Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
806/03.TBMGR.C1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: MARCA
IMITAÇÃO
CONCORRÊNCIA DESLEAL
RESPONSABILIDADE CIVIL
PROCEDIMENTO CAUTELAR
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 06/17/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I) – “Concorrência desleal”, como refere a Convenção da União de Paris, é o “acto de concorrência contrário aos usos honestos em matéria industrial ou comercial”, desregulador do bom funcionamento do mercado, permitindo que terceiros se aproveitem dos investimentos e do trabalho efectuados por uma empresa.

II) – Os agentes económicos no processo de captação de clientela, em competição com os seus concorrentes, devem agir com honestidade, correcção e consideração pelos interesses e direitos, não só dos seus concorrentes, como também dos consumidores, o que mais não é que agir de boa-fé.

III) – A lealdade na concorrência implica a adopção de práticas honestas, já que a propriedade industrial deve considerar-se expressão da propriedade intelectual, por abranger elementos de cariz imaterial, que integram o estabelecimento comercial com as suas marcas, invenções, patentes, modelos, desenhos industriais, logótipos, etc.

IV) – A imitação ou a confundibilidade das marcas pressupõe, um “confronto”, de modo a que se possa concluir, ou não, sobre se os produtos que as marcas assinalam são idênticos ou afins, ou despertam, pela semelhança dos seus elementos, a possibilidade de associação a outros produtos ou marcas já existentes no mercado propiciando efectiva confusão, ou criando esse risco.

V) - A imitação de produtos ou marcas industriais deve ser apreciada casuisticamente e ter em conta uma impressão de conjunto, na perspectiva do consumidor médio, sendo de ponderar que se há produtos e marcas em que o génio criativo, desde logo se evidencia, ao ponto de comparadas, se poder imediatamente afirmar uma clara dissemelhança, outros há que pelas suas características e finalidades, difícil é exigir uma evidente inovação que afaste qualquer risco de imitação ou de confusão.

VI) – Tendo sido decretada apreensão de “cadeiras de estádio” da 3ª Ré, no contexto de procedimento cautelar requerido pela Autora que considerava imitado um seu modelo, não se provando que tivesse sido temerário o recurso a esse meio de tutela preventiva, o facto da Relação ter revogado a decisão da 1ª Instância, não permite afirmar censurabilidade seja ela substantiva – culpa in agendo – que seria punível nos termos do art. 390º, nº1, do Código de Processo Civil – ou litigância de má-fé, por não se demonstrar que a Autora, enquanto requerente cautelar, tenha agido sem a prudência normal, pelo que também não deve ser condenada a indemnizar pretensos prejuízos, a liquidar em execução de sentença, emergentes da referida apreensão.

VII) – A ofensa ilícita do bom nome, reputação, ou crédito de pessoa colectiva constitui o agente no dever de indemnizar, verificados os requisitos do art. 483º, nº1, do Código Civil – aplicáveis à responsabilidade extracontratual – e, não discriminando a lei entre pessoas colectivas de fim lucrativo (sociedades) ou não lucrativo (mormente, associações e fundações), descabido é considerar que só a violação do direito destas importa ilicitude.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

D...2-Desenvolvimento e Engenharia de Moldes, Lda. intentou, em 8.3.2003, pelo Tribunal Judicial da Comarca da Marinha Grande – 3ª Juízo Cível – acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra:

1ª- S... - Sociedade Industrial Metalúrgica, Lda;

2ª- P... - Plásticos e Testes, Lda;

3ª- C... - Tecnologia de Plásticos, Lda;

4ª- E...S...-Comercialização de Equipamentos Desportivos Representações, Lda.

Pedindo a condenação das Rés a:

"Abster-se, definitivamente, de utilizar, sob qualquer forma, fabricar ou comercializar o molde de cadeiras de estádio e as cadeiras de estádio fabricadas com o mesmo, que constituem uma cópia servil das cadeiras de estádio modelo “Tejo”, da Autora;
"Pagar à autora uma indemnização por danos patrimoniais que, neste momento, se computam em € 25.530, devendo o montante final ser apurado mediante a análise da escrituração mercantil das 3ª e 4ª rés, e danos não patrimoniais estimados, também neste momento, em € 25.000,00, devendo o Tribunal, no seu justo e alto critério, fixar a quantia definitiva, ao abrigo do disposto no artigo 496°, nº3, do Código Civil".

Em apoio das suas pretensões alegou, em síntese, que:

- A autora, no exercício da sua actividade comercial, após "elevados investimentos" e no culminar de um "árduo" e "meritório trabalho" de engenharia de moldes para o fabrico de cadeiras de estádio, criou uma determinada cadeira de estádio, que denominou de "cadeira Tejo";

- O modelo dessa cadeira foi fabricado pela autora, a partir de um molde que foi criado e desenvolvido, para a mesma, pelos seus sócios e gerentes, remontando o início do processo de criação de tal cadeira ao ano de 1991 e havendo terminado em 5-8-1995;

- Acabado o projecto dessa cadeira, a autora encomendou à 1ª ré o fabrico do seu molde, em 18-10-1995; para o efeito, forneceu-lhe os desenhos de artigo e o modelo da cadeira necessários ao fabrico do referido molde, assim como as “especificações técnicas” e “as normas a cumprir”;

- O fabrico do pretendido molde comportou vários acertos, tendo sido concluído em 14.6.1996 e havendo o molde sido entregue, pela 1ª Ré à Autora, no dia 21 desse mês;

- A cadeira “Tejo” apresenta um original e característico design, um particular, distinto e atraente aspecto estético, comportando uma ranhura central e pontos de fixação centrais, e constitui, do ponto de vista estético, um original produto;

- Na posse do aludido molde, a autora iniciou a comercialização das mencionadas cadeiras, em 4.9.1996, as quais tiveram enorme sucesso comercial, tendo passado a ser imediatamente associadas à autora, no âmbito do mercado das cadeiras para equipamento de estádios e de pavilhões desportivos, pela originalidade do seu design;

- Em Junho de 2002, nas instalações da 1ª Ré, foi observado um molde, já na sua fase final de construção, rigorosamente igual ao molde que a autora lhe tinha encomendado, em 1995; mais foi confirmado que esse molde é uma cópia flagrante do molde criado e desenvolvido pela autora para o fabrico da sua cadeira Tejo;

- Foi, ainda, apurado que esse molde havia sido encomendado pela 2ª Ré;

- Em Outubro de 2002, foi alertada para a existência de cadeiras de estádio exactamente iguais às suas cadeiras de estádio Tejo a equipar determinadas infra-estruturas desportivas, havendo apurado que tais cadeiras haviam sido fabricadas pela 3ª Ré, que tinha na sua posse o aludido molde;

- Mais sabe a autora que a 3ª Ré procurou outras empresas e empresários de equipamentos desportivos, designadamente um cliente seu, para poder vender as referidas cadeiras, as quais foram, ainda, comercializadas pela 4ª Ré.

Concluiu que o comportamento das rés consubstancia, em relação à autora, “manifesta concorrência desleal, consistindo a actuação daquelas na prática de actos de confusão, que são proibidos pelo artigo 260°, alínea a), do Código da Propriedade Industrial”.

Mais defendeu que a tal conclusão não obsta a circunstância de o modelo da cadeira “Tejo” não se encontrar patenteado, pois a verificação da concorrência desleal não depende da existência de um direito privativo de propriedade industrial.

Disse, seguidamente, a autora pretender ser ressarcida dos elevados prejuízos que as rés lhe causaram, com fundamento no mecanismo da responsabilidade civil – artigos 483°, nº 1, e 497°, nº 1, do Código Civil –, tendo para tal alegado, em suma, que:

- A actuação das rés, especialmente da 3ª e 4ª rés, acaba por comportar um desvio de clientela em relação à autora, o que dificulta de forma grave o desenvolvimento da sua actividade no mercado;

- Em virtude da actuação das rés, a autora deixou de vender, pelo menos, 2.993 cadeiras (aqui computando, designadamente, as que foram apreendidas no âmbito do procedimento cautelar apenso e que "obviamente se destinavam a satisfazer uma encomenda da qual a autora foi afastada"), ao preço unitário de € 9,48, assim perfazendo tal prejuízo € 25.530,00;

- A tal acresce que a perda de clientela da autora, causada pelas rés, e o facto de estas terem dificultado de forma grave o desenvolvimento da sua actividade no mercado, constituem danos não patrimoniais a indemnizar, computados parcimoniosamente em € 25.000,00.

As rés contestaram.

As 1ª, 2ª e 3ª rés impugnaram parte dos factos alegados pela autora, quer dos referentes à criação e concepção do molde da cadeira "Tejo" – que defenderam não serem àquela atribuíveis –, quer os atinentes à novidade do modelo dessa cadeira – que defenderam não existir, pois o modelo de tal cadeira foi copiado de outros, pré-existentes –; quer os respeitantes às alegadas actuações desonestas das rés – que, motivadamente, defenderam não se haverem verificado. Referiram, ainda, serem diferentes ambas as cadeiras aqui em causa – a cadeira "Tejo", comercializada pela autora, e a cadeira "Elegance", comercializada pela ré C..., Lda. – diferenças essas que se verificam quer ao nível dos respectivos moldes, quer das próprias cadeiras – nos termos que melhor discriminaram. Concluíram pela improcedência do seu pedido.

Em sede de reconvenção, pediram o pagamento, pela autora:

- À ré C..., de uma indemnização por danos patrimoniais que se computam em € 251.441,25 e danos não patrimoniais que se fixam em € 80.000";

-À ré C..., uma indemnização pelos prejuízos sofridos que se vier a liquidar;

- À ré S..., uma indemnização pelos prejuízos sofridos no montante de € 15.000;

- À ré P..., uma indemnização por prejuízos sofridos no montante de € 15.000.

Para alicerçar esses seus pedidos, alegaram as rés, em síntese, que:

A ré C..., Lda. “investiu muito do seu tempo e dos meios económico-financeiros de que dispunha para poder fabricar as cadeiras de estádio “Elegance”;

- A “actuação ilícita da autora” – ao, através desta acção, visar manter “desleal e ilicitamente o monopólio do mercado”, sem que tenha qualquer “título privativo de propriedade industrial que lhe conceda a exclusividade do direito” – causou e está a causar às rés “graves prejuízos”, de que as deve indemnizar, à luz do estatuído no artigo 483º do Código Civil;

- Assim, com a apreensão das suas 1.302 cadeiras, a ré C... deixou de vender as mesmas, contabilizando-se o prejuízo patrimonial em € 8.463 (que resulta da multiplicação do número de cadeiras pelo seu preço de venda - € 6,50 - pois naquelas está gravado o nome das empresas a que se destinavam, não podendo a ré vendê-las a qualquer outro cliente);

- A ré tinha uma encomenda de 42.500 cadeiras, que deixou de vender, contabilizando-se o prejuízo em € 129.625; uma outra encomenda de 37.000 cadeiras, que igualmente deixou de vender, computando esse seu prejuízo em € 112.850; uma encomenda de 165 cadeiras, que também ficou por satisfazer, cujo correspondente prejuízo ascendeu a € 503,25;

- A ré viu-se, ainda, impedida de concorrer a “inúmeros concursos”, o que era essencial para rentabilizar o seu investimento, sendo inevitável que, após o Euro 2004, a colocação de cadeiras seja em número muito mais reduzido, sendo que os inerentes prejuízos ainda não são integralmente contabilizáveis, pelo que visa relegar o seu cálculo para liquidação em execução de sentença;

- As rés têm sofrido danos não patrimoniais decorrentes da actuação da autora: a ré C... por determinadas oportunidades perdidas em termos de divulgação do seu produto, visa ser ressarcida nos montantes de € 15.000 e € 15.000; pelos danos sofridos na sua imagem, visa ser indemnizada pela quantia de € 20.000; cada uma das rés S... e P... viu-se igualmente afectada na sua imagem, visando assim a indemnização no valor supra referido.

