Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
883/14.7T8BRG.G1.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: CONTRATO DE AGÊNCIA
COMISSÃO
CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE
CLIENTELA
ÓNUS DA PROVA
DOCUMENTO ESCRITO
PODERES DA RELAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 06/01/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO COMERCIAL - CONTRATOS COMERCIAIS / CONTRATO DE AGÊNCIA / DIREITOS DO AGENTE.
DIREITO CIVIL - RELAÇÃOS JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS / PRESUNÇÕES.
Doutrina:
- António Pinto Monteiro, Contrato de Agência, Almedina, 1987, 17, 39.
- Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 133.º, 175.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, 349.º, 351.º.
DECRETO-LEI N.º 178/86, DE 3 DE JULHO: - ARTIGOS 1.º, N.º 1, 16.º, N.ºS 1 E 2.
DECRETO-LEI N.º 177/86: - ARTIGO 4.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 17-4-2012, PROCESSO N.º 34/2000, DE 6-5-2012, PROCESSO N.º 258/06, DE 10-7-2012, PROCESSO N.º 7/09, DE 16-10-20102, PROCESSO N.º 5726/03, DE 7-2-2013, PROCESSO N.º 3555/07, DE 4-7-2013, PROCESSO N.º 7571/04, DE 15-10-2013 E DE 9-9-2014, PROCESSOS N.ºS 3210/09 E 414/10, DE 20-3-2014, PROCESSO N.º 149/09, DE 29-5-2014, PROCESSO N.º 3566/06, CJ, 2014, II, 132, DE 20-5-2014, PROCESSO N.º 471/2002, DE 18-6-2014, E DE
2-10-2014, PROCESSO N.º 4395/11, DE 25-11-2014, PROCESSO N.º 6629/04.
Sumário :
I - A Relação, não obstante ser a última instância de facto e dispor, por isso, do poder de firmar um facto desconhecido a partir de facto ou factos conhecidos (artigos 349.º e 351.º do Código Civil) não pode, com base em presunção judicial, considerar provado facto ou factos que, alegados, foram objeto de julgamento que os houve por não provados.

II - O artigo 16.º/1 do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de julho, que regulamenta o contrato de agência ou de representação comercial, estende o direito de comissão do agente não apenas aos contratos que o agente promoveu, como ainda aos contratos concluídos com clientes angariados pelo agente.

III - No caso vertente, o agente não tem direito a comissão pois não se pode considerar que o agente angariou cliente para a ré apenas com a prova de que o agente recebeu um telefonema do legal representante da empresa, que depois veio a ser cliente da ré, que disse estar interessado em negociar produto do seu fabrico, limitando-se o agente a transmitir esse interesse à ré.

IV - A exclusividade do agente não se confunde com o direito de exclusivo a favor do agente, ou seja, a exclusividade do agente a favor do principal é distinta da exclusividade a favor do agente; aquele direito, nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 177/86, depende de acordo escrito das partes e traduz-se em que fique impedido o principal de utilizar, dentro da mesma zona ou do mesmo círculo de clientes, outros agentes para o exercício de atividades que estejam em concorrência com as do agente exclusivo, sendo certo que, segundo o disposto no artigo 16.º/2 daquele diploma, o agente goza do direito à comissão desde que os contratos tenham sido concluídos com um cliente pertencente a essa zona ou círculo de clientes.

V - Sucede que o autor trabalhava em exclusividade para a ré, mas não tinha o direito de exclusivo nos termos do referido artigo 16.º/2 conjugado com o artigo 1.º daquele Decreto-Lei pois não foi alegado pelo autor - e dele era o ónus da prova (artigo 342.º/1 do Código Civil) - não estando, portanto, provado que o principal e o agente tivessem acordado na atribuição ao agente de certa zona ou determinado círculo de clientes.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


1. AA propôs ação declarativa com processo comum contra BB - Fábrica de Malhas, Lda. pedindo a condenação da ré a pagar ao A. a percentagem de 3% sobre o valor da malha em cru que forneceu à CC, Lda. (doravante CC).

