Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
41/09.2TOLSB.L1.S2
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MOREIRA ALVES
Descritores: EXECUÇÃO POR CUSTAS
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
CASO JULGADO
COMPETÊNCIA MATERIAL
JUÍZOS DE INSTRUÇÃO CRIMINAL
JUÍZOS DE EXECUÇÃO
Data do Acordão: 03/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: DECLARADO COMPETENTE OS JUÍZOS DE EXECUÇÃO
Área Temática:
CUSTAS JUDICIAIS - EXECUÇÃO POR DÍVIDA DE CUSTAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE EXECUÇÃO - RECURSOS.
Doutrina:
- Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 2007, 10.ª edição, p. 95.
- Salvador da Costa, “Código das Custas Judiciais” Anotado e Comentado, 8.ª edição, 2005 –, em anotação ao artigo 117.º, (p. 498) e em anotação ao artigo 118.º (pp. 500/501).
Legislação Nacional:
CÓDIGO DAS CUSTAS JUDICIAIS (CCJ), APROVADO PELO D.L. N.º 224-A/96, DE 26-11 (ENTÃO VIGENTE, NA SUA 13.ª VERSÃO, EMERGENTE DA LEI N.º 53-A/2006, DE 29-12): - ARTIGOS 117.º, 118.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 621.º, 629.º, N.º2, AL. A), 688.º, 854.º.
D.L. N.º 303/98, DE 7-10 (REGIME DE CUSTAS NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL): - ARTIGOS 1.º, 2.º, 3.º, 10.º, 12.º
DL N.º 148/2004, DE 21-06.
DL N.º 186-A/99, DE 31-05, NA VERSÃO DECORRENTE DO DL N.º 250/2007, DE 29-06.
DL N.º 38/2003, DE 08-03.
LEI N.º 28/82, DE 15-11 – ORGANIZAÇÃO, FUNCIONAMENTO E PROCESSO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL): - ARTIGO 84.º.
LEI N.º 3/99, DE 13-01 – LEI DE ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS (LOFTJ) –, NA REDACÇÃO EMERGENTE DO DL N.º 303/2007, DE 24-08: - ARTIGOS 77.º, N.º 1, 79.º, 96.º, N.º 1, ALÍNEA G), 102.º-A, 103.º
LEI N.º 41/2013: - ARTIGO 6.º, N.º1.
LEI N.º 42/2005, DE 29-08.
PORTARIA N.º 1322/2004, DE 16-10.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 14-05-2002, AGRAVO N.º 1355/02; DE 10-09-2009, E DE 17-12-2009, PROCESSOS N.ºS 76/09.5YFLSB E 09P0612, RESPECTIVAMENTE, AMBOS DISPONÍVEIS ATRAVÉS DE WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Ao decidir que o tribunal de instrução criminal tem competência material para a execução por dívida de custas liquidadas no TC, o acórdão recorrido não ofende o caso julgado formado por acórdão da Secção Criminal do STJ, que, apreciando questão diversa, se julgou incompetente, em razão da matéria, para conhecer da reclamação de um despacho de não admissão de recurso.

II - De igual modo não ofende o caso julgado formado por decisões singulares do relator, que conheceram da questão – diferente – de saber se a competência para julgar o recurso – aquele onde veio a ser proferido o acórdão recorrido –, caberia às secções cíveis ou às secções criminais da Relação.

III - O tribunal que proferiu a decisão de condenação em custas é, em regra, materialmente competente para processar a respectiva execução.
IV - Não tendo competência executiva, porém, como é o caso do TC, são os tribunais judiciais os competentes para essa execução.
V - Existindo na comarca um ou mais juízos de execução, é a eles – e não aos juízos de instrução criminal - que está deferida a competência material para a execução das custas contadas no inquérito ou na instrução criminal.
Decisão Texto Integral:

Proc. N.º 41/09.2TOLSB.L1.S2


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Relator – Moreira Alves                                                                             

Adjuntos - Alves Velho

                - Paulo de Sá


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- Execução Comum para cobrança de custas liquidadas no Tribunal Constitucional, no âmbito de inquérito criminal que correu termos no 5º Juízo do TIC de Lisboa.

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- Execução instaurada em 26/1/2008.        
- Exequente – Mº Pº.

