Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | NUNO PINTO OLIVEIRA | ||
Descritores: | RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA ADMISSIBILIDADE DE RECURSO ACORDÃO FUNDAMENTO CONTRADIÇÃO ARGUIÇÃO DE NULIDADES OMISSÃO DE PRONÚNCIA RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA | ||
Data do Acordão: | 10/28/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (CÍVEL) | ||
Decisão: | RECLAMAÇÃO INDEFERIDA | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
Sumário : | I. — O art. 688.º do Código de Processo Civil exige que o acórdão recorrido esteja em contradição com outro acórdão anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, designado acórdão fundamento. II. — É irrelevante a existência ou inexistência de uma contradição entre o acórdão recorrido e o sumário do acórdão fundamento. | ||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. — RELATÓRIO 1. AA vem reclamar do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 14 de Setembro de 2021, arguindo a nulidade, por omissão de pronúncia, ao abrigo do disposto nos artigos 615.º, n.º 1, al. d), e 666.º do Código de Processo Civil. 3. Fundamenta a sua reclamação nos seguintes termos: Entende o recorrente que o Acórdão sub judice não contém pronúncia sobre questões que devia apreciar. E que são: a) “5. No Acórdão (fundamento) de 17-06-1993, AC. STJ n.º 084037, Relator: Miranda Gusmão, Transitado em julgado, consta: “I - A notificação para a conferência a que alude o artigo 1060, n. 2, do Código de Processo Civil, só possibilita, no caso de serem só dois os comproprietários da coisa objeto da ação de divisão, a tentativa de acordo (convergência de vontades), para a adjudicação da mesma coisa a um deles. II - Se, não obstante a falta de um dos dois únicos comproprietários à conferência, o juiz adjudicar a coisa ao comproprietário presente, esse despacho terá de ser notificado ao faltoso, começando a correr o prazo de interposição do recurso após o ato da notificação. (sublinhado nosso). III - A pretensão de ser marcada nova conferência para os fins do artigo 1060, n. 2, do Código de Processo Civil, só pode obter êxito se a decisão que adjudicou a coisa ao comproprietário não faltoso, a qual extinguiu o poder jurisdicional do juiz, for revogada por meio de recurso interposto pelo outro comproprietário.” (sublinhado nosso). E É A SEGUINTE A CONTRADIÇÃO (de acordo com o disposto no artigo 688º do C.P.C.) b) “6. No ponto I do Sumário deste Acórdão STJ n.º 084037 de 13-07- 1992, está expressa a tese de que, sendo só dois os comproprietários do objeto da ação de divisão, a notificação para a conferência de interessados só possibilita a tentativa de acordo (convergência de vontades) para a adjudicação da mesma coisa a um deles.” (sublinhado nosso). c) “7. No ponto II do Sumário deste citado Acórdão esta tese é desenvolvida, defendendo que se na conferência faltar um dos dois únicos comproprietários e o juiz adjudicar a coisa ao comproprietário presente, este Despacho terá de ser notificado ao faltoso, começando a correr o prazo para eventual interposição de recurso, após o ato de notificação.” (sublinhado nosso). ORA, Recaiu sobre o Acórdão fundamento o seguinte sumário: a) “I - A notificação para a conferência a que alude o artigo 1060, n. 2, do Código de Processo Civil, só possibilita, no caso de serem só dois os comproprietários da coisa objeto da ação de divisão, a tentativa de acordo (convergência de vontades), para a adjudicação da mesma coisa a um deles.” (sublinhado nosso). b) “II - Se, não obstante a falta de um dos dois únicos comproprietários à conferência, o juiz adjudicar a coisa ao comproprietário presente, esse despacho terá de ser notificado ao faltoso, começando a correr o prazo de interposição do recurso após o ato da notificação.” (sublinhado nosso). c) “III - A pretensão de ser marcada nova conferência para os fins do artigo 1060, n. 2, do Código de Processo Civil, só pode obter êxito se a decisão que adjudicou a coisa ao comproprietário não faltoso, a qual extinguiu o poder jurisdicional do juiz, for revogada por meio de recurso interposto pelo outro comproprietário.” (sublinhado nosso). 2. Com a devida vénia, entende o recorrente que do Acórdão (fundamento) se extrai Jurisprudência no sentido de que, se faltar à conferência um dos dois únicos comproprietários, o Juiz possa adjudicar a coisa ao comproprietário presente, devendo nesse caso, o Despacho de Adjudicação ser notificado ao faltoso, (conforme se colhe do referido sumário, acima transcrito). 