A 4ª ré impugnou parte da factualidade alegada pela autora, havendo, nomeadamente, defendido nunca ter comercializado as cadeiras referidas pela autora e que a cadeira da autora não constituiu um produto original e distinto, mas antes tem características idênticas a outras cadeiras comercializadas no mercado. Concluiu pedindo pela improcedência da acção.

A autora apresentou réplica, no âmbito da qual impugnou parte do alegado pelas rés reconvintes e pugnou, a final, pela improcedência dos seus pedidos. Defendeu, ainda, que a ré C... omitiu elementos a este tribunal e deduziu pretensão reconvencional cuja falta de fundamento não ignorava, dado que alegou ter ficado impossibilitada de concorrer a inúmeros concursos para os estádios do Euro 2004, bem sabendo que a sua cadeira "Elegance", não rebatível, não podia concorrer aos mesmos e sendo que, em relação aos Estádios de Guimarães e Coimbra, os respectivos concursos foram adjudicados em Dezembro de 2002, pelo que, nessa altura, a eles podia ter livremente concorrido. Daí ter litigado de má fé, devendo pagar indemnização à autora, a liquidar em execução.

As 1ª, 2ª e 3ª rés treplicaram.

Foi proferido despacho saneador, foram seleccionados os factos assentes e elaborada base instrutória, que foi alvo de reclamações, oportunamente decididas.

Por despacho proferido em 19 de Maio de 2008, no início da audiência de julgamento, foi a reconvenção da ré S... julgada sem efeito, em virtude de ter caducado o mandato que atribuíra aos Ilustres Subscritores da sua contestação/reconvenção e de, notificada para o efeito, não haver constituído novo mandatário.

Realizou-se audiência de julgamento, que culminou nas respostas à dita base, sem reclamação.

Foram apresentadas alegações de direito, pela autora e pela ré C..., Lda.
***

A sentença concluiu, julgando improcedentes a acção e a reconvenção.
***

Inconformadas, a Autora e a 3ª Ré recorreram para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, por Acórdão de 24.11.2009 – fls. 1148 a 1167 – sentenciou:

“Pelos fundamentos expostos, acordam nesta Relação no seguinte:

a) - Em julgar a apelação da autora improcedente, confirmando nessa parte a decisão recorrida.

b)- Em julgar a apelação da 3ª ré parcialmente procedente, com a correspondente revogação parcial da decisão recorrida, condenando-se a autora reconvinda, na parcial procedência da reconvenção, no seguinte: a pagar à 3ª ré apelante uma indemnização pelos danos patrimoniais correspondente ao valor das cadeiras apreendidas no âmbito do procedimento cautelar e que por causa da apreensão não pôde vender, relegando-se para liquidação ulterior na 1ª instância a sua quantificação.

c) - Em condenar a autora, como litigante de má fé, na multa de cinco UC, bem como na indemnização a fixar ulteriormente no processo, pela 1ª instância e mediante prévia audição das partes nos termos do artigo 457º do CPC.

– Em absolver a autora reconvinda da parte restante do pedido reconvencional.

[…]”.
***

Inconformadas, recorreram para este Supremo Tribunal de Justiça, a Autora e a 3ª Ré “C...”.

A Autora, alegando, formulou as seguintes conclusões:

a) O douto acórdão recorrido operou uma incorrecta subsunção dos factos ao instituto da concorrência desleal, laborando, com todo o respeito, em dois equívocos: o de que existiam no mercado, anteriormente à cadeira “TEJO”, cadeiras com as mesmas características e o de que os produtos em causa nos presentes autos são suficientemente distintos de modo a evitar situações de confusão (tais produtos são a cadeira denominada “TEJO”, da Recorrente, e a cadeira denominada “Elegance”, da Recorrida C..., LDA.).

b) Cumpre começar por assinalar que a cadeira de estádio “TEJO” resultou de uma criação em cujo processo estiveram envolvidos os sócios-gerentes da Autora (facto provado 13, página 8 do douto acórdão recorrido).

c) Não ignora, naturalmente, a Recorrente que o Tribunal a quo deu como provado (facto provado 40, página 9 do acórdão recorrido) que antes da cadeira “TEJO”, existiam, no mercado internacional, uma outra cadeira e, no mercado nacional, um assento, que também ostentavam as características daquela.

d) Acontece que, com base naquele pressuposto, o Tribunal a quo labora em incorrecta apreciação e interpretação da prova produzida nos autos, por referência à cadeira e ao assento que tinham as mesmas características da cadeira “TEJO”, apreciação e interpretação essas que condicionam toda a decisão recorrida.

e) Quanto à preexistência, no mercado internacional, de uma cadeira idêntica à cadeira “Tejo”, aquilo que verdadeiramente condiciona a sentença de 1ª instância e o acórdão recorrido é o facto de se ter entendido que a cadeira denominada “Hampton” — da empresa inglesa R... — é anterior àquela cadeira da Recorrente, assumindo o Tribunal a quo essa realidade partindo do facto provado 47 (página 9 do acórdão) e assumindo também que não foi a Recorrente quem lançou, pela primeira vez, no mercado uma cadeira com as características da cadeira “TEJO”, o que, consequentemente, não a legitimaria para a invocação da concorrência desleal das Rés.

f) Não resulta de nenhum elemento da prova produzida nos autos que a cadeira da empresa inglesa R... tenha sido lançada anteriormente à cadeira “TEJO”, da Recorrente.

g) Razão pela qual a afirmação no sentido da preexistência no mercado internacional, de uma outra cadeira, que também ostentava uma ranhura central para permitir o escoamento das águas pluviais e das lavagens e que usavam o mesmo sistema de fixação não permitia afastar, desde logo, a aplicabilidade do instituto da concorrência desleal.

h) Quanto aos assentos anteriores à cadeira “TEJO” — o modelo LIS (da Recorrente) e o modelo TEDDY (da empresa israelita A...) — é mister assinalar que, na sua concepção, estiveram também envolvidos sócios-gerentes da Recorrente, pelo que está plenamente demonstrada a sua legitimidade criativa quanto a esses produtos.

i) Assim, o facto provado sob o n.° 40 (página 9 do acórdão) não foi devidamente enquadrado e interpretado pelo acórdão recorrido, uma vez que, por si só, não tem a virtualidade de afastar o instituto da concorrência desleal.

j) Por outro lado, o Tribunal a quo sustenta que “o que é certo face ao provado é que não foi a Autora quem criou ou inventou as cadeiras para estádios: anteriormente já existiam cadeiras para estádios, cujo modelo a Autora conhecia”.

1) Não está em causa a criação ou invenção de cadeiras para estádios, estando, sim, em causa, a cadeira “TEJO”, que resultou de uma criação em cujo processo estiveram envolvidos os sócios-gerentes da Autora (facto provado 13, página 8 do douto acórdão recorrido).

m) O Tribunal de 1ª instância deu como provado que as cadeiras de estádio ‘Tejo” tornaram-se um produto conhecido dos demais comerciantes do sector (facto provado 26, página 9 do acórdão recorrido), perguntando-se a que título se tornariam conhecidas — e por directa associação à Recorrente — se não constituíssem um produto com “eficácia distintiva” em relação aos demais?

n) As questões sub judice eram muito objectivas:

• A Recorrente — através dos seus sócios-gerentes — criou um modelo de cadeira de estádio (que denominou de “TEJO”) que se revelou (e ainda revela) um sucesso comercial.
• Essa cadeira, não obstante resultar de um processo de desenvolvimento de produtos anteriores em que estiveram também envolvidos os mesmos sócios-gerentes, marcou claramente uma posição no mercado, por directa associação à Recorrente.
• A Ré C..., LDA., conhecendo essa realidade — e com a participação das 1ª e 2ª e 3ª Rés — encomenda um molde que permitiu o fabrico de uma cadeira que é praticamente idêntica à cadeira “TEJO”.
• E, em seguida, contacta clientes da Apelante (factos provados 33 e 35, página 9 do acórdão) para vender tal cadeira (que denominou de “Elegance”).

o) A devida subsunção destes factos ao instituto da concorrência desleal tanto bastaria para a procedência da demanda, mas o Tribunal a quo não operou essa correcta abordagem, quer pelas questões já referidas, quer pela (suposta e suficiente) dissemelhança entre os produtos em causa.

p) Quanto a este último aspecto — a dissemelhança entre os produtos em causa — constata-se que a decisão recorrida, assenta, basicamente, nas diferenças entre os moldes das cadeiras “TEJO” e “Elegance” e as próprias cadeiras, plasmadas nos factos provados 49 a 58.

q) Foi produzida prova pericial e, no respectivo relatório pericial, junto aos autos, são, de facto, elencadas diferenças entre os moldes e as cadeiras, como, aliás, não podia deixar de ser: trata-se de uma perícia, elaborada por técnicos especialistas, a quem essas diferenças não podiam — passe o pleonasmo — ficar indiferentes.

r) Mas, o que aqui releva é a aparência global dos produtos em causa, porque é essa a correcta abordagem que subjaz ao exame comparativo entre desenhos ou modelos (ainda que não exista nenhum), recordando-se aqui duas conclusões daquele relatório pericial:

“Apesar de as cadeiras apresentadas no processo serem inconfundíveis por serem de cores diferentes, podem ser realmente confundíveis se forem feitas na mesma cor e com brilho semelhante”.
“A impressão geral das cadeiras é semelhante, mas não igual. As cadeiras poderão ser confundíveis, pois o utilizador, em princípio, não estará atento aos pormenores que as distinguem, principalmente se não as vir em simultâneo”.

s) Pela matéria de facto elencada na decisão recorrida, não é afastada a semelhança do conjunto das cadeiras em causa, não obstante as diferenças que foram dadas como provadas.

t) E, neste particular, cumpre sublinhar que é pacificamente entendido pela doutrina e jurisprudência que a análise comparativa entre sinais distintivos (ou objectos) — estejam ou não protegidos como direitos privativos de propriedade industrial — deve ser orientada numa perspectiva de conjunto e não atendendo aos pormenores ou pequenas dissemelhanças.

