Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | LOPES DO REGO | ||
Descritores: | PRESSUPOSTOS DA REVISTA ADMISSIBILIDADE DUPLA CONFORME FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE | ||
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Data do Acordão: | 02/19/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | INDEFERIDA | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSO DE REVISTA. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 671.º, N.º3. | ||
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Sumário : | 1. A alteração do conceito de dupla conformidade, enquanto obstáculo ao normal acesso em via de recurso ao STJ, operada pelo actual CPC (mandando atender a uma diferença essencial nas fundamentações que suportam a mesma decisão das instâncias), obriga o intérprete e aplicador do direito a – analisada a estruturação lógico argumentativa das decisões proferidas pelas instâncias, coincidentes nos respectivos segmentos decisórios - distinguir as figuras da fundamentação diversa e da fundamentação essencialmente diferente. 2. Não é qualquer alteração, inovação ou modificação dos fundamentos jurídicos do acórdão recorrido, relativamente aos seguidos na sentença apelada, qualquer nuance na argumentação jurídica por ele assumida para manter a decisão já tomada em 1ª instância, que justifica a quebra do efeito inibitório quanto à recorribilidade, decorrente do preenchimento da figura da dupla conforme. 3. Só pode considerar-se existente uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA, Lda, intentou procedimento de injunção contra BB, Lda, pedindo a notificação da Ré para lhe pagar a quantia de €44.481,45, acrescida de juros, invocando que executou para a ré trabalhos de construção civil e fornecimento de materiais para obra, terminada em l2.8.2011, nada lhe tendo pago. A Ré deduziu oposição, afirmando nada dever actualmente à Autora, já que todas as responsabilidades decorrentes da obra teriam sido já liquidadas. Distribuídos os autos como acção de condenação, na forma ordinária, foi convidada a A. a aperfeiçoar o requerimento apresentado e que originara o procedimento de injunção. Na sequência de tal convite, apresentou a petição aperfeiçoada, de fls. 18-A e segs., sem todavia operar uma densificação e concretização acrescidas da matéria de facto, limitando-se a invocar a realização de trabalhos de construção civil e fornecimento de materiais, não tendo sido pago o respectivo valor, no montante peticionado, originando a emissão da respectiva factura. Foi proferida sentença a julgar a acção improcedente, absolvendo a R. do pedido, considerando provado, porque nada mais fora alegado, apenas a apresentação de uma factura no montante peticionado, volvido mais de 1 ano sobre o fim da obra e como respeitando a esta. Passando a valorar o litígio na perspectiva do direito, considerou a sentença que a A. omitiu a alegação do valor total da obra, como facto essencial cujo ónus de alegação lhe cabia, mesmo depois de ter sido convidada a aperfeiçoar as insuficiências factuais do originário requerimento de injunção, concluindo: Sobre a A. impendia o ónus de alegar o sucedido, isto é, a efectivação da obra e o seu valor, cabendo-lhe depois provar tal factualidade. Não o fazendo, ou fazendo-o de forma ínvia, coloca-se em posição processual de não poder afirmar a verdade histórica, mas tal é consequência da sua estratégia. É que nem sequer lhe é lícito guardar meios de prova para final, quanto mais a alegação de facto essencial. Resumindo: sabe-se que os €44.481,45 não equivalem ao valor da obra ( o qual se dispensou a A. de alegar), mais não tendo dito que eram teor de factura passada pela própria A., sabendo-se ainda que a R., contrariamente ao alegado pela A., procedeu ao pagamento de pelo menos €257.500. 