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- Executada – AA.
- Valor – 3.360,00 €

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Sequência do processado

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AA viu rejeitado o pedido de abertura de instrução que, enquanto assistente, formulara no processo 6915/05.2TDLSB do 5º juízo do TIC de Lisboa.
Inconformada com o despacho que não lhe admitiu o recurso daquela rejeição deduziu reclamação, a qual lhe foi indeferida.
Veio, então, arguir a nulidade do despacho que indeferiu a reclamação, arguição que foi, igualmente indeferida.
Pediu, em seguida, aclaração do despacho que indeferiu a reclamação, a qual foi, novamente, indeferida.
Como indeferido foi o requerimento que apresentou pedindo a retirada deste último despacho de expressão pretensamente ofensiva.
De todos estes despachos recorreu para o Tribunal Constitucional, o que porém não foi admitido.
Deduzida reclamação dessa não admissão do recurso, veio a mesma a ser indeferida pelo acórdão 210/2008, que condenou a reclamante em custas.
A arguição de nulidade desse acórdão foi indeferida, por extemporaneidade, pelo acórdão 334/2008, que condenou a reclamante em custas.
Elaborada, notificada e não paga a conta de custas devidas no Tribunal Constitucional foi extraída certidão para efeitos de cobrança coerciva e enviada ao TIC de Lisboa onde foi, em 26 JAN 2009, distribuída ao 1 ° Juízo, dando origem a esta execução.
Em 16 JUN 2010 a executada veio arguir a falta de citação, o que foi indeferido.
Veio, então, arguir, em 22 JUL 2010, a incompetência do tribunal, por ser competente o 5º Juízo, dado o disposto no art.° 117º do CCJ.
Seguiu-se decisão que, considerando que as custas exequendas são devidas em processo originado no processo do 5º Juízo do TIC e o disposto no art.° 117° do CCJ, julgou incompetente o 1º Juízo, anulando todos os atos entretanto praticados e levantando as penhoras efetuadas.
Inconformado, apelou o M.P., concluindo pela competência do 1º Juízo, dado o disposto no artº 118° do CCJ, e pela validade dos atos praticados.
Houve contra-alegação onde se propugna pela limitação do âmbito do recurso e pela manutenção do decidido.
Por acórdão proferido em conferência na 5ª secção (criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa, foi revogado o decidido, declarando-se competente o 1º Juízo do TIC de Lisboa.
Indeferido o pedido de aclaração que formulou, interpôs recurso de revista com fundamento na incompetência em razão da matéria da secção criminal, o qual não foi admitido.          
A recorrente reclamou desse despacho, nos termos do Artº 688º do C.P.C., tendo o Exmº Vice-Presidente do STJ ordenado a sua distribuição pelas secções criminais.
A secção criminal a que o processo foi distribuído julgou-se incompetente em razão da matéria, para conhecer da reclamação, determinando a remessa dos autos à distribuição pelas secções cíveis.
Por decisão singular do relator (6ª secção - cível) foi admitido o recurso.
E conhecendo dele, o mesmo relator, dando provimento ao recurso, revogou o acórdão recorrido, determinando o conhecimento do recurso pelas secções cíveis do Tribunal da Relação de Lisboa, por estarmos perante uma causa "que não tem natureza penal mas sim cível".
Proferiu então a Relação (1ª Secção Cível) acórdão sobre o recurso interposto da decisão proferida na execução por custas acima identificada e que declarara competente para a sua tramitação o 5° Juízo do TIC de Lisboa e declarara nulos os atos praticados na tramitação ocorrida no 1º Juízo do mesmo tribunal; tal acórdão julgou procedente a apelação e, consequentemente, revogou o despacho recorrido, declarando competente o 1º Juízo do TIC de Lisboa e não padecerem os atos praticados de qualquer invalidade decorrente da competência do tribunal.
Do acórdão que assim decidiu vem interposta a presente revista, distribuída como excepcional, pela mesma AA que, para justificar a respetiva admissibilidade, se baseia no disposto nos artºs 678°, n.° 2, al. a), e 721°-A, n.° 1, als. a) e c), do Cód. Proc. Civil.

