Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
372/07.6TBSTR.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
COLISÃO DE VEÍCULOS
VELOCIDADE EXCESSIVA
EVENTO ANORMAL E IMPREVISÍVEL
VIOLAÇÃO DE NORMAS LEGAIS OU REGULAMENTARES
PRESUNÇÃO DE CULPA
Data do Acordão: 11/28/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL.
DIREITO ESTRADAL - TRÂNSITO DE VEÍCULOS / VELOCIDADE.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA ESTRADA (CE): - ARTIGO 24.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 712.º, N.º4.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 8/5/03, PROCESSO N.º 03B444, IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1. A regra, afirmada pelo nº1 do art. 24º do CE, de que o condutor deve especialmente fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente significa dever assegurar-se, no exercício da condução automóvel, de que a distância entre ele e qualquer obstáculo visível é suficiente para, em caso de necessidade, o fazer parar, regendo especialmente para os condutores que circulam com veículos automóveis à sua vanguarda e pressupõe a inverificação de condições anormais ou obstáculos inesperados e imprevisíveis, não lhe sendo exigível que contem com eles, nomeadamente os derivados da imprevidência alheia.

2. O despiste inopinado e descontrolado, ao descrever uma curva, de certa viatura, envolvendo invasão da hemi-faixa por onde circulavam outros dois veículos, causando violenta colisão com o primeiro, deve qualificar-se como evento anormal e imprevisível , para o efeito do preenchimento dos elementos tipificados no nº1 do referido art. 24º – num caso em que a condutora do terceiro veículo logrou ainda - apesar das condições adversas e da surpresa e perturbação justificadamente causadas pela brutal colisão que ocorreu à sua frente - controlar minimamente a marcha do veiculo, colidindo com a frente na traseira do veiculo acidentado e imobilizado na via, mas sem lhe causar , na zona do embate, qualquer dano.

3. A presunção natural, segundo a qual actua, em princípio, culposamente o condutor que – encontrando-se objectivamente em contravenção a determinada norma estradal - não conseguiu provar a existência de circunstâncias excepcionais, susceptíveis de excluírem um juízo subjectivo de censura, só pode ser chamada a funcionar quando estiver claramente provado, no plano objectivo da ilicitude, o cometimento de uma infracção ao CE, presumindo-se a culpa do contraventor se não forem por ele demonstradas circunstâncias excepcionais excludentes do juízo de imputação subjectiva.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

   1. BB intentou contra COMPANHIA DE SEGUROS BB, SA, CC e DD acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo a condenação dos RR. a pagarem-lhe, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de €1.297.780,80, acrescida dos juros de mora desde a data da citação e até integral pagamento.

Como fundamento de tal pretensão, alegou que, no dia 10 de Outubro de 2005, ocorreu um acidente de viação, na E.N.3, em ..., entre o veículo por si conduzido, o veículo pertencente  e conduzido pelo segundo Réu e o veículo pertencente  e conduzido por EE e que se deveu a culpa exclusiva do segundo Réu que tinha a sua responsabilidade civil por acidente de viação transferida para a Ré BB. Este circulava no sentido Santarém – Cartaxo, em sentido contrário ao da Autora, imprimindo uma velocidade superior a 100km/h, e ao entrar na curva à esquerda, por força da velocidade a que seguia e da inadequação às condições da via e do tempo, já que chovia, entrou em despiste, perdeu o controlo da viatura e invadiu a hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito no sentido Cartaxo - Santarém, indo embater na frente e lateral direita do veículo conduzido pela Autora, que, por sua vez, foi ainda embatido na traseira pelo veículo conduzido por EE, que seguia atrás seu veículo e no mesmo sentido de trânsito.

Em consequência directa deste acidente, sofreu lesões corporais, tendo-lhe sido diagnosticado traumatismo vertebro-medular, com fractura de C4 e C5. tendo sido internada, sujeita a inúmeros tratamentos, realização de exames médicos e intervenções cirúrgicas, apresentando um quadro neurológico de tetraplegia completa estando totalmente dependente de uma terceira pessoa.

Os Réus CC e DD contestaram, impugnando a versão do acidente e alegando a inexistência de qualquer culpa por parte do segundo Réu, admitindo, todavia, a existência de responsabilidade objectiva da sua parte. Alegam ainda que, depois deste embate, o veículo da Autora foi embatido, na sua traseira, pela parte frontal do veículo propriedade e conduzido por EE, que circulava a mais de 100km/h, sendo, assim, esta culpada e responsável pelos danos causados à Autora.

A Ré BB contestou e, reconhecendo embora a sua obrigação de reparar os danos, impugnou estes e requereu a intervenção principal provocada activa do HOSPITAL DE SANTA MARIA, do CENTRO DE MEDICINA DE REABILITAÇÃO DE ALCOITÃO e do HOSPITAL DE VILA REAL, entidades que prestaram assistência aos sinistrados do acidente em causa - que reclamaram nos autos o pagamento das despesas de tratamentos médicos efectuados.

A A. replicou e requereu a intervenção principal provocada passiva de FF – COMPANHIA DE SEGUROS, SA, seguradora do veículo conduzido por EE - e, posteriormente, requereu também a intervenção desta.

A FF – COMPANHIA DE SEGUROS, SA contestou, impugnando a versão do acidente apresentada pela R.

A interveniente provocada, EE aderiu à contestação apresentada pela FF – Companhia de Seguros, SA , alegando que não imprimia ao seu veículo uma velocidade superior a 40 km/h.

No despacho saneador, foi a Ré DD julgada parte ilegítima e absolvida da instância.


*

Por seu lado, GG intentara também acção declarativa, sob a forma sumária, contra COMPANHIA DE SEGUROS BB, SA e FF – COMPANHIA DE SEGUROS, SA, peticionando a condenação das Rés a pagarem-lhe a quantia de €9.000,00 a título de indemnização pelos danos sofridos no veículo de sua propriedade, conduzido pela Autora AA, cuja apensação foi ordenada a estes autos,.


Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença na qual, julgando parcialmente procedente a acção, se decidiu:

1. Absolver a Interveniente Principal do lado passivo FF – Companhia de Seguros, SA e EE de todos os pedidos formulados contra si pelos Autores AA e GG.

2. Condenar a Ré Companhia de Seguros BB, SA e o Réu CC a pagar à Autora AA a quantia total de €1.032.687,55 (um milhão, trinta e dois mil e seiscentos e oitenta e sete euros e cinquenta e cinco cêntimos), correspondendo esta quantia ao total dos montantes indemnizatórios que a seguir se discriminam, depois de deduzido o valor de €112.000 já pago pela Ré BB por conta destas indemnizações, que se fixam em:

a) €200.000 (duzentos mil euros) a título de indemnização não patrimonial;

b) €50.000 (cinquenta mil euros) a título de indemnização pelo dano estético;

c) 13.887,55 (treze mil, oitocentos e oitenta e sete euros e cinquenta e cinco cêntimos) a título de indemnização pelos danos patrimoniais emergentes;

d) €16.800 (dezasseis mil e oitocentos euros) a título de indemnização pelos lucros cessantes;

e) €350.000 (trezentos e cinquenta mil euros) a título de indemnização pela perda de capacidade ganho futura;

f) €164.000 (cento e sessenta e quatro mil euros) a título de indemnização pelas despesas futuras com tratamentos médicos, medicamentos e bens consumíveis essenciais;

g) €350.000 (trezentos e cinquenta mil euros) a título de indemnização pelas despesas futuras com a assistência de terceira pessoa,

3. Condenar os Réus Companhia de Seguros BB, SA e CC a pagarem à Autora AA os juros de mora devidos, calculados à tFF legal, desde o trânsito em julgado da presente sentença até efectivo e integral pagamento, relativamente às quantias supra descriminadas sob as alíneas a), b), d), e), f) e g) e desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, relativamente à quantia descriminada sob a alínea c).

4. Condenar os Réus Companhia de Seguros BB, SA e CC a pagarem ao Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, EPE a quantia de €13.033,38 (treze mil e trinta e três euros e trinta e oito cêntimos), acrescida dos juros de mora, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

5. Condenar a Ré Companhia de Seguros BB, SA a pagar ao Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, EPE os juros de mora calculados sobre € 30,70 desde 22 de Novembro de 2005 até 27 de Dezembro de 2005 e sobre €13.033,38 desde 27 de Dezembro de 2005 até à data da citação.

6. Condenar os Réus Companhia de Seguros BB, SA e CC a pagarem ao Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão a quantia de €137.859,16 (cento e trinta e sete mil, oitocentos e cinquenta e nove euros e dezasseis cêntimos), acrescida dos juros de mora, calculados à tFF legal desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

7. Condenar os Réus Companhia de Seguros BB, SA e CC a pagarem a Hospital de Santa Maria, E.P.E a quantia de €8.336,49 (oito mil, trezentos e trinta e seis euros e quarenta e nove cêntimos), acrescida dos juros de mora, calculados à tFF legal desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

8. Condenar os Réus Companhia de Seguros BB, SA e CC a pagarem ao Autor GG as quantias que se vierem a liquidar em execução de sentença quanto aos danos materiais verificados no seu veículo automóvel e quanto ao dano da privação do uso desse veículo, desde a data do acidente até ao dia 12/12/2005.

9. A responsabilidade da Ré Companhia de Seguros BB, SA pelo pagamento das indemnizações supra descriminadas supra nos pontos 2 a 8, é limitada até ao montante disponível do capital seguro (sem prejuízo da redução proporcional que deverá ser feita a todas as indemnizações que esta seguradora for condenada a pagar até à concorrência do montante disponível do capital seguro) e a responsabilidade do Réu será relativa ao valor excedente.

10. Absolver os Réus Companhia de Seguros BB, SA e CC do demais peticionado contra si.”

2. Inconformados com esta decisão, apelaram a A. AA e o R. CC.

A Relação começou por considerar provada a seguinte matéria de facto:

“1. No dia 10 de Outubro de 2005, cerca das 11 horas, na E. N. n.º 3, na ..., concelho de Santarém, ocorreu um embate em quer foram intervenientes os veículos de matrícula -MQ, -GJ e -NL.

2. Neste dia o tempo estava chuvoso e a estrada encontrava-se molhada.

3. O veículo de matrícula -GJ, propriedade de CC, era conduzido por este.

4. O veículo de Matrícula -NL, propriedade de EE, era conduzido por esta.

5. O veículo de matrícula -MQ circulava pela E. N. n.º 3, no sentido de marcha Cartaxo-Santarém.

6. No local da colisão, a E. N. nº 3 tem a largura de 7,70 metros, encontrando-se as hemifaixas de rodagem divididas por uma linha longitudinal contínua e configura uma curva de pouca visibilidade para a direita, atento o sentido de marcha de AA.

7. O veículo de matrícula -MQ circulava na E. N. n.º 3 ocupando a hemifaixa de rodagem destinada à circulação de veículos neste sentido, atenta a sua marcha.

8. Atrás do veículo de matrícula -MQ, com o mesmo sentido de marcha, circulava o veículo automóvel de matrícula -NL.

9. Nas mesmas circunstâncias de tempo de lugar, circulava o veículo de matrícula -GJ, com o sentido de marcha Santarém-Cartaxo.

10. O veículo de matrícula -GJ ultrapassou a linha longitudinal contínua existente na via, na zona onde ocorreu a colisão, invadiu a hemifaixa de rodagem reservada ao trânsito de sentido Cartaxo-Santarém, indo embater na frente e lateral direita do veículo -MQ, no interior do qual se achava AA, sendo que o veículo -MQ acabou por ser embatido, na traseira, pela frente do veículo de matrícula -NL.

11. Os veículos de matrícula -MQ, -GJ e -NL imobilizaram-se conforme o “croquis” elaborado pela PSP de Santarém, autoridade que tomou conta da ocorrência.

12. A responsabilidade civil emergente de acidente com a intervenção do veículo de matrícula -GJ estava transferida, por contrato de seguro, titulado pela apólice nº ..., até ao montante de €625.000,00, para a BB - Companhia de Seguros, SA.