u) No que toca à condenação da Recorrente, pelo acórdão recorrido, no pagamento, à 3ª Ré C..., LDA. de “uma indemnização pelos danos patrimoniais correspondente ao valor das cadeiras apreendidas no âmbito do procedimento cautelar e que por causa da apreensão não pôde vender, relegando-se para liquidação ulterior na instância a sua quantificação”, e, ainda, na condenação da Recorrente “como litigante de má-fé, na multa de cinco UC, bem como na indemnização a fixar ulteriormente no processo, pela 1ª instância e mediante prévia audição das partes nos termos do art. 457.° do C.P.C”, torna-se, desde logo, mister assinalar que o Tribunal de 1ª instância — nesta parte, com inteiro acerto — entendeu que a Recorrente nunca incorreria em litigância de má-fé, porquanto: “o simples facto de a providência da aqui autora ter vindo a improceder, por decisão do Tribunal Superior, não legitima concluir que, culposamente, aquela causou danos às rés, por não ter tido com a prudência normal.
E tanto mais se impõe essa conclusão em face da primitiva decisão desse procedimento. em que foi reconhecida procedência à pretensão da Autora, o que evidencia que a solução de direito a adoptar passível de entendimentos diversos” (sublinhado nosso).

v) Na verdade, recorda-se que os presentes autos começaram com uma douta sentença do mesmo Tribunal a quo que decretou as providências cautelares requeridas pela Autora, sendo que o decretamento das providências cautelares proveio, naturalmente, de um Tribunal, que decidiu no seu alto critério e perfilhou o entendimento jurídico da Recorrente.

x) E, como é evidente, a Recorrente mais não fez do que recorrer à sede própria para tentar fazer valer os seus direitos, com fundamento no instituto da concorrência desleal, daqui não se podendo retirar quaisquer ilações quanto a uma suposta actuação ilícita da mesma.

z) Como assinalou, ainda, o Tribunal de 1ª instância, o simples facto de não se reconhecer à autora o direito de que se arrogava titular e, nomeadamente, de se entender que não existe motivo para impedir as rés — mais precisamente, a C..., Lda. — de continuar a produzir e a comercializar a cadeira “Elegance” bem como usar o respectivo molde, não leva a que o recurso da autora a esta acção e ao procedimento cautelar apenso se reconduza à prática de um acto ilícito, porquanto violador de direitos das rés.

aa) Raciocínio este que se perfilha, inteiramente, e com o qual se contestam as aludidas condenações da Recorrente.

bb) Em face do exposto, entende a Recorrente que o douto acórdão recorrido, ao confirmar a decisão de 1ª instância, que julgou improcedente a presente acção, fê-lo com uma incorrecta subsunção dos factos ao Direito e violação de lei — em concreto, o art. 317.°, alínea a) do Código da Propriedade Industrial e o art. 10, bis, n°s 2 e 3 - 10 - da Convenção da União de Paris, de 20 de Março de 1883— pelo que deve ser revogado.

Nestes termos, e nos melhores de Direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso de revista, revogando-se o douto acórdão do Tribunal a quo, com a consequente condenação da 3ª Ré C..., LDA., ora Recorrida, nos pedidos formulados na demanda pela Autora, ora Recorrente.
***

A CSM, alegando, formulou as seguintes conclusões (fls. 1246 a 1252):

a) O douto Acórdão de que ora se recorre julgou improcedente, por não provados, os pedidos reconvencionais deduzidos pela recorrente, nomeadamente:

- Pagar à ora Recorrente uma indemnização por danos patrimoniais, que, à data, se computaram em € 251.441,25;
- Pagar ainda uma indemnização por danos não patrimoniais que se fixaram em € 80.000,00.

b) Entende o douto Acórdão recorrido que a indemnização pedida pela recorrente no que respeita as cadeiras não vendidas referidas nos pontos de facto 71/72, 73/74 e 75 não procede na medida em que exorbitam do âmbito do cautelar e em relação à sua venda não está provado, nem resulta do provado, o nexo de causalidade adequada entre a conduta da A. e essa não venda. É de entender que, se a 3 Ré as não vendeu com receio da sorte do litígio, foi por seu inteiro risco.

c) Refere ainda o douto Acórdão recorrido que nada se provou quanto a danos não patrimoniais da 3ª ré, designadamente em termos de imagem.

d) Entende a ora Recorrente que o Acórdão não fez a mais correcta interpretação e aplicação dos artigos 483° do Código Civil e 457º do Código de Processo Civil ao caso sub judice.

e) Na parte respeitante ao pedido reconvencional deduzido pela Ré, ora Recorrente, ficaram provados os artigos 115º, 129º, 131º, 132º, 133°, 134º, 135° e 136° da Base Instrutória, ou seja, os pontos 70, 71, 72, 73, 74 e 75 dos factos assentes.

e) Ora à data das encomendas das cadeiras aqui em causa – de Março a Abril de 2003 – o molde da cadeira “Elegance” da recorrente ainda se encontrava apreendido (o molde foi apreendido em 26/3/2003), na sequência do decretamento da providência cautelar.

f) Com efeito, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que revogou a decisão proferida no âmbito do procedimento cautelar, indeferindo as providências solicitadas, nomeadamente a de apreensão do molde, foi proferido em 18/05/2004.

g) Assim, se atentarmos nas datas em causa – encomendas de Março a Maio de 2003 e entrega do molde à Recorrente em 3 de Dezembro de 2004 – verifica-se que a recorrente se viu impossibilitada de fabricar e, consequentemente, de fornecer as cadeiras em causa.

h) Não pode pois, salvo melhor opinião, concluir-se, como fez o Acórdão recorrido, que se a “Ré as não vendeu com receio da sorte do litígio, foi por seu inteiro risco”.

i) A recorrente não as vendeu porque tinha o molde que fabricava as cadeiras em causa apreendido. O molde esteve apreendido desde o dia 26 de Março de 2003 até 3 de Dezembro de 2004, ou seja, 21 meses.

j) Ora, o mercado actualmente não se compadece com tais demoras e o largo período de tempo em que a Recorrente não pode fabricar as cadeiras implicou que a Recorrente se visse impossibilitada de cumprir os compromissos e as encomendas assumidas.

1) Foi pois a actuação da Recorrida ao actuar ilicitamente e litigar de má fé, induzindo o tribunal em erro quando o mesmo ordenou a apreensão do molde, que levou a que a recorrente deixasse de vender as cadeiras para as quais já tinha as encomendas em causa.

m) O acima exposto significa que, no caso em apreço, se verifica um nexo de causalidade entre a conduta da Recorrida e o facto de a Recorrente ter deixado de vendar as cadeiras, cujo montante se computa em € 251.441,25.

n) Analisando a pretensão da ora recorrente à luz do regime da responsabilidade civil por factos ilícitos e transpondo os respectivos requisitos para a situação em apreço, entende a recorrente que ficam provados os factos essenciais nos quais alicerça os seus pedidos reconvencionais.

o) A convicção criada no mercado de que a Recorrente era uma “copiadora” de cadeiras, o facto de não poder satisfazer encomendas a clientes com os quais se tinha comprometido e tendo em atenção que no sector e meio em causa todos os agentes se conhecem, provocou uma lesão na imagem da Recorrente, empresa existente no mercado há mais de 20 anos, e que tem sido difícil de inverter no mercado nacional.

p) A litigância de má fé pode levar a aplicação ao litigante de duas sanções: multa e uma indemnização à parte contrária.

No que se reporta à indemnização, ela pode ser simples ou agravada.

A indemnização simples é aquela que se encontra prevista na al. a) do n° 1 do art. 457.° do Código de Processo Civil, e engloba todas as despesas que a má fé do litigante haja obrigado a parte contrária a suportar, incluindo os honorários ao seu mandatário ou aos técnico, ou seja, e no dizer do Prof. Lebre de Freitas (pág. 200), apenas os danos emergentes directamente causados à parte contrária pela actuação do litigante de má fé.
Já a indemnização agravada é aquela que se encontra prevista na al. b) do n°2 do citado art. 457°, e abrangerá todas aquelas despesas e ainda todos os demais prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má fé do litigante.
Ora, a tal propósito, duas correntes de opinião tem surgido: uma defendendo que a parte contrária prejudicada com a litigância de má fé deve não só indicar as despesas e os prejuízos sofridos (e seus montantes), como ainda fazer prova dos mesmos, sob pena de não lhe ser arbitrada a indemnização pedida; e outra defendendo que não obstante tal alegação e prova das despesas e prejuízos sofridos não ter sido feita pela parte alegadamente prejudicada com a litigância de má fé, sempre mesmo assim o tribunal lhe deverá fixar uma indemnização de acordo com um prudente arbítrio (vide, a propósito, Rui Correia de Sousa, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30-10-2007, alcançável em www.dgsi.pt).

q) Acresce que as regras da experiência fazem presumir que, tendo em atenção o sector de actividade em causa, onde todos os agentes se conhecem, o meio onde as partes estão inseridas, localizando-se a Recorrente e a Recorrida no mesmo concelho, o “aparato” na apreensão do molde na sede da Ré, com intervenção do tribunal e policia, a situação em causa lesou a imagem da recorrente.

r) Deve assim a Recorrida indemnizar a ora Recorrente nos prejuízos que lhe causou e que se traduziram na impossibilidade de a Recorrente comercializar as suas cadeiras no ano de 2003 e na imagem fortemente negativa criada por esta situação.

s) Ao julgar improcedente os pedidos reconvencionais acima mencionados, o douto Acórdão recorrido não fez a mais correcta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 483° do Civil e 457° do Código de Processo Civil ao caso em apreço — deveria ter interpretado e aplicado correctamente tais preceitos, no sentido de considerar os referidos pedidos reconvencionais procedentes, porquanto provados.

Nestes termos, deve ser revogado o douto Acórdão na parte ora recorrida.
***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

1. A presente acção é intentada como acção principal, na sequência das providências cautelares decretadas contra as ora rés, no procedimento cautelar comum a esta apenso.

2. A autora constituiu-se em 1991, tendo por objecto social a "engenharia de moldes para plásticos" (documento 1 do requerimento inicial do procedimento cautelar).

3. No âmbito do seu objecto social, a autora dedica-se à engenharia de moldes, bem como ao fabrico e comercialização dos produtos fabricados com os mesmos moldes, designadamente, cadeiras para estádios e pavilhões desportivos, as denominadas "cadeiras de estádio".

4. A 1ª ré, S..., é uma sociedade matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Marinha Grande, que se dedica ao fabrico de moldes para matérias plásticas.

5. A 2ª ré, P..., é uma sociedade matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Marinha Grande, que se dedica, designadamente, a experiência de moldes.

6. A 3ª ré, C..., é uma sociedade matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Leiria, que se dedica, designadamente, ao fabrico de plásticos.

7. A 4ª ré, E...S..., é uma sociedade que se dedica à comercialização de equipamentos desportivos, tendo sido constituída em Março de 2002.