2. Alegou que, nos termos de contrato verbal celebrado com a ré em outubro de 2008, se obrigou a angariar clientes e junto deles promover, em exclusividade, a compra e venda de produtos comercializados pela ré mediante uma retribuição de 3% sobre o valor da venda da malha em cru e de 4% calculada sobre o valor da venda da malha acabada.

3. Em dezembro de 2010 com o objetivo de angariar para a ré mais um cliente, o autor estabeleceu contacto com o gerente da sociedade CC, Lda., conseguindo cativá-lo e angariá-lo como cliente da ré.

4. No entanto, a ré não pagou ao autor até à presente data o montante da retribuição acordada para a venda da malha em cru, calculado sobre o valor das vendas realizadas e faturadas pela ré à CC.

5. A ré negou que o autor houvesse angariado a CC como cliente da ré.

6. Fixou-se à ação o valor de 93.647,73€ que representa 3% do valor faturado à CC no montante total de 3.121.591,00€ consideradas as faturas entretanto juntas.

7. O tema de prova controvertido foi assim fixado: " saber se foi o autor que angariou a sociedade CC, Lda. como cliente da ré".

8. A ação foi por sentença julgada improcedente por não provada, absolvendo-se a ré do pedido; o Tribunal da Relação, revogando a sentença, condenou a ré a pagar ao autor a quantia global de 93.647,73€ a título de comissão, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data em que a ré recebeu cada um dos pagamentos que, no período de dezembro de 2010 a novembro de 2011, lhe foram efetuados pela CC, Lda.

9. A ré recorre de revista para o STJ finalizando a minuta com as seguintes conclusões:

A) O Acórdão recorrido julgou procedente o recurso apresentado pelo Autor e, consequentemente, revogou a sentença da l.a Instância, que tinha absolvido integralmente a ré, ora recorrente neste recurso de revista, tendo-a condenado a pagar ao Autor a quantia global de 93.647,73€ acrescida de juros de mora.

B) Deste modo, não se verifica qualquer dupla conforme entre a decisão da l.a Instância e o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, não restando quaisquer dúvidas de que este último é suscetível de recurso nos termos do artigo 671.°, n.° 1 e n.° 3, a contrario, do CPC.

C) Quer a sentença de l.a Instância quer o Acórdão recorrido concordam que a questão solvenda neste processo é a de "saber se foi o autor que angariou a sociedade CC, Lda. como cliente da ré", como pode ler-se na sentença e logo no início do relatório do acórdão:

"AA, residente na Avenida ..., n.° ..., 5o Dt., B..., intentou a presente ação contra "MBB - Fábrica de Malhas, Lda.", com sede na Rua ..., n.° 4..., B..., pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a percentagem de 3% sobre o valor da malha em cru que forneceu à "CC, Lda.", entre dezembro de 2010 e novembro de 2011, conforme vier a liquidar-se em execução de sentença.

Para tanto, e em resumo, alegou que, no desenvolvimento da relação comercial estabelecida entre as partes, angariou como cliente da ré a firma "CC, Lda., não tendo a ré pago o montante da retribuição acordada para a venda de malha em cru (3%) calculado sobre o valor das vendas realizadas e faturadas pela ré à "CC, Lda.".

Contestou a ré, reconhecendo a relação contratual existente entre as partes e seus termos, negando, porém, que tivesse sido o Autor a angariar a sociedade "CC, Lda." como cliente da ré".

D) Pode ler-se ainda, no Acórdão, um pouco mais à frente, aquando do ponto "IV — DIREITO", o seguinte:

"O Autor, com fundamento na celebração de um contrato de agência com a Ré e na angariação do cliente "CC, Lda." para aquela, exige o pagamento de uma percentagem de 3% sobre o valor da malha em cru que aquela forneceu a esta, entre dezembro de 2010 e novembro de 2011, (...)".