13. A responsabilidade civil emergente de acidente com a intervenção do veículo de matrícula -NL estava transferida, por contrato de seguro, titulado pela apólice nº …, até ao montante de € 50.000.000,00, para a FF, Companhia de Seguros, SA.

14. BB - Companhia de Seguros, SA. reconheceu a responsabilidade do seu segurado no acidente objecto destes autos, tendo já procedido ao adiantamento por conta da indemnização da Autora do montante de € 12.000,00.

15. Para lá do montante referido na alínea anterior, a BB - Companhia de Seguros, SA pagou já por virtude de vários danos decorrentes do acidente objecto destes autos a quantia de € 4.980,02.

16. AA nasceu a … de Janeiro de 19….

17. HH nasceu a …  de Fevereiro de 20…  e é filho de AA.

18. Após a apresentação dos articulados na presente acção a Ré BB pagou:

a) À A. AA a quantia de €100.000,00 (cem mil euros).

b) Por uma cadeira de rodas que entregou à A. AA, a quantia de €3.685,50 (três mil, seiscentos e oitenta e cinco euros e cinquenta cêntimos).

c) Ao Hospital Distrital de Santarém, por assistência hospitalar prestada a EE, condutora do veículo de matrícula -NL, a quantia de €40,55 (quarenta euros e cinquenta e cinco cêntimos).

19. AA conduzia o veículo de matrícula -MQ.

20. O veículo de matrícula -MQ circulava na E.N. 3 ocupando a hemifaixa de rodagem destinada à circulação de veículos nesse sentido, atenta a sua marcha.

21. Ao entrar na curva à esquerda, atento o seu sentido de marcha, o condutor do veículo de matrícula -GJ, entrou em despiste e perdeu o controlo da viatura.

22. Havia óleo na estrada não derramado em consequência do acidente.

23. O -NL ficou com a frente danificada e a parte lateral direita amolgada.

24. O veículo de matrícula -MQ não ficou danificado na traseira.

25. O veículo de matrícula -MQ sofreu danos em toda a sua frente e lateral esquerda.

26. Danos que foram avaliados pela Ré BB, tendo esta optado pela perda total da viatura.

27. A seguradora comunicou a GG a perda total do veículo de matrícula -MQ a 12 de Dezembro de 2005.

28. AA imediatamente, após o acidente, foi socorrida no local, pelos médicos do INEM.

29. Foi transportada para o Hospital de Santarém e, de seguida, foi transferida para o Hospital de Santa Maria.

30. Onde ficou internada.

31. Foi-lhe diagnosticado traumatismo vertebro-medular, com fractura de C4 e C5.

32. Foi submetida a exames subsidiários, como exames radiológicos, tomografias computorizadas, ressonâncias magnéticas e análise clínicas.

33. A 13 de Outubro de 2005, neste mesmo hospital, foi submetida a uma intervenção cirúrgica, devido à fractura de C4 e 05, para descompressão.

34. Porque apresentava esfíncteres neurogéneos foi algaliada em drenagem contínua, com treino intestinal instituído.

35. A 25 de Outubro de 2005, foi-lhe colocada cânula de traqueotomia, devido a insuficiência respiratória, por dificuldade de ventilação espontânea.

36. Permaneceu internada no Hospital de Santa Maria em Lisboa até 06 de Dezembro de 2005.

37. Sendo nesse mesmo dia transferida para o Centro de Medicina de Alcoitão.

38. Pois a AA apresentava um quadro neurológico de tretraplegia completa ASIA A, a nível neurológico 04.

39. Onde se manteve algaliada em drenagem contínua, porque apresentava esfíncteres neurogéneos, a fazer treino intestinal permanente.

40. Ficou permanentemente com a cânula de traqueostomia, face à dificuldade de ventilação espontânea até ao dia 24/07/07.

41. Apresenta intercorrências cutâneas (úlceras de pressão em resolução do sulco internadegueiro).

42. Em 10 de Julho de 2006 teve alta do Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão.

43. Neste momento, AA apresenta tetraplegia completa.

44. Não tem o mínimo de autonomia, necessitando de ajuda para todas as tarefas, incluindo as de higiene pessoal e alimentação.

45. Continua a ter a bexiga algaliada, com intestino neurogéneo, efectuando treino intestinal.

46. Continua com necessidade de utilizar mediamentos para defecar.

47. Continua a estar obrigada a um programa terapêutico e fisiátrico diário.

48. Terá de frequentar periodicamente psiquiatria, neurologia e fisiatria.

49. Terá de toda a vida de tomar medicamentos.

50. Terá de fazer uma alimentação cuidada para a prevenção de complicações digestivas.

51. AA ficou para sempre confinada a uma cama ou cadeira de rodas.

52. Sempre com necessidade de ajuda de terceira pessoa, para todas as tarefas, durante 24 horas por dia.

53. AA foi operada em 24/07/07para retirar  a cânula de traqueostomia.

54. AA era uma pessoa saudável antes do acidente.

55. Por causa das lesões que sofreu no acidente objecto destes autos,   AA ficou uma rapariga introvertida e envergonhada, com dificuldades de relações interpessoais.

56. Perdeu os amigos que tinha, não pode sair de casa.

57. Não convive, nem tem possibilidades de conviver com ninguém.

58. Não pode sequer estender as mãos e acariciar seu filho.

59. O carácter de AA mudou radicalmente, encontra-se revoltada pela sua situação.

60. AA perdeu completamente a actividade neuro-motora do tronco e membros, mas mantém ainda mobilidade muito limitada da coluna cervical e das cinturas escapulares (ombros), que não tem significado funcional, mas que possibilita a utilização de ajudas técnicas, electromecânicas e computorizadas, em tarefas muito específicas, se essas ajudas forem disponibilizadas.

61. AA necessita da ajuda total de terceira pessoa em permanência para a virar na cama, pois tem que alternar os decúbitos de 3 em 3 horas.