8. Na diligência de apreensão deprecada ao Tribunal de Leiria, relativamente às instalações da C..., Lda., 3ª ré, foi apreendido um molde em aço para fabricação de cadeiras em plástico idênticas ao modelo Tejo da requerente e um lote de várias cadeiras novas, num total de 1.302 cadeiras que ali se encontravam, e idênticas ao modelo imediatamente atrás referido (isto segundo o teor do doc. nº 2 junto com a petição inicial).

9. O INPI informou que “após pesquisa ao acervo documental do Departamento de Desenhos ou Moldes não foi encontrado qualquer registo de Modelo Industrial susceptível de confundibilidade com a figura da Cadeira Elegance - ref. 121 apresentada”.

10. A ré chegou ainda a pedir junto do Registo Nacional de Pessoas Colectivas uma denominação social para a sociedade que pretendia constituir com o objectivo de comercializar as cadeiras por si fabricadas.

11. A autora tem-se dedicado ao fabrico e comercialização de cadeiras de estádios.

12. Os sócios gerentes da autora, AA e BB, têm trabalhado no desenvolvimento de moldes de cadeiras de estádio.

13. A autora fabricou um modelo de cadeiras de estádio, que denominou de cadeira "Tejo", em cujo processo estiveram envolvidos os seus identificados sócios gerentes.

14. O processo de desenvolvimento da cadeira "Tejo" e do respectivo molde comportou o trabalho a tal necessário e importou o custo do fabrico do molde.

15. Em 18-10-1995, a autora encomendou à 1ª ré, S...-Sociedade Industrial Metalúrgica, Lda., o fabrico do molde da cadeira "Tejo".

16. O que foi aceite pela mesma, mediante o pagamento de Esc. 6.000.000$, acrescido de IVA.

17. Para o efeito, a autora forneceu à primeira ré desenhos de artigo e um modelo da pretendida cadeira "Tejo".

18. A autora forneceu à primeira ré as especificações técnicas e as normas a cumprir que entendeu necessárias para a criação e desenvolvimento do pretendido molde.

19. A primeira ré, durante o processo de execução do molde, tomou conhecimento dos elementos necessários para o produzir com as características pretendidas pela autora.

20. O processo de fabrico do molde da cadeira "Tejo" comportou vários acertos.
21. Foi concluído em data próxima a 14 de Junho de 1996.

22. A autora procedeu ao pagamento do fabrico do molde, relativamente ao qual foi emitida a factura nº281, datada de 14 de Junho de 1996.

23. A cadeira "Tejo" comporta uma ranhura central, que permite o escoamento de água da chuva e da lavagem da mesma, e pontos de fixação central.

24. Após estar na posse do referido molde, a autora, em data não concretamente apurada ainda do ano de 1996, iniciou o fabrico das cadeiras de estádio "Tejo".

25. A sociedade A...F... & Filhos, Lda., mediante documento datado de 22/08/1996, encomendou à autora cadeiras do modelo “Tejo”, com vista a equipar um pavilhão desportivo em Vendas Novas.

26. As cadeiras de estádio “Tejo” tornaram-se um produto conhecido dos demais comerciantes do sector.

27. Em 1997, a autora equipou, com as cadeiras "Tejo", o estádio José de Alvalade.

28. Em data não apurada do ano de 2002, um empregado da autora, de nome CC viu, nas instalações da 1ª ré, um molde que lhe pareceu idêntico ao que a autora lhe havia encomendado em 1995.

29. Esse empregado da Autora deu conhecimento desse facto aos seus sócios gerentes.

30. O molde referido em 28. havia sido encomendado pela 2ª ré, P..., Lda.

31. Existem cadeiras de estádio, fabricadas pela 3ª ré, C..., na bancada de suplentes do campo do Centro Popular e Recreativo da Pocariça, em Oliveirinhas, Maceira Lis, e no Pavilhão do Centro de Convívio e Recreio do Telheiro, em Leiria.

32. A 3ª ré tinha nas suas instalações o molde aludido em 28., fabricado pela 1ª ré.

33. O sócio gerente da terceira ré contactou DD, na qualidade de sócio gerente da empresa J... Sport-Comércio e Indústria de Artigos Desportivos, Lda., propondo-lhe a comercialização de cadeiras fabricadas por aquela ré.

34. O que veio a concretizar-se através de uma transacção de 350 cadeiras, titulada por factura.

35. A terceira ré contactou a empresa “A...O...-Representações de Equipamentos Desportivos”, que foi cliente da autora, para lhe apresentar a cadeira "Elegance".

36. A ré S..., Lda. fabricou o molde da cadeira "Elegance".

37. A ré P..., Lda. encomendou esse molde e forneceu-o à ré C..., Lda.

38. A 3ª ré utilizou o referido molde para fabricar cadeiras, algumas das quais vendeu.

39. A inscrição do nome da 4ª ré (E...S...) não faz parte do molde da cadeira, sendo um postiço que o fabricante pode integrar no molde e substituir, conforme o cliente, para, dessa forma, personalizar as cadeiras.

40. Antes da cadeira “Tejo”, existiam, no mercado internacional, uma outra cadeira e, no mercado nacional, um assento, que também ostentavam uma ranhura central para permitir o escoamento das águas pluviais e das lavagens e que usavam o mesmo sistema de fixação.

41. Cujos modelos a Autora já conhecia, quando decidiu produzir o modelo “Tejo”.

42. Em 07/12/1995, foi facturado a autora o retoque de um modelo de uma cadeira em plástico.

43. A Autora e a empresa G... têm um sócio em comum, BB.

44. Parte dos desenhos entregues, pela G... à Pr..., para que esta fabricasse o molde para a cadeira referida em 40., haviam sido enviados pela A....

45. Em 1991, a empresa Pr... fabricou um molde para uma cadeira, a qual tinha, como características, a existência de uma ranhura central e fixação central; na parte de trás dessa cadeira, era gravado o nome da empresa A....

46. A Autora passou a conhecer esse modelo de cadeira.

47. Em 1993, a Autora encomendou à Pr... o fabrico de um molde com características idênticas às do anterior [molde], para uso da sociedade R....

48. Tendo a Pr... facturada tal serviço à autora.

49. Os moldes usados pela autora e pela ré C... (para produção, respectivamente, da cadeira “Tejo” e da cadeira “Elegance”) são tecnologicamente, a nível da concepção, bem distintos.

50. A extracção das cadeiras, no molde da ré é efectuada por hidráulicos e, no molde da autora, por KO da máquina; a posição do injector, no molde da cadeira da ré, tem 10° de inclinação e 518 mm de comprimento e, no molde da cadeira da autora, 0° de inclinação e 460 mm de comprimento.

51. A extracção é efectuada, no molde da ré, do lado da injecção e, no molde da autora, do lado da extracção; a extracção é controlada por limita dores de curso no molde da ré e, no molde da autora, os limitadores são sensores da máquina.

52. O molde da ré é constituído por duas peças, o molde da cadeira e o molde das tampas, enquanto o molde da autora é constituído por uma só peça.

53. Nas cadeiras “Elegance”, o ponto de injecção é na parte interior do assento, estando oculto.

54. As cadeiras da autora apresentam um ponto saliente no assento, dado a injecção ser efectuada pela parte da frente.

55. A largura das abas traseiras das cadeiras é visível e apreensível, permitindo a distinção entre as referidas cadeiras.

56. A diferença de forma na estrutura das cadeiras é visível e permite distingui-las.

57. A zona de numeração das cadeiras é visível e apreensível, quer no referente à sua localização, quer à sua forma, permitindo distinguir ambas as cadeiras.

58. A diferença da abertura da ranhura central é visível e apreensível, permitindo distinguir as cadeiras.

59. Existem, actualmente, no mercado outros modelos, que não pertencem à autora, que possuem essa característica.

60. A ré C... adquiriu à 2ª ré – P... –, para o exercício da sua actividade, o molde já acima referido e, a partir do mesmo, fabricou as cadeiras em causa, com as características acima mencionadas.

61. À data da propositura da acção (08/04/2003), estavam anunciados concursos para fornecimento de cadeiras a alguns pavilhões desportivos.

62. A Autora não é a única empresa, no mercado português, a vender cadeiras para estádios.

63. De entre as 1.302 cadeiras apreendidas à ré C... [no cautelar], cerca de 400 cadeiras destinavam-se a ser vendidas à empresa J... Sport.

64. A empresa J... Sport encomendou cadeiras a uma empresa espanhola de nome Daplast.

65. A ré E...S... comercializa, designadamente, cadeiras para equipar recintos desportivos.

66. As empresas A... e R... contêm nos respectivos catálogos modelos de cadeiras com características semelhantes às da cadeira “Tejo”.

67. Os moldes para fabrico dessas cadeiras foram executados pela empresa Pr..., nos termos que resultam de respostas anteriores.

68. A ré C... é uma empresa que se dedica, entre outras actividades, à fabricação de produtos e equipamentos em plástico.

69. No âmbito dessa sua actividade, a ré dedica-se ao fabrico de cadeiras para estádios, nomeadamente, da referida cadeira “Elegance”.

70. Na sequência da apreensão, a ré C... deixou de vender as cadeiras acima referidas (em 63., ou seja, 400) à ré E...S....

71. Mediante missiva datada de 28/04/2003 (posterior, pois, à apreensão das referidas cadeiras, ocorrida em 26/03/2003), a empresa S... - Importação e Exportação, Lda. encomendou à ré C... 42.500 cadeiras “Elegance”, destinadas ao mercado angolano.

72. A 3ª ré não vendeu essas cadeiras à identificada sociedade.

73. A sociedade A...F... & Filhos, AFF Equipamentos Desportivos, Lda. efectuou um pedido de encomenda à ré C... de 37.000 cadeiras "Elegance", sendo esse pedido datado de 21 de Maio de 2003.

74. A 3ª ré não vendeu essas cadeiras à aludida sociedade.

75. A 3ª ré tinha, ainda, acordado com a sociedade E... fornecer 165 cadeiras "Elegance" para o Complexo Desportivo do Estádio Nacional do Jamor, destinando-se tais cadeiras aos "campos do campeonato de paintball", o que, igualmente, não pôde cumprir.

76. O concurso para o Estádio de Braga previa a colocação de cadeiras tipo "grossfilex-space", colocadas por meio de apoios metálicos.

77. Empresas do sector foram convidadas, por L..., E.M., a apresentar propostas para o "fornecimento e montagem das cadeiras do Estádio Municipal de Leiria".

78. A autora foi convidada.

79. O Estádio de Leiria veio a ser equipado com cadeiras do tipo rebatíveis.

80. Parte dos demais estádios de futebol em que foram realizados jogos do Euro 2004 foram equipados com cadeiras rebatíveis.

81. A cadeira "Tejo" difere do assento "Lis" apenas por ter costas.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa, no que respeita ao recurso da Autora, saber se existiu concorrência desleal por parte das RR., no que respeita ao modelo de uma “cadeira de estádios” desportivos da marca “Tejo”, e ainda se deve ser revogada a condenação a indemnizar a 3ª Ré C... e a condenação como litigante de má-fé.