2. Inconformada, apelou a A., tendo a Relação julgado o recurso improcedente e confirmado inteiramente o sentido decisório da decisão recorrida – ou seja a dita absolvição da R. do pedido formulado. No que toca aos fundamentos de tal decisão, começou a Relação por abordar a questão da nulidade da sentença recorrida, considerando-a procedente, já que não teria sido proferida decisão expressa quanto aos factos não provados, enumerando-os e fundamentando, em termos bastantes, o decidido. No entanto, tal questão da nulidade da sentença foi considerada pelo acórdão recorrido inútil quanto à dirimição do recurso de apelação, afirmando-se: Como acima dissemos, a sentença padece de nulidade, por não ter sido proferida decisão expressa quanto aos factos não provados, enumerando-os e a consequente fundamentação dessa mesma decisão. O que, não sendo, em nosso entender, matéria em que este Tribunal pudesse substituir o Tribunal "a quo", nos termos do art.° 665° do NCPC, levaria que se revogasse a sentença, para que esse Tribunal, suprindo a nulidade, proferisse nova decisão, em que se pronunciasse sobre os factos não provados e expendesse a sua convicção para assim decidir. No entanto, atento ao que acima dissemos, sobre a deficiência insuprível dos articulados apresentados pela Autora, quanto aos fundamentos de facto da sua pretensão, essa solução seria uma inutilidade, a afastar por força do disposto no art.° 130° do NCPC. Pelo que, em face do exposto, somos levados a concluir que a presente acção tem, necessariamente, de naufragar por falta de alegação dos factos essenciais que fundamentam o peticionado. O que conduz à improcedência do presente recurso. A ratio decidendi da improcedência do recurso e da confirmação da absolvição da R. do pedido consistiu, pois, na deficiência insuprível da matéria de facto alegada pela A., insuficiente, pela ausência de densificação e concretização factuais, para preencher o núcleo essencial da causa de pedir invocada – deficiência esta que não foi suprida adequadamente pela parte, apesar de para tal lhe ter sido facultada a pertinente oportunidade processual, ao convidar-se o A. a aperfeiçoar o requerimento com que havia iniciado o procedimento de injunção; neste sentido, considera-se no acórdão recorrido: Como acima dissemos, perante uma manifesta deficiência dos articulados formulados pela Autora, quanto à alegação dos factos que fundamentam o seu pedido, que, como atrás dissemos, inexistem, uma vez que a Autora não alegou, nem um facto concretizador dos trabalhos e dos materiais que forneceu e aplicou na dita obra, limitando-se a alegar generalidades, afigura-se-nos excessivo, que o Sr. Juiz "a quo" devesse deitar mão dos factos apurados em audiência ao abrigo da alínea b), do n.°2, do art.° 5o do NCPC, tidos pela Apelante como "complemento ou concretização dos que alegou", porque subverteria completamente toda a estrutura lógica da acção declarativa e arredaria do elenco dos princípios processuais, o princípio do dispositivo. Na verdade, o dispositivo citado, tem como pressuposto que a parte tenha alegado os factos que fundamentam a sua pretensão, e que os apurados em audiência completem e concretizem os factos fundamento da acção. E não que a parte tenha alegado generalidades temáticas, por exemplo, "fiz uma obra para B e este não me pagou o valor da obra", e que as possa concretizar através da prova produzida, nomeadamente na audiência final, o que subverteria completamente o ónus da alegação dos fundamentos da pretensão da parte ao introduzir um pleito em juízo, por via da dedução dos factos principais da causa que estão subjacentes à pretensão por si deduzida (art.°s 147° e 552°, n.°l, d) do NCPC). O que nos leva a concluir que o Sr. Juiz "a quo" não estava obrigado a deitar mão do disposto na alínea b), do n.°2, do art.° 5o do NCPC, uma vez que a Autora não deduziu no devido tempo, os factos fundamento da sua pretensão. Implica isto – como se referiu no despacho liminar, proferido nos autos pelo relator da presente revista - que a improcedência da acção – decretada de forma inteiramente coincidente pelas instâncias - se mostra estribada, quer na sentença, quer no acórdão que julgou a apelação dela interposta, numa mesma fundamentação essencial: o incumprimento pelo A. do ónus de alegação tempestiva e adequada dos factos que integravam o núcleo essencial da causa de pedir em que se alicerçava a pretensão formulada, limitando-se a Relação a aditar a tal fundamentação essencial um argumento adjuvante e complementar, traduzido em ter por insuprível tal deficiência, imputável à parte, que não curou de aproveitar a oportunidade processual para aperfeiçoar a matéria que constava do requerimento de injunção, não se justificando sequer o uso do regime possibilitado pelo art. 5º, nº2, al.b) do CPC, já que a absoluta falta de densidade factual da matéria alegada impedia que os factos eventualmente apurados em audiência se pudessem sequer configurar como complementares ou concretizadores de um núcleo essencial da factualidade constitutiva, cuja alegação o A. totalmente omitira. 