62. E para a colocar na cadeiras de rodas.

63. E para lhe dar alimentação ou líquidos, pois não consegue levar as mãos à boca.

64. E para lhe dar banho.

65. E para colocação de algália, para mudar o saco colector de urina, para avaliar as características da urina (cor, cheiro, presença de sangue ou sedimentos) devendo ser vigiadas igualmente as características das fezes.

66. Imediatamente após a alta do Centro de Reabilitação do Alcoitão, AA foi internada no lar Casa de Saúde e Repouso de ..., Lda.

67. Tendo tal estadia na Casa de Saúde de ... custado nos meses de Julho, Agosto e Setembro de 2006, a quantia de €6.687,55, quantia que AA Ferreira suportou.

68. Em Outubro de 2006, face à distância a que se encontrava da Casa de Saúde, às dificuldades quanto ao horário da visita, ao estar longe do filho, do companheiro e da família, acabou por arrendar uma casa em Rio Maior.

69. Pagando de renda mensal € 250,00.

70. Tendo contratado três senhoras que asseguram a permanência na sua casa, para a poderem acompanhar em permanência.

71. Em salários a estas assistentes paga a quantia mensal de € 1.800,00.

72. As pessoas que assistem AA têm que ter disponibilidade total, coragem para tratar de alguém no estado em que esta se encontra, têm de proceder à lavagem desta e de todo o material por ela usado (limpeza do saco colector de urina, limpeza das cânulas de traqueostomia).

73. AA tem uma esperança de vida de, pelo menos, 50 anos.

74. AA já liquidou quatro meses de salários às suas assistentes, no montante de € 7.200,00.

75. AA terá que fazer, pelo menos, doze consultas anuais de urologia e neurologia, com um custo não inferior cada uma de €50,00, pelo que gastará em consultas médicas, durante toda a sua vida quantia não inferior a €20.000.

76. AA tem de tomar diariamente diversos medicamentos, o que custará mensalmente, nunca menos de €300,00 e durante toda a sua vida quantia não inferior a €30.000.

77. AA tem de usar diariamente fraldas, compressas e cremes para prevenção de escaras, no que despende mensalmente €300 e custará, durante toda a sua vida, quantia não inferior a €30.000.

78. AA terá que efectuar diversas vezes por semana sessões de fisioterapia que, mensalmente, não custarão menos de €360,00, ao valor unitário de €30,00 por sessão, pelo que, gastará em fisioterapia e transportes, durante toda a sua vida quantia não inferior a €50.000.

79. AA necessita de resguardos para a cama.

80. AA necessita de almofadas anti-escarras.

81. AA necessita de ter uma superfície antiderrapante e meios de sustentação do corpo na cadeira de banhos.

82. AA necessita de cadeira de banho.

83. AA necessita de faixa de contenção abdominal.

84. AA poderá necessitar de dispositivo de ajuda respiratória, a ser usado particularmente durante o sono.

85. AA necessita de duas ortoteses para posicionamento de mão e punho, com um custo de € 102,20.

86. AA necessita de uma cadeira de rodas liga leve, no montante estimado de € 1.806,00.

87. AA necessita de um Magickey no montante estimado de € 125,00.

88. AA necessita de um rebordo de prato no montante estimado de € 11,49.

89. AA necessita de uma cadeira de rodas com verticalização e comando manual, no montante estimado de € 15.907,50.

90. AA necessita de um colchão anti-escaras, nomontante estimado de € 108,90.

91. AA necessita de grades de cama laterais no montante estimado de € 182,71.

92. AA terá ainda durante a sua vida de fazer assistência técnica e reparações e, nalgumas circunstâncias, substituir o material constante das ajudas técnicas, no que despenderá pelo menos € 15.000,00.

93. À data do acidente, AA tinha iniciado o exercício da profissão de esteticista, em regime livre.

94. AA tinha iniciado a actividade em 06 de Setembro de 2005.

95. AA já tinha angariado, pelo menos, um salão onde iria prestar o serviço de esteticista.

96. AA ficou com uma incapacidade geral permanente pontuável em 93 pontos, que determina perda de autonomia para todas as actividades de vida diária, necessitando de ajuda permanente, imprescindível e inadiável de outrem para assegurar a sua sobrevivência.

97. A actividade sexual de AA é inexistente.

98. AA perdeu os amigos.

99. AA não pode sair de casa, a não ser para consultas médicas e tratamentos.

100. AA era activa e bem disposta.

101. AA estava inserida no meio social onde vivia.

102. AA perdeu o gosto pela vida.

103. AA não tem nem poderá ter projectos de vida.

104. AA é uma rapariga taciturna e apática.

105. AA sofreu dores imediatamente após o acidente e medo de se sentir paralisada.

106. AA era esbelta e bonita.

107. AA sente vergonha.

108. Como consequência da colisão do veículo de matrícula -GJ, DD, passageira neste veículo, sofreu lesões corporais.

109. Na sequência dessas lesões, DD foi admitida no Serviço de Urgência do, então, Centro Hospitalar de Vila Real/Peso da Régua, no dia 11 de Outubro de 2005.

110. E tendo permanecido internada no Serviço de Ortopedia até ao dia 09 de Novembro de 2005.

111. O episódio de urgência, internamento e demais cuidados de saúde a DD orçaram na quantia de € 13.033,38.

112. Em 22 de Novembro de 2005 e 27 de Dezembro de 2005, respectivamente através dos ofícios nºs 1931 e 2042, o Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, EPE interpelou a ré BB para efectuar o pagamento de € 30,70 e € 13.002,68, respectivamente.

113. Em consequência do acidente objecto destes autos, AA foi internada no Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão desde 17 de Maio de 2007 até 31/08/2007.

114. As despesas no Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão com AA ascenderam a € 5.751,00, no mês de Dezembro de 2005 (consulta e 26 dias de internamento).

115. As despesas no Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão com AA ascenderam a € 6.804,50, no mês de Janeiro de 2006 (31 dias de internamento).

116. As despesas no Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão com AA ascenderam a € 6.146,00, no mês de Fevereiro de 2006 (28 dias de internamento).

117. As despesas no Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão com AA ascenderam a € 6.804,50, no mês de Março de 2006 (31 dias de internamento).

