Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1565/18.6T8FAR.E2.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
PRESUNÇÃO DE CULPA
ILICITUDE
DANO
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
APLICAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 01/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I. A Ré violou os seus deveres de informação quando não prestou informação detalhada ao Autor sobre as características do produto que estava a apresentar-lhes, designadamente que, por serem obrigações subordinadas, no caso de insolvência da sociedade emitente, o seu titular veria o seu crédito graduado depois dos créditos não subordinados sobre a insolvência (cf. artigos 48.º e 177.º do CIRE), sendo certo que não está demonstrado que o Autor tivesse conhecimentos e experiência para conhecerem (ou complementarem) as informações (ou a falta delas) prestadas pelo empregado da Ré, bem como quando referiu que o produto era de com capital de retorno garantido, semelhante a um depósito a prazo, nem lhe foi explicado que o responsável pelo pagamento do capital e juros era o emitente, a SLN, S.G.P.S., S.A..

II. Está demonstrada a essencialidade da informação omitida pela Ré sobre a decisão de o Autor de investir nas “Obrigações”, em setembro de 2004, pois o Autor marido não investiria se conhecesse as características do produto.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. AA instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Banco BIC Português, S.A., pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de €129 469,18, sendo €121 969,18 a título de danos patrimoniais e €7 500,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vincendos, até efetivo pagamento.

Alegaram, em síntese, que:

- subscreveu junto do BPN - Banco Português de Negócios, S.A., o produto financeiro que identificou;

 - encontra-se privado do montante investido em virtude das características do produto e da insolvência da entidade emitente;

- lhe causa prejuízos cujo ressarcimento peticiona, porquanto apenas subscreveu o produto por lhe ter sido referido pelo funcionário bancário, que se tratava de produto do próprio banco, com juros interessantes, semelhante a um depósito a prazo, com retorno garantido de capital;

- confiou na informação, sendo que não subscreveria tal produto se tivesse conhecimento que o capital investido não era garantido ou que era outra entidade, desconhecida do grande público e sem a idoneidade que o Banco R. outrora evidenciava, a obrigada à restituição do capital e juros.

2. Citada, a Ré veio contestar, por exceção, invocando a incompetência relativa do tribunal, em razão do território, a prescrição do direito e o abuso de direito, e por impugnação, impugnando os factos alegados.

3. Realizada a audiência final, foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente, condenando o Banco BIC Português, S.A., a pagar ao Autor a quantia de €100 000,00 a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa de juros legal de 4%, ou outra que lhe sobrevier, contados desde 14/02/2017 até integral pagamento e a quantia de €2 000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa de juros legal de 4%, ou outra que lhe sobrevier, contados desde a data da citação até integral pagamento; e absolvendo a ré do demais peticionado.

4. A Ré interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora.

5. O Tribunal da Relação de Évora proferiu a seguinte decisão:

“Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, na improcedência da apelação, em confirmar a sentença recorrida.”

6. Inconformada com tal decisão, a Ré veio interpor o presente recurso de revista (tendo sido admitido o recurso de revista excecional), formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1.ª O recurso ora interposto é de revista excepcional, a admitir nos termos do disposto no art.º 672 nº1 als. a) e b) do CPC.

2.ª Ambas as decisões das instâncias acabam por condenar o Banco-R. no pagamento de indemnização por violação do dever de informação enquanto intermediário financeiro.

3.ª O âmbito dos concretos deveres de informação a observar pelo intermediário financeiro tem sido objecto de vasta jurisprudência, com soluções e orientações bastante distintas, para não fizer completamente opostas.

4.ª Pontifica a este propósito as diferentes posições quanto à necessidade e grau de informação do risco de insolvência da entidade emitente bem como do risco de incumprimento da obrigação de reembolso, por oposição à menção de “capital garantido”.