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Apresentados os autos à formação de juízes a que se refere o nº 3 do Artº 721-A do C.P.C. revogado (então aplicável), foi proferido acórdão que, não admitindo a revista a título excepcional, ordenou, no entanto, a distribuição normal do processo, prevenindo a possibilidade de o recurso ser admissível nos termos gerais.

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Admitido o recurso, cumpre apreciá-lo.

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Considerando a valor da execução ou o disposto no Artº 854º do Novo C.P.C., cujo regime recursivo é o aplicável ao caso (Artº 6º nº 1 da Lei 41/2013), em princípio, a decisão aqui em crise (Ac. da 1ª Secção Cível do T. da Relação de Lisboa – v. fls. 215/218) não seria susceptível de recurso para o S.T.J.

A sua admissibilidade especial, resulta apenas da circunstância de ter sido invocado como fundamento do recurso, a ofensa de caso julgado e a violação das regras de competência em razão da matéria. (Artº 629º nº 2 a) do C.P.C.).


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Mas, assim sendo, só essas duas questões poderão ser apreciadas em sede de revista, o que de seguida se fará.

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1ª Questão

Ofensa de caso julgado

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Diz a recorrente que o acórdão de 13/11/2012 (v. fls. 215/218) ao decidir que o 1º Juízo de Instrução Criminal de Lisboa tem competência material para a execução que lhe foi distribuída em 29/01/2009, ofenda caso julgado formado nos autos.

Ao que parece, os casos julgados “ofendidos” a que se refere a recorrente, ter-se-iam formado:

- No Ac. do S.T.J. (secção criminal) de 26/4/2012 – v. fls. 67/70 do Apenso de reclamação –

- Com a decisão singular proferida neste S.T.J., pelo Exmº relator da 6ª secção cível – v. fls. 77/78 do Apenso de Reclamação -, e

- Com a decisão singular do mesmo relator – v. fls. 201/202 – 1º vol. - 


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Salvo melhor opinião, não se verifica qualquer ofensa do caso julgado.

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Nos termos do disposto do Artº 621º do C.P.C. (alcance do caso julgado),

“A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga …”, (redacção idêntica à do Artº 673 do anterior diploma adjectivo).


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Ora, desde logo, nenhuma das decisões referidas pela recorrente decidiu que o 1º ou o 5º juízos do TIC era competente ou incompetente para processar a presente execução, se mais não fosse, porque não era essa questão o objecto de qualquer dos recursos em que essas decisões foram proferidas.

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Vejamos melhor.

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Quanto ao Ac. da Secção Criminal deste S.T.J. de 26/4/2012, o que aí se decidiu, foi a sua incompetência em razão da matéria para julgar da reclamação de um despacho que não admitiu um recurso, reclamação a que era aplicável o regime do Artº 688º do C.P.C.

Por outro lado, o objecto do recurso que, em sede da dita reclamação, a executada pretendia ver recebido (como viu), era a questão da competência/ incompetência material da secção criminal da Relação para conhecer do primitivo recurso, intentado pelo Mº Pº.

Ora, nesse primeiro recurso, que se designará por recurso primitivo, estava em causa questão diferente, que se circunscrevia a indagar se era competente para processar a presente execução, o 1º ou o 5º juízo do TIC.

No fundo, a questão limitava-se a saber se a execução corria por apenso ao processo de inquérito original (como defendeu o despacho recorrido), ou se a certidão executiva emitida pelo T. Constitucional devia, antes, ser distribuída pelos juízes de instrução criminal, como efectivamente se fez e é defendido pelo Mº Pº no seu recurso. Por outras palavras, a questão resumia-se em determinar se era aplicável ao caso o Artº 117º ou 118º nº 2 do C.C.J., na redacção então em vigor.


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De facto, até à prolação do Ac. da R. L. (1ª Secção Cível) de 13/11/2012 – fls. 215/ 218 – 2º vol., nunca se pôs em questão a competência material dos juízos do TIC de Lisboa para processar a presente execução por custas. Na verdade, até ao Ac. de 13/11/2012, a própria executada sempre defendeu a competência do 5º juízo do TIC, tanto que na sua contra-alegação ao recurso do Mº Pº, claramente apoiou o despacho de 1ª instância recorrido (despacho de 12/10/2010 – v. fls. 105/ 105v. – 1º vol.), que declarou o 1º juízo de instrução criminal de Lisboa incompetente para execução e competente para o efeito, o 5º juízo de instrução criminal, propondo, em conformidade, a improcedência do recurso do Mº Pº.   