3. É o que expressamente consta no Acórdão (fundamento), quando refere, referindo-se ao ato de adjudicação da coisa ao comproprietário presente: “Tal ato judicial deverá, pois, ser notificado ao comproprietário faltoso.” ORA, Entende o recorrente que existe na verdade a contradição exigida no artigo 688º do Código de Processo Civil, ou seja, na medida em que no Acórdão recorrido não é sequer possibilitada, (sendo apenas dois comproprietários), a adjudicação da coisa ao comproprietário faltoso, possibilidade esta aberta no Acórdão fundamento, quando proclama, conforme se transcreve: “I - A notificação para a conferência a que alude o artigo 1060, n. 2, do Código de Processo Civil, só possibilita, no caso de serem só dois os comproprietários da coisa objeto da ação de divisão, a tentativa de acordo (convergência de vontades), para a adjudicação da mesma coisa a um deles. II - Se, não obstante a falta de um dos dois únicos comproprietários à conferência, o juiz adjudicar a coisa ao comproprietário presente, esse despacho terá de ser notificado ao faltoso, começando a correr o prazo de interposição do recurso após o ato da notificação. III - A pretensão de ser marcada nova conferência para os fins do artigo 1060, n. 2, do Código de Processo Civil, só pode obter êxito se a decisão que adjudicou a coisa ao comproprietário não faltoso, a qual extinguiu o poder jurisdicional do juiz, for revogada por meio de recurso interposto pelo outro comproprietário.” 4. E tendo presente a Decisão proferida no Acórdão fundamento, referida no artigo 17 do Acórdão sub judice, e que aqui por facilidade se transcreve: “O Acórdão fundamento decidiu que “o Sr. Juiz ‘a quo’ não podia adjudicar, como adjudicou, a fração em causa aos agravados” e que o recurso só não podia ser julgado procedente porque “o despacho de adjudicação da fração em causa transitou em julgado”. OU SEJA, No Acórdão fundamento apenas é posto em causa o ato em si do Despacho de Adjudicação da coisa objeto da divisão, Mas tal Acórdão fundamento propugnou a Jurisprudência acima exposta no sumário narrado nos artigos 1, 2 e 3 antecedentes. Entendendo assim o recorrente que no Acórdão sub judice não houve pronúncia sobre este indicado sumário transcrito nos artigos 1, 2 e 3 antecedentes. O que, com a devida vénia e muito respeitosamente, vem o recorrente requerer. II. — FUNDAMENTAÇÃO 3. O art. 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil determina que a decisão seja nula quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. 4. Ora, o acórdão reclamado pronunciou-se sobre a questão suscitada pelo Recorrente, agora Reclamante — se há ou não contradição entre o acórdão proferido em 18 de Fevereiro de 2021 e o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 17 de Junho de 1993. 5. O texto da fundamentação do acórdão recorrido é elucidativo: 11. … entre o acórdão proferido em 18 de Fevereiro de 2021 e o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 17 de Junho de 1993 — processo n.º 084037 —, deduzido como acórdão fundamento, não há nenhuma contradição. 12. O acórdão proferido em 18 de Fevereiro de 2021, agora recorrido, diz que I.— O art. 929.º do Código de Processo Civil deve ser objecto de uma interpretação declarativa, distinguindo os casos em que comparecem na conferência dois ou mais interessados e os casos em que comparece na conferência um, e só um, dos interessados na divisão de coisa comum. II.— Quando compareçam na conferência dois ou mais interessados, poderá haver acordo para a adjudicação; quando compareça na conferência um, e só um, dos interessados, não poderá haver acordo — devendo aplicar-se o art. 929.º, n.º 2, segunda parte (“… é a coisa vendida, podendo os consortes concorrer à venda”) 13. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 1993, deduzido como acórdão fundamento, diz que “na conferência a que alude o art. 1060.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civ. só pode existir acordo na adjudicação da coisa objecto da acção de divisão se houver convergência de, pelo menos, duas vontades, de sorte que, se são dois os comproprietários da coisa e um deles falta à conferência, frustrado fica o objectivo da mesma” — fls. 204 — e deduz daí a consequência de que, “perante a falta de uma das duas partes e do respectivo mandatário, o Sr. Juiz ‘a quo’ terá de adiar a conferência — caso entenda que as faltas são fundamento de adiamento —, ou de ordenar a venda da coisa: caso entenda que aa falta de um dos comproprietários evidencia o afastamento de qualquer acordo”. 14. Em consonância com as suas premissas, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 1993, deduzido como acórdão fundamento, esclarece que “a notificação para a conferência a que alude o art. 1060.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civ. só abarca, no caso de serem só dois os comproprietários da coisa objecto da acção de divisão, a tentativa de acordo (convergência de vontades) para a adjudicação da coisa a um deles” — fls. 205v — e que “o Sr. Juiz ‘a quo’ não podia adjudicar, como adjudicou, a fraçcão em causa aos agravados” — fls. 206. 15. O Recorrente alega que “o Acórdão (fundamento) […] não discrimina as situações em que existam apenas dois comproprietários ou em que existam mais de dois comproprietários, ou em que, à conferência compareça apenas um ou mais que um dos comproprietários”. 16. A alegação feita é de todo em todo incompatível com a fundamentação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 1993, de que consta a passagem seguinte — fls. 202-203v: O entendimento das instâncias teve por base os ensinamentos do Prof. A. dos Reis, que diz: ‘Que para o acordo basta a deliberação dos interessados que compareceram. Se faltarem à conferência alguns interessados que tenham sido notificados, o acordo dos interessados obriga-os (argumento derivado do art. 1058.º e do § único do art. 1393.