5.ª Varia, igualmente, e diríamos de forma inaudita, a interpretação e consequências jurídicas do anúncio do produto de “capital garantido”, ali vendo algumas decisões uma verdadeira fiança ou assunção de dívida – como parece ser o caso da decisão recorrida, ao passo que outras veem na mesma exacta expressão apenas uma afirmação de segurança do investimento num contexto de pressuposta segurança por parte de todo o contexto social e financeiro no momento em que é feita a aplicação, ou por fim, quem veja – como é na realidade, uma mera característica da própria emissão, em que o valor de reembolso é necessariamente igual ao valor nominal do título.

6.ª Estes concretos temas e questões, além de relevantes na discussão da pura dogmática jurídica, são hoje, na ressaca da chamada “crise das dívidas”, uma das pedras de toque de todo o sistema financeiro, por um lado, e judicial por outro, em face do volume de contencioso pendente em todos os Tribunais perante o não reembolso de inúmeras emissões de vários instrumentos de dívida.

Além disso,

7.ª O volume do contencioso exactamente com este objecto, com a definição e delimitação do dever de informação na comercialização de instrumentos financeiros em momento anterior a Dezembro de 2007, é hoje considerável e com um grande impacto na economia e na sociedade portuguesa em geral, até pela repetição de situações análogas em várias instituições bancárias, por corresponder a uma actividade corrente antes da chamada crise das dívidas.

8.ª Não podemos senão concluir pela admissibilidade do presente recurso de revista, nos citados termos do disposto no art.º 672º nº 1 . als. a) e b) do Código de Processo Civil.

Acresce que...

9.ª A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação... A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do PROF. PINTO MONTEIRO, onde se chega a esta mesma conclusão!

10.ª A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

11.ª Veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt!

12.ª Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

13.ª insistimos no facto de esta menção, ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa! E não a qualquer tipo de garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente.

14.ª A apresentação de características de um produto financeiro meramente descritivas, com indicação de prazo, remuneração, garantia de capital, liquidez por endosso não parece constituir de qualquer forma uma forma de manifestação de uma vontade de vinculação por parte de quem as anuncia!

15.ª E o certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante!

16.ª Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações SLN, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco.

17.ª Ao entender esta expressão como tendo valor negocial, o tribunal a quo violou o disposto no art.º 236º do Código Civil.

De resto,

18.ª O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

19.ª De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.

20.ª E desde logo, não se compadece com ideias simplistas como as de mera reprodução de prospectos dos produtos, principalmente antes da transposição da chamada DMIF, em que a complexidade técnica da documentação de cada instrumento financeiro era enorme.

21.ª A informação deve ser prestada não apenas de forma exaustiva, mas essencialmente de uma forma acessível, sendo que a mera reprodução do prospecto, como pretende a decisão recorrida, seria certamente tudo menos acessível.

22.ª A adequação da informação começa exactamente por afastar o cumprimento meramente formal do dito dever de informação, antes visando uma efectiva informação.

23.ª O CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

24.ª E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. Ora, tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. E a verdade é que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si (como, aliás, na redacção aplicável ao caso).

25.ª Neste sentido apontam não só o elemento histórico decorrente da redacção anterior da lei, como também o elemento sistemático já abordado, como até o seu próprio elemento literal.

26.ª Mas, o que é certo é que, o legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa.

27.ª Assim é que nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E obriga a que a descrição dos riscos do tipo do instrumento em causa incluam:

a. a) Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;

b. b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado;

c. c) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo;

d. d) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.

28.ª São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!

29.ª A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

30.ª O investimento em Obrigações, não é sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

31.ª Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

32.ª Recordemos que qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento! Ou seja, é de uma ingenuidade atroz pensar-se que alguém toma a prestação de qualquer contrato como certa, e não apenas como mais ou menos segura!

33.ª Por isso, a informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

34.ª Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

35.ª Não cometeu o R. qualquer acto ilícito!

36.ª A decisão recorrida violou por errónea interpretação ou aplicação o disposto no art.º 312 do CdVM (na redacção aplicável), e os art.ºs 74 e 75 do RGCISF.