De facto, nas referidas contra-alegações, defendeu a executada a aplicação do direito invocado na jurisprudência documentada no seu requerimento de fls. 93 (1º Vol.), ou seja, a jurisprudência perfilhada pelo Ac. da R. L. de 30/6/2010 e pelos Ac. do Supremo de 23/5/2002 e 2/3/2004, estes últimos relatados, respectivamente pelo Consº Dionísio Correia e Afonso de Melo (confr. contra-alegação de fls. 131/132).

Ora, se confrontarmos essa jurisprudência (v. fls. 94/ 98v. – 1º vol.), verifica-se, com toda a evidência, que aí se defendeu ser “…competente para tramitar a execução por dívida de custas liquidadas no Tribunal Constitucional, o Tribunal do processo onde foi proferida a decisão que deu origem ao recurso a que respeitam as custas” e, na sequência, que “…os juízes de Instrução Criminal sendo Tribunais de competência especializada, receberam competência para a execução das suas decisões, independentemente da natureza criminal ou cível das matérias em causa, cingindo-se a competência dos juízes de execução apenas às execuções de decisões de natureza cível em que esteja em causa a liquidação.”


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Posto isto, é manifesto que a questão decidida pelo Ac. da Secção Criminal deste S.T.J., de 26/4/2012 é distinta da que foi decidida pelo Ac. da Secção Cível da Relação de Lisboa, de 13/11/2012, aqui sob censura, pelo que não existe a alegada ofensa de caso julgado.

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Note-se, finalmente, que o facto de no acórdão agora sob recurso se dizer que o processo de execução por custas não tem natureza penal…, não altera em nada a situação.

De resto, como se vê da parte final do seu texto, não se põe de parte o facto de, em 1ª instância, a competência poder, eventualmente, caber a um tribunal criminal, situação que não prejudica, na óptica do acórdão, a sua incompetência para apreciar e decidir uma reclamação submetida ao regime do Artº 688º do C. P. Civil.


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Da mesma forma, a decisão singular de 28/5/2012 (v. fls. 77/78 do Apenso), não formou caso julgado que tenha sido ofendido pelo acórdão ora em recurso.

Aquela decisão limitou-se a decidir a reclamação do Artº 688º do C.P.C., tendo concluído pela admissão do recurso, decisão que foi integralmente cumprida, e, que, como é evidente, nada tem a ver com a questão de saber se os juízos do TIC são ou não são competentes para processar a presente execução por custas.


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Também a decisão singular de 5/9/2012 (v. fls. 201/202 – 1ª vol.) não teve por objecto a questão da competência material dos juízos de instrução criminal para a presente execução por custas, questão que, como já se notou, nem sequer estava em causa.

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O que aqui se decidiu, foi apenas que, para conhecer do primitivo recurso do Mº Pº, eram competentes as secções cíveis da Relação e não as secções criminais.

Ora, esta decisão foi inteiramente cumprida, tendo o processo sido distribuído à primeira secção cível do T. da Relação de Lisboa, assim se esgotando o efeito útil do julgado.

O que depois foi decidido pela 1ª secção cível da Relação (Tribunal declarado competente, em razão da matéria, pela decisão singular de 5/9/2012) no seu acórdão de fls. 215/218 (Apenso), foi exactamente o objecto do primitivo recurso do Mº Pº, que nada tem a ver com o decidido singularmente a 5/9/2012.

Portanto, também aqui não existe qualquer ofensa de caso julgado, como parece evidente.

Aliás, nem podia existir.

Pois, se a decisão singular aqui em causa decidiu, exactamente, serem competentes materialmente as secções cíveis da Relação, para apreciar a questão de saber se é competente para processar a execução o 1º ou o 5º juízo do TIC (que como se tem referido, é o único objecto de recurso primitivo do Mº Pº), é óbvio que não podia (seria mesmo um contra-senso) tomar qualquer posição a respeito da questão, para apreciação da qual, declarou competentes as ditas secções cíveis da Relação.