3. Inconformada com o acórdão proferido na Relação, interpôs a A. revista normal, encerrando a respectiva alegação com as conclusões de fls. 876 e segs. A recorrida suscitou a questão prévia da recorribilidade, por entender preenchido o obstáculo decorrente da existência de dupla conformidade das decisões proferidas pelas instâncias. 4. Distribuídos os autos no STJ, foi, pelo relator, proferido o seguinte despacho: Face às circunstâncias peculiares do caso dos autos, considera-se que: - há inteira coincidência, quanto ao sentido decisório, entre sentença e acórdão proferido pela Relação; - tal sentido decisório estriba-se numa fundamentação essencialmente idêntica , o que leva a ter por efectivamente preenchido o requisito da dupla conformidade, em termos de inibir o acesso ao STJ. Na verdade, pelas razões atrás apontadas, não se verifica no acórdão da Relação qualquer fundamentação essencialmente diferente que – ao abrigo do preceituado no nº 3 do art. 671º do CPC – permitisse afastar a verificação da dupla conformidade das decisões de mérito proferidas pelas instâncias, coincidentes quanto ao seu segmento decisório ; tal regime normativo (que sucedeu ao inicialmente editado pelo DL 303/07, estabelecendo a absoluta irrelevância da fundamentação para aferir da existência ou inexistência de dupla conforme) destina-se a permitir ao STJ sindicar, em revista normal, o decidido pela Relação nos casos em que – sendo coincidentes os segmentos decisórios da sentença apelada e do acórdão proferido na apelação – a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância. Como se afirma, por exemplo, na decisão de 28/4/14, proferida pelo STJ no P. de reclamação 473/10.3TBVRL.P1-A.S1: A alusão à natureza essencial ou substancial da diversidade da fundamentação determina que sejam desconsideradas para o efeito as discrepâncias marginais ou secundárias que não constituem um enquadramento jurídico alternativo. Veja-se ainda o Ac. de 18/9/14, proferido pelo STJ no P. 630/11.5TBCBR.C1.S1 Considerou, pois, o legislador, ao editar o actual CPC – perante a estrutural diferença no enquadramento jurídico do pleito que as instâncias haviam realizado e apesar de tal diferenciação não se repercutir no estrito conteúdo da decisão tomada – que essa diferença radical de fundamentação jurídica justificava ainda a reapreciação do caso pelo STJ, de modo a ficar esclarecido qual dos enquadramentos normativos em confronto, estruturalmente diversificados, deveria, afinal, prevalecer como base da solução definitiva do litígio. Nada disto ocorre no caso dos autos, já que a improcedência do pedido assentou, quer na sentença, quer no acórdão que julgou a apelação, numa fundamentação essencialmente idêntica: a insuprível insuficiência da matéria de facto alegada pela A. para suportar a pretensão formulada. Nestes termos e ao abrigo do disposto no art. 655º do CPC convido a recorrente a pronunciar-se, querendo, sobre a questão prévia da recorribilidade. 5. A recorrente respondeu à questão prévia da recorribilidade através do requerimento de fls. 915 e segs., sustentando que as decisões das instâncias em confronto se teriam estribado em fundamentações radicalmente diferentes, assentando o acórdão na inexistência de causa petendi, por total omissão da alegação dos factos que consubstanciassem minimamente os trabalhos concretamente realizados na obra e a especificação dos materiais nela incorporados, – ao passo que a sentença considerou que a acção devia improceder por manifesta insuficiência da matéria de facto alegada. Tal argumentação foi, porém, rejeitada pelo relator com os seguintes fundamentos: Não convence, porém, a argumentação da recorrente : é que que a norma constante do art. 671º, nº2, do CPC só permite a interposição de revista normal, no caso de dupla conformidade dos segmentos decisórios da sentença e do acórdão que julgou a apelação, quando tais decisões sejam suportadas, não