37.ª A prova da causalidade deveria ter provado que não houver aquela violação e nunca subscreveria o produto financeiro, tendo esta subscrição causado um dano, e que a produção desse dano resulta como consequência adequada da ilicitude.

E conclui: “pela procedência do presente recurso, e por via dele, pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Réu do pedido”.

7. O Recorrido não apresentou contra-alegações.

8. A Formação de Juízes a que alude o n.º3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil admitiu o recurso de revista (excecional).

9. A instância veio a ser suspensa até ao julgamento para uniformização de jurisprudência.

10. Foi proferido Acórdão pelo Pleno das Secções Cíveis no processo n.º1479/16...., que transitou em julgado.

11. Cumpre apreciar e decidir.


II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber se estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil da Ré.


III. Fundamentação

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos (após a alteração efetuada pelo Tribunal da Relação):

1.1. O “B.P.N. - Banco Português de Negócios, S.A.”, (doravante, B.P.N., S.A.), vocacionado para a área de banca de investimentos, foi constituído em 1993 por via da fusão das sociedades financeiras S... e N....

1.2. Em 27 de Outubro de 1999 foi criada a sociedade “B.P.N., S.G.P.S., S.A.” que integrava o capital do “B.P.N., S.A.” como seu principal e quase único ativo.

1.3. Na data da subscrição do produto em causa nestes autos, a sociedade B.P.N., S.G.P.S., S.A. era detida na totalidade pela S.L.N., S.G.P.S., S.A. (hoje denominada GALILEI, S.G.P.S., S.A.).

1.4. A S.L.N., S.G.P.S., S.A. era, até à nacionalização, a proprietária do B.P.N. – Banco Português de Negócios, S.A., dado ser a única acionista da B.P.N., S.G.P.S., S.A..

1.5. Durante o ano de 2004 a administração da S.L.N., S.G.P.S., S.A. e do B.P.N., S.A. era exercida quase na íntegra pelas mesmas pessoas, mormente o presidente do conselho de administração, BB

1.6. A S.L.N., S.G.P.S., S.A era a cúpula do GRUPO, com domínio sobre as suas participadas, direta ou indiretamente, domínio esse que, no caso do Banco B.P.N., S.A., era total.

1.7. Por via da Lei 62-A/2008 de 11 de novembro, o Estado Português apropriou-se de todas as ações representativas do capital social do Banco Português de Negócios, S.A. (B.P.N.), pessoa coletiva n.º ...93, através de um regime jurídico de apropriação pública por via da nacionalização.

1.8. O centro decisório de ambas as sociedades (S.L.N. e B.P.N.) era, em 2004, exatamente o mesmo, sendo confundível.

1.9. As ações representativas do capital social do B.P.N., S.A. eram detidas pela S.L.N. S.G.P.S., S.A. (S.L.N.), ora denominada Galilei S.G.P.S., S.A..

1.10. Não obstante a nacionalização, o B.P.N., pessoa coletiva n.º ...93, manteve a sua denominação, atividade económica e natureza jurídica, com a ressalva de, a partir da nacionalização, ser “uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos”.

1.11. Por via do Decreto-Lei n.º 2/2010 de 5 de janeiro, foram estabelecidas as bases que haviam de reger o processo de reprivatização da dita entidade.

1.12. Até dezembro de 2012, a pessoa coletiva n.º ...93, cujo objeto social era a atividade bancária, adotou a denominação “B.P.N. – Banco Português de Negócios, S.A.”.

1.13. Em dezembro de 2012, mediante operação de fusão por incorporação, a pessoa coletiva n.º ...93 (sociedade incorporante), mantendo o objeto social original, incorporou os ativos e passivos do Banco BIC Português, pessoa coletiva n.º ...10 (sociedade incorporada), e alterou a denominação para “Banco Bic Português, S.A.”, tendo ocorrido transferência global do património da sociedade incorporada para o réu, operação essa registada na matrícula comercial pela ap. ...07.