O recurso da 3ª Ré C..., tem por objecto saber se deveriam ser julgados procedentes os seus pedidos reconvencionais que visavam a condenação da Autora a pagar-lhe uma indemnização por danos patrimoniais, que, à data, se computaram em € 251.441,25 e a pagar-lhe, ainda, uma indemnização por danos não patrimoniais que se fixaram em € 80.000,00.

A pedra angular dos recursos prende-se com o instituto da concorrência desleal no contexto das relações de concorrência entre empresas. A Autora sustenta que as RR., mormente a 3ª Ré, não concorreu lealmente consigo no que respeita ao fabrico daquilo que denomina “cadeiras de estádio”, ao imitar, com o seu modelo “Elegance”, aqueloutro fabricado e criado pela demandante e por si denominado “Tejo”.

A Autora invocou, destarte, como causa de pedir a prática pelas Rés de factos que, no seu entender, evidenciam “concorrência desleal servil” [e não a violação de direitos exclusivos, uma vez que o produto que considera objecto de imitação não estava patenteado], já que, tendo criado um modelo de cadeira denominado “Tejo” cuja concepção findou em 5.8.1995, a 1ª Ré “S...”, a quem incumbiu de fabricar o molde passou a usá-lo abusivamente a partir de 1996, apresentando tal cadeira como um modelo seu exclusivo, original.

Por sua vez, a 3ª Ré C... passou a fabricar aquela cadeira que comercializou, tal como a 4ª Ré.

A questão, largos traços, inscreve-se no contexto da propriedade industrial.

O Código da Propriedade Industrial de 1995, dispõe no seu artigo lº - “A propriedade industrial desempenha a função social de garantir a lealdade de concorrência pela atribuição de direitos privativos no âmbito do presente diploma, bem como pela repressão da concorrência desleal”.

Propriedade Industrial, de acordo com a definição da Convenção de Paris de 1883 (art. 1,2), é o conjunto de direitos que compreende as patentes de invenção, os modelos de utilidade, os desenhos ou modelos industriais, as marcas de fábrica ou de comércio, as marcas de serviço, o nome comercial e as indicações de proveniência ou denominações de origem, bem como a repressão da concorrência desleal.

Concorrência desleal, como refere a Convenção da União de Paris, é o “acto de concorrência contrário aos usos honestos em matéria industrial ou comercial”, desregulador do bom funcionamento do mercado, permitindo que terceiros se aproveitem dos investimentos e do trabalho efectuados por uma empresa.

Hoje, com a facilidade de divulgação dos produtos à escala mundial, e a severa competição comercial a que não é alheia a facilidade de comunicação e circulação, a disputa do mercado faz-se, sobretudo, através da inovação e de competitividade que são induzidas por técnicas de marketing e de publicidade, sendo da maior relevância a afirmação da individualidade de certo produto ou marca de modo a gerar nos consumidores uma impressão inovadora, distintiva, que afaste a confusão ou risco de confusão com outro produto ou marca, que, virtualmente, com ele compita, sendo relevantes, entre outros factores distintivos, o aspecto gráfico ou visual, a concepção, os materiais usados, as formas e o design dos produtos.

Os agentes económicos no processo de captação de clientela, em competição com os seus concorrentes, devem agir com honestidade, correcção e consideração, não só pelos seus competidores, como também com os consumidores, o que mais não é que agir com boa-fé.

O art.317º do Código da Propriedade Industrial – DL.36/2003, de 5 de Março [doravante CPI] – define:

“Constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica…”.

A lealdade na concorrência implica, desde logo, a adopção de práticas industriais honestas, uma vez que a propriedade industrial deve, de certa forma, considerar-se expressão da propriedade intelectual, já que abrange elementos de cariz imaterial, que integram o estabelecimento comercial com as suas marcas, invenções, patentes, modelos, desenhos industriais, logótipos, etc.

Daí que a preservação e não infracção dos sinais distintivos do comércio constitua um dos núcleos mais importantes do carácter incorpóreo sobre que incidem muitos dos direitos de propriedade industrial.

O mencionado artigo 317º do CPI (1) refere, não taxativamente, actos que constituem concorrência desleal:

“a) Os actos susceptíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue;
b) As falsas afirmações feitas no exercício de uma actividade económica, com o fim de desacreditar os concorrentes;
c) As invocações ou referências não autorizadas feitas com o fim de beneficiar do crédito ou da reputação de um nome, estabelecimento ou marca alheios;
d) As falsas indicações de crédito ou reputação próprios, respeitantes ao capital ou situação financeira da empresa ou estabelecimento, à natureza ou âmbito das suas actividades e negócios e à qualidade ou quantidade da clientela;
e) As falsas descrições ou indicações sobre a natureza, qualidade ou utilidade dos produtos ou serviços, bem como as falsas indicações de proveniência, de localidade, região ou território, de fábrica, oficina, propriedade ou estabelecimento, seja qual for o modo adoptado;
f) A supressão, ocultação ou alteração, por parte do vendedor ou de qualquer intermediário, da denominação de origem ou indicação geográfica dos produtos ou da marca registada do produtor ou fabricante em produtos destinados à venda e que não tenham sofrido modificação no seu acondicionamento”.

No caso, a Autora sustenta que a Ré, copia, imita servilmente, o modelo que utiliza na cadeira “Tejo”, afirmando que a 3ª Ré fabricou um modelo de cadeira denominado “Elegance” que é cópia daquele modelo “Tejo”, o que propicia risco de confusão e traduz a prática de concorrência desleal, já que esse modelo foi produzido e comercializado pelas 3ª e 4ª Rés, esta induzida por actuação censurável da 3ª Ré, que, com base no molde daquela cadeira da Autora, fabricou e comercializou a cadeira concorrente como se fosse um produto original de sua concepção.

Essa imitação está patente, diz a Autora, porque a Ré copia o seu produto que é original e tem um característico design, um particular, distinto e atraente aspecto estético, comportando uma ranhura central e pontos de fixação centrais, e constitui, do ponto de vista estético, produto inovador no mercado, que foi sua árdua criação.

Temos, assim, que a cadeira “Elegance” seria susceptível de criar confusão com o concorrente produto da Autora, o que infringe a al. a) do citado art. 317º do CPI.

Os tratadistas consideram existir várias modalidades de actos de concorrência desleal: actos de confusão, actos de apropriação, actos de descrédito e actos de desorganização, aos quais acresce ainda, para alguns, a concorrência parasitária.

No caso em análise está em causa a prática de actos de confusão – ou indutores de confundibilidade – reveladores de concorrência servil na perspectiva da Autora.

O art. 317º do actual CPI, em confronto com o art. 260º do CPI de 1995, em função da eliminação da referência ao “dolo específico”, consagrou uma mudança de paradigma; o ilícito de concorrência desleal deixou de ser qualificado como crime, para passar a constituir ilícito de mera ordenação social.

Pressuposto elementar da concorrência desleal (2) é a existência de acto de concorrência.

No estudo, “Concorrência Desleal e Direito do Consumidor”, da autoria do Dr. Jorge Patrício Paul, na “Revista da Ordem dos Advogados”, 2005, Ano 65 - Vol. I – Junho de 2005, pode ler-se:

“O acto de concorrência é aquele que é idóneo a atribuir, em termos de clientela, posições vantajosas no mercado…A concorrência não é susceptível de ser definida em abstracto e só pode ser apreciada em concreto, pois o que interessa saber é se a actividade de um agente económico atinge ou não a actividade de outro, através da disputa da mesma clientela…O conceito de concorrência é, pois, um conceito relativo, que não pode ser aprioristicamente definido mas apenas casuisticamente apreciado, tendo em conta a actuação concreta dos diversos agentes económicos e a realidade da vida económica actual...No próprio conceito de acto de concorrência está ínsita a sua susceptibilidade de causar prejuízos a terceiros, ainda que tais prejuízos possam efectivamente não ocorrer…o acto de concorrência, para verdadeiramente o ser, tem como seu elemento conatural, implícito na própria noção, o perigo de dano, ou seja, a sua idoneidade ou aptidão para provocar danos a terceiros”.

Como é sabido, os produtos industriais não podem “confundir” o destinatário do processo de produção – o consumidor.

Existe um dever de não apropriação de obras da concepção de terceiros por representarem produtos que revelam investimento criativo que, em última análise visam, pela sua originalidade e características distintivas, concorrer com produtos disponíveis no mercado, superando-os e assim conseguir clientela.

Os actos de concorrência entre empresas e as regras que visam defender a concorrência leal, como é aqui o caso, além de protegerem os criadores visam a protecção do consumidor, pelo que as marcas devem ter eficácia distintiva.

Estão em causa salutares regras da concorrência empresarial, a par da protecção dos consumidores, num mundo em que a oferta atinge uma inimaginável variedade, tornando, paradoxalmente, por isso, mais difícil o estabelecimento de padrões ou elementos diferenciadores.

Muitas das considerações da doutrina, a propósito da confundibilidade das marcas e dos produtos, são pertinentes e aplicáveis quando se trata de saber se um produto copia ou imita um outro concorrente; em suma, se é susceptível de induzir em confusão o consumidor pela semelhança do seu aspecto cromático, de forma ou apresentação física.

Nas expressivas palavras de Pinto Coelho, in “Lições de Direito Comercial”, pág. 396:
Sendo “a imitação a mais perigosa das fraudes, o imitador pretende aproveitar-se ilicitamente do crédito e da notoriedade de uma marca de outrem, mas para poder defender-se, não a reproduz perfeitamente, limita-se a imitá-la para poder sempre alegar que a sua marca é diferente daquela de que se diz ser a imitação”.

A imitação ou a confundibilidade das marcas pressupõe, um “confronto”, de modo a que se possa concluir, ou não, sobre se os produtos que as marcas assinalam são idênticos ou afins, ou despertam, pela semelhança dos seus elementos, a possibilidade de associação a outros produtos ou marcas já existentes no mercado propiciando efectiva confusão, ou criando esse risco.

Importa, então, indagar se, no âmbito da previsão do art. 193º, nº1, c) do CPI pode, para o consumidor comum, haver o risco de associação.

Coutinho de Abreu, in “Boletim da Faculdade de Direito”, Vol. LXXIII, 1997, pág.145, em estudo sobre as “Marcas (Noções, Espécies, Funções, Princípios Constituintes)” escreve:

“ […] O risco de confusão deve ser entendido em sentido lato, de modo a abarcar tanto o risco de confusão em sentido estrito ou próprio como o risco de associação.
Verifica-se o primeiro quando os consumidores podem ser induzidos a tomar uma marca por outra e, consequentemente, um produto por outro (os consumidores crêem erroneamente tratar-se da mesma marca e do mesmo produto).
Verifica-se o segundo quando os consumidores, distinguindo embora os sinais, ligam um ao outro e, em consequência, um produto ao outro (crêem erroneamente tratar-se de marcas e produtos imputáveis a sujeitos com relações de coligação ou licença, ou tratar-se de marcas comunicando análogas qualidades dos produtos)”.