[…]

E) Assim, a pretensão do Autor baseia-se no facto de ter invocado a angariação daquele cliente CC: e é apenas nisso que sustenta o seu pedido (em momento algum invocou ser "agente exclusivo" e ter direito a uma zona ou círculo de clientes).

F) Repare-se que o Autor apenas alegou, nos artigos 2o e 3o da petição inicial, o seguinte:

«2. Em outubro de 2008, o Autor celebrou verbalmente com a Ré, na pessoa do seu gerente, DD, um contrato,

3. através do qual aquele se obrigou a angariar clientes e junto deles promover, em exclusividade, a compra e venda de produtos comercializados por esta.»

G) Consequentemente, e como já atrás foi referido, a questão solvenda é, apenas, "saber se foi o autor que angariou a sociedade CC, Lda. Como cliente da ré."

H) Realizou-se o julgamento e foi apreciada a prova, tendo sido proferida sentença onde se determinaram os factos considerados provados e aqueles que não resultaram provados, tendo resultado não provado que

"1. No prosseguimento da sua atividade, e com o objetivo de angariar para a ré mais um cliente, o autor, em dezembro de 2010, estabeleceu contacto com o gerente da sociedade CC, Lda."

I) E resultou também não provado que

"2. Em consequência das suas ações de promoção e publicitação dos produtos da ré, o autor, no contacto que manteve com o gerente desta sociedade CC, Lda., conseguiu cativá-lo e angariá-lo como cliente da ré.»

J) Ou seja: resultou não provado que tivesse sido o Autor a angariar esta sociedade CC como cliente da Ré, pelo que a douta sentença de l.a Instância absolveu na íntegra a Ré dos pedidos formulados, estando essa decisão corretíssima e não merecendo o mais pequeno reparo, face à factualidade considerada provada e não provada.

K) Porém, o Tribunal da Relação de Guimarães, com base na mesma matéria de facto que anteriormente, segundo esse mesmo Tribunal, não possibilitava a condenação da ré tal como pretendido pelo Autor (uma vez que não tinha resultado provado que tivesse angariado o cliente para a ré), vem agora condenar a ré com base numa reviravolta argumentativa sem nexo nem fundamento, através da qual pretende aplicar ao caso dos autos, por analogia, as disposições do DL 178/86, de 3 de julho, que o legislador previu expressamente apenas para o "agente exclusivo", definido nos termos do art. 4.° daquele diploma.

L) Ora, esta argumentação está errada, desde logo porque não tem qualquer correspondência na matéria de facto dada como provada, como está errada a interpretação e aplicação das disposições da forma que a Relação pretende.

M) Resulta provado que o Autor não angariou o cliente, pelo que não tem direito a comissão, e está assente (a própria Relação o admite, pois de outra forma não recorreria à original "analogia") que não é "agente exclusivo", pelo que também por aqui não tem direito a qualquer comissão.

N) O exercício pretendido pela Relação de aplicar o disposto no n.° 2 do art. 16.° à presente situação constitui um monumental erro de interpretação das regras legais relativas ao direito à comissão, pois o caso dos autos não permite nem justifica qualquer analogia — para o caso dos autos encontra-se previsto o n.° 1 do art. 16.°, acaso o Autor tivesse logrado provar inserir-se nessa previsão, o que não fez.

O) Com efeito, da matéria de facto dada como provada apenas foi determinada a exclusividade do agente a favor do principal "Em outubro de 2008, o autor celebrou verbalmente com a ré, na pessoa do seu gerente, DD, um acordo através do qual aquele se obrigou a angariar clientes e junto deles promover, em exclusividade, a compra e venda de produtos comercializados por esta"

[…]

P) dado que em momento algum foi alegado pelo Autor ou dado como provado qualquer exclusividade a favor do agente que impedisse o principal de realizar vendas diretas ou de recorrer a outros agentes para angariar clientes nessa mesma zona, exclusividade essa que, segundo a própria lei, exigiria forma escrita, conforme resulta do art. 4.° do DL n.° 178/86, de 3 de julho, com as alterações introduzidas pelo DL n.° 118/93 de 13 de abril, e que não se verifica no caso sub judice.