1.14. O autor é cliente do Banco Português de Negócios (BPN), onde tem conta aberta na agência de ....

1.15. Na referida agência trabalhava como gestor de conta do autor um funcionário de sua confiança, CC.

1.16. Funcionário que tinha saído de outra instituição bancária, o Finibanco, onde trabalhara, para ingressar nos quadros do BPN, agência de ..., tendo sido acompanhado pelo autor nesta transição.

1.17. Com quem o autor tinha estabelecido uma relação de confiança, desde os tempos em que este funcionário exercia as mesmas funções no Finibanco.

1.18. Vindo o autor a abrir junto do balcão do réu, agência de ..., a conta de depósito à ordem n.º ...01.

1.19. A determinada altura do mês de setembro de 2004, o autor foi contactado por DD, para se deslocar à agência a fim de lhe apresentar um novo produto.

1.20. Este funcionário, como tinha conhecimento de que o autor possuía aplicações a prazo, convenceu-o a aplicar dinheiro num produto com capital de retorno garantido, semelhante a um depósito a prazo.

1.21. Disse-lhe ainda que os juros pagos seriam interessantes.

1.22. O autor confiou na informação prestada pelo funcionário do réu.

1.23. Não obstante ter um período de imobilização alargado, pois só seria retornado no dia 25.10.2014. 24- O autor acedeu em fazer a aplicação de dinheiro porque convencido que se tratava de um investimento seguro e porque confiava no funcionário em causa.

1.25. O autor não possuía conhecimentos financeiros que o habilitassem a questionar a informação que o funcionário lhe transmitiu.

1.26. Centrando a sua área profissional de atividade na assessoria jurídica a negócios imobiliários.

1.27. O autor normalmente optava por aplicações que não comportassem risco, cujo rendimento e a recuperação dos valores aplicados fossem seguros e com curtos prazos de vencimento.

1.28. O funcionário que o contactou era disso conhecedor.

1.29. A aplicação em causa teria como mínimo aplicável a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros).

1.30. O autor mobilizou as quantias para a subscrição solicitada, ficando titular de 2 obrigações SLN Rendimento Mais, no valor nominal de 100 000,00€ (cem mil euros).

1.31. O produto “SLN Rendimento Mais 2004” foi transacionado nos balcões comerciais do réu, tendo sido distribuído pelos funcionários dos mencionados balcões o documento que constitui fls. 28 e ss, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos.

1.32. O documento em causa identificava o Conselho de Administração do BPN como sendo o órgão responsável pela decisão de lançamento do produto em causa.

1.33. Sendo natural que os funcionários referissem aos clientes que se tratava de um produto com capital garantido.

1.34. Tal documento elucidava os funcionários acerca das estratégias de venda do produto, indicando-lhes, inclusivamente, quais as respostas a apresentar às eventuais dúvidas do cliente de modo a convencê-lo da segurança da compra.

1.35. Assim, a ré instruiu os seus funcionários, neste particular, a usar o seguinte argumentário (externa e internamente) para convencer os clientes a adquirirem o produto:

a) Capital garantido

b) Elevadas taxas de remuneração

c) Pagamento de juros periódico

d) Indicação de que, internamente, a campanha de venda deste produto iria integrar o denominado “Campeonato BPN 2004” e, ainda, que dada a importância estratégica deste produto iria existir mesmo uma “super prova especial” com indicação das condições de atribuição de prémio.

1.36. As orientações e comunicações internas existente no B.P.N., S.A. e que esta transmitia aos seus comerciais nos respetivos balcões consistiam em afirmar a segurança do produto em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade, a importância estratégica.

1.37. O autor não subscreveria o produto se tivesse conhecimento de que o capital investido não era garantido e que era outra entidade a obrigada à restituição do capital aplicado.

1.38. O capital no valor de €100.000,00 (cento mil euros) não foi pago no dia 25.10.2014.

1.39. Até à presente data o autor nada recebeu e a S.L.N., ora denominada Galilei SGPS, S.A., emitente formal das obrigações, foi declarada insolvente em 05.07.2016.