Oliveira Ascensão, in “Concorrência Desleal” – edição de Março de 2002 – págs. 422/423 – relativamente ao art. 260º a) do revogado Código da Propriedade Industrial, de 1995 que, tal como o § 1º do Código de 1940 considerava que a concorrência desleal se manifesta “qualquer que seja o meio empregue” (expressão igual à da al. a) do art. 317º do vigente CPI), acerca dos conceitos de confusão e imitação, no âmbito de lesão dos interesses dos concorrentes (e não de consumidores) escreve, lapidarmente:

“A imitação é um grande princípio da vida social, que permite que as inovações vantajosas se expandam rapidamente. É natural que as empresas de ponta, capazes de maior inovação, tragam os progressos na vida empresarial e que esses progressos se generalizem subsequentemente.
A concorrência exige evolução incessante, e não a multiplicação de monopólios que estancam a expansão das práticas e permitem ganhos parasitários […].
Há que ter bem presente que a grande directriz que encontrámos nesse domínio não foi a do repúdio da cópia ou da imitação, mas reacção contra o risco de confusão.
E apenas por trazer (e se trouxer) este risco que o acto de cópia é rejeitado…é necessário que a confusão actue no espírito do público de maneira a fazê-lo tomar um operador ou os seus produtos ou serviços por outros.
Só assim funciona no sentido de uma eventual deslocação de clientela…O que é importante acentuar é que há um certo grau, mesmo de confundibilidade, que é socialmente adequado.
Todos os operadores económicos se imitam.
Toda a imitação traz alguma confusão.
Mas esta só é repelida como concorrência desleal se atingir um certo grau de intolerabilidade.
Temos aqui uma das mais importantes manifestações do princípio, atrás enunciado, de que a liberdade de concorrência prima sobre a concorrência desleal...
É necessário assegurar essa liberdade perante a ameaça da multiplicação dos entraves.
Por isso, um certo nível de confundibilidade é ainda admissível – ou se quisermos, é ainda compatível com as normas e usos honestos.”(3) (destaque e sublinhados nossos).

Como se pode ler, in “Código da Propriedade Industrial Anotado” – Almedina -Janeiro 2010 – de António Campinos e Luís Couto Gonçalves, págs. 554 e 555:

“Segundo Luís Couto Gonçalves, “Manual de Direito Industrial”, 2008, págs. 412 e ss) o acto de concorrência tem subjacentes quatro requisitos: relação de concorrência; acto relacional no mercado; - finalidade concorrencial; - concorrente (autor do acto)”.

Mais adiante, citando o Professor Couto Gonçalves, pode ler-se:

“Faz todo o sentido, num mercado cada vez mais abrangente, dinâmico, complexo, interrelacionado e mediatizado, que se não feche a porta à possibilidade de uma apreciação casuística bem fundamentada que não seja condicionada à aplicação rígida dos princípios gerais.
Do mesmo modo, também deve haver abertura para a aceitação de uma concorrência objectiva potencial, isto e, iminente de outro concorrente. […]”.
[…] Luís Couto Gonçalves defende que um acto de concorrência é também caracterizado pela “finalidade concorrencial”, a qual se consubstancia na susceptibilidade de um acto ter interferência na posição concorrencial dos agentes económicos e/ou nas escolhas dos consumidores, tendo como objecto o desvio de clientela.
Finalmente, o acto de concorrência tem de ter como autor um concorrente: “Para ser concorrente e condição necessária e suficiente tratar-se de um agente económico susceptível de influenciar o mercado, independentemente, quer da sua natureza jurídica, quer da dimensão ou natureza empresarial da sua unidade económica.”

A imitação de produtos ou marcas industriais deve ser apreciada casuisticamente e ter em conta uma impressão de conjunto, na perspectiva do consumidor médio, sendo de ponderar que se há produtos e marcas em que o génio criativo, desde logo se evidencia, ao ponto de comparadas, se poder imediatamente afirmar uma clara dissemelhança, outros há que pelas suas características e finalidades, difícil é exigir uma evidente inovação que afaste qualquer risco de imitação ou de confusão.

Pense-se, como exemplo do primeiro caso, nas embalagens de reputados produtos de cosmética, mormente, perfumes, onde a apresentação tem um aspecto visual tão original e inovador que uma outra que com ela se pareça, surgida posteriormente, logo apela à impressão marcante deixada pela forma que primeiramente surgiu no mercado, possibilitando uma clara diferenciação.

A concorrência assume aqui, como noutros domínios, como por exemplo o design de automóveis, um factor essencial, tornando remota a possibilidade de imitação sob pena de severa concorrência desleal com gravosas consequências para os fabricantes.

Outros produtos há, e aqui incluímos as denominadas “cadeiras de estádio”, em que, tirando o aspecto cromático e a impressão provocada pelo todo que constitui, por exemplo, uma bancada num recinto desportivo, bem difícil é conceber um produto que de modo algum seja confundível com outro (não estamos aqui a pensar na imitação servil ou parasitária que constitui, sobretudo esta, despudorada apropriação do produto ou marca de terceiro).

Mas, se pensarmos na dimensão que a cadeira deve ter para rentabilizar o espaço, o que se relaciona com a lotação do recinto e o facto de dever apresentar requisitos de segurança, facilidade de limpeza e, sobretudo, escoamento da água em caso de equiparem recintos desportivos ao ar livre, o que poderá ser diferente é o facto de terem ou não espaldar, serem rebatíveis ou não, já que a matéria prima com que são feitas – aspecto que nos autos se não discute – é a mesma, plástico.

Não está em causa, como resulta dos factos provados, que as cadeiras se destinem a equipar camarotes ou lugares vip de estádios, mas das comuns cadeiras plásticas coloridas ou não, que se vêem nas bancadas dos estádios, sobretudo nos construídos para o Euro 2004, competição desportivo/futebolística que decorreu em Portugal.

Actos de confusão, ou seja, “todos os actos susceptíveis de criar confusão com o estabelecimento, os produtos, os serviços ou o crédito dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregado”, são expressamente proibidos pelo nºl do art. 212.2 do CPI de 1940 e pelo art. 10º-bis da Convenção da União de Paris (art. 212º a) do CPI de 1940 e pelo art. 10-bis da Convenção da União de Paris.

“O critério para aferir essa confusão há-de radicar-se na reacção normal do consumidor médio, no seu comportamento face a uma dada actuação; um determinado acto de um empresário integrará o critério de concorrência desleal a partir do momento em que o consumidor médio não for capaz de distinguir entre uma actividade e outra actividade empresarial” - Carlos Olavo, C.J, Ano XII, Tomo IV.

“Todos os operadores económicos se imitam.
Toda a imitação traz alguma confusão.
Mas esta só é repelida como concorrência desleal se atingir um certo grau de intolerabilidade”.

Nesta feliz síntese de Oliveira Ascensão está, a nosso ver e ponderando quanto se disse sobre a índole dos produtos em competição, em concorrência, o critério rector para saber se existe ou não concorrência desleal, que mais não é que um comportamento violador das regras da boa-fé e da lisura, no âmbito concorrencial, de modo a não lesar interesses dos competidores que possam contender com a clientela e, logo, com o fim último da actividade industrial – abastecer os consumidores e obter lucros.

Repetimos que estamos num domínio em que difícil é apresentar produtos insusceptíveis de imitação ou confusão, como sejam as “cadeiras de estádio”.

As instâncias julgaram a acção improcedente por consideraram que as cadeiras “Tejo” da Autora, e a “Elegance”, em cujo processo de fabrico e comercialização estão envolvidas as demais Rés, sobretudo a 3ª Ré, nem sequer eram iguais na sua concepção e aspecto visual, como não representavam um produto da criação da Autora, através da inventiva dos seus sócios-gerentes.

Convocados os pertinentes factos, também assim concluímos à luz do seguinte:

39. A inscrição do nome da 4ª ré (E...S...) não faz parte do molde da cadeira, sendo um postiço que o fabricante pode integrar no molde e substituir, conforme o cliente, para, dessa forma, personalizar as cadeiras.
40. Antes da cadeira "Tejo", existiam, no mercado internacional, uma outra cadeira e, no mercado nacional, um assento, que também ostentavam uma ranhura central para permitir o escoamento das águas pluviais e das lavagens e que usavam o mesmo sistema de fixação.
41. Cujos modelos a Autora já conhecia, quando decidiu produzir o modelo "Tejo".
43. A Autora e a empresa G... têm um sócio em comum, BB.
44. Parte dos desenhos entregues, pela G... à Pr..., para que esta fabricasse o molde para a cadeira referida em 40., haviam sido enviados pela A....
45. Em 1991, a empresa Pr... fabricou um molde para uma cadeira, a qual tinha, como características, a existência de uma ranhura central e fixação central; na parte de trás dessa cadeira, era gravado o nome da empresa A....
46. A Autora passou a conhecer esse modelo de cadeira.
47. Em 1993, a Autora encomendou à Pr... o fabrico de um molde com características idênticas às do anterior [molde], para uso da sociedade R....
48. Tendo a Pr... facturada tal serviço à autora.
49. Os moldes usados pela autora e pela ré C... (para produção, respectivamente, da cadeira "Tejo" e da cadeira “Elegance”) são tecnologicamente, a nível da concepção, bem distintos.
50. A extracção das cadeiras, no molde da ré é efectuada por hidráulicos e, no molde da autora, por KO da máquina; a posição do injector, no molde da cadeira da ré, tem 10° de inclinação e 518 mm de comprimento e, no molde da cadeira da autora, 0° de inclinação e 460 mm de comprimento.
51. A extracção é efectuada, no molde da ré, do lado da injecção e, no molde da autora, do lado da extracção; a extracção é controlada por limita dores de curso no molde da ré e, no molde da autora, os limitadores são sensores da máquina.
52. O molde da ré é constituído por duas peças, o molde da cadeira e o molde das tampas, enquanto o molde da autora é constituído por uma só peça.
53. Nas cadeiras “Elegance”, o ponto de injecção é na parte interior do assento, estando oculto.
54. As cadeiras da autora apresentam um ponto saliente no assento, dado a injecção ser efectuada pela parte da frente.
55. A largura das abas traseiras das cadeiras é visível e apreensível, permitindo a distinção entre as referidas cadeiras.
56. A diferença de forma na estrutura das cadeiras é visível e permite distingui-las.
57. A zona de numeração das cadeiras é visível e apreensível, quer no referente à sua localização, quer à sua forma, permitindo distinguir ambas as cadeiras.
58. A diferença da abertura da ranhura central é visível e apreensível, permitindo distinguir as cadeiras.
59. Existem, actualmente, no mercado outros modelos, que não pertencem à autora, que possuem essa característica.”

Concluímos, assim, que não existe imitação e muito menos imitação servil entre os modelos “Tejo” e “Elegance”, desde logo, pelas patentes diferenças de forma e dimensão e concepção, não sendo ousado afirmar que a cadeira concebida pela Autora foi, até, inspirada em modelo de origem estrangeira ao tempo existente no mercado.

Refira-se que, não se tratando de direito exclusivo da Autora, que nem sequer tem patente registada do modelo de cadeira em questão, essa circunstância não posterga a possibilidade de concorrência desleal.