Q) No entanto, o Tribunal da Relação procurou, de forma totalmente injustificada, fazer uma aplicação analógica da regra especial de proteção do agente exclusivo prevista no art. 16.°, n.° 2, do DL n.° 178/86, de 3 de julho — segundo a qual o agente que goza de exclusividade numa determinada zona geográfica ou círculo de clientes terá direito à comissão mesmo que o principal atue diretamente, sem a intervenção do agente, e conclua o contrato diretamente com o cliente — a uma situação onde não foi conferida qualquer exclusividade a favor do agente e que, de forma evidente e manifesta, não permite, nem justifica, a aplicação analógica dessas regras de proteção!

R) Assim, não tendo sido possível ao Tribunal da Relação estabelecer um nexo de causalidade entre a atuação do agente e a angariação do cliente CC e que conferiria o direito à comissão de acordo com a regra geral prevista no art. 16.°, n.° 1, do DL n.° 178/86, de 3 de julho, por tal ter resultado não provado,

S) procurou fazê-lo recorrendo a uma analogia rebuscada e ilegal, equiparando um agente que desempenha as suas funções em exclusividade a favor do principal com um agente que goza de exclusividade para atuar numa determinada zona geográfica ou círculo de clientes.

T) No caso em apreço, o pagamento de uma qualquer comissão ao Autor configuraria um enriquecimento sem causa, nos termos do n.° 1 do artigo 473.° do Código Civil, tendo em conta que o Autor não angariou o cliente e em nada contribuiu para a relação comercial estabelecida entre a CC e a Recorrente.

U) E nem se diga, como a decisão recorrida o fez, que a posição subscrita pela Recorrente desrespeita o objetivo último de proteção do agente comercial, proclamado pela legislação comunitária e nacional, uma vez que, num circunstancialismo como o dos presentes autos, não procedem as razões que justificaram a tutela dispensada pela Diretiva e pela legislação nacional à figura do agente: seria descabido pretender proteger um agente que não apresentou quaisquer provas de labor e empenho na relação com o cliente que alega ter angariado, não tendo provado essa angariação.

V) E seria igualmente descabido fazer alargar a vantagem prevista no n.° 2 do art. 16.°, criada e pensada apenas para o "agente exclusivo" (aquele a quem o principal concedeu, a seu favor, a exclusividade), também para o agente que não se integra na previsão do art. 4.° deste diploma.

W) Seria tratar como igual o que o legislador quis que fosse tratado de forma diferente, pelo que a interpretação que o Acórdão de que se recorre faz das disposições constantes nos arts. 4.° e 16.°, n.°s 1 e 2, do DL 178/86, de 3 de julho, com as alterações subsequentes, e do art. 473.° do Código Civil está errada e não tem qualquer fundamento, não podendo ser aplicada ao caso dos autos.

Por todo o exposto se constata que o acórdão recorrido faz errada interpretação e aplicação dos artigos arts. 4.°, 12.°, 16.°, n.°s 1 e 2, todos do DL 178/86, de 3 de julho, com as alterações entretanto realizadas, e do artigo 473° do Código Civil, devendo ser revogado, nos termos e com os fundamentos melhor desenvolvidos nestas conclusões e nas alegações, e mantida a decisão da l.a Instância, sendo absolvida a ré, ora Recorrente, de todos os pedidos.

10. Factos provados:

1. A ré “BB, Lda." tem como atividade o fabrico e venda de malhas.

2. Em outubro de 2008, o autor celebrou verbalmente com a ré, na pessoa do seu gerente, DD, um acordo através do qual aquele se obrigou a angariar clientes e junto deles promover, em exclusividade, a compra e venda de produtos comercializados por esta.

3. Todo o negócio da ré com os clientes angariados pelo autor passava, obrigatoriamente, pelo autor.

4. Era o autor quem recebia desses clientes as encomendas e lhes apresentava os produtos da ré, assim como era o autor quem junto da ré apresentava os pedidos de fornecimento dos produtos da ré para serem fornecidos aos clientes que o autor havia conseguido arranjar.