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2ª Questão

Violação das regras da competência material

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Alega a executada/ recorrente que o acórdão da 1ª Secção Cível da Relação de Lisboa, de 13/11/2012, viola as regras da competência em razão da matéria, ao que parece, porque o TIC (seja o 1º juízo, seja o 5º) não tem competência material para processar a presente execução por custas devidas e liquidadas no Tribunal Constitucional, no âmbito do processo de inquérito nº 6915/05.2TDLSB, do 5º juízo do TIC de Lisboa.

Vejamos melhor:


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Como se viu, a execução foi movida pelo Ministério Público e o título executivo é a certidão emitida pelo Tribunal Constitucional, ao abrigo do art. 12.º, n.º 1, do DL n.º 303/98, de 07-10, em que se contém a conta de custas n.º 438/2008, ali contabilizadas, no valor de € 3360 (três mil trezentos e sessenta euros) – cf. fls. 8 e segs..

O DL n.º 303/98 dispõe sobre o regime de custas no Tribunal Constitucional –cf. art. 1.º –, competindo à secretaria do Tribunal Constitucional a elaboração da conta e a liquidação das custas - art. 10.º.

Nos termos do art. 3.º, daquele diploma, o regime de custas referente aos recursos e reclamações no Tribunal Constitucional – cf. n.ºs 2 a 4 do art. 84.º da Lei n.º 28/82, de 15-11 – é o estabelecido para as custas cíveis no Código das Custas Judiciais (CCJ), e respectiva legislação complementar, com as necessárias adaptações e ressalvadas as disposições do próprio diploma.

Em caso de não pagamento voluntário das custas, rege o art. 12.º, sob a epígrafe “Instauração da execução“ – integrado na Secção IV “Pagamento coercivo das custas e multas” –, nos seguintes moldes:

1. Decorrido o prazo de pagamento das custas ou multas sem a sua realização ou sem que ele tenha sido possível nos termos do artigo anterior, é entregue certidão ao Ministério Público, para fins executivos.

2. A execução é instaurada no tribunal competente, com base na certidão a que se refere o número anterior.

3. A secretaria do tribunal onde correu a execução deve remeter imediatamente ao Tribunal Constitucional, por cheque emitido à ordem deste, o valor correspondente às custas ou multas cobradas.

4. Para controlo dos pagamentos, no Tribunal Constitucional fica duplicado da certidão referida no n.º 1”.

Parece evidente, como se decidiu no Acórdão deste STJ, de 14-05-2002, Agravo n.º 1355/02: “Não identificando o DL n.º 303/98, de 07-10, o tribunal competente para a execução por custas aplicadas e contadas no Tribunal Constitucional, e não havendo qualquer disposição legal a atribuir essa competência a outra ordem jurisdicional, o respectivo processo executivo terá de ser tramitado nos tribunais judiciais”.

O mesmo observa Amâncio Ferreira: “Os tribunais judiciais são assim também competentes para executar as decisões proferidas por outros órgãos jurisdicionais carecidos de competência executiva, salvo se esta competência for atribuída a outros. (…) É o que se verifica no que concerne às custas e multas em dívida no TC, desde que o processo onde elas foram, respectivamente, contadas e liquidadas, proceda de tribunal judicial (art. 12.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 303/98, de 07-10)”- Curso de Processo de Execução, 2007, 10.ª edição, pág. 95.


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Atendendo à data da instauração da execução (26-01-2008), urge ponderar os preceitos da Lei n.º 3/99, de 13-01 – Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ) –, na redacção emergente do DL n.º 303/2007, de 24-08, designadamente:

- Art. 77.º, n.º 1, alínea c): “Compete aos tribunais de competência genérica (…) Exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil, em circunscrições não abrangidas pela competência de outro tribunal.

- Art. 79.º (Tribunais de instrução criminal):

1. Compete aos tribunais de instrução criminal proceder à instrução criminal, decidir quanto à pronúncia e exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito.

2. Quando o interesse ou a urgência da investigação o justifique, os juízes em exercício de funções de instrução criminal podem intervir, em processos que lhes estejam afectos, fora da sua área territorial de competência”. 

- Art. 96.º, n.º 1, alínea g): “Podem ser criadas as seguintes varas e juízos de competência específica (…) Juízos de execução”.

- Art. 102.º-A (Juízos de execução):

1. Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil.

2. Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos e as execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante o tribunal civil.

3. Compete também aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução por dívidas de custas cíveis e multas aplicadas em processo cível, as competências previstas no Código de Processo Civil não atribuídas aos tribunais de competência especializada referidos no número anterior”.

- Art. 103.º (Execução das decisões): “Sem prejuízo da competência dos juízos de execução, os tribunais de competência especializada e de competência específica são competentes para executar as respectivas decisões”.

Estes os normativos relevantes; vejamos a sua evolução:

A LOFTJ, na redacção inicial da Lei n.º 3/99, de 13-01, consagrava o princípio de que quem decide é quem executa, preceituando no art. 103.º (competência): “Os tribunais de competência especializada e de competência específica são competentes para executar as respectivas decisões”.

Em 2003, pelo DL n.º 38/2003, de 08-03, foram introduzidas diversas alterações à LOFTJ, destacando-se, no que aqui interessa, a possibilidade de criação de juízos de competência específica de execução – art. 96.º, n.º 1, al. g) –, aos quais passava a competir (nas circunscrições em que fossem criados e instalados) exercer, irrestritamente, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no CPC.

Entretanto, em 2005, foi a LOFTJ de novo alterada, pela Lei n.º 42/2005, de 29-08, sendo conferida, perante a nova redacção dada aos arts. 102.º-A e 103.º (que se reproduziram supra), uma competência com algumas restrições aos juízos de execução. Destarte, o art. 103.º da LOFTJ voltou a estabelecer o princípio geral de que quem decide é quem executa, com a ressalva “sem prejuízo da competência dos juízos de execução…” (entretanto criados e instalados em algumas Comarcas, conforme explicação mais detalhada no ponto subsequente).

Concomitantemente, o art. 102.º-A, continuando a estabelecer a regra geral da competência dos juízos de execução (n.º 1), introduziu exclusões a essa regra, afastando da sua competência “(…) os processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos e as execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante o tribunal civil”.

A lei, ao aludir às “execuções de sentenças proferidas por juízo criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante o tribunal civil”, está a pensar e a ter em vista as execuções em que a condenação numa indemnização cível é em quantia certa, porque em relação às outras, em que a condenação é em montante indemnizatório a “liquidar em execução de sentença”, a execução, nos termos do art. 82.º, n.º 1, 2.ª parte, do Código de Processo Penal (CPP), corre perante o tribunal cível – cf., neste sentido, Acórdãos do STJ, de 10-09-2009, e de 17-12-2009, Processos n.ºs 76/09.5YFLSB e 09P0612, respectivamente.


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Na sequência da reforma do regime jurídico da acção executiva, operada pelo DL n.º 38/2003, foram criados Juízos de Execução.

Especificamente, o DL n.º 148/2004, de 21-06, criou os 1.º, 2.º e 3.º Juízos de Execução da Comarca de Lisboa, os 1.º e 2.º Juízos de Execução da Comarca do Porto, e os Juízos de Execução das Comarcas de Guimarães, Loures, Maia, Oeiras e Sintra, dispondo, no seu art. 5.º, que aqueles Juízos de execução “entram em funcionamento na data em que for determinada a respectiva instalação por portaria do Ministro da Justiça”.

Decorrido cerca de um ano, a Portaria n.º 1322/2004, de 16-10, veio a declarar “instalados, a partir de 18 de Outubro de 2004, o 1.º e o 2.º Juízos de Execução da Comarca de Lisboa e o 1.º Juízo de Execução da Comarca do Porto, compreendendo cada um deles três secções de processos”.

Por sua vez, a Portaria n.º 822/2005, de 14-09, declarou “instalados, a partir de 15 de Setembro de 2005, o 3.º Juízo de Execução da Comarca de Lisboa e o 2.º Juízo de Execução da Comarca do Porto, compreendendo cada um deles três secções de processos”.

Harmonicamente, o Regulamento da LOFTJ – aprovado pelo DL n.º 186-A/99, de 31-05, na versão decorrente do DL n.º 250/2007, de 29-06 –, no respectivo Mapa VI, publicado em anexo, indica que a Comarca de Lisboa dispunha (nessa data) de 3 Juízos de Execução.