118. As despesas no Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão com AA ascenderam a € 6.585,00, no mês de Abril de 2006 (30 dias de internamento).

119. As despesas no Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão com AA ascenderam a € 6.804,50, no mês de Maio de 2006 (31 dias de internamento).

120. As despesas no Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão com AA ascenderam a € 6.585,00, no mês de Junho de 2006 (30 dias de internamento).

121. As despesas no Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão com AA ascenderam a € 1.975,50, no mês de Julho de 2006 (9 dias de internamento).

122. As despesas no Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão com AA ascenderam a € 486,92, no mês de Abril de 2007 (consulta e 1 dia de internamento).

123. As despesas no Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão com AA ascenderam a € 12.366,52, no mês de Maio de 2007 (31 dias de internamento).

124. As despesas no Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão com AA ascenderam a € 11.967,60, no mês de Junho de 2007 (30 dias de internamento).

125. As despesas no Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão  com AA ascenderam a € 12.366,52, no mês de Julho de 2007 (31 dias de internamento).

126. As despesas no Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão com AA ascenderam a € 11.967,60, no mês de Agosto de 2007 (30 dias de internamento).

127. As despesas no Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão com AA ascenderam a €5.712,00, no mês de Novembro de 2009 (14 dias de internamento).

128. As despesas no Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão com AA ascenderam a € 12.648,00, no mês de Dezembro de 2009 (31 dias de internamento).

129. As despesas no Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão com AA ascenderam a € 12.648,00, no mês de Janeiro de 2010 (31 dias de internamento).

130. As despesas no Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão com AA ascenderam a € 10.200,00, no mês de Fevereiro de 2010 (25 dias de internamento).

131. As despesas no Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão com AA ascenderam a € 40,00, no mês de Maio de 2010 (outros procedimentos efectuados fora da instituição).

132. Em consequência do acidente objecto destes autos, AA foi assistida no Hospital de Santa Maria, EPE.

133. Importando o episódio de urgência e exames radiológicos realizados no dia 10 de Outubro de 2005, no Hospital de Santa Maria, EPE, no valor de € 219,80.

134. Importando o internamento entre os dias 10 de Outubro de 2005 e 06 de Dezembro de 2005, no Hospital de Santa Maria, EPE, no valor de € 8.116,69.

3 Passando a apreciar o mérito do recurso, a Relação - embora tenha julgado procedente a impugnação do segmento da matéria de facto por ele questionado - confirmou inteiramente o juízo de culpabilidade do R. CC, assente no cometimento culposo da contravenção estradal que lhe vinha imputada,
Apreciando, de seguida, a questão da culpa da interveniente EE, proprietária e condutora do veículo -NL, a Relação – que, no acórdão recorrido, condenou solidariamente a Ré BB, o R. CC e a interveniente FF, na proporção de 70% para aqueles e 30% para esta, no pagamento à A. dos montantes fixados na douta sentença recorrida, sendo a Ré BB até ao limite do montante disponível do capital seguro – imputou àquela interveniente uma parcela de culpa na eclosão do acidente, com base nas seguintes considerações:

Provou-se o seguinte, no que tange à dinâmica do acidente:

No dia 10 de Outubro de 2005, cerca das 11 horas, na E. N. n.º 3, na ..., concelho de Santarém, ocorreu um embate em quer foram intervenientes os veículos de matrícula -MQ, conduzido pela A., -GJ; propriedade do apelante CC e por ele conduzido e -NL, propriedade e conduzido pela interveniente EE. Neste dia o tempo estava chuvoso e a estrada encontrava-se molhada. O veículo de matrícula -MQ circulava pela E. N. n.º 3, no sentido de marcha Cartaxo-Santarém, ocupando a hemifaixa de rodagem destinada à circulação de veículos neste sentido, atenta a sua marcha. Atrás do veículo de matrícula -MQ, com o mesmo sentido de marcha, circulava o veículo automóvel de matrícula -NL. Nas mesmas circunstâncias de tempo de lugar, circulava o veículo de matrícula -GJ, com o sentido de marcha Santarém-Cartaxo. Ao entrar na curva à esquerda, atento o seu sentido de marcha, o condutor do veículo de matrícula -GJ, entrou em despiste e perdeu o controlo da viatura, ultrapassou a linha longitudinal contínua existente na via, na zona onde ocorreu a colisão, invadiu a hemifaixa de rodagem reservada ao trânsito de sentido Cartaxo-Santarém, indo embater na frente e lateral direita do veículo -MQ, no interior do qual se achava AA, sendo que o veículo -MQ acabou por ser embatido, na traseira, pela frente do veículo de matrícula -NL. Havia óleo na estrada não derramado em consequência do acidente.

O -NL ficou com a frente danificada e a parte lateral direita amolgada. O veículo de matrícula -MQ não ficou danificado na traseira mas sofreu danos em toda a sua frente e lateral esquerda.

No local da colisão, a E. N. nº 3 tem a largura de 7,70 metros, encontrando-se as hemifaixas de rodagem divididas por uma linha longitudinal contínua e configura uma curva de pouca visibilidade para a direita, atento o sentido de marcha de AA.

Os veículos de matrícula -MQ, -GJ e -NL imobilizaram-se conforme o “croquis” elaborado pela PSP de Santarém, autoridade que tomou conta da ocorrência.

Com base nestes factos entendeu o tribunal “a quo” que foi o condutor do MQ o único culpado do acidente, já que “não se logrou demonstrar a que velocidade circulava o veículo NL, nem a que distância circulava do seu veículo da frente – o veículo MQ. Por outro lado, também não se logrou a prova da velocidade a que circulava o veículo MQ ou o veículo GJ.

Assim sendo, os elementos de facto disponíveis são manifestamente insuficientes para se poder concluir, com a segurança necessária, que a condutora do veículo NL não guardava a distância devida do veículo MQ que seguia à sua frente.

