Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A2736
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: AFONSO CORREIA
Descritores: DIVÓRCIO LITIGIOSO
DEVERES CONJUGAIS
CULPA
ÓNUS DA ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
CONSTITUCIONALIDADE
SEPARAÇÃO DE FACTO
ALTERAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR
QUESTÃO NOVA
Nº do Documento: SJ200610100027366
Data do Acordão: 10/10/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - A violação dos deveres conjugais só é causa de divórcio se for culposa, pertencendo ao cônjuge autor alegar e provar a culpa do cônjuge requerido nas acções de divórcio ou de separação de pessoas e bens com fundamento em violação dos deveres conjugais - arts. 1779.º, n.º 1, e 342.º, n.º 1, do CC.
II - Não se verifica uma situação de anormal dificuldade por parte do cônjuge autor - ou facilidade da parte do cônjuge réu - em efectuar a prova da culpa - que torne inconstitucional, por arbitrária ou desproporcionada, a solução normativa que opte por onerar o cônjuge autor com o ónus da prova da culpa do cônjuge réu.
III - As visitas do X à mulher do A., na loja que esta explora, e a sua ida à casa do casal, em dia indeterminado de 2003, quando lá se encontrava a mulher do A. e um carpinteiro, apesar de entre aquela e o X não haver qualquer relacionamento profissional, não são bastantes para, à luz das regras da experiência, alicerçar, com a necessária segurança, a condenação da Ré por adultério. Condenação judicial que é o que aqui se trata, não de julgamento à mesa do café da localidade.
IV - O mesmo se diz no tocante ao recurso da ré/reconvinte enquanto assente na violação dos deveres de respeito, fidelidade e coabitação: os factos apurados - chegar frequentemente a casa depois da meia
noite, quando mulher e filha estavam já deitadas, frequência de casas de alterne, separação de quartos e cessação de tomada de refeições ne conjunto - são, na sua materialidade, insuficientes para julgar verificada violação culposa e relevante daqueles deveres, como exigido pelo n.º 1 do art. 1779.º do CC.
V - Não tendo as partes invocado como causa de pedir, a separação de facto por um ano se o divórcio for requerido por um dos cônjuges sem oposição do outro, nem de início nem em articulado superveniente,
e não tendo ocorrido modificação da causa de pedir ab initio invocada - violação culposa, grave e reiterada, dos deveres de respeito, fidelidade e coabitação - para estroutra causa de pedir objectiva, integrante do divórcio-remédio, não pode este STJ julgar verificado este fundamento de
divórcio agora invocado pela ré.
VI - Não se trata de qualificar diversamente um mesmo facto, antes e oportunamente invocado, mas sim de submeter à apreciação do Tribunal Supremo questão jamais posta aos Tribunais recorridos, questão nova, pois, e que não é de conhecimento oficioso. *

* Sumário elaborado pelo Relator.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



"AA" instaurou, em 22.9.2004, pelo Tribunal de Mogadouro, acção especial de divórcio litigioso, contra sua mulher BB, requerendo se decrete o divórcio entre ambos, com declaração da requerida mulher como única e exclusiva culpada.

Para o efeito - em síntese - alegou factos tendentes a demonstrar que a requerida violou, culposa e gravemente, de forma a comprometer a possibilidade da vida em comum, os deveres conjugais de respeito e fidelidade.