Como ensina Pupo Correia em “Direito Comercial- Direito da Empresa” – 2007 – pág. 379:

“É de distinguir a concorrência desleal da concorrência ilícita, proibida ou não autorizada.
A concorrência desleal pressupõe um uso excessivo e antiético da liberdade da concorrência…Visam-se na al. a) do art. 317°, fundamentalmente, os actos pelos quais o concorrente procura captar a clientela do concorrenciado procurando lograr os clientes, induzindo-os em erro de modo a levá-los a crer que, ao negociar com a empresa ou estabelecimento daquele ou ao adquirir os seus produtos ou serviços, estão a fazê-lo com o concorrenciado.
Note-se, porém, que, como resulta do que já dissemos em sede geral, não é necessária a ocorrência de uma efectiva confusão dos clientes (ou outros terceiros) visados para que exista acto qualificável como de concorrência desleal, mas apenas que haja o perigo de ela se verificar.
A confundibilidade deverá avaliar-se de acordo com o aspecto geral dos bens em presença e segundo critério idêntico ao preconizado por consumidor médio. Por outro lado, a confundibilidade reporta-se aos próprios bens referidos nesta al. a) (empresa, estabelecimento, produtos ou serviços), e não só aos sinais distintivos que sobre eles incidam. Uma das formas mais importantes dos actos de confusão consiste na imitação servil, que se traduz na reprodução dos produtos de um concorrente, quanto às suas características de formato, confecção ou apresentação.
Porém, a imitação servil só é proibida se for susceptível de criar confusão entre os produtos, a qual não se verificará marcas distintas. Além disso, pode não haver imitação servil ilícita quanto às formas dos produtos tornadas gerais pelo uso comum, ou respeitante à própria natureza do produto, quanto à sua composição intrínseca ou função característica”. (destaque e sublinhado nossos).
Sobre o conceito e problemática da imitação servil, de muito interesse é o Estudo de Adelaide Menezes Leitão, “Imitação Servil, Concorrência Parasitária e Concorrência Desleal”, in “Direito Industrial”, vol. I, APDI, Almedina, Coimbra, 2001, págs.119 e ss.

Analisando os factos provados podemos concluir que o consumidor médio poderia distinguir os dois modelos de cadeiras, não podendo afirmar-se que a cadeira modelo “Tejo” da Autora foi objecto de imitação servil, ou alvo de concorrência parasitária, desde logo pelo facto de os produtos em questão terem características que os distinguem e nem sequer constituírem inovação da Autora/recorrente.

Pretende, ainda, a Autora ser absolvida da condenação como litigante de má-fé na multa de 5 Uc`s, bem como indemnização a fixar ulteriormente nos termos do art. 457º do Código de Processo Civil.

Entende a recorrente que o facto de ter requerido uma providência cautelar contras as RR., que foi decretada em 1ª Instância mas revogada pela Relação, não exprime litigância de má-fé.

Com o devido respeito, a Relação não ancorou essa condenação nesse facto.

Assistiria razão à Autora se o fundamento da condenação tivesse sido esse.

Na verdade, a defesa de posições jurídicas alvo de díspares decisões judiciais não implica litigar de má-fé.

O art. 456º do Código de Processo Civil define litigância de má-fé nos seguintes termos:

1 – Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2 – Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

3. (omissis.)”

As partes, recorrendo a Juízo para defesa dos seus interesses, estão sujeitas ao dever de cooperação com o Tribunal, visando a obtenção de decisões conformes à Verdade e ao Direito, sob pena de a protecção jurídica que reclamam não corresponder à realidade, no que muito saem desacreditadas a Justiça e os Tribunais.

Daí que o legislador, no art. 265º, nº1, do Código de Processo Civil, imponha aos magistrados, partes e mandatários o dever de cooperarem com vista à justa composição do litígio.

O art. 266º-A reafirma tal princípio ao aludir ao dever de actuação de boa-fé inerente ao dever de cooperação.

A actuação processual do litigante de boa-fé postula uma actuação verdadeira, no tempo e modo processuais próprios, não se compadecendo com subterfúgios e “meias-verdades”, que mais não visam senão uma egoísta defesa de posições próprias, que prejudicando o opositor, acabam por não conduzir o Tribunal à correcta percepção da realidade e, logo, a correr o risco de decidir mal.

A litigância de má-fé releva se a parte viola os deveres de probidade em aspectos cruciais do pleito, em relação aos quais não pode razoavelmente invocar desconhecimento, sobretudo se se tratar de factos pessoais.

Como ensina o Conselheiro Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código de Processo Civil”, Vol. II, 3ª Edição – 2000 – pág.221/222:

“ A má fé processual tinha, entre nós, como requisito essencial o dolo, não bastando a culpa, por mais grave que fosse. A reforma processual de 95/96 mudou esse estado de coisas, considerando reveladora da má fé no litígio tanto o dolo, como a culpa grave, que designa por negligência grave.
A parte tem o dever de não deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; de não alterar a verdade dos factos ou de não omitir factos relevantes para a decisão da causa; de não fazer do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão; de não praticar omissão grave do dever de cooperação, tal como ele resulta do disposto nos arts. 266.° e 266º-A.
Se intencionalmente, ou por falta da diligência exigível a qualquer litigante, a parte violar qualquer desses deveres, a sua conduta fá-lo incorrer em multa, ficando ainda sujeito a uma pretensão indemnizatória destinada a ressarcir a parte contrária dos danos resultantes da má fé.
A doutrina tem classificado a má fé de que trata o preceito em duas variantes: a má fé material e a má fé instrumental, abrangendo a primeira os casos das alíneas a) e b) do nº2, e a segunda, os das alíneas c) e d) do mesmo número”.

Com o devido respeito, o modo como a Autora litigou revela negligência grave ou até dolo, do ponto em que, recorrendo a juízo com os fundamentos que na sua tese evidenciavam violação do direito que se arrogava, evidencia que agiu com falta de lisura, de boa-fé, visando um objectivo condenável – a condenação sem fundamento das RR.

Por outro lado, importa ponderar que a Autora lançou mão de um procedimento cautelar que lhe reconheceu o direito, alvo de tutela provisória e que conduziu à apreensão de cadeiras da 3ª Ré.

Todavia essa decisão veio a ser revogada pela Relação.

A imitação de produtos ou marcas industriais deve ser apreciada casuisticamente e ter em conta uma impressão de conjunto, na perspectiva do consumidor médio, sendo de ponderar que se há produtos e marcas em que o génio criativo, desde logo se evidencia, ao ponto de comparadas, se poder imediatamente afirmar uma clara dissemelhança, outros há que pelas suas características e finalidades, difícil é exigir uma evidente inovação que afaste qualquer risco de imitação ou de confusão.

Assim sendo, tal condenação é de manter, porquanto a Recorrente persistiu, até no recurso de apelação, em sustentar factos que sabia não serem verdadeiros, e, por isso, a sua conduta é subsumível à previsão do nº2 a) do art. 456º do Código de Processo Civil.

Todavia, entendemos que na indemnização a liquidar, não podem ser englobados os pretensos prejuízos advenientes da apreensão das cadeiras.

A apreensão foi decretada no contexto de procedimento cautelar e não se provou que tivesse sido temerário o recurso a esse meio de tutela preventiva; o facto de a Relação ter revogado a decisão, não permite afirmar qualquer censurabilidade seja ela substantiva - culpa in agendo - que seria punível nos termos do art. 390º, nº1, do Código de Processo Civil – ou litigância de má-fé.

O princípio da boa-fé não é exclusivo do direito substantivo, também pode ser violado numa perspectiva da actuação processual, mormente, pelo recurso a juízo através de acções ou procedimentos cautelares (4) .

Todavia, nada demonstra que a Autora, enquanto requerente cautelar, tenha agido sem a prudência normal, daí que não possa ser condenada a indemnizar no que se liquidar em execução de sentença, no que respeita a pretensos prejuízos emergentes da apreensão das cadeiras em sede cautelar.

Assim, e pese embora a pouca clareza do Acórdão, que parece incluir, num primeiro momento, esse aspecto na condenação no contexto da litigância de má-fé, decreta-se a revogação do Acórdão na parte em que condena a Autora reconvinda “a pagar à 3ª Ré apelante uma indemnização pelos danos patrimoniais correspondente ao valor das cadeiras apreendidas no âmbito do procedimento cautelar e que por causa da apreensão não pôde vender, relegando-se para liquidação ulterior na 1ª instância a sua quantificação”

No entanto, reafirma-se, mantém-se a sua condenação como litigante de má-fé com a fundamentação agora aduzida.

Quanto ao recurso da 3ª Ré “C...”.

Pretende a Ré/recorrente que a Relação deveria ter condenado a Autora nos demais pedidos reconvencionais de indemnização:

- por danos patrimoniais que computou em € 251.441,25 e danos não patrimoniais - € 80.000;

- numa indemnização pelos prejuízos sofridos que se vier a liquidar;

Os pedidos radicam num facto ilícito de natureza extracontratual – art. 483º, nº1, do Código Civil – que ancoram no facto de a Autora, com a acção e o procedimento cautelar visando a apreensão das cadeiras por si fabricadas e comercializadas, ter causado danos patrimoniais e não patrimoniais.

Os danos patrimoniais adviriam do facto de não ter concretizado negócios que estavam em curso para a venda da cadeira “Elegance” e, em danos não patrimoniais, relacionados com a afectação do seu prestígio pelo facto de ter sido alvejada judicialmente pela Autora com a imputação de concorrência desleal.

Quer a responsabilidade civil contratual, quer a extracontratual são fontes do direito de indemnizar se verificados os requisitos do art. 483º do Código Civil: facto voluntário, ilícito e culposo, danos e nexo de causalidade entre a conduta do agente e os danos sofridos pelo lesado.

“ (...) Constituem pressupostos da responsabilidade civil, nos termos dos artigos 483º e 487º, nº2, do Código Civil, a prática de um acto ilícito, a existência de um nexo de causalidade entre este e determinado dano e a imputação do acto ao agente em termos de culpa, apreciada como regra em abstracto, segundo a diligência de um “bom pai de família”. (...)”- cfr. inter alia o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 10.3.1998, BMJ 475-635.

Nos termos do art. 342º, nº1, do Código Civil competia à 3ª Ré o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito.

Tal normativo estatui:

“1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.”

Segundo a lição de Menezes Cordeiro – “Tratado de Direito Civil Português – Parte Geral – Tomo IV – págs. 466 e sgs:

“A regra básica está predisposta no artigo 342.°/l: a quem invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos (5) do direito em causa. [“Factos constitutivos são os factos idóneos, segundo a lei substantiva, para fazer nascer o direito que o autor se arroga contra o réu, isto é, os factos de que depende o êxito da pretensão que o autor se propõe fazer valer ou, por outras palavras, de que depende a procedência da acção]”.

O ónus da prova — “respeita aos factos da causa, distribuindo-se entre as partes segundo certos critérios.
Traduz-se para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências, se os autos não contiverem prova bastante desse facto — trazida ou não pela mesma parte” – Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979-196.