1.40. A 07 de Novembro de 2014, a ré difundiu através do sítio do Diário Económico ter dado claras instruções aos balcões para “não pagar dívida da ex-S.L.N.”.

1.41. O autor não tinha, nem tem, conhecimentos no que concerne a mercados financeiros e/ou de capitais, o que era do conhecimento do funcionário do réu.

1.42. Na data da subscrição não fazia a mínima ideia do que era a S.L.N., S.G.P.S., S.A..

1.43. O autor, aquando da subscrição do produto em causa, estava convencido de que o fazia em condições semelhantes a um depósito a prazo.

1.44. O Banco BPN foi a única entidade com quem o autor sempre contactou e onde pensou estar a aplicar o dinheiro.

1.45. O produto financeiro em causa não possui as características que foram asseguradas ao autor.

1.46. O autor ainda hoje é classificado pela ré como investidor não profissional.

1.47. Os juros foram sendo pagos semestralmente.

1.48. Ao tempo, o Banco B.P.N. era uma instituição bancária que oferecia confiança ao investidor, não podendo prever-se a nacionalização e posterior reprivatização.

1.49. Desde 25.10.2014 deixaram de ser pagos os juros e não foi pago o capital no montante de €100.000,00 (cem mil euros).

1.50. O autor tem sofrido desgaste e sente mágoa devido a toda esta situação.

1.51. No dia 04.11.2014 o autor dirigiu uma missiva à Galilei SGPS, S.A. solicitando o pagamento do montante de €100.000,00, acrescido de juros, conforme documento junto a fls.51, cujo teor se dá por reproduzido.

1.52. No dia 14.02.2017 o autor dirigiu uma missiva ao Conselho de Administração do Banco BIC, solicitava a devolução do montante de €100.000,00, conforme documento junto a fls.35, cujo teor se dá por reproduzido.

1.53. Em resposta, o banco réu, por carta datada de 25.10.2017, negou a pretensão, conforme documento junto a fls.35vº, cujo teor se dá por reproduzido.

1.54. A presente ação foi instaurada em 03.05.2018.

1.55. Para além das “Obrigações SLN Rendimento Mais 2004” o autor possuía aplicações em “Obrigações BPN Rendimento Mais”, “BPN Rendimento Mais 2ª emissão” e Fundo FIMOBAD-Eurobic Tesouraria-FIMA.

1.56. Desde a data da subscrição até 25.10.2014 o autor recebeu os juros semestralmente, à taxa de 6,25% que foi acordada.

2. E deram como não provados os seguintes factos:

2.a. o funcionário disse ao autor que o banco/réu responderia pela dívida e que o produto se destinava a reforço/aumento do capital do próprio Banco;

2.b. o autor mencionou ao funcionário que não subscreveria qualquer aplicação que comportasse risco de perda do capital aplicado;

2.c. no que foi tranquilizado pelo funcionário e informado que devido à elevada procura do produto pelos clientes do BPN e qualidade e segurança teria de o subscrever com alguma brevidade;

2.d. foi entregue ao autor a ficha técnica do produto ou a nota informativa;

2.e. e que o empréstimo obrigacionista se destinava a colmatar graves falhas de solvabilidade de ambas as empresas;

2.f. e que existem relações de subordinação do Banco intermediário e o Banco Efisa – autor da ficha técnica;

2.g. o autor viu-se privado de ajudar as filhas no início da sua vida profissional;

2.h. à data da subscrição do produto financeiro já era conhecido pelo funcionário que o Grupo se encontrava em sérias dificuldades;

2.i. o incumprimento (das obrigações em causa) foi determinado pela nacionalização do BPN, separando o Banco do restante grupo de empresas;

2.j. o autor foi informado de que o produto em causa consistia em valores mobiliários em representação de dívida da sociedade emitente, que procederia ao reembolso total ou parcial do investimento, que se tratava da sociedade-mãe do Banco; que as AA. tenham sido contactadas por um funcionário do BPN do balcão da ..., sem que o tivessem solicitado, tendo em tendo em vista aconselhá-las a investir valores que tinham depositados, cerca de € 500.000,00 (quinhentos mil euros)/cada, num produto com capital garantido;

2.k. o réu apresentou as condições do produto, como as condições de reembolso e de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que apenas seria possível por via de endosso ou venda a outro cliente;

2.l. o réu sempre explicou os formulários dados a assinar ao autor;

2.m. o funcionário do banco réu estava convencido da segurança do investimento e da adequação ao perfil de investidor do autor atenta a robustez financeira do grupo SLN.».

3. Da verificação da responsabilidade civil da Ré

No Acórdão recorrido entendeu-se que estavam demonstrados todos os pressupostos da responsabilidade civil da Ré.

A Ré insurge-se contra o assim decidido, colocando em causa, essencialmente, a verificação da ilicitude (por, no seu entendimento, não se ter verificada a violação dos seus deveres de informação) e do nexo de causalidade.

Vejamos.

No caso presente, pretende-se apurar da responsabilidade civil da Ré, como intermediário financeiro: o BPN colocou no mercado uma emissão de Obrigações Subordinadas ao Portador e Escriturais com o valor nominal unitário de €50 000,00 da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS,S.A. através da sua comercialização junto dos seus clientes como produtos bancários sob a denominação “SLN Rendimento Mais 2004”.

- cf. artigos 289.º, n.º1, alínea a), 293.º, n.º1, alínea a) e 290.º, n.º1, alíneas a) e b), do Código dos Valores Mobiliários –


Assim, no caso presente, está em questão a responsabilidade civil da Ré, como intermediária financeira (artigos 312.º e 314.º, do CMV).


Ora, foi proferido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (proferido no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A) que apresenta os seguintes segmentos uniformizadores:

1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.  

No caso dos autos, atenta a data em que foi celebrado o contrato (setembro de 2004) – tendo o Autor ficado titular de 2 obrigações SLN Rendimento MAIS, no valor nominal de €100 000,00., são aplicáveis as disposições do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro.

O intermediário financeiro encontrava-se obrigado ao cumprimento dos princípios e regras de conduta estabelecidas nos artigos 304.º a 342.º do CVM.

Deveres de informação. Ilicitude.

Como se referiu no citado Acórdão: “a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor (cliente) relativa a atividades de intermediação e emitentes, que seja suscetível de influenciar as decisões de investimento, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7.º do CVM), devendo o intermediário financeiro prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente, informando dos riscos especiais que as operações envolvem (artigo 312.º do CVM) e orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé, com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, previamente, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos (aspetos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer) e sem esquecer que compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações e não aguardar que o investidor (cliente) as solicite.”

E, mais à frente, refere-se: “Assim, as informações não serão verdadeiras se se proceder a essa equiparação, porquanto as obrigações não são um produto equivalente aos depósitos a prazo e constituem um investimento com riscos superiores aos dos depósitos a prazo, não podendo o capital investido e respetivos juros serem levantados quando o cliente assim o desejar.

Retomando a linha de pensamento já afirmada, compete ao intermediário financeiro o dever de esclarecer sobre as reais características das obrigações e sobre os riscos que a operação envolve (mesmo sem olvidar que nos depósitos bancários também há o risco de insolvência da entidade depositária, mas esse risco sempre é atenuado pela existência do Fundo de garantia de devolução de depósitos, pelo menos, parcialmente).

Por outro lado, exige-se que o intermediário financeiro preste uma informação detalhada e verdadeira sobre o tipo de investimento que propõe ao investidor, designadamente, dando-lhe conta de a restituição, quer do montante investido, quer dos juros contratados depender sempre da solidez financeira da entidade emitente e que não há fundo de garantia nem mecanismos de proteção contra eventos imprevisíveis.

Isto significa que o intermediário financeiro deve informar o investidor que o risco de não retorno do capital investido corre por conta do cliente (investidor), não estando o Banco obrigado a restituir-lhe o valor investido nem a pagar-lhe os juros respetivos, com capitais próprios, tendo sempre em mente que para certo tipo de cliente (investidor) a garantia do reembolso do capital investido é essencial.