Assim - e concretamente - alegou que ele e a requerida contraíram matrimónio, em 10 de Dezembro de 1975.
Mas desde há, pelo menos, dois anos a esta parte, a ré tem mantido uma relação extraconjugal, de índole sexual, com CC, com frequentes encontros amorosos, quer na loja explorada pela ré, na Endereço-A, quer na residência do autor e ré situada no andar superior da mesma, quer em outros locais desconhecidos do autor.
O mencionado CC visitava e visita a ré diariamente na loja desta, as mais das vezes próximo da hora de encerramento da loja, por lá se mantendo durante horas após o fecho das portas.
Sem que qualquer razão profissional ou de outra ordem, que não a relação amorosa, com a ré existam que justifiquem ou justificassem tais repetidos e constantes encontros.
Encontros que se mantinham e prolongavam durante a noite, nas ausências do autor, sendo frequente e de muitos conhecido que a viatura do mencionado indivíduo se mantinha nas imediações da casa do autor, durante largos períodos da noite.
Não residindo o CC nas imediações, nem havendo quaisquer razões profissionais que justificassem tais permanências nocturnas, excepto os encontros amorosos com a mulher do autor.
O Sr. L., carpinteiro, que se encontrava em casa do autor, a reparar o fecho de uma porta, em Março de 2003, muito se surpreendeu quando, pelas 21 horas e 30 minutos, estando a ré sozinha, verificou que o tal CC tinha entrado na casa e com todo o à vontade se tinha instalado no sofá e lá ficou, quando o carpinteiro saiu.
Em Outubro de 2003, o autor viu a mesma pessoa a sair da sua casa.
Em virtude de tais factos, o autor recebeu escabrosas mensagens, v.g., em 14 de Novembro de 2002, às 16 horas e 55 minutos: "AA, abre os olhos, ou a TAP ainda te comunica que estás a prejudicar o tráfego aéreo por causa dos teus cornos postos pela tua mulher" e, em 18 de Novembro de 2002, às 17 horas e 50 minutos - "A sociedade que tens é prejudicial para ti! É que quando viras as costas, a tua mulher mete-se debaixo do teu sócio, Não te sentes pesado com tamanhos cornos?".
O autor tentou estabelecer diálogo com a ré sobre tais factos, nada mais obtendo do que a recusa de diálogo e o terminar das conversas com múltiplos e repetidos insultos, entre os quais "bandido", "assassino", "vigarista" e "filho da puta".
A ré continuou com o seu comportamento adulteroso, pelo que passaram a dormir em quartos separados, situação que se mantém há já mais de dois anos, sem que estabeleçam qualquer contacto íntimo, não discutindo as questões relativas ao casal, nem realizando as refeições em conjunto.

Frustrada a tentativa de conciliação e para tanto notificada, a Ré contestou, impugnando parcialmente os factos alegados pelo autor e alegando outros, integrantes de violação culposa dos deveres de fidelidade, coabitação, assistência e respeito, de forma a comprometer a possibilidade da vida em comum, com base em que deduziu reconvenção, pedindo se decrete o divórcio e se declare o autor-reconvindo único culpado.

Alegou que no início do mês de Setembro de 2004, o autor abandonou o lar conjugal, só aí se deslocando para recolher correspondência e alguns objectos de uso pessoal, e nunca mais contribuiu com qualquer quantia para fazer face às despesas domésticas e familiares.
Mais alegou que no ano de 2004, o autor começou a chegar frequentemente a casa de madrugada, tendo a ré-reconvinte sido informada de que o autor era cliente habitual de casas de alterne em Bragança e que era visto a passear pela cidade de Bragança na companhia de outras mulheres.

A réplica nada trouxe de novo.

Saneado e condensado o processo, sem reparos, procedeu-se a julgamento com gravação da prova e decisão da matéria de facto controvertida após o que foi proferida sentença que julgou improcedentes tanto a acção como a reconvenção. Entendeu o Ex.mo Juiz que os factos assentes não tinham, dado o seu contexto, o significado do desrespeito, da infidelidade ou da falta de coabitação, cooperação ou assistência pressupostos pela lei como fundamento do divórcio.

Inconformados apelaram Ré e Autor:
ela a defender que os factos provados demonstram, sem margem para qualquer dúvida, que o Recorrido violou os deveres de coabitação, respeito e fidelidade;

ele a pretender que não devem ser considerados como factos provados que o recorrente chegasse a casa em 2004 frequentemente depois da meia-noite, ou que frequentasse casas de alterne, por tal não ter sido objecto de qualquer prova; ao contrário,

devem ser considerados factos como provados os revelados por testemunhas que o tribunal considerou credíveis, que foram de conhecimento pessoal e se demonstram relevantes para a apreciação da causa, como os que se relacionam com a frequência diária e pluridária (sic) da casa e loja da Ré por terceiro, as conversas à boca cheia nos cafés da Vila comentando o comportamento infiel da Ré, a familiaridade e grau de avanço do relacionamento demonstrado pelo uso da viatura deste pelo seu apaixonado na sua rua de residência a altas horas da noite, da paixão pela Ré confessada pelo próprio apaixonado, àquela que ambos usavam para justificar os seus encontros, em momento que se entendeu como de grande seriedade.