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O Código das Custas Judiciais, vigente à data da entrada da execução – DL n.º 224-A/96, de 26-11 (então, na sua 13.ª versão, emergente da Lei n.º 53-A/2006, de 29-12) –, estabelecia que as execuções por custas, multas e outros valores contados eram instauradas por apenso ao processo em que teve lugar a notificação para pagamento, observando-se os termos do processo comum – art. 117.º –, ressalvando-se os casos de multas aplicadas a intervenientes acidentais e as quantias devidas no inquérito e na instrução em processo penal, casos em que a execução seria instaurada autonomamente pelo Ministério Público, com base em certidão que, para o efeito, a secção de processos lhe entregaria – art. 118.°.

Com efeito, era a seguinte a redacção daqueles normativos:

Art. 117.º (Termos da execução por custas, multas e outros valores contados)

1. Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, as execuções por custas, multas e outros valores contados são instauradas por apenso ao processo em que teve lugar a notificação para pagamento, autuando-se o requerimento inicial e observando-se os demais termos do processo comum.

2. No caso de desapensação de processos, junta-se ao de execução certidão da conta ou da liquidação, mencionando-se a data do termo do prazo de pagamento voluntário.

3. Não é transferido o produto das execuções decorrentes de condenações nas Relações ou no Supremo Tribunal de Justiça quando funcionem como 1.ª instância”. 

Art. 118.º (Termos da execução em casos especiais)

1. A execução por multas aplicadas a intervenientes acidentais efectua-se com base em certidão da liquidação, que a secção entregará ao Ministério Público, no prazo de 5 dias.

2. O disposto no número anterior é aplicável à execução por quaisquer quantias devidas no inquérito ou na instrução em processo penal, aguardando-se, porém, o seu termo para a instauração da execução”. 

A respeito da concatenação destes preceitos legais com os demais diplomas aplicáveis, Salvador da Costa – in Código das Custas Judiciais Anotado e Comentado, 8.ª edição, 2005 –, em anotação ao art. 117.º do CCJ, aduz:

Tem-se suscitado a questão de saber se as acções executivas por dívidas de custas, multas e outros valores contados em processos criminais ou de contra-ordenação passaram ou não a inscrever-se na competência dos juízos de execução em funcionamento nas áreas englobadas no seu âmbito de jurisdição.

Tendo em conta, além do mais, o disposto no art. 92.º do Código de Processo Civil, o que se prescreve nos arts. 491.º, n.º 2, e 510.º do Código de Processo Penal, e 89.º, n.º 2, do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, parece não se excluir a solução afirmativa.

Nesta perspectiva, em âmbito mais alargado da questão que já se suscitou, parece-nos que as execuções por custas, multas ou outros valores contados, não obstante alguma da sua tramitação constar do Código das Custas Judiciais, se inscrevem na competência dos juízos de execução do lugar em que tenha corrido o processo onde operou a notificação da respectiva conta ou liquidação, independentemente de ela ter operado em juízos de competência especializada ou específica ou mesmo em juízos de paz” (p. 498).

O mesmo autor, em anotação ao art. 118.º do CCJ, escreve:

O tribunal competente para conhecer das referidas acções executivas é aquele que proferiu a decisão condenatória que constitua o respectivo título executivo, salvo se se tratar de circunscrição abrangida pelos juízos de execução (arts. 77.º, n.º 1, al. c), 102.º-A, 103.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro)” (pp. 500/501).


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Procurando conjugar as diversas disposições legais acima referidas, parece poder concluir-se que a regra geral contida no art. 117.º, n.º 1, do CCJ (em vigor à data da instauração da presente execução por custas) é a de que a execução por dívida de custas corre por apenso ao processo em que teve lugar a notificação para pagamento, seguindo os termos do processo comum.

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Mas o art. 118.º, n.º 2, estabeleceu uma excepção a esta regra geral, que prevalece sobre ela em função da relação de especialidade.

Assim, a execução por quaisquer quantias devidas no inquérito ou na instrução em processo penal (abrangem-se, pois, as custas – taxa de justiça e encargos) não corre por apenso ao processo em que se formou o título executivo.

Diferentemente, a execução será instaurada autonomamente pelo MP, com base na certidão da liquidação que, para o efeito, a secção de processos lhe entregará.