5. A ré não tinha ligação direta com esses clientes: era o autor quem a fazia efetuando a ponte entre a ré e esses clientes.

6. A ré obrigou-se a pagar ao autor uma retribuição de 3%, calculada sobre o valor da venda de malha em cru e de 4%, calculada sobre o valor da venda de malha acabada.

7. Autor e réu acordaram ainda que o pagamento dessa retribuição seria efetuado após a cobrança do valor das vendas efetuadas pela ré aos clientes angariados pelo autor.

8. Todas as despesas inerentes à atividade desenvolvida pelo autor foram sempre por si suportadas, designadamente os custos com a viatura e o combustível.

9. O autor organizava o seu trabalho livremente e com autonomia, embora integrado, nos moldes do acordo celebrado, na estrutura da BB - Fábrica de Malhas, Lda.",

10. O autor recebeu um telefonema do legal representante da “CC, Lda.", que estava interessada em negociar malhas, e transmitiu esse interesse à ré.

11. Desde dezembro de 2010 que a sociedade “CC, Lda." é cliente da ré.

12. A relação contratual entre o autor e a ré terminou em novembro de 2011.

Factos Não Provados:

13. No prosseguimento da sua atividade, e com o objetivo de angariar para a ré mais um cliente, o autor, em dezembro de 2010, estabeleceu contacto com o gerente da sociedade “CC, Lda.",

14. Em consequência das suas ações de promoção e publicitação dos produtos da ré, o autor, no contacto que manteve com o gerente desta sociedade CC, S.A., conseguiu cativá-lo e angariá-lo como cliente da ré.

Apreciando

11. A questão que se suscita é, pois, a de saber se os factos provados permitem considerar que o autor, enquanto agente em exclusividade da ré, angariou como cliente desta a sociedade CC, Lda. e, consequentemente, tem direito à comissão estipulada incidente sobre os contratos concluídos entre a ré e esta sociedade.

12. Dos factos provados resulta que o autor era agente da ré em regime de exclusividade (1 da matéria de facto; doravante os factos serão indicados apenas pelo respetivo número); o contrato de agência que aqui está em causa implicava que o autor apresentasse os produtos da ré aos clientes, recebesse as encomendas dos clientes angariados e junto da ré apresentasse os pedidos de fornecimento dos produtos, não tendo a ré ligação direta com os clientes, passando, portanto, obrigatoriamente pelo autor todo o negócio da ré com os clientes angariados pelo autor (2, 3, 4 e 5).

13. Ora nada disto se provou no tocante à ré; provou-se tão somente que "o autor recebeu um telefonema do legal representante da CC, Lda. que estava interessada em negociar malhas e transmitiu esse interesse à ré " sendo desde dezembro de 2010 a CC cliente da ré (10 e 11).

14. O autor era efetivamente agente da ré - agência é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável e mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou determinado círculo de clientes (artigo 1.º/1 do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de julho com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 118/93, de 13 de abril). Constata-se que a lei não exige para a caracterização do contrato, como sucedia na redação anterior, a determinação do espaço em que o agente exerce a sua atividade.

15. O autor era agente da ré; os atos materiais praticados pelo autor, enquanto agente da ré, de acordo com os factos provados, implicavam um iter (ver 4 e 5 supra) que incluía a angariação de clientes.

16. Admitindo que os contratos que o autor não promoveu observando a prática referida nos assinalados factos 4 e 5 foram concluídos com cliente angariado pelo autor, ser-lhe-ia devida comissão à luz do disposto no artigo 16.º/1 do Decreto-Lei n.º 178/86 pois este preceito " estende o direito à comissão não só aos contratos promovidos pelo agente, como, igualmente, aos contratos concluídos com clientes por si angariados" (Contrato de Agência, António Pinto Monteiro, Almedina, 1987, pág. 39).