De tais factos resulta inequivocamente que a Ré violou os deveres de respeito e de fidelidade consignados no art. 1762° do Código Civil;
Que pela sua gravidade e reiteração tais comportamentos da Ré compro-meteram a possibilidade de vida comum do casal, constituindo fundamento de divórcio com culpa exclusiva da Ré.

A Relação do Porto rejeitou o recurso sobre a matéria de facto que manteve inalterada e confirmou inteiramente a decisão recorrida.

Ainda irresignados, pedem revista A. e Ré: ele a insistir no dever de reapreciação, pela Relação, da decisão sobre a matéria de facto demonstrativa da violação, pela Ré, dos deveres de respeito e fidelidade; a Ré a defender que os factos provados demonstram, sem qualquer dúvida, que o A. marido violou os deveres de coabitação, respeito e fidelidade.
Como se vê da respectiva alegação coroada com estas conclusões:

A - do Autor:

I - Constitui suficiente cumprimento do disposto no artigo 690-A n° 1 do C.P.C. a indicação, pelo seu número, de qual o facto dado como erradamente estabelecido, transcrevendo-o, aduzindo as razões pelas quais deveria ser outra a conclusão, identificando quais os documentos que se invocam e as gravações dos depoimentos, identificando a identificação do testemunho, e ainda a sua transcrição.

II - Cumpridos os requisitos estabelecidos no artigo 690-A do CPC e tal sendo requerido, é vinculativa para o Tribunal da Relação a reapreciação da prova produzida.

III - E em consequência deviam ter sido considerados provados os factos revelados por testemunhas que o tribunal considerou credíveis, que foram de conhecimento pessoal e se demonstram relevantes para a apreciação da causa, como os que se relacionam com a frequência diária e pluridária da casa e loja da Ré por terceiro. Mantendo com este uma familiaridade e avançado grau do relacionamento.

IV - Quer pelo que foi dado como provado, quer pelo que demais foi conhecido do tribunal e deveria ter sido considerado como provado resulta que a Ré manteve durante anos um relacionamento amoroso com terceiro, de todos na Local-B conhecido, comentado nos cafés e entre vizinhos, durante anos, e pelo menos desde 2002 e até ao presente, sempre na ausência do marido.
V - A tal ponto que este a relação íntima do casal se revelou impossível, porque nenhum marido é obrigado a partilhar sexualmente a sua mulher com terceiro.
VI - E de tais factos resulta inequivocamente que a Ré violou os deveres de respeito e de fidelidade, consignados no art. 1762° do C.C.

VII - Que pela gravidade e reiteração de tais comportamentos da Ré comprometeram a possibilidade de vida comum do casal.

VIII - Constituindo fundamento de divórcio com culpa exclusiva da Ré.

Afirmando violadas as disposições dos art. 1762.º do CC e 690.º-A do CPC, pede o A. se decrete o divórcio com culpa exclusiva da Ré.

B - da Ré:

1 - Os factos provados demonstram, sem que subsista margem para qualquer dúvida, que o recorrido violou os deveres de coabitação, respeito e fidelidade.

2 - Porém, o douto acórdão recorrido faz uma interpretação - em sede de prova - do artigo 1779° do CC, que salvo o devido respeito que é muito, não acolhe correspondência na letra da lei.

3 - Cumpre salientar também, que a separação de facto por mais de um ano adquire uma relevância objectiva nos termos da alínea b) do artigo 1781° do CC, que deve ser apreciada.

4 - Recorrendo à figura do bónus pater familias, temos de concluir que a conduta do recorrido violou, manifestamente, a integridade moral da ora recorrente, constituindo uma violação dos deveres de respeito e fidelidade.

5 - O douto acórdão recorrido violou os artigos 1672°, 1779°, ambos do C.C e a alínea b) do artigo 1781°, também do CC.