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Será, então, competente materialmente para processar a execução o tribunal que proferiu a decisão que constitui o título executivo (se tiver competência para executar a sua própria execução).

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No caso, embora no âmbito do inquérito a correr termos no 5.º Juízo de Instrução Criminal, a condenação em custas foi proferida, em sede de recurso, pelo Tribunal Constitucional.

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O Tribunal Constitucional não tem competência executiva, pelo que são os tribunais judiciais os competentes para executar a decisão de custas por ele proferida, como antes se enunciou.

Consequentemente, dada a conexão funcional entre o processo original e a posterior intervenção do Tribunal Constitucional, seriam os juízos de instrução criminal os competentes materialmente para a respectiva execução por custas, procedendo-se, portanto, à distribuição dos autos pelos diversos juízos de instrução existentes na Comarca de Lisboa.


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Porém, não pode esquecer-se que a LOFTJ, então em vigor, criara diversos juízos de competência específica, entre eles, os juízos de execução – cf. art. 96.º, n.º 1, al. g), na redacção do DL n.º 38/2003 –, atribuindo-lhes competência para tramitar os processos de execução, de natureza cível (como é, sem duvida, a execução por custas).

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Por outro lado, apesar de manter como princípio geral a regra de quem decide é quem executa, introduziu-lhe a restrição decorrente da competência que atribuiu aos juízos de execução, estabelecendo no art. 103.º, “Sem prejuízo da competência dos juízos de execução, os tribunais de competência especializada e de competência específica são competentes para executar as respectivas decisões”.

Significa isto que os juízos de instrução criminal, como tribunais de competência especializada, que são, só têm competência para processar a execução das custas liquidadas nos processos da sua competência, se na comarca não houver juízos de execução – arts. 102.º-A e 103.º da Lei n.º 3/99 (LOFTJ).

Existindo na circunscrição um ou mais juízos de execução, são eles que detêm a competência material para a execução das custas contadas no inquérito ou na instrução criminal.


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No caso concreto, à data da instauração da execução por custas, estavam já instalados, na Comarca de Lisboa, juízos de execução, pelo que serão eles competentes materialmente para a execução em lide.

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De resto, à mesma conclusão se chega à luz do DL n.º 303/98, que define o regime de custas no Tribunal Constitucional (cf. também, art. 84.º da Lei n.º 28/82, de 15-11 – Organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional).

Segundo o seu art. 2.º, o regime de custas no tribunal Constitucional é o estabelecido no Código das Custas Judiciais (CCJ) (no caso, o diploma aprovado pelo DL n.º 224-A/96, de 26-11) e respectiva legislação complementar, com a necessária adaptação.

O art. 12.º, sob a epígrafe “Instauração da execução“, determina que, na falta de pagamento voluntário das custas liquidadas no Tribunal Constitucional, é entregue ao Ministério Público certidão, para fins executivos, sendo a execução instaurada no tribunal competente com base nessa certidão.

Afastou-se, assim, a regra geral contida no art. 117.º, n.º 1, do CCJ, à data em vigor, pelo que, no caso, a execução nunca poderia ser processada por apenso ao processo de inquérito, ou seja, nunca seria competente para a execução o 5.º Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, como fora decidido pelo despacho de 1.ª instância, que originou toda a confusão, sem significado ou dignidade processual, patente nos autos.


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Porém, também não pode subsistir a decisão do acórdão recorrido, que revogou o despacho de 1.ª instância e julgou competente o 1.º Juízo de Instrução Criminal.

Como se disse já, existindo, à data da instauração da execução, juízos de execução instalados na Comarca de Lisboa, é a eles que está deferida a competência material para a presente execução, atendo o disposto no art. 118.º, n.º 2, do CCJ (então vigente), conjugados com o art. 12.º do DL n.º 303/98, e com os arts. 102.º-A e 103.º da LOFTJ (Lei n.º 3/99).


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Decisão:

Termos em que acordam neste STJ em declarar competente para processar a presente execução os Juízos de Execução da Comarca de Lisboa, para onde os autos devem seguir, revogando, em consequência, o acórdão recorrido.

Sem custas.

Lisboa, 24 de Março de 2015

Moreira Alves (Relator)

Alves Velho

Paulo Sá