17. Este preceito prescreve que " o agente tem direito a uma comissão pelos contratos que promoveu e, bem assim, pelos contratos concluídos com clientes por si angariados, desde que concluídos antes do termo da relação de agência, ou seja, aproveitando-se matéria que foi alegada pelo autor mas que não se provou, contratos que resultaram de contactos que o autor tivesse previamente estabelecido com o cliente, cativando-o ou que resultaram da ação promocional levada a cabo pelo agente (ver 13 e 14 supra).

18. Refira-se que o contacto que houve não se traduziu em nenhum encaminhamento de uma proposta negocial do cliente para a ré, nada mais houve a não ser a transmissão pelo agente à ré de que a CC estava interessada em negociar malhas; reitera-se que não está sequer provado que o telefonema recebido pelo autor resultou do esforço comercial prosseguido pelo autor no mercado.

19. A Relação, não obstante ser a última instância de facto e dispor, por isso, do poder de firmar um facto desconhecido a partir de facto ou factos conhecidos (artigo 349.º do Código Civil) não pode, com base em presunções judiciais, considerar provado facto ou factos que, alegados (ver 12 e 13 da petição), foram objeto de julgamento que os houve por não provados (Ac. do STJ de 17-4-2012, rel. Fernandes do Vale, revista 34/2000, Ac. do STJ de 6-5-2012, rel. João Bernardo, revista n.º 258/06, Ac. do STJ de 10-7-2012, revista n.º 7/09, Ac. do STJ de 16-10-20102, rel. Nuno Cameira, revista n.º 5726/03, Ac. do STJ de 7-2-2013, rel. Maria dos Prazeres Beleza, revista n.º 3555/07, Ac. do STJ de 4-7-2013, rel. Oliveira Vasconcelos, revista n.º 7571/04, Ac. do STJ de 15-10-2013 e de 9-9-2014, rel. Martins de Sousa, revista n.º 3210/09 e 414/10, Ac. do STJ de 20-3-2014, rel. Bettencourt Faria, revista n.º 149/09, Ac. do STJ de 29-5-2014, rel. Lopes do Rego, revista n.º 3566/06, CJ, 2014, II, pág. 132, Ac. do STJ de 20-5-2014, rel. João Camilo, revista n.º 471/2002, Ac. do STJ de 18-6-2014 e de 2-10-2014, rel. Serra Batista, revista n.º 4395/11, Ac. do STJ de 25-11-2014, rel. Pinto de Almeida, revista n.º 6629/04).

20. Não pode, assim, por presunção judicial considerar-se provada a matéria constante dos factos 13 e 14 julgados não provados.

21. Como se disse, o agente "tem direito a uma comissão pelos contratos que promoveu e, bem assim, pelos contratos concluídos com clientes por si angariados, desde que concluídos antes do termo da relação de agência" (artigo 16.º/1 do Decreto-Lei n.º 178/86).

22. Ora, como se viu, nem os contratos celebrados foram promovidos pelo agente - atente-se que " a obrigação de o agente promover por conta da outra parte a celebração de contratos", traduz-se numa obrigação fundamental do agente que "envolve toda uma complexa e multifacetada atividade material, de prospeção de mercado, de angariação de clientes, de difusão dos produtos e negociação que antecede e prepara a conclusão dos contratos, mas na qual o agente já não intervém" (Contrato de Agência, loc. cit, pág. 17 e também RLJ, Ano 133.º, pág. 175), obrigação essa que reclama o preenchimento de um conjunto de atividades preparatórias que vai para além da angariação de clientes - nem tais contratos podem ser considerados angariados pelo agente.

23. Também não se subsume a exclusividade a que se alude em 2 à previsão do artigo 16.º/2 do Decreto-Lei n.º 177/86 segundo o qual " o agente tem igualmente direito à comissão por atos concluídos durante a vigência do contrato se gozar de um direito exclusivo para uma zona geográfica ou um círculo de clientes e os mesmos tenham sido concluídos com um cliente pertencente a essa zona ou círculo de clientes".