Colhidos os vistos de lei e nada obstando, cumpre decidir a questão submetidas à nossa apreciação, a de saber se os factos apurados constituem fundamento para ser decretado o divórcio de A. e Ré, com culpa de qualquer deles.
Mas antes de entrar na apreciação dos factos é indispensável averiguar se a Relação agiu de acordo com a lei quando rejeitou o recurso da decisão sobre a matéria de facto por, como concluiu, não ter o A./Apelante procedido nos termos constantes do art. 690.º-A, n.º 1, b) e n.º 2, este na redacção do DL. 183/2000, de 10.8. É que só podemos apreciar os factos tidos por assentes pela Relação se o processo que a tal conduziu tiver corrido de acordo com a lei.

Como acima se viu e resulta das conclusões 1 e 2 da apelação (fs. 159 e 167/168), o A. atacou a decisão de facto tanto porque o Tribunal de Mogadouro julgou provados os factos 10.º e 11.º [não devem ser considerados como factos provados que o recorrente chegasse a casa em 2004 frequentemente depois da meia-noite, ou que frequentasse casas de alterne, por tal não ter sido objecto de qualquer prova], como porque não considerou provados os revelados por testemunhas que o tribunal considerou credíveis, que foram de conhecimento pessoal e se demonstram relevantes para a apreciação da causa, como os que se relacionam com a frequência diária e pluridária da casa e loja da Ré por terceiro, as conversas à boca cheia nos cafés da Vila comentando o comportamento infiel da Ré, a familiaridade e grau de avanço do relacionamento demonstrado pelo uso da viatura deste pelo seu apaixonado na sua rua de residência a altas horas da noite, da paixão pela Ré confessada pelo próprio apaixonado, àquela que ambos usavam para justificar os seus encontros, em momento que se entendeu como de grande seriedade.

Decidindo esta questão disse a Relação do Porto:

«A acção foi intentada, em 22 de Setembro de 2004, e os depoimentos produzidos em audiência foram gravados a solicitação das partes.
Sobre a matéria rege o art. 690º-A do Código de Processo Civil sendo de particular relevo considerar a alteração que o DL.183/2000, de 10 de Agosto introduziu aos nºs 2 e 3 daquele normativo, assim, desde o início de vigência de tal diploma, em 1.1.2001, (aplicável ao processo em causa) a parte discordante do julgamento da matéria de facto não tem que proceder à transcrição dos depoimentos que pretende ver reapreciados, mas antes e sob pena de rejeição de recurso, indicar, no caso, os depoimentos - "os concretos meios probatórios", em que se funda tal discordância, por referência ao assinalado na acta, nos termos do nº 2 do art. 522º-C do Código de Processo Civil e indicar, ainda, quais os "concretos pontos de facto" que pretende ver alterados.

Ora, o Autor omitiu totalmente este procedimento, apresentando a transcrição dos depoimentos que pretende ver reapreciados, transcrição que lemos e que muito do que encerra se revela ininteligível (curiosamente nela se lê que o Senhor Juiz deferiu o juramento à testemunha DD, filha do casal, perguntando-lhe (fls.185) se jurava pela sua saúde dizer a verdade!!!).

Mas, mesmo que fosse de reapreciar os depoimentos questionados, com base na transcrição, nem assim o Réu procedeu em conformidade com o citado normativo na redacção anteriormente vigente, já que, pretendendo ver alteradas as respostas aos quesitos que deram origem aos factos provados nºs 10 e 11, só relativamente a eles indicou os depoimentos com base nos quais as respostas deveriam ser alteradas.

A fls. 163, indica, é certo, outros factos que no seu entender deveriam ter sido considerados provados, mas não indica quais os quesitos a que se reportam - cfr. a propósito da generalidade com que o recorrente pretende a alteração da matéria de facto o teor da conclusões 2ª e 3ª, mormente, quando naquela se afirma que "devem ser considerados factos como provados os revelados por testemunhas que o tribunal considerou credíveis...".

Assim, não tendo o Autor/apelante procedido nos termos constantes do art. 690º-A, n.º 1, b) e nº 2, este na redacção do DL. 183/2000, de 10.8, o recurso sobre a matéria de facto tem de ser, como é rejeitado, permanecendo inalterada a base factual com que a instância recorrida operou para sentenciar».

Nos termos do artigo 690º-A do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1º do Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto, em vigor desde o dia 1 de Janeiro de 2001 e aqui aplicável,

1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 522º-C.
3 -....
4 -...
5 - Nos casos referidos nos ns. 2 a 4, o tribunal de recurso procederá à audição ou visualização dos depoimentos indicados pelas partes, excepto se o juiz relator considerar necessária a sua transcrição, a qual será realizada por entidades externas para tanto contratadas pelo tribunal.