Na verdade, o facto de não ter conseguido imobilizar a tempo o seu veículo, de forma a conseguir evitar o embate na traseira do veículo MQ, só por si não é suficiente para retirarmos aquela conclusão, isto porque, não podemos ignorar que a força do primeiro embate – o ocorrido entre o veículo GJ e o veículo MQ – poderá ter influído na dinâmica do segundo embate, nomeadamente, prejudicando ou impossibilitando a imobilização do veículo NL.

Com esta conclusão não concorda o apelante CC nem a A., e fundadamente, diremos.

As considerações que atrás tecemos sobre a culpa presumida do condutor que viola uma norma estradal, valem mutatis mutandis para a enquadramento jurídico da conduta da interveniente EE, condutora do NL.

Estabelece o art. 24º, nº 1 do Código da Estrada que “o condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente”.

«A regra de que o condutor deve especialmente fazer parar o veículo no espaço livre à sua frente significa dever assegurar-se, no exercício da condução automóvel, de que a distância entre ele e qualquer obstáculo visível é suficiente para, em caso de necessidade, o fazer parar. Ela rege especialmente para o caso de os condutores circularem com veículos automóveis à sua vanguarda» ([1]).

Ora, não oferece dúvidas de que a condutora do NL não o conseguiu parar no espaço livre e visível à sua frente uma vez que foi embater na traseira do NQ que já havia sido colidido pelo GJ.

Não podemos olvidar que o veículo transitava por uma estrada molhada e se aproximava de uma curva e que à sua frente circulava outro veículo o MQ, pelo que se impunha que circulasse a uma velocidade especialmente moderada.

Parece-nos inequívoco que não se tratou do aparecimento súbito e inesperado de um obstáculo e a escassos metros. O MQ circulava na dianteira do NL, sendo de presumir que fosse visível.

Impunha-se, por conseguinte, que o NL guardasse deste uma distância tal que lhe permitisse parar o veículo sem ir embater no MQ que o precedia em caso de súbita imobilização deste.

Ora, dado que não logrou parar o veículo sem embater no MQ, impõe-se a necessária conclusão que não observou o transcrito comando estradal.

Perante esta conduta violadora a culpa presume-se, competindo à respectiva condutora ilidi-la.

Refere-se na douta sentença que não podemos ignorar que a força do primeiro embate – o ocorrido entre o veículo GJ e o veículo MQ – poderá ter influído na dinâmica do segundo embate, nomeadamente, prejudicando ou impossibilitando a imobilização do veículo NL.

Sem dúvida que era possível que o MQ ao ser embatido pelo GJ tivesse sido arrastado em sentido contrário àquele em que seguia e, assim, se aproximando do NL diminuindo a distância entre eles, caso em que aquela presunção de culpa poderia ser afastada na medida em que tal deslocação e encurtamento da distância relativamente ao NL, poderia ter impossibilitado a paragem deste antes do embate, embora a distância que anteriormente os separava a permitisse. Estamos, todavia, apenas perante uma mera conjectura e não factualidade provada, sendo certo que apenas esta releva e a sua prova competia à condutora do NL, para afastar a sua culpa.

Não só esta factualidade não está provada, como a que se provou, não nos permite extrair tal conclusão com a necessária segurança.

Aliás, perguntava-se no quesito 11 se “por força do embate do veículo -GJ no veículo -MQ, este foi arrastado em direcção ao veículo de matrícula -NL?”, tendo a resposta sido “não provado”.

E também se perguntava no quesito 9 se “o veículo de matrícula -NL circulava a não mais de 40 quilómetros por hora?”, tendo a resposta sido, igualmente, “não provado”.

É certo que se provou que o veículo de matrícula -MQ não ficou danificado na traseira tendo sofrido danos em toda a sua frente e lateral esquerda isto apesar de ter sido embatido, na traseira, pela frente do veículo de matrícula -NL que ficou com a frente danificada e a parte lateral direita amolgada.

A explicação para a ausência de danos na traseira do MQ não nos é dada pela factualidade provada, pese embora seja de admitir que o NL não embateu efectivamente na traseira do NQ, mas na sua lateral esquerda, por este ter rodopiado quando embatido na frente pelo GJ.

Seja como for, não há dúvida de que o NL embateu no MQ.

Concluímos assim que o acidente, no que à A. se refere, ocorreu também por culpa da interveniente EE, proprietária e condutora do veículo -NL.

Entendemos, porém, que a culpa concorrencial não pode ser graduada de forma igual à do apelante CC.

Na verdade foi a conduta deste que despoletou o acidente ao invadir a hemifaixa contrária indo embater no veículo conduzido pela A., interrompendo a sua normal circulação e imobilizando-o, facto que determinou a necessidade de paragem do NL.

Afigura-se-nos, assim, adequado graduar a sua culpa no acidente em 30%.

É certo que se desconhecem as consequências que, para a A., resultaram de cada um dos embates, primeiro do MQ e depois do NL.

Por conseguinte ter-se-á que considerar que os danos foram produzidos por ambos os veículos, respondendo pela sua reparação na proporção das respectivas culpas, no caso, 30% para o NL e 70 % para o GJ.

4. Inconformada com este sentido decisório, interpôs a R. FF a presente revista, que encerra com as seguintes conclusões:

I.         Ao entender que a condutora do veículo NL, ao não parar o seu veículo de forma a evitar o embate com o MQ, atuou, sem mais, com culpa, o Acórdão Recorrido violou o disposto no número 1 do artigo 24º do Código da Estrada, que exige, para a censurabilidade da conduta, a previsibilidade da necessidade da manobra omitida;

II.        Ao atribuir ao condutor do NL a responsabilidade por 30% da culpa num acidente despoletado por uma invasão, por terceiro, da faixa de rodagem em que circulava, o Acórdão em crise desatende o critério legal da "diligência de um bom pai de família" e, consequentemente, viola o disposto no nº 2 do artigo 487º do Código Civil;

III.      Ao não retirar dos factos referidos nos números 10 e 24 da matéria dada como provada a presunção segundo a qual o segundo embate (nº 10 da matéria dada como provada) em nada contribuiu para os danos, o Tribunal da Relação de Évora violou o disposto no artigo 349º do Código Civil. Retirando a presunção que os factos impõem, é inevitável concluir que falece, relativamente à Recorrente, um dos pressupostos da obrigação de indemnizar, assim aplicando corretamente o artigo 483º daquele código.