Deve, ainda, o intermediário financeiro informar o cliente que não poderá levantar o capital e respetivos juros quando assim entender, tornando claro o sentido do endosso como mecanismo de transmissão - desmobilização do investimento - do produto.

Não menos relevante: o intermediário financeiro deve informar o cliente (investidor) da sua relação com a sociedade emitente das obrigações, na medida em que possa estar em causa um potencial conflito de interesses.

Por outro lado, o intermediário financeiro deve esclarecer o cliente (investidor) no que consistem as “obrigações subordinadas”, isto é, informar que, em caso de insolvência do emitente, os obrigacionistas apenas serão reembolsados depois dos demais credores de dívida não subordinada.

Com tudo o que se referiu, não se pretende afirmar que, para prestar um melhor esclarecimento ao cliente (investidor) - atendendo ao seu nível de conhecimento -, o intermediário financeiro não possa socorrer-se de outras figuras ou produtos financeiros, comparando-os, desde que esclareça as respetivas diferenças.

Deste modo, é forçoso concluir que o intermediário financeiro que não informa o cliente (investidor não profissional) dos riscos do reembolso do capital investido, ou a sua perda significativa, sabendo que esse reembolso depende da solidez financeira do emitente das obrigações, bem como não esclarece o que sejam obrigações subordinadas, viola os seus deveres de informação”.

No caso presente, e perante a factualidade provada, temos de concluir, como o fez o Tribunal da Relação de Évora, que a Ré violou os seus deveres de informação quando não prestou informação detalhada ao Autor sobre as características do produto que estava a apresentar-lhes, designadamente que, por serem obrigações subordinadas, no caso de insolvência da sociedade emitente, o seu titular veria o seu crédito graduado depois dos créditos não subordinados sobre a insolvência (cf. artigos 48.º e 177.º do CIRE), sendo certo que não está demonstrado que o Autor tivesse conhecimentos e experiência para conhecerem (ou complementarem) as informações (ou a falta delas) prestadas pelo empregado da Ré, bem como quando referiu que o produto era de com capital de retorno garantido, semelhante a um depósito a prazo, nem lhe foi explicado que o responsável pelo pagamento do capital e juros era o emitente, a SLN, S.G.P.S., S.A..

Daqui que se conclua pela verificação da ilicitude por parte da Ré.

Quanto à culpa, a mesma presume-se nos termos do disposto nos artigos 304.º, n.º2, do CVM e 799.º do Código Civil:

Quanto ao nexo de causalidade:

Como se afirmou no Acórdão Uniformizador, “incumbe ao cliente (investidor) a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que se tivesse sido informado, por completo, da concreta identificação, natureza e características do produto financeiro que lhe foi proposto, bem como da sua natureza, não as teria adquirido, pois cabe a quem invoca o direito à indemnização alegar e demonstrar o nexo causal entre o facto ilícito e o dano, que também não se presume, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 342.º do Código Civil.”

Ora, no caso presente, e perante a factualidade dada como provada, temos de concluir que se mostra provado o nexo de causalidade, porquanto se mostra provado que:

“1.37. O autor não subscreveria o produto se tivesse conhecimento de que o capital investido não era garantido e que era outra entidade a obrigada à restituição do capital aplicado.”

Estes factos são suficientes para se considerar demonstrado o nexo de causalidade, pois demonstrada está a essencialidade da informação omitida pela Ré sobre a decisão de o Autor de investir nas “Obrigações”, em setembro de 2004, pois o Autor marido não investiria se conhecesse as características do produto.

Deste modo, o recurso terá de improceder.


IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, e, consequentemente, em manter o Acórdão recorrido.


Custas pela Recorrente.

Lisboa, 17 de janeiro de 2023


Pedro de Lima Gonçalves (Relator)   

Maria João Vaz Tomé

António Magalhães