º). Se os interessados que faltarem justificarem a falta, a conferência não se realiza; cumpre nesta hipótese ao juiz designar outro dia para a conferência’ (Processos especiais, vol. II, 47). Tais ensinamentos abarcam a hipótese de serem mais de dois os comproprietários da coisa objecto da acção de divisão. Neste caso todos os comproprietários sabem que comparecendo dois à conferência poderão formar acordo (convergência da sua vontade) para que a coisa seja adjudicada a um deles e até a ambos, e dos demais sejam inteirados em dinheiro; também sabem que, se houver acordo na adjudicação da coisa, esse acordo virá a ser homologado por actos judicial. No caso de serem mais de dois os comproprietários todos ficam a saber, com a notificação para conferência, que o acordo dos presentes vai ser homologado por despacho judicial, de sorte que a sua notificação abarca os dois actos que possam processar-se na conferência: o acordo e a sua homologação. Tais ensinamentos não podem ser aplicados quando a coisa objecto da acção de divisão pertence tão-só a dois comproprietários. Se um dos dois comproprietários, notificado para a conferência a que alude o art. 1060.º, n.º 2, Cód. Proc. Civ. faltar à mesma deixa de poder atingir-se o fim, o objectivo tido em vista: permitir que os dois comproprietários da coisa chegassem a um acordo (convergência de vontades) quanto à adjudicação a um, inteirando-se o outro a dinheiro. Se este é o objectivo da conferência quando os interessados sejam tão somente dois haverá que salientar, avançar que a notificação feita aos mesmos visa tão somente a tentativa de acordo na adjudicação da coisa objecto da acção. Cada um dos dois comproprietários ao receber a notificação não só fica a saber que é necessária a sua comparência para que o objectivo da conferência se concretize (o acordo quanto à adjudicação da coisa a um dos comproprietários), mas também que sem este acordo não há acto judicial, ou seja, sabe que não haverá qualquer acto a adjudicar a coisa a um deles. A notificação a um dos comproprietários para a conferência nos termos do art. 1060.º. n.º 2, do Cód. Proc. Civ. é, pois, tão somente para o acto de tentativa de acordo de adjudicação a um deles, de sorte que, á partida, não abarca qualquer outro acto, nomeadamente o acto judicial que defere a pretensão do comproprietário presente a ficar com a coisa mediante um preço que, arbitrariamente, indica. O acto do Sr. Juiz que defere a pretensão do comproprietário presente a ser-lhe adjudicada a coisa comum, apesar [de o] outro comproprietário ter faltado à conferência, é acto que não se encontra abarcado na notificação feita às partes para a conferência a que alude o art. 1060.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civ., por ser anómalo na conferência realizada com a presença de um dos dois comproprietários. 17. Em lugar de decidir, como pretende o Recorrente AA, que “no caso de serem apenas dois os comproprietários, e de na conferência estar presente apenas um deles e a requerimento deste o juiz possa adjudicar-lhe a coisa objeto da ação de divisão”, o acórdão fundamento decidiu que “o Sr. Juiz ‘a quo’ não podia adjudicar, como adjudicou, a fraçcão em causa aos agravados” e que o recurso só não podia ser julgado procedente porque “o despacho de adjudicação da fracção em causa transitou em julgado […]” — fls. 206. 18. Ora, não havendo, como não há, a contradição exigida pelo art. 688.º do Código de Processo Civil, não pode admitir-se o presente recurso para uniformização de jurisprudência. 6. O raciocínio subjacente à reclamação é o de que a contradição deve ser apreciada confrontando o acórdão proferido em 18 de Fevereiro de 2021 e o sumário do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 17 de Junho de 1993, deduzido como acórdão fundamento — só assim se compreende (só assim se poderá porventura compreender) que o sumário do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 17 de Junho de 1993, deduzido como acórdão fundamento, seja transcrito nada mais nada menos que três vezes. 7. O art. 688.º do Código de Processo Civil é em todo o caso absolutamente claro ao exigir a contradição entre acórdãos — e, ainda que o art. 688.º não fosse absolutamente claro, sempre a solução contrária seria pura e simplesmente absurda. 8. O Supremo Tribunal de Justiça tem constantemente afirmado, que “a reclamação para a conferência não é um meio vocacionado para o reclamante manifestar a sua discordância com a decisão (ou com a fundamentação da decisão) com o fito de obter uma decisão que lhe seja mais favorável” [1] — e o presente caso é um caso extremo, em que a dedução do meio processual reclamação “com o fito de obter uma decisão que […] seja mais favorável ao reclamente” está muito próximo da dedução de uma pretensão cuja falta de fundamento o reclamante não desconheça ou não possa razoavelmente desconhecer. III. — DECISÃO Face ao exposto, indefere-se a presente reclamação. Custas pelo Reclamante AA, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s. Lisboa, 28 de Outubro de 2021 Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator) José Maria Ferreira Lopes Manuel Pires Capelo ________ [1] Vide, p. ex., acórdão do STJ de 14 de Janeiro de 2021 — processo n.º 873/19.3T8VCT-A.G1.S1 |