportada ao capital social de uma sociedade comercial que ainda existe, a qual foi adquirida na constância do casamento, constituindo bem comum do casal.

Alega ainda que não pode dar-se como demonstrada a existência de erro por parte da A., uma vez que sempre soube que a quota social não tinha valor igual ao seu valor nominal, tanto mais que não a licitou.

A A. contra-alegou.

Cumpre decidir.


II – Decidindo:

1. Apuraram-se efetivamente os factos que determinam o resultado que foi declarado pela Relação, sendo de destacar que no inventário em causa foi o R. que exerceu as funções de cabeça de casal, tendo para o efeito apresentado a relação de bens que incluía a verba nº 3, “quota social no valor nominal de € 59.855,75, no capital social da sociedade comercial por quotas AA - Construções, Lda, com sede na R. …, …, s/l direito, …, …, matriculada na CRC do Porto sob o n.º 4…”, correspondente ao valor de 12.000.000$00 no capital social de 24.000.000$00.

É verdade que, como também se provou, a “A. tinha conhecimento da existência da sociedade e que a mesma tinha como escopo o desenvolvimento de projetos imobiliários”. Aliás, a A. “acompanhou o processo de constituição da sociedade e aquisição do prédio onde os sócios da mesma pretendiam fosse construído um edifício cujas frações seriam comercializadas”, tendo intervindo no “momento da formalização do empréstimo que visava a aquisição do prédio onde os sócios da sociedade AA pretendiam fosse construído um edifício cujas frações seriam comercializadas”.

Mas o certo é que a A. veio a verificar, após a partilha (e só após a partilha), que tal sociedade não exercia qualquer atividade, não apresentava declarações fiscais, designadamente para liquidação do IRC, desde o ano de 2001, e tinha pendentes diversos processos contra-ordenacionais e de execução por dívidas fiscais de liquidações oficiosas, tendo sido emitidos vários mandados de penhora que nunca foram executados, por total falta de bens penhoráveis. Ademais, a mesma sociedade não tem quaisquer bens nem ativos patrimoniais.

Além disso, a sede social da sociedade coincide com o domicílio profissional do R., sendo este sócio-gerente, mas no decurso do processo, em que exerceu o cargo de cabeça de casal, o R. não forneceu qualquer informação sobre a atividade ou projetos da sociedade, sendo certo que aquando da apresentação de bens e ao longo do processo de inventário tinha conhecimento da descrita situação da sociedade.

Apurou-se ainda que a A., através do ilustre mandatário judicial que constitui, escreveu que “não se aceitam os valores nominais das quotas sociais, que devem ser valorizados com base nos valores da sociedade extraídos pelos elementos contabilísticos expressos nos balanços ou balancetes, que o cabeça-de-casal deverá apresentar nos autos, o que desde já se requer”, cf. requerimento de fls. 166 a 178 do apenso A”, questão que por decisão judicial foi relegada para a conferência de interessados.

Mas na “conferência de interessados, a A. nada disse ou requereu quanto ao valor atribuído à quota social na relação de bens”, pelo que a “descrição da verba nº 3 manteve-se inalterada ao longo do processo”.

Porque a “referida verba não foi licitada por qualquer dos interessados no processo de inventário”, “foi integrando, alternadamente, os dois lotes constituídos para sorteio”.

A A. “não licitou nesta verba por suspeitar que a quota não tivesse o valor que lhe foi dado pelo cabeça-de-casal, mas porque jamais teve qualquer interesse direto ou a mínima informação sobre a atividade da sociedade”. E estando convicta “da existência do valor patrimonial indicado para a quota da verba nº 3, absteve-se de reclamar, no momento próprio, sobre a sua inclusão na partilha ou sobre o seu valor”.

A referida verba “acabou por ser retirada desses lotes e foi atribuída à A., para composição da respetiva meação, na sequência de acórdão proferido pela Relação do Porto de 27-4-09, em obediência ao estabelecido no art. 1374º, al. b), do então vigente CPC”.

Foi quando “dia 12-3-12, após trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha”, se dirigiu à CRC para fazer o registo da aquisição da referida quota social a seu favor que “obteve então uma cópia informativa dos registos em vigor a propósito da sociedade”, de onde “constava apenas o registo do ato de constituição da sociedade, feito através de apresentação de 6-8-96” e que “o capital social apenas havia sido realizado em 50%”.


2. Nos termos do art. 71º do Regime Jurídico do Processo de Inventário, correspondente ao art. 1387º do CPC de 1961, verificado erro posterior à decisão, pode o interessado instaurar ação para obter a emenda da partilha, valendo para o efeito quer o erro de facto na descrição, quer o erro na qualificação dos bens ou qualquer outro erro suscetível de viciar a vontade das partes, desde que a verificação do erro seja posterior à decisão homologatória da partilha.

Pelo encadeado de factos, em conjugação com a aludida norma legal, verifica-se que deve ser confirmado o acórdão recorrido.

Com efeito, a descrição da referida quota social pelo seu valor nominal não correspondia efetivamente à realidade que já na ocasião se verificava, a qual, sendo do conhecimento do R., porque era sócio-gerente e cabeça-de-casal, era ignorada pela A. que apenas tomou consciência disso depois da adjudicação no processo de inventário.

A referida verba não foi licitada por qualquer dos dois interessados e, tendo-se mantido na descrição de bens com o referido valor nominal, acabou por ser adjudicada à A. na sequência de uma operação de sorteio das verbas sobrantes.

Em face de uma quota de 50% no capital social de uma sociedade que apenas foi realizado em 50% e que, independentemente disso, não tem qualquer património penhorável, não exerce qualquer atividade, sendo apenas sujeito passivo de obrigações fiscais, é de todo desajustado o valor que lhe foi atribuído pelo R., cabeça-de-casal e gerente da mesma sociedade.

O facto de a A. não ter prosseguido com as diligências no sentido da efetiva avaliação dessa verba antes de a mesma se estabilizar na descrição não afeta a conclusão acerca da existência de erro quanto à manutenção do referido valor, erro esse que a A. apenas detetou depois da partilha, quando se aprestava a proceder ao registo da quota em seu nome.

Confrontamo-nos com um erro de facto na descrição de bens, relevando em termos de emenda a partilha sem necessidade de se encontrarem preenchidos os requisitos gerais e especiais do erro do erro vício da vontade.

Trata-se, aliás, de uma situação muito semelhante à que foi apreciada no âmbito do Ac. deste STJ de 25-2-10, www.dgsi.pt, em cujo sumário se refere que “constitui erro de facto na descrição dos bens, subsumível ao preceituado naquelas disposições legais, a inclusão no acervo dos bens a partilhar de depósitos bancários inexistentes, ficcionados pelo cabeça-de-casal, não lhes correspondendo quaisquer fundos pecuniários – cumprindo, neste caso, corrigindo a qualificação ou enquadramento jurídico do pedido formulado, condenar os demais interessados a ressarcir o autor a quem foram adjudicados os bens objetivamente inexistentes”.


IV – Face ao exposto, acorda-se em negar provimento à revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas da revista a cargo do R.

Notifique.

Lisboa, 3-5-18


Abrantes Geraldes (Relator)

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo