Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
336/21.7T8SNT.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 02/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário :

I- O nosso sistema positivo acolheu a “teoria de causalidade”, ao consignar, no artigo 563.º do Código Civil, que “...a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.


II- Para prova do nexo causal, basta a demonstração de que o sinistro é uma consequência normal, previsível da violação das regras de segurança, independentemente de se provar ou não, com todo o rigor e extensão, “a vertente naturalística”, a chamada dinâmica do acidente.


III- Deve considerar-se como descaracterizado, ao abrigo do artº 14º, nº 1, al. a), da Lei 98/2009 (LAT), por o sinistrado ter violado, com culpa grave, regras de segurança concretamente determinadas pela entidade empregadora, o acidente em que o mesmo, manuseando uma moto-roçadora, foi atingido no olho esquerdo por uma pedra projectada pelas lâminas em movimento daquela máquina, sendo que, nessa altura, não utilizava óculos de protecção, tendo os mesmos sido postos à sua disposição pela empregadora, e tendo recebido desta a adequada formação, bem como repetidos avisos, quanto ao funcionamento daquela máquina e quanto às medidas de segurança a adoptar quando a utilizasse.

Decisão Texto Integral:

Processo 336/21.7T8SNT.L1.S1


Revista


139/24


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


AA, com o patrocínio oficioso do Ministério Público, intentou acção declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, contra Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA, e ... e A....., Lda.


Alega, em suma, que no exercício das suas funções como trabalhador da 2ª Ré sofreu um acidente de trabalho no dia 31.07.2020, enquanto trabalhava com uma moto-roçadora, tendo sido atingido no olho por uma pedra, o que lhe provocou lesões e sequelas.


Conclui, peticionando o seguinte:


Nestes termos e nos mais de direito, deve a presente ação ser julgada procedente por provada e as Rés condenadas a pagar ao A:


I - A 2ª. R.:


1. A partir de 21 de agosto de 2021, uma pensão anual e vitalícia de € 5.819,24;


2. A quantia de € 10.854,87, a título de indemnização por ITA (384 dias);


3. A quantia de € 5.792,29, a título de subsídio por elevada incapacidade:


4. A quantia de € 62,38, a título de reembolso de medicamentos adquiridos;


5. A quantia de € 20,00, a título de despesas de transporte com a deslocação a tribunal.


II - A 1ª. R:


1.A partir de 21 de agosto de 2021, uma pensão anual e vitalícia de € 5.013,96;


2.A quantia de € 6.570,07, a título de indemnização por ITA (384 dias);


3. A parte proporcional do subsídio por elevada incapacidade, atenta a retribuição em que assenta a sua responsabilidade sinistral:


4. A quantia de € 62,38, a título de reembolso de medicamentos adquiridos;


5. A quantia de € 20,00, a título de despesas de transporte com a deslocação a tribunal.


Montantes a que acrescerão juros de mora, à taxa legal, desde o respetivo vencimento.”.


Citadas, as Rés deduziram contestação.


Por sentença de 27.03.2023 foi decidido o seguinte:


Face ao exposto determina-se:


- A absolvição das Rés dos pedidos de condenação formulados pelo Autor nomeadamente:


I – Da 2.ª Ré:


1. A partir de 21 de agosto de 2021, uma pensão anual e vitalícia de € 5.819,24;


2. A quantia de € 10.854,87, a título de indemnização por ITA (384 dias);


3. A quantia de € 5.792,29, a título de subsídio por elevada incapacidade;


4. A quantia de € 62,38, a título de reembolso de medicamentos adquiridos;


5. A quantia de € 20,00, a título de despesas de transporte com a deslocação a tribunal.


II - Da 1.ª Ré:


1.A partir de 21 de agosto de 2021, uma pensão anual e vitalícia de € 5.013,96;


2.A quantia de € 6.570,07, a título de indemnização por ITA (384 dias);


3. A parte proporcional do subsídio por elevada incapacidade, atenta a retribuição em que assenta a sua responsabilidade sinistral;


4. A quantia de € 62,38, a título de reembolso de medicamentos adquiridos;


5. A quantia de € 20,00, a título de despesas de transporte com a deslocação a tribunal.


Montantes a que acrescerão juros de mora, à taxa legal, desde o respetivo vencimento”.


O Autor interpôs recurso de apelação.


Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 25.10.2023 foi decidido o seguinte:


“Em conformidade com o exposto, acorda-se em modificar o acervo fático conforme sobredito e julgar a apelação procedente e, em consequência, e na revogação parcial da sentença, condenar:


1) Ambas as RR. no pagamento ao A., a partir de 21 de agosto de 2021, de uma pensão anual e vitalícia no valor de cinco mil novecentos e noventa e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos (€ 5.994,64), sendo € 5.165,09, a cargo da 1ª. ré e € 829,55, a cargo da 2ª. ré (86,16% e 13,84%, respetivamente), acrescidos de juros de mora à taxa anual de 4% desde então;


2) A 1ª. ré no pagamento ao autor de um subsídio de elevada incapacidade no valor de quatro mil setecentos e cinquenta e oito euros e trinta e seis cêntimos (€ 4.758,36), acrescido de juros de mora á taxa anual de 4% desde 21/08/2021;


3) A 1ª. ré no pagamento ao autor de uma indemnização por ITA (384 dias) no valor de € 6.570,07, acrescida de juros de mora à taxa anual de 4% desde a data de vencimento de cada uma das prestações que integram o valor global;


4) A 2ª. ré no pagamento ao A. ao autor de uma indemnização por ITA (384 dias) no valor de mil e cinquenta e três euros e vinte e quatro cêntimos (€ 1.053,24), acrescida de juros de mora à taxa anual de 4% desde a data de vencimento de cada uma das prestações que integram o valor global;


5) A 1ª R. no pagamento ao A., a título de reembolso com aquisição de medicamentos, do valor de sessenta e dois euros e trinta cêntimos (€ 62,30), acrescida de juros de mora à taxa anual de 4% desde a citação.”.


Embora tal não venha descrito no dispositivo, o Tribunal da Relação procedeu às seguintes alterações na matéria de facto:


- considerou não provado o facto U, que tinha a seguinte redacção “U. O Autor, por ter tirado a proteção do disco da máquina ficou totalmente exposto aos objetos que a máquina cortava e aos ricochetes dos objetos que a máquina apanhasse pela frente”;


-alterou a redacção dos pontos S e Y dos factos provados que passou a ser a seguinte:


S. O Autor estava a operar a máquina, sem óculos.”1


Y. Na altura em que foi atingido por aquela pedra, o autor não utilizava óculos de proteção (em acrílico), utilizando viseira, que estava levantada.”2.


As Rés interpuseram recursos de revista nos termos gerais, ambas arguindo a nulidade do Acórdão por falta de fixação do valor da causa.


Por acórdão da Conferência, o Tribunal da Relação pronunciou-se sobre a nulidade arguida, que considerou improcedente, mas fixou novo valor à causa, de acordo com a seguinte fundamentação:


“Isto dito, também é um facto que em matéria laboral o valor da causa fixado no momento processual próprio, designadamente o saneador ou a sentença, pode vir a ser modificado.


Entre os casos de alteração encontram-se os relativos a processos de acidentes de trabalho.


Isto mesmo emerge de quanto se dispõe no Artº 120º/3 do CPT de acordo com o qual em qualquer altura o juiz pode alterar o valor fixado em conformidade com os elementos que o processo fornecer.


Ora, é uma evidência que, em face dos critérios de fixação do valor consignados no Artº 120º/1 e 2 do CPT, o valor fixado na sentença difere substancialmente daquele que decorre da decisão proferida em sede de acórdão.


Daí que, muito embora não admitindo a modificação oficiosa, se conceda em que ao suscitar a nulidade acima não reconhecida, as partes estejam também a reclamar da modificação do valor fixado anteriormente.


E, nessa medida, fazendo uso da faculdade concedida no Artº 120º/3 do CPT, modifica-se tal valor em consonância com tais critérios.


Ora, decidiu-se no acórdão, condenar:


1) Ambas as RR. no pagamento ao A., a partir de 21 de agosto de 2021, de uma pensão anual e vitalícia no valor de cinco mil novecentos e noventa e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos (€ 5.994,64), sendo € 5.165,09, a cargo da 1ª. ré e € 829,55, a cargo da 2ª. ré (86,16% e 13,84%, respetivamente), acrescidos de juros de mora à taxa anual de 4% desde então;


2) A 1ª. ré no pagamento ao autor de um subsídio de elevada incapacidade no valor de quatro mil setecentos e cinquenta e oito euros e trinta e seis cêntimos (€ 4.758,36), acrescido de juros de mora á taxa anual de 4% desde 21/08/2021;


3) A 1ª. ré no pagamento ao autor de uma indemnização por ITA (384 dias) no valor de € 6.570,07, acrescida de juros de mora à taxa anual de 4% desde a data de vencimento de cada uma das prestações que integram o valor global;


4) A 2ª. ré no pagamento ao A. ao autor de uma indemnização por ITA (384 dias) no valor de mil e cinquenta e três euros e vinte e quatro cêntimos (€ 1.053,24), acrescida de juros de mora à taxa anual de 4% desde a data de vencimento de cada uma das prestações que integram o valor global;


5) A 1ª R. no pagamento ao A., a título de reembolso com aquisição de medicamentos, do valor de sessenta e dois euros e trinta cêntimos (€ 62,30), acrescida de juros de mora à taxa anual de 4% desde a citação.


Temos assim:


5.994,64€ x 16,4283 = 98.479,94 €


+


4.758,36€


+


6.570,07€ + 1.053,24€


+


62,30€


Valor é igual a – 110.923,91€.


Decidir-se-á em conformidade.


***


*


Em conformidade com o exposto, acorda-se em desatender à invocada nulidade do acórdão e fixar o valor da causa em 110.923,91€.


Custas pelas RR”.


Esta última decisão não foi posta em causa pelas partes.


As Recorrentes formularam as seguintes conclusões:


- a Ré- seguradora:


13. Para fundamentar a decisão final proferida e acima reproduzida, o douto acórdão recorrido socorreu-se dos seguintes factos dados como provados (identificados como no douto acórdão e restringindo-se a reprodução àqueles com interesse para a qualificação do acidente como de trabalho ou para a sua descaraterização):


F. O acidente consistiu em o Autor, ao utilizar a moto roçadora — estando a proceder ao corte de mato ter sido atingido no olho esquerdo por uma pequena pedra que ressaltou com a passagem da máquina.


G. O acidente causou ao autor amaurose do olho esquerdo pós traumática.


K. A Ré adquiriu ainda vários pares de óculos protetores disponível com os restantes equipamentos de proteção individual no armário desses equipamentos onde também estava guardada a moto-roçadora.


L. Foram ainda adquiridos vários pares de luvas, botas de biqueira de aço, fatos inteiros protetores e capacetes de proteção.


M. O Autor tinha por hábito levantar a proteção da cara para fumar, ao mesmo tempo que utilizava a moto-roçadora.


N. O encarregado do pessoal da Ré ministrou formação ao Autor sobre como operar com a máquina em questão, assim como utilizar as proteções de pernas, viseira de metal na cara e cabeça, luvas e óculos de proteção lateral nos olhos, não obstante o Autor ter afirmado por várias vezes que havia trabalhado com moto-roçadoras no Estabelecimento Prisional entre 2007 e 2016, quando esteve detido / preso.


O. Mesmo assim o encarregado de pessoal da 1.º Ré explicou por diversas vezes ao Autor como operar com esta máquina em concreto e bem assim com os equipamentos de proteção e o que deveria fazer sempre que utilizava a máquina, como se deveria equipar e que cuidados deveria ter.


S. O Autor estava a operar a máquina, sem óculos.


T. O Autor não tinha igualmente os óculos protetores de olhos que estavam junto ao equipamento da máquina.


V. Não usava óculos por opção própria.


X. No dia 31 de Julho de 2020, quando o Autor estava a manusear uma moto roçadora, foi atingido no olho esquerdo por uma pedra projetada pelas lâminas em movimento daquela máquina.


Y. Na altura em que foi atingido por aquela pedra, o autor não utilizava óculos de proteção (em acrílico), utilizando viseira, que estava levantada.


Z. Apesar de estes equipamentos de segurança terem sido postos à sua disposição pela 1ª Ré.


AA. O Autor tinha recebido formação quanto ao funcionamento daquela máquina e quanto às medidas de segurança a adotar quando a utilizasse,


BB. Designadamente, que só poderia pôr a máquina em funcionamento depois de estar equipado com todos aqueles equipamentos de segurança.


CC. E que, sempre que fosse necessário retirar algum daqueles equipamentos teria de, previamente, desligar a moto roçadora.”


14. Face a estes factos, o douto acórdão recorrido entendeu que se não podia descaracterizar o acidente com base no disposto na alínea a) do nº1 do art. 14º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro (LAT), porque, apesar de ter entendido que o autor violara, sem causa justificativa, as condições de segurança estabelecidas pelo empregador, não era possível estabelecer um nexo causal entre essa violação e o acidente.


15. Ora, consta expressamente da matéria de facto provado sob as letras K, S, T, V, X e Y, que o autor foi atingido no olho por uma pequena pedra que ressaltou com a passagem da máquina e que o autor não usava óculos (de protecção ou outros) e tinha a viseira levantada.


16. Assim, da matéria de facto dada como provada, é imperioso concluir que a pequena pedra que ressaltou com a passagem da máquina só atingiu o autor no olho esquerdo em consequência de este, na altura, não usar óculos de protecção, ou quaisquer outros, e por ter a viseira levantada.


17. Ora, se a pedra que atingiu o autor não lhe tivesse provocado qualquer lesão (por este estar devidamente protegido com óculos e viseira), não teria ocorrido o acidente de trabalho.


18. Teria, sim, ocorrido um incidente (ou mesmo um acidente) mas que não poderia ser qualificado como acidente de trabalho por lhe faltar um pressuposto essencial: a ocorrência de uma lesão corporal causada por esse incidente (“É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte” – art. 8º-1 da LAT; realce nosso): sem lesão não há acidente de trabalho.


19. Assim, é evidente que não foi o facto de o autor não usar óculos que provocou o ressalto da pedra com a passagem da máquina, mas é também evidente que essa pedra só conseguiu atingir o olho esquerdo do autor, e causar-lhe a lesão descrita nos autos, pela inexistência de quaisquer barreiras (óculos de protecção e/ou viseira) entre os olhos do autor e as lâminas em movimento da moto roçadora, pelo que existe nexo causal entre a omissão do autor e a verificação do acidente.


20. Não há também dúvidas de que se verificam os outros pressupostos – como se reconhece no douto acórdão recorrido – da descaracterização do acidente, previstos no art. 14º-1-a) da LAT:


- existência de condições de segurança estabelecidas pelo empregador (factos provados sob as letras K, L, N, O, Z, AA, BB e CC);


- violação pelo autor dessas condições de segurança (factos provados sob as letras M, S, T, V, Y e Z);


- inexistência de causa justificativa para o acto (levantamento da viseira) e para a omissão (não utilização de óculos, por vontade própria) violadores daquelas condições de segurança.


21. Estão assim preenchidos todos os pressupostos para se descaraterizar, ao abrigo do disposto no art. 14º-1-a) da LAT, o acidente sofrido pelo autor, o que acarreta a absolvição da ora recorrente dos pedidos formulados pelo autor.


22. Ao decidir de forma diversa, considerando não descaracterizado o acidente em causa nos autos, o douto acórdão recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no art. 14º-1-a), 23º, 47º, 48º e 67º-1 e 3 da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, pelo que deve ser revogado e substituído por outro que julgue o acidente descaraterizado e absolva a recorrente dos pedidos formulados pelo autor.


- a Ré- empregadora:


VI. A Sentença de que o A recorreu, havia decidido pela descaracterização do acidente dos Autos, como de trabalho


VII. O Acórdão agora recorrido, entendeu diferentemente nos termos que supra se transcreveram (Vd H supra para que remetemos) e que dele constam (Vd F, G, K, L, M, N, O, S, T, U, X, Y e Z). Ora,


VIII. O A. havia recebido formação quanto ao modo de funcionamento e utilização da máquina em questão, sabendo qual o equipamento de segurança com que deveria equipar-se e que estava ao seu dispor. Mais sabia,


IX. Que não estando munido de todo o equipamento de segurança, não deveria operar a moto-roçador (Vd factos BB. e CC.).


X. E operou, ainda assim, a máquina, sendo que se tivesse colocados os óculos adequados (com protecção lateral) a pedra até podia ter saltado e atingido aquela região da sua cara,


XI. Mas jamais seria tal facto, apto a causar-lhe qualquer dano ou ferimento, em virtude de o embate da pedra no rosto/olho, estar devidamente protegido pela parte lateral dos óculos (que o Autor não usava, por opção própria)


XII. Sendo igualmente certo que tinha a viseira acrílica levantada (como sempre fazia quando queria fumar)


XIII. Tudo por sua única e exclusiva opção. Ora,


XIV. Face a estes factos, o Acórdão recorrido entendeu que se não poderia descaracterizar o acidente, com base na disposição contida no nº 1, al. a) do Artº 14º da Lei 98/2009, de 4/09 (LAT)


XV. Isto por entender que apesar da violação injustificada, pelo Autor, das regras e condições de segurança estabelecidas pelo seu empregador (diríamos nós, até, pelas mais elementares regras do senso comum, em matéria de segurança),


XVI. Não era possível estabelecer um nexo causal entre essa violação e o acidente, referindo expressamente o Acórdão recorrido:


“Ora, no caso, não há registo de alegação e prova de que o A foi atingido no olho esquerdo por uma pequena pedra que ressaltou com a passagem da máquina em consequência de não usar óculos” concluindo


“Na verdade, há todo um conjunto de circunstâncias que se poderiam ter verificado e dado origem ao acidente.”


XVII. Sempre com o devido respeito, diremos: Não, não há! Desde logo,


XVIII. Houve alegação e prova de que o A. foi atingido no olho por uma pequena pedra que ressaltou à passagem da máquina, exactamente porque o A não usava os óculos de protecção e trabalhava com a viseira levantada por estar a fumar (Vd entre outros os Artºs 13º e 14º da Contestação da co-R Allianz Seguros, SA. Acresce,


XIX. Que tal consta expressamente dos factos provados elencados sob letras K, S, T, V, X e Y


XX. Pelo que, salvo o devido respeito, da matéria alegada e SOBRETUDO, da matéria dada como provada forçoso é concluir que tal acidente só ocorreu,


XXI. Em virtude de o A, ao operar a máquina não usar os óculos de protecção a que estava obrigado (e as mais elementares regras do senso comum lhe impunham).


XXII. Coisa mais, óbvia, lógica e causal, não nos parece que pudesse existir


XXIII. Em jeito de conclusão, que nos seja permitido, sem ofensa (que a não contém) referir que bem sabemos que para um Jurista, as operações matemáticas (e por vezes até as aritméticas) são de difícil entendimento,


XXIV. Mas a verdade é que, enquanto o dogma matemático for o que é, dois mais dois sempre serão quatro. Assim, XXV. Dúvidas não há que ocorreu um acidente, com lesão corporal, enquanto o A trabalhava


XXVI. É obvio e evidente que não foi o facto de o A não utilizar óculos que provocou que a pedra saltasse e o atingisse (pelo que não se entende o que as características do terreno teriam que ver com o que fosse)


XXVII. Mas tal pedra que saltou só foi apta a causar a lesão que causou, em virtude de entre ela e o resto do A não existir a protecção dos óculos que o mesmo devia usar e que não usava por vontade própria,


XXVIII. Pelo que, na nossa humilde perspectiva, é evidente a existência de Nexo Causal entre a omissão voluntária do A e a verificação da lesão corporal.


XXIX. E ocorrendo, como do nosso ponto de vista, evidentemente ocorre, a existência de nexo causal entre a omissão e o acidente,


XXX. Sendo verdade que os demais pressupostos da descaracterização do acidente, também se verificam, porquanto:


1. Havia condições de segurança impostas e disponibilizadas pela Entidade Patronal;


2. Condições essas violadas pelo trabalhador (A)


3. Sendo certo que igualmente não existia, não existiu e nem foi alegado que existisse, causa de justificação para os actos do A, de levantar a viseira para fumar e de não usar os óculos de protecção ao seu dispor e cuja exigência de utilização lhe havia sido determinada pelo empregador (como igualmente dado como provado).


OU SEJA,


XXXI. Entende a Recorrente que se mostram preenchidos todos os pressupostos da descaracterização do Acidente, nos termos da Lei, a qual deve ser declarada por V.Exas. com a consequente absolvição da R pela confirmação da Sentença da primeira Instância, do pedido contra ela formulado pelo A, aqui Recorrido pois,


XXXII. Ao decidir de modo diverso, nomeadamente não considerando descaraterizado o acidente dos autos, o Acórdão sob recurso violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no Artº 14º/1/a) da LAT,


XXXIII. E, bem assim, os Artºs 23º, 47º, 48º, e 67º/1 e 3., todos da referida Lei 98/2009, de 04.09.


Devendo em conformidade, ser revogado por V.Exas. e substituído por outro que, descaracterizando o acidente, absolva a Recorrente dos pedidos contra ela formulados pelo A.


O sinistrado contra-alegou, apresentado as seguintes conclusões:


J. O recorrente não contraria a análise efectuada no Acórdão recorrido quando refere “Ora, no caso, não há registo de alegação e prova de que o autor foi atingido no olho esquerdo por uma pequena pedra que ressaltou com a passagem da máquina em consequência de não usar óculos


K. Na verdade, há todo um conjunto de circunstâncias que se poderiam ter verificado e dado origem ao acidente. Desde logo a configuração do terreno em que operava.”


L. O Recorrente não demonstra que a subsunção ao direito efectuada pelo acórdão recorrido dos factos apurados consubstancie um erro de interpretação e aplicação de norma jurídica, nomeadamente dos artigos disposto no artigo 14 n.º 1 al.a) , 23 , 47, 48 e 67 n.º1 e 3 da lei 98/2009 de 4 de Setembro (LAT), como exigido pelo artigo 674 n.º 1 al. a) do CPC.


M. A que acresce a circunstância de o recorrente esquecer totalmente outro fundamento da não descaracterização do acidente constante do Acórdão recorrido – a da não verificação da al. b do n.º 1 do artigo 14 da lei 98/2009 de 4 de setembro.


N. Questão esta que nem aborda no seu recurso, e questão bastante para que o autor veja sufragado o seu pedido, independentemente da resposta que se viesse a dar à alegação do ora recorrente no que se refere com a verificação da al. a) do n.º 1 do artigo 14 da Lei 98/2009 de 4 de Setembro.


x


Face ao acórdão do Tribunal da Relação que fixou o novo valor da causa, e que não foi impugnado, ficou prejudicada a questão da nulidade levantada nos recursos.


Assim, e definindo-se o âmbito dos mesmos pelas suas conclusões, temos, como única questão em discussão:


- se o acidente de trabalho deve ser descaracterizado ao abrigo do artigo 14º, nº1 a) da L.A.T.


x


Vem assente como provada a seguinte matéria (a negrito as alterações efectuadas pela Relação:


Por acordo:


A. O Autor auferia, à data do acidente, a retribuição anual de € 10.317,80, correspondente a € 635,00 x 14 (retribuição base) + € 5,90 x 22 x 11 (subsídio de refeição).


B. Está transferida para a 1ª. Ré a responsabilidade sinistral assente apenas na retribuição base, no valor total anual de € 8.890,00.


C. A 2.ª Ré comunicou à 1.ª Ré o acidente de trabalho, em 10 de Agosto de 2020, tendo a 1.ª Ré declinado a responsabilidade sinistral.


D. O Autor foi submetido a perícia médica neste Tribunal, em 31 de Maio de 2021 e em 20 de Setembro de 2021, tendo-lhe sido fixada uma IPP (Incapacidade Parcial Permanente) de 32% com IPATH (Incapacidade Permanente e Absoluta para o Trabalho Habitual) a partir de 21 de Agosto de 2021, dia seguinte ao da alta, fixada em 20 de Agosto de 2021.


E. O senhor perito médico fixou ao Autor ITA de 1 de Agosto de 2020 a 20 de Agosto de 2021 (384 dias).


F. A conciliação entre os intervenientes na tentativa de conciliação frustrou-se.


Face à prova produzida em audiência de julgamento:


A. Provado apenas que o Autor era, à data da ocorrência dos factos que se irão descrever, trabalhador da 2.ª Ré, por cuja conta e sob cujas ordens exercia a profissão de trabalhador indiferenciado.


B. A pedido do legal representante da 2.ª Ré – AA – o Autor também procedia, com frequência, à limpeza de mato existente na área exterior à sede de tal Ré.


C. Para o efeito, o legal representante da 2ª. Ré comprara uma moto roçadora.


D. O Autor, a partir da altura em que foi comprada a moto roçadora, passou a utilizar a mesma no desempenho de tal tarefa de limpeza de mato, colocando as proteções referidas - a viseira e a proteção na zona das pernas.


E. No dia 31 de Julho de 2020, cerca das 8.30 horas, o Autor – no desempenho de funções, por conta e sob as ordens e direção da 2.ª Ré, na sede da mesma - sofreu um acidente de trabalho.


F. O acidente consistiu em o Autor, ao utilizar a moto roçadora – estando a proceder ao corte de mato ter sido atingido no olho esquerdo por uma pequena pedra que ressaltou com a passagem da máquina.


G. O acidente causou ao autor amaurose do olho esquerdo pós traumática.


H. Com a aquisição de medicamentos prescritos para tratamento da lesão resultante do acidente em apreço, o autor despendeu a quantia total de € 62,38.


I. O Autor despendeu, com deslocações a tribunal, a quantia de € 20,00.


J. Foi o Autor quem solicitou, à 1.ª Ré, a aquisição de uma moto-roçadora, dizendo que tinha feito esse trabalho quando esteve detido/preso no Estabelecimento Prisional entre 2007 e 2016, onde, segundo, o próprio Autor teria tido formação para trabalhar com moto-roçadoras teria desempenhado amiúde essa tarefa.


K. A Ré adquiriu ainda vários pares de óculos protetores disponível com os restantes equipamentos de proteção individual no armário desses equipamentos onde também estava guardada a moto-roçadora.


L. Foram ainda adquiridos vários pares de luvas, botas de biqueira de aço, fatos inteiros protetores e capacetes de proteção.


M. O Autor tinha por hábito levantar a proteção da cara para fumar, ao mesmo tempo que utilizava a moto-roçadora.


N. O encarregado do pessoal da Ré ministrou formação ao Autor sobre como operar com a máquina em questão, assim como utilizar as proteções de pernas, viseira de metal na cara e cabeça, luvas e óculos de proteção lateral nos olhos, não obstante o Autor ter afirmado por várias vezes que havia trabalhado com moto-roçadoras no Estabelecimento Prisional entre 2007 e 2016, quando esteve detido / preso.


O. Mesmo assim o encarregado de pessoal da 1.ª Ré explicou por diversas vezes ao Autor como operar com esta máquina em concreto e bem assim com os equipamentos de proteção e o que deveria fazer sempre que utilizava a máquina, como se deveria equipar e que cuidados deveria ter.


P. No dia 31de Julho de 2021, cerca das 8.30h o Autor sofreu acidente enquanto operava a máquina em questão.


Q. Nesse dia o Autor não compareceu ao serviço a horas, uma vez que a hora de entrada na jornada diária era às 8.00h, tendo comparecido cerca das 8.15h, não estando nem o encarregado do pessoal que distribui tarefas pelos trabalhadores, nem o legal representante da 1.ª Ré, porque ambos tinham saído para uma obra para ....


R. O Autor por sua iniciativa e sem saber o que fazer nesse dia, pegou na moto-roçadora e saiu para as imediações da sede da 1.ª Ré, atuando por conta própria.


S. O Autor estava a operar a máquina, sem óculos.


T. O Autor não tinha igualmente os óculos protetores de olhos que estavam junto ao equipamento da máquina.


U. Não provado.


V. Não usava óculos por opção própria.


W. O Autor aquando do sinistro foi imediatamente assistido por colegas de trabalho que estavam próximo do local onde este se encontrava.


X. No dia 31 de Julho de 2020, quando o Autor estava a manusear uma moto roçadora, foi atingido no olho esquerdo por uma pedra projetada pelas lâminas em movimento daquela máquina.


Y. Na altura em que foi atingido por aquela pedra, o autor não utilizava óculos de proteção (em acrílico), utilizando viseira, que estava levantada.


Z. Apesar de estes equipamentos de segurança terem sido postos à sua disposição pela 1.ª Ré.


AA. O Autor tinha recebido formação quanto ao funcionamento daquela máquina e quanto às medidas de segurança a adotar quando a utilizasse,


BB. Designadamente, que só poderia pôr a máquina em funcionamento depois de estar equipado com todos aqueles equipamentos de segurança.


CC. E que, sempre que fosse necessário retirar algum daqueles equipamentos teria de, previamente, desligar a moto roçadora.


x


- o direito:


Está assente, por tal parte do acórdão recorrido não ter sido posta em causa, a violação, por parte do Autor- sinistrado, de concretas regras de segurança. O que as Recorrentes põem em causa é a conclusão do acórdão recorrido de que não está provado o nexo de causalidade entre tal violação e a ocorrência do acidente.


Escreveu-se, de relevante, no acórdão:


“A descaracterização do acidente prevista na segunda parte da alínea a), do n.º 1, do art.º 14.º, da citada lei, exige que: a) as condições e regras de segurança estabelecidas pelo empregador ou pela Lei se mostrem conexionadas com o risco decorrente da atividade profissional exercida, ligadas à própria execução do trabalho que o sinistrado se obrigou a prestar no exercício da sua atividade laboral; b) o sinistrado tenha conhecimento de tais condições e regras de segurança; c) e que se verifique o nexo de causalidade entre o ato ou omissão cometida pelo trabalhador e o acidente de que este foi vítima, ocasionado por violação das referidas regras. (…)»”


Assim, as condições de segurança a que o legislador na alínea a) do n.º 1 do Artº. 14º da LAT se pretende reportar, são as condições ou regras que, estabelecidas pela entidade patronal ou previstas na lei, estejam direta ou indiretamente ligadas à própria execução do trabalho que o sinistrado se obrigou a prestar no âmbito do contrato de trabalho estabelecido com aquela, ou seja, as condições de segurança com que o trabalho deva ser desempenhado.


Absolutamente crucial é que “a violação das regras de segurança tem que ser causal do acidente para que se verifique a descaracterização do mesmo” porquanto, como sumamente reconhecido, “bem pode suceder que, mesmo que as condições de segurança fossem respeitadas pelo trabalhador, o acidente, com as suas consequências danosas, produzir-se-ia na mesma ou produzir-se-ia com grande probabilidade” (Júlio Gomes, O Acidente de Trabalho, Coimbra Editora, 216).


Diríamos que no caso se perspetivam sem margem para dúvidas, como preenchidos, os pressupostos enunciados nos pontos a), b) e c).


Na verdade, resulta á saciedade que a empregadora enunciou as condições de segurança necessárias a operar com a máquina e que o sinistrado não observou tais condições, nomeadamente não usando óculos de proteção.


Também sabemos que a violação das regras impostas foi voluntária. E tudo aponta no sentido da inexistência de causa justificativa para a desobediência porquanto os equipamentos – óculos incluídos – estavam disponíveis no armário.


Como bem nota Pedro Romano Martinez, “na alínea a) só se exige a falta de causa justificativa, porque atende-se à violação das condições de segurança específicas daquela empresa; por isso, basta que o trabalhador conscientemente viole essas regras”. Assim, “se o trabalhador, conhecendo as condições de segurança vigentes na empresa, as viola conscientemente, e, por força disso, sofre um acidente de trabalho, não é de exigir a negligência grosseira do sinistrado nessa violação para excluir a responsabilidade do empregador”4 (Direito do Trabalho, Almedina, 5ª Ed., 939).


Desconhece-se, porém, se foi causal do acidente.


Na verdade, para que possamos considerar preenchidos os pressupostos legais da descaracterização do acidente, compete ao réu provar, para além destes elementos cuja prova se obteve, que o comportamento omissivo foi causal do acidente (Artº 342º/1 do CC).


Ora, no caso, não há registo de alegação e prova de que o A. foi atingido no olho esquerdo por uma pequena pedra que ressaltou com a passagem da máquina em consequência de não usar óculos.


Na verdade, há todo um conjunto de circunstâncias que se poderiam ter verificado e dado origem ao acidente. Desde logo a configuração do terreno em que operava.


Subscreve-se, pois, a tese do Apelante quando afirma a impossibilidade de enquadramento na alínea a) do Artº 14º/1”.


Não partilhamos este entendimento.


Dispõe o artº 14º, nº 1, al. a), da Lei 98/2009 (LAT):


1 - O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:


a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei”.


Quanto ao nexo de causalidade, temos que, e segundo Galvão Teles, Manual de Direito das Obrigações, 229, no direito civilístico português vigora a doutrina da causalidade adequada: "determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar"


No Ac. do STJ de 23/9/2012, proc. 289/09.0TTSTB.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, escreveu-se o seguinte:


“Debruçando-se sobre esta temática, Pessoa Jorge começa por aludir à “teoria da equivalência das condições”, para a qual “... cada condição sine qua non seria causa de todo o efeito, porque, sem ela, as outras condições não teriam actuado” (in “Ensaio Sobre os Pressupostos Da Responsabilidade Civil” – “Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal”, Lisboa, 1 a 72, reedição, página 389).


Sendo notório, porém, que uma tal teoria jamais poderia ser transposta, na sua genuinidade, para o domínio da responsabilidade civil – por ser patentemente injusto responsabilizar alguém por prejuízos que nada tiveram a ver em concreto, com a sua conduta – haverá que eleger então, de entre as várias condições do dano, aquelas que legitimam a imposição, ao respectivo agente, da obrigação de indemnizar.


O nosso sistema positivo acolheu a “teoria de causalidade”, ao consignar, no artigo 563.º do Código Civil, que “...a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.


A inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a sua produção, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias.


A teoria da causalidade adequada impõe, pois, num primeiro momento, a existência de um facto naturalístico concreto, condicionante de um dano sofrido, para que este seja reparado; e, num segundo momento, que o facto concreto apurado seja, em geral e abstracto, adequado e apropriado para provocar o dano.


E assim sendo, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais, excepcionais, extraordinárias ou anómalas, que intervieram no caso concreto- ac. do STJ de 25/10/2018, proc. 92/16.0T8BGC.G1.S2.


“(...)o artigo 563.º do Código Civil estabelece a respeito da obrigação de indemnização que esta “só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão” (sublinhado nosso). Quer se considere que a norma consagra assim a chamada “causalidade adequada” na sua formulação negativa, quer se ponha o acento no escopo da norma violada e na interação entre o fundamento da responsabilidade e a imputação do dano ao agente3, o lesado tem aqui apenas que invocar que a não observância das regras de segurança terá provavelmente influído na ocorrência do acidente. Como bem destacou o Tribunal da Relação de Guimarães, em Acórdão também ele recente, “trata-se de elaborar um juízo de prognose sobre se aquele facto, em abstrato e em condições normais, tem aptidão genérica para produzir aquele resultado típico que é, assim, sua consequência normal, recorrendo-se à probabilidade fundada em conhecimentos médios e em regras da experiência comum”- ac. do STJ de 3/11/2023, Proc. n.º 1694/20.6T8CSC.C1.S1.


Constitui jurisprudência deste STJ (veja-se, por exemplo, o acórdão de 23-06-2023, Proc. n.º 179/19.8T8GRD.C1.S1, para cuja fundamentação exaustiva remetemos) que, para prova do nexo causal, basta a demonstração de que o sinistro é uma consequência normal, previsível da violação das regras de segurança, independentemente de se provar ou não, com todo o rigor e extensão, “a vertente naturalística”, a chamada dinâmica do acidente- cfr., igualmente, o citado Ac. de 3/11/2023.


Transpondo para o caso concreto:


-o Autor estava a manusear uma moto-roçadora, sendo atingido no olho esquerdo por uma pedra projectada pelas lâminas em movimento daquela máquina;


- na altura em que foi atingido por aquela pedra, o Autor não utilizava óculos de protecção (em acrílico), utilizando viseira, que estava levantada;


- estes equipamentos de segurança terem sido postos à sua disposição pela Ré- empregadora;


- o Autor tinha recebido formação quanto ao funcionamento daquela máquina e quanto às medidas de segurança a adoptar quando a utilizasse;


- designadamente, que só poderia pôr a máquina em funcionamento depois de estar equipado com todos aqueles equipamentos de segurança.


Não oferece qualquer dúvida que se o sinistrado tivesse a usar óculos, a pedra não o teria atingido no olho, independentemente de outro circunstancialismo ligado à dinâmica do acidente, designadamente “a configuração do terreno em que operava”, invocada pelo acórdão recorrido. Essa pedra só conseguiu atingir o olho esquerdo do Autor, e causar-lhe a lesão descrita nos autos, pela inexistência da barreira dos óculos de protecção (sendo que não é possível extrair essa conclusão no que diz respeito à viseira), como barreira entre os olhos do Autor e as lâminas em movimento da moto -roçadora.


Por outro lado, sendo que para que o acidente de trabalho possa ser descaracterizado por violação de regras de segurança se exige culpa grave do trabalhador nessa violação- cf. Ac. do STJ de 1-02-2023, proc. n.º 9573/18.0T8PRT.P1.S1, dúvidas não há da existência da mesma no caso que nos ocupa- como se escreveu no acórdão recorrido, que nesta parte subscrevemos, tudo aponta no sentido da inexistência de causa justificativa para a desobediência porquanto os equipamentos – óculos incluídos – estavam disponíveis no armário.


E acresce que o sinistrado já tinha sido repetidamente avisado para as características da máquina e para a necessidade de usar as correspondentes protecções- tal como consta do facto O), o encarregado de pessoal da Ré –empregadora explicou por diversas vezes ao Autor como operar com esta máquina em concreto e bem assim com os equipamentos de protecção e o que deveria fazer sempre que utilizava a máquina, como se deveria equipar e que cuidados deveria ter.


Sendo que também que o sinistrado já tinha operado, por várias vezes, com moto-roçadoras no estabelecimento prisional entre 2007 e 2016, quando esteve detido / preso, pelo que o modo de utilização das mesmas e os correspondentes perigos não constituíam novidade para ele.


O comportamento do sinistrado não se resumiu, assim, a uma simples distracção ou imprevidência.


E como resulta à saciedade da factualidade provada, a Ré- empregadora tinha prestado a adequada formação profissional ao sinistrado, em termos de o alertar para as mencionadas regras de segurança e conduzir a uma consciencialização mais intensa das mesmas- cf. citado acórdão de 3/11/2023.


Com a consequente procedência, nesta parte, dos recursos.


x


Decisão:


Pelo exposto, acorda-se em conceder a revista, revogando-se o acórdão recorrido e repristinando-se a sentença de 1ª instância.


As custas seriam a cargo do Autor, não fosse a isenção de que goza.


Lisboa, 21/02/2024


Ramalho Pinto (Relator)


José Eduardo Sapateiro


Domingos José de Morais





Sumário (da responsabilidade do Relator).


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1. Redação anterior: “S. O Autor estava a operar a máquina, sem óculos e sem a proteção da própria máquina (em volta do disco de corte da mesma)”.↩︎

2. Redacção anterior: “ Y. Na altura em que foi atingido por aquela pedra, o autor não utilizava óculos de protecção (em acrílico) nem viseira de protecção (em rede metálica)”.↩︎

3. À data do acidente o A. tinha 34 anos conforme emerge dos dados constantes da participação do acidente. De acordo com as Bases Técnicas aplicáveis a taxa a considerar é 16,428 – Portaria 11/2000 de 13/01↩︎

4. Tese alvo de crítica por parte de Júlio Gomes, ob. cit., 223↩︎