Como antes dissemos, não pode a recorrente considerar ilícita a actuação da Autora pelo facto de, no procedimento cautelar, ter visto aprendidas 1302 cadeiras que poderia ter comercializado – item 8) dos factos provados.

Todavia, e pese embora o afirmado pela recorrente, não se demonstraram danos de cariz patrimonial.

A Ré deixou de vender as cadeiras apreendidas, mas essa apreensão tendo sido decretada pelo Tribunal, e não se tendo demonstrado falta de diligência da Autora ao requerer a apreensão cautelar – art. 390º, nº1, do Código de Processo Civil – não leva a considerar que a eventual perda de lucro, por não ter vendido tais cadeiras, seja imputável à Autora, em termos de nexo de causalidade.

Dos factos provados que poderiam evidenciar danos patrimoniais consta:

“63. De entre as 1.302 cadeiras apreendidas à Ré C... [no cautelar], cerca de 400 cadeiras destinavam-se a ser vendidas à empresa J... Sport.
68. A Ré C... é uma empresa que se dedica, entre outras actividades, à fabricação de produtos e equipamentos em plástico.
69. No âmbito dessa sua actividade, a Ré dedica-se ao fabrico de cadeiras para estádios, nomeadamente, da referida cadeira "Elegance".
70. Na sequência da apreensão, a Ré C... deixou de vender as cadeiras acima referidas (em 63., ou seja, 400) à ré E...S....
71. Mediante missiva datada de 28/04/2003 (posterior, pois, à apreensão das referidas cadeiras, ocorrida em 26/03/2003), a empresa S... - Importação e Exportação, Lda. encomendou à ré C... 42.500 cadeiras "Elegance", destinadas ao mercado angolano.
72. A 3ª ré não vendeu essas cadeiras à identificada sociedade”.
73. A sociedade A...F... & Filhos, AFF Equipamentos Desportivos, Lda. efectuou um pedido de encomenda à ré C... de 37.000 cadeiras "Elegance", sendo esse pedido datado de 21 de Maio de 2003.
74. A 3ª ré não vendeu essas cadeiras à aludida sociedade.
75. A 3ª ré tinha, ainda, acordado com a sociedade E... fornecer 165 cadeiras “Elegance” para o Complexo Desportivo do Estádio Nacional do Jamor, destinando-se tais cadeiras aos “campos do campeonato de paintball”, o que, igualmente, não pôde cumprir”.

Não demonstrou a Ré, a nosso ver, a existência de negócios firmes, encomendas que só não foram cumpridas pela actuação pretensamente ilícita da Autora e sem essa insofismável prova não se pode considerar que sofreu prejuízos.

A Ré, sem dúvida, que tinha a expectativa de concretizar negócios vendendo as cadeiras “Elegance”; sofreu um revés por causa da apreensão judicial cautelar, mas não se provou que, por esse facto, tenha tido prejuízos e nem tão pouco o seu “quantum”.

Quanto a danos não patrimoniais que poderiam ter sido causados ao seu bom-nome e prestígio, danos esses que a provarem-se seriam indemnizáveis, o certo é que não se provaram.

O art. 484° do Código Civil expressa:

Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom-nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados.

Do preceito citado decorre uma especial protecção ao direito de que gozam as pessoas colectivas sejam elas associações, fundações ou sociedades.

No fundo trata-se de proteger direitos que poderíamos considerar semelhantes ao direito de personalidade, mesmo sabendo que as pessoas colectivas, atento o princípio da especialidade, se não podem comparar a “indivíduos”, pessoas humanas – cfr. art. 70º, nº1, do Código Civil – e, por isso, não padecem, diríamos, de sofrimento moral em sentido lato.

Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág. 486, escrevem:
“ Exista ou não, por parte das pessoas singulares ou colectivas, um direito subjectivo ao crédito e ao bom-nome, considera-se expressamente como antijurídica a conduta que ameace lesá-los, nos termos prescritos.
Pouco importa que o facto afirmado ou divulgado corresponda ou não à verdade, contanto que seja susceptível, dadas as circunstâncias do caso, de diminuir a confiança na capacidade e na vontade da pessoa para cumprir as suas obrigações (prejuízo do crédito) ou de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que seja tida (prejuízo do bom nome) no meio social em que vive ou exerce a sua actividade”.

Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português” – Tomo III – 2004, pág. 105, escreve:

“A desonra de uma pessoa colectiva repercute-se sobre as pessoas que lhe sirvam de suporte ou que, para ela, trabalhem ou actuem.
Reacções individuais seriam impensáveis; assim, há que reagir em modo colectivo.
A pessoa colectiva ficará encartada nos direitos competentes, sendo certo que os bens em jogo são, sempre, verdadeiros bens de personalidade, atingidos de modo mediato.
O artigo 484º do Código Civil, sensível à problemática, tutela, com indemnização, a ofensa do crédito ou do bom-nome das pessoas colectivas.
Naturalmente qualquer transposição da tutela de personalidade para pessoas colectivas deve sempre ser feita tendo em conta os fins a que elas se destinem e a natureza da situação envolvida”.

A ofensa ilícita do bom nome, reputação, ou crédito de pessoa colectiva constitui o agente no dever de indemnizar, verificados os requisitos do art. 483º, nº1, do Código Civil – aplicáveis à responsabilidade extracontratual – e, não discriminando a lei entre pessoas colectivas de fim lucrativo (sociedades) ou não lucrativo (mormente, associações e fundações), descabido é considerar que só a violação do direito destas importa ilicitude.

Questão de maior complexidade é saber se o dano causado por imputações violadoras do direito acautelado, no citado normativo, é de natureza patrimonial ou moral.

Os danos patrimoniais são lesões no património tangível de pessoas físicas ou colectivas, passíveis de indemnização, seja por restauração natural, ou indirectamente, por dinheiro; danos não patrimoniais, na clássica definição, são os que lesam interesses insusceptíveis de avaliação pecuniária.

Em caso de sociedades comerciais, factor deveras relevante para fixação do “quantum” compensatório em caso de dano não patrimonial é a repercussão que a imputação maléfica tem na vida empresarial o que, desde logo, é aferível pela sua situação no mercado antes e depois dos factos.

Não se tendo provado que a Ré/recorrente sofreu danos, em sentido lato, não é credora de qualquer indemnização por banda da Autora.

Decisão:

Nestes termos, concede-se parcialmente a revista da Autora, revogando-se o Acórdão recorrido, apenas na parte em que condenou a Autora a indemnizar a 3ª Ré “C...” pelos danos patrimoniais correspondentes ao valor das cadeiras apreendidas no procedimento cautelar e que, por causa dessa apreensão, não pôde vender, confirmando-a no mais.

- Nega-se a revista da Ré.

Custas do recurso da Autora, neste Tribunal e nas Instâncias na proporção de 1/19 para si e 19/20 para a Ré/recorrente.
Custas do recurso da Ré a seu cargo.

Supremo Tribunal de Justiça, 17 de Junho de 2010


Supremo Tribunal de Justiça, 17 de Junho de 2010

Fonseca Ramos (Relator)
Cardoso de Albuquerque
Salazar Casanova

_____________________
(1) “O disposto no artigo 317.° do Código de 2003, sobre a repressão da concorrência desleal, é idêntico ao que estabelecia o artigo 260.° do Código de 1995, no que respeita à definição de concorrência desleal, e retomou, em grande parte, o preceituado no artigo 212.° do Código de 1940, sob o título “Concorrência desleal. Definição. Actos proibidos”. […] “O disposto na alínea a) do artigo 317.°…refere-se “aos actos susceptíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue”, e é idêntico ao que estabelece o parágrafo 1.° do nº3 do artigo 10.° bis da Convenção de Paris, sendo, também, idêntico ao que se preceituava na alínea a) do artigo 260.° do Código de 1995 e no parágrafo 1.° do artigo 212.° do Código de 1940”. – Código da Propriedade Industrial – Vol. II. pág. 563, – José Mota Maia

(2) “Portugal foi, em 1894, o primeiro país do mundo a adoptar uma disciplina legislativa global da concorrência desleal.” - Oliveira Ascensão, “Concorrência Desleal”, 2002, pág. 8.

(3) Não resistimos à tentação de citar o que se lê no Prólogo da obra do eminente Professor – “Na Natureza não há crueldade nem compaixão. Na selva, toda a gazela termina os seus dias nos dentes do leão. Nenhuma morre de morte natural. Mas tudo acontece sem que o leão seja cruel, e sem que tenha também piedade. Os sentimentos são alheios à vida da selva. Na concorrência não há crueldade nem compaixão. Tudo se passa de modo muito semelhante ao da selva. Mata-se e morre-se com inocência. Em relação à vida da selva aperfeiçoou-se espantosamente o engenho, mas há uma idêntica neutralidade em relação a camadas superiores da vida do espírito. Os sentimentos humanos estão tão longe da vida dos negócios como estão da vida da selva…”.

(4) O Professor Menezes Cordeiro na obra – “Litigância de Má Fé-Abuso do Direito de Acção e “Culpa in Agendo” – Almedina 2006 – considera – pág. 91 – que: “O instituto do abuso do direito traduz a aplicação, nas diversas situações jurídicas, do princípio da boa fé. E o princípio da boa fé equivale à capacidade que o sistema jurídico tem de, mesmo nas decisões mais periféricas, reproduzir os seus valores fundamentais. A boa fé age através de dois princípios mediantes já expostos: a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente. Ambos se concretizam numa constelação de situações típicas, acima ponderadas: desde o venire ao desequilíbrio no exercício”.

E mais adiante na pág. 92:

“As acções judiciais intentadas em grave desequilíbrio de modo a provocar danos máximos a troco de vantagens mínimas, são abusivas: há abuso do direito”.

O Código de Processo Civil prevê, precisamente do domínio dos procedimentos cautelares, a responsabilidade do requerente pelos danos que culposamente causar ao requerido, quando não tenha agido com a prudência normal – art. 390º, nº1, do Código de Processo Civil – acolhendo, no domínio processual, o abuso do direito de acção, lato sensu, impondo uma actuação conforme ao agir de boa-fé quando faz apelo à prudência normal e sanciona a violação culposa desse agir com a obrigação de ressarcir os danos causados.

(5) “Factos impeditivos são os que se opõem a que o direito do autor tenha eficazmente surgido: v. g., incapacidade, simulação, erro, dolo, coacção. Factos extintivos são os que determinam a extinção do direito do autor, pressuposto que este tenha surgido validamente: assim, o pagamento, a novação, a compensação, a prescrição, a caducidade. Factos modificativos são os que modificam o direito do autor, que validamente se tenha constituído: por exemplo, a mudança do local de uma servidão, a concentração do objecto da prestação, a moratória concedida ao devedor. Os factos modificativos reconduzem-se aos factos extintivos, pois praticamente extinguem em parte o direito do autor e por vezes também aos factos impeditivos, como no caso da moratória”. – Manuel de ANDRADE, “Noções Fundamentais de Processo Civil” nº 71.