Nestes termos e nos demais de Direito deve o Acórdão em crise ser revogado, mantendo-se o decidido em primeira instância e assim se fazendo

JUSTIÇA !!

A A., como recorrida, contra alegou, pugnando pela manutenção da solução acolhida no acórdão recorrido.

                        5. Como resulta as conclusões da recorrente, o objecto do presente recurso mostra-se circunscrito à dinâmica do acidente a que se reportam os autos, incidindo directamente sobre a possibilidade de atribuição de culpa pela eclosão do acidente à segurada da entidade recorrente.

   Na verdade, sobre este tema fundamental dissentiram totalmente as instâncias: a sentença apelada considerara – referentemente à valoração do comportamento estradal da condutora do veículo NL  e apesar de este ter acabado por embater com a sua frente na traseira do veiculo MQ, depois de este ter sido embatido pelo veiculo GJ – que não se logrou demonstrar a que velocidade seguia o veículo NL, nem a que distância circulava do seu veículo da frente - o veiculo MQ . Por outro lado, também não se logrou a prova da velocidade a que circulava o veículo MQ ou o veiculo GJ. Assim sendo, os elementos de facto disponíveis são manifestamente insuficientes para se poder concluir, com a segurança necessária, que a condutora do veiculo NL não guardava a distância devida do veículo MQ que seguia à sua frente.

    Na verdade, o facto de não ter conseguido imobilizar a tempo o seu veiculo, de forma a conseguir evitar o embate na traseira do veiculo MQ, só põe si não é suficiente para retirarmos aquela conclusão, isto porque não podemos ignorar que a força do primeiro embate – o ocorrido entre o veiculo GJ e o veiculo Mq – poderá ter influído na dinâmica do segundo embate, nomeadamente, prejudicando ou impossibilitando a imobilização do veiculo NL.

    Pelo contrário – e como resulta da transcrição anteriormente efectuada – a Relação dissentiu deste entendimento quanto à não imputabilidade do acidente à condutora do veiculo NL, extraindo essencialmente tal imputação subjectiva da interpretação que fez da norma constante do art. 24º, nº1, do CE e da presunção judicial de que entendeu lançar mão.

    O objecto do presente recurso centra-se, pois, em determinar se tal interpretação normativa – e o juízo de imputação subjectiva que dele resultou – se mostram razoáveis e adequados, perante a concreta especificidade do acidente dos autos – matéria que se situa obviamente no âmbito dos poderes cognitivos do STJ, já que reveste manifestamente carácter normativo, relacionando-se com a determinação da culpa decorrente da violação de normas legais ou regulamentares.

     Como decorre da factualidade provada, não resultou, nem a que velocidade seguia a referida condutora na altura do sinistro, nem a que distância do veículo que a precedia circulava: ou seja, da prova concretamente produzida não se apurou directamente o cometimento das infracções de velocidade excessiva ou de desrespeito da distância de segurança exigível. Entendeu, porém, a Relação, no acórdão recorrido, inferir indirectamente tal excesso de velocidade - na interpretação normativa que fez do art. 24º, nº1, do CE – do facto de a referida condutora do veículo NL não ter conseguido imobilizar a viatura que conduzia no espaço livre e visível à sua frente, acabando por colidir na traseira do veículo conduzido pela A., quando este inopinadamente se imobilizou na via, em resultado do  violento embate sofrido como consequência  inevitável do despiste do GJ.

    Por outro lado – e agora no plano da imputação subjectiva de tal infracção – recorreu a Relação à presunção judicial – comummente reconhecida e aplicada na jurisprudência – segundo a qual incumbe ao condutor que se encontra em infracção objectiva a certa regra estradal demonstrar que ocorreram circunstâncias excepcionais e por ele não controláveis, susceptíveis de se configurarem como facto excludente da culpa, do consequente juízo de imputação subjectiva e de censura a título de negligência.

6. Como se afirma, por exemplo no Ac. de 8/5/03 , proferido pelo STJ no P. 03B444 , a regra de que o condutor deve especialmente fazer parar o veículo no espaço livre à sua frente significa dever assegurar-se, no exercício da condução automóvel, de que a distância entre ele e qualquer obstáculo visível é suficiente para, em caso de necessidade, o fazer parar.
Ela rege especialmente para o caso de os condutores circularem com veículos automóveis à sua vanguarda e pressupõe a inverificação de condições anormais ou obstáculos inesperados, não lhe sendo exigível que contem com eles, sobretudo os derivados da imprevidência alheia.

    Ora, considera-se que, no caso dos autos, o despiste inopinado e descontrolado, ao descrever uma curva, da viatura GJ, envolvendo invasão da hemi-faixa de rodagem por onde circulavam os veículos MQ e NL e causando a violenta colisão com o primeiro, não pode deixar de se qualificar como evento anormal e imprevisível , para o efeito da aplicação daquele normativo: na verdade, o condutor da viatura que segue na retaguarda de outra tem de o dever de adequar a sua velocidade e a distância de segurança às condições reais – e aos constrangimentos - da circulação e à aderência do piso, de modo a poder imobilizar o veículo que conduz se a viatura precedente diminuir de velocidade ou tiver mesmo de se imobilizar, em travagem de emergência; porém, seria claramente desproporcionado que tal condutor tivesse igualmente de contar com a súbita ocorrência de despistes e colisões de particular violência, como a dos presentes autos, determinantes do inesperado surgimento de um obstáculo até então absolutamente imprevisível – constituído pelos dois veículos colididos , praticamente destroçados - na faixa por onde circulava.

    Importa, na realidade, ter em consideração que tal despiste e a violenta colisão com a viatura precedente, por um lado, são idóneos para causar, no condutor médio, um justificado estado de perturbação que lhe possa dificultar a imediata avaliação do comportamento rodoviário ( travagem a fundo, desvio ou manobra de salvamento…) concretamente mais adequado para evitar ou minimizar os danos – não podendo comparar-se a onerosidade desta situação com o mero abrandamento ou travagem, mesmo que de emergência,  da viatura precedente – que, esta sim, o condutor que a segue deve incorporar nos riscos típicos e normais da circulação em estrada.