por fundamentação diferente, mas por fundamentação essencialmente diferente: ora, como nos parece evidente, a exigência de que se trate de fundamentação essencialmente diferente não se basta com uma qualquer modificação ou alteração na fundamentação, no iter jurídico que suporta o acórdão proferido pela Relação – sendo indispensável, como atrás se referiu que ocorra uma diversidade estrutural ou radical, no plano da subsunção ou enquadramento normativo da matéria litigiosa, adoptada no acórdão proferido pela Relação. E, como atrás se referiu, consideramos que não existe efectivamente, na situação dos autos, tal diferença radical ou estrutural no que toca à fundamentação jurídica da solução adoptada para o pleito – o que implica que se não tenha por preenchido o requisito inovatoriamente formulado pela segunda parte do nº3 do art. 671º do CPC: na verdade, ambas as decisões se movem no plano da manifesta insuficiência no cumprimento do ónus de alegação a cargo do A., inviabilizando tal deficiência – traduzida na insuprível falta de densificação factual do núcleo essencial da causa petendi - a procedência da pretensão formulada. Nestes termos e ao abrigo do preceituado no art. 652º, nº1, al. b), conjugado com o art. 655º do CPC, não se conhece do objecto do recurso, por inverificação de um pressuposto de admissibilidade da revista. Custas pela recorrente. 6. Novamente inconformada, deduziu a recorrente reclamação para a conferência, reiterando a sua anterior posição de que – na concreta situação litigiosa – existiria uma diferença essencial ao nível da fundamentação jurídica das decisões, o que tornaria a revista admissível. Considera-se, porém, que se não se verifica no acórdão da Relação qualquer fundamentação essencialmente diferente que – ao abrigo do preceituado no nº 3 do art. 671º do CPC – permita afastar a verificação da dupla conformidade das decisões de mérito proferidas pelas instâncias, perfeitamente coincidentes quanto aos respectivos segmentos decisórios. Esta alteração do conceito de dupla conformidade, enquanto obstáculo ao normal acesso em via de recurso ao STJ, operada pelo actual CPC, obriga o intérprete e aplicador do direito– analisada a estruturação lógico argumentativa das decisões proferidas pelas instâncias, coincidentes nos respectivos segmentos decisórios - a distinguir as figuras da fundamentação diversa e da fundamentação essencialmente diferente: não é, na verdade, qualquer alteração, inovação ou modificação dos fundamentos jurídicos do acórdão recorrido relativamente aos seguidos na sentença apelada, qualquer nuance na argumentação jurídica assumida pela Relação para manter a decisão já tomada em 1ª instância, que justifica a quebra do efeito inibitório quanto à recorribilidade, decorrente do preenchimento da figura da dupla conforme. É necessário, na verdade, que estejamos confrontados com uma modificação qualificada ou essencial da fundamentação jurídica em que assenta, afinal, a manutenção do estrito segmento decisório – só aquela se revelando idónea e adequada para tornar admissível a revista normal. Note-se que este regime normativo (que sucedeu ao inicialmente editado pelo DL 303/07, estabelecendo a absoluta irrelevância da fundamentação para aferir da existência ou inexistência de dupla conforme) destina-se a permitir ao STJ sindicar, em revista normal, o decidido pela Relação nos casos em que – sendo coincidentes os segmentos decisórios da sentença apelada e do acórdão proferido na apelação – a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância. Ora, pelas razões apontadas na decisão reclamada – que inteiramente se confirma – não ocorre manifestamente, no caso dos autos, a referida alteração estrutural ou essencial de fundamentação, movendo-se o acórdão da Relação no âmbito das mesmas razões fundamentais de direito adjectivo que já haviam ditado a sucumbência em 1ª instância da ora reclamante: o inadequado cumprimento do ónus de alegação da matéria de facto que sobre si recaía.
Nestes termos e pelos fundamentos apontados, indefere-se a presente reclamação, confirmando inteiramente o despacho reclamado de não conhecimento do objecto da revista. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.. Lopes do Rego (Relator) Orlando Afonso Távora Victor |