24. O autor, é certo, promovia, em exclusividade, a compra e venda de produtos comercializados pela ré (2), ou seja, trabalhava como agente em exclusividade para a ré, mas não tinha o direito de exclusivo nos termos referidos no n.º 2 do artigo 16.º. Na verdade, a exclusividade do agente a favor do principal é distinta da exclusividade a favor do agente que depende de acordo escrito das partes conforme resulta do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 177/86.

25. Como se disse, o autor trabalhava em exclusividade para a ré, mas não tinha o direito de exclusivo nos termos do referido artigo 16.º/2 conjugado com o artigo 1.º daquele Decreto-Lei pois não foi alegado, não estando, portanto, provado que o principal e o agente tivessem acordado na atribuição ao agente de certa zona ou determinado círculo de clientes e, na verdade, a exclusividade do agente a favor do principal é distinta da exclusividade a favor do agente. Cumpre ao agente provar, enquanto facto constitutivo do seu direito que, nos termos do referido artigo 1.º/1 lhe foi atribuída " certa zona ou determinado círculo de clientes", não podendo, na ausência de prova, concluir-se no sentido oposto.

26. Não estava, por isso, a ré impedida de negociar diretamente com os clientes nem de realizar vendas diretas nem estava, enquanto principal, impedida de recorrer a outros agentes para angariar clientes sendo certo que o autor não alegou que dispunha do aludido direito de exclusivo, não bastando a mera atividade passiva mencionada em 10 para considerar que o autor angariou a CC para cliente da ré.

27. Não pode, assim sendo, deixar de proceder o recurso.

Concluindo:

I - A Relação, não obstante ser a última instância de facto e dispor, por isso, do poder de firmar um facto desconhecido a partir de facto ou factos conhecidos (artigos 349.º e 351.º do Código Civil) não pode, com base em presunção judicial, considerar provado facto ou factos que, alegados, foram objeto de julgamento que os houve por não provados.

II - O artigo 16.º/1 do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de julho, que regulamenta o contrato de agência ou de representação comercial, estende o direito de comissão do agente não apenas aos contratos que o agente promoveu, como ainda aos contratos concluídos com clientes angariados pelo agente.

III - No caso vertente, o agente não tem direito a comissão pois não se pode considerar que o agente angariou cliente para a ré apenas com a prova de que o agente recebeu um telefonema do legal representante da empresa, que depois veio a ser cliente da ré, que disse estar interessado em negociar produto do seu fabrico, limitando-se o agente a transmitir esse interesse à ré.

IV - A exclusividade do agente não se confunde com o direito de exclusivo a favor do agente, ou seja, a exclusividade do agente a favor do principal é distinta da exclusividade a favor do agente; aquele direito, nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 177/86, depende de acordo escrito das partes e traduz-se em que fique impedido o principal de utilizar, dentro da mesma zona ou do mesmo círculo de clientes, outros agentes para o exercício de atividades que estejam em concorrência com as do agente exclusivo, sendo certo que, segundo o disposto no artigo 16.º/2 daquele diploma, o agente goza do direito à comissão desde que os contratos tenham sido concluídos com um cliente pertencente a essa zona ou círculo de clientes.

V - Sucede que o autor trabalhava em exclusividade para a ré, mas não tinha o direito de exclusivo nos termos do referido artigo 16.º/2 conjugado com o artigo 1.º daquele Decreto-Lei pois não foi alegado pelo autor - e dele era o ónus da prova (artigo 342.º/1 do Código Civil) - não estando, portanto, provado que o principal e o agente tivessem acordado na atribuição ao agente de certa zona ou determinado círculo de clientes.

Decisão: concede-se a revista, revogando-se o acórdão, ficando, assim, a subsistir a decisão de 1ª instância.

Custas pelo A nas instâncias e no Supremo

Lisboa, 1-6-2017

Salazar Casanova (Relator)

Lopes do Rego

Távora Victor