    Acresce que – no caso dos autos – não pode deixar de se conferir o devido relevo a uma circunstância que temos por particularmente significativa, perante o elenco dos factos provados: apesar de a condutora da viatura NL não ter logrado imobilizá-la antes de ocorrer colisão com o veículo acidentado, embatendo na traseira do MQ –e ficando por isso com a frente danificada e a parte lateral direita amolgada – o veículo MQ não ficou danificado na traseira.

   Ou seja: perante a factualidade provada, o veículo MQ foi embatido na traseira pela viatura NL conduzida pela segurada da recorrente, mas a traseira do MQ  não ficou danificada

   Como explicar esta aparente incongruência?

   O acórdão recorrido admite como plausível que o NL não teria embatido efectivamente na traseira do NQ, mas na sua parte lateral esquerda, por este ter rodopiado quando embatido na frente pelo GJ.

   Sucede, porém, que esta ilação é processualmente inadmissível, por colidir com a matéria de facto fixada na 1ª instância e não modificada na Relação – não podendo extrair-se por presunções naturais ilações que conduzam a ter por demonstrada factualidade diversa e desconforme com a fixada, no termo da audiência final, nas respostas aos vários pontos da base instrutória ; na verdade, se a Relação divergia efectivamente da factualidade resultante da parte final do ponto 10 da matéria de facto, na sua articulação com a fixada no ponto 24, só tinha dois caminhos possíveis: reavaliar tais respostas em função de uma reponderação dos meios probatórios, como decorrência de uma eventual impugnação deduzida contra a matéria de facto; ou, não sendo esse o caso, decretar a anulação da decisão proferida quanto a tal ponto da matéria de facto com base em contradição, nos termos do art. 712º, nº4, do CPC.

   Não tendo seguido esse iter e sendo esta matéria insindicável no âmbito de um recurso de revista, nos termos do nº6 do referido preceito legal, terá de se ter em conta, na solução a dar ao litígio, a referida factualidade, não contornável através de hipotéticos juízos de probabilidade ou do recurso a simples  ilações, alicerçadas em presunções naturais.

   E, deste modo, a explicação daquela aparente incongruência factual terá de resultar do substancialmente diferente peso e resistência das viaturas envolvidas ( como, aliás, o R. apelante admitia na conclusão 16. da sua apelação), já que entraram em colisão um veículo de marca Mercedes 190, do ano de 1989, de particular resistência na zona do pára-choques traseiro, e um  - muito menos pesado e resistente - Peugeot 106 do ano de 1999( cfr. fls. 246).

    No entanto, apesar da diferente resistência e peso dos veículos, a circunstância de o embate na traseira do Mercedes não ter provocado neste qualquer dano só pode significar que a referida colisão terá sido de reduzida intensidade e violência ; ou seja: apesar de a condutora não ter logrado imobilizar o NL antes de ocorrer embate entre os veículos, este revelou-se de intensidade limitada – o que significa que a sua condutora ainda conseguiu – apesar das condições adversas e da surpresa e perturbação causadas pela brutal colisão que ocorreu à sua frente - controlar minimamente a marcha do veiculo que conduzia, limitando os danos causados pela colisão com o obstáculo inopinadamente criado pelo acidente  na sua faixa de rodagem.

   Considera-se, por outro lado, que – na especificidade da situação ora em litígio – não é possível fazer uso da presunção natural, segundo a qual terá, em princípio, actuado culposamente o condutor que – encontrando-se objectivamente em contravenção a determinada norma estradal, não consegue provar a existência de circunstâncias excepcionais, susceptíveis de excluírem um juízo subjectivo de censura : é que, para tal presunção judicial poder funcionar, é indispensável que esteja claramente provado, no plano objectivo da ilicitude, o cometimento de uma infracção ao CE, presumindo-se a culpa do contraventor se não forem por ele  demonstradas circunstâncias excepcionais excludentes do juízo de imputação subjectiva.

   Ora, no caso dos autos, a presunção natural, nos termos em que vem formulada pela Relação, acabaria por funcionar ainda no plano objectivo da ilicitude, - isto é, no âmbito dos elementos que contribuem para a tipificação da infracção prevista no art. 24º, nº1, do CE, - ao inferir a velocidade excessiva da mera circunstância de ter ocorrido um embate na traseira do veículo que precedia o da  R. e de esta não ter demonstrado, nomeadamente, que respeitava os limites de velocidade e a distância de segurança exigível face às concretas condições de circulação rodoviária.

   Em suma: o despiste inopinado e descontrolado, ao descrever uma curva,  da viatura GJ, envolvendo invasão a hemi-faixa por onde circulavam os veículos MQ e NL e causando a violenta colisão com o primeiro, não pode deixar de se qualificar como evento anormal e imprevisível , para o efeito do preenchimento dos elementos tipificados no nº1 do art. 24º do CE – num caso em que a condutora deste terceiro veículo NL logrou ainda - apesar das condições adversas e da surpresa e perturbação justificadamente causadas pela brutal colisão que ocorreu à sua frente - controlar minimamente a marcha do veiculo que conduzia, colidindo ainda com a frente na traseira do veiculo MQ, imobilizado na via, mas sem lhe causar , na zona do embate, qualquer dano.

         7. Nestes termos e pelos fundamentos apontados, julga-se procedente a revista interposta pela recorrente FF, revogando a acórdão recorrido, na parte em que condenou solidariamente esta entidade, na proporção de 30%, no pagamento à A. dos montantes fixados na sentença apelada e absolvendo a interveniente principal passiva FF de todos os pedidos contra si formulados, nos termos decididos na sentença proferida em 1ª instância.

    Custas pelos recorridos.

Lisboa, 28 de Novembro de 2013

Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor

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[1] Ac. do STJ de 8.05.2003 documento nº SJ200305080004442, in www.dgsi.pt.