Relendo a alegação da apelação, a fs. 154 e ss, forçoso é concluir que o Apelante não especificou os concretos pontos de facto que considerava incorrectamente julgados nem os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; Sendo certo, por outro lado, que por os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas terem sido gravados, incumbia ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522º-C do CPC.

Em vez de cumprir o assim claramente definido na lei, o Recorrente juntou 26 páginas de alegada transcrição das cassetes gravadas na audiência de julgamento, mas sem qualquer das especificações impostas pelas al. a) e b) do n.º 1 ou indicação prevista no n.º 2 do art. 690.º-A do CPC. O que devia ter feito, sob pena de rejeição do recurso.
Ma se assim é em relação às respostas restritivas dadas aos quesitos 18.º e 19.º - que deram origem aos factos 10.º e 11.º - mais de desatender é a pretensão do Apelante de ver provados factos não alegados ou quesitados, as conversas à boca cheia nos cafés da Vila e mais generalidades vertidas na conclusão 2ª.
Termos em que se desatende o concluído de I a III do recurso do A.

Do assim decidido resulta estarem assentes e serem atendíveis para decisão os seguintes
Factos:

1.º - EE e BB contraíram casamento, sem convenção antenupcial, em 10 de Dezembro de 1975 - (alínea A da matéria assente).

2.º - Por vezes, um tal CC visitava a ré na loja desta - (resposta ao quesito 4.º).

3º - A ré não tem com essa pessoa (o CC) qualquer relacionamento profissional - (resposta ao quesito 6.º).

4º - Em dia não concretamente apurado do ano de 2003, o carpinteiro, encontrando-se em casa do autor, viu o referido CC entrar - (resposta ao quesito 8.º).

5º - Encontra-se juntas a fls. 52 dos presentes autos a transcrição das mensagens escritas no telemóvel do autor com o teor dos artigos 20º e 21º da petição inicial [em 14 de Novembro de 2002, às 16 horas e 55 minutos, "AA, abre os olhos, ou a TAP ainda te comunica que estás a prejudicar o tráfego aéreo por causa dos teus cornos postos pela tua mulher"; e, em 18 de Novembro de 2002, às 17 horas e 50 minutos, "A sociedade que tens é prejudicial para ti! É que quando viras as costas, a tua mulher mete-se debaixo do teu sócio, Não te sentes pesado com tamanhos cornos?"] - (resposta ao quesito 10.º).

6º - Desde os finais do ano de 2002, o autor e a ré passaram a dormir em quartos separados - (resposta ao quesito 12.º).

7º - Sem que, desde essa altura, estabeleçam quaisquer contactos íntimos - (resposta ao quesito 13.º).

8º - A partir de então, também não realizaram as refeições em conjunto - (resposta ao quesito 14.º).

9º - Desde Setembro ou Outubro de 2004, o autor deixou de habitar na casa de morada da família - (resposta ao quesito 15.º).

10º - No ano de 2004, o autor chegava frequentemente a casa depois da meia-noite, quando a autora mulher e a filha já se encontravam deitadas - (resposta ao quesito 18.º).

11º - No ano de 2004, o autor frequentou casas de alterne em Bragança - (resposta ao quesito 19.º).

Sendo estes os factos, analisando o aplicável

Direito

Entrando na apreciação dos recursos, disse a Relação:

«Nos termos do art. 1779º do Código Civil:

"1. Qualquer dos cônjuges pode requerer o divórcio se o outro violar culposamente os deveres conjugais, quando a violação, pela sua gravidade ou reiteração, comprometa a possibilidade da vida em comum.
2. Na apreciação da gravidade dos factos invocados, deve o tribunal tomar em conta, nomeadamente, a culpa que possa ser imputada ao requerente e o grau de educação e sensibilidade moral dos cônjuges".

O casamento implica para os cônjuges a observância de vários deveres conjugais: o de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência - como decorre do art.1672º do Código Civil.

A violação culposa de algum destes deveres, desde que reiterada e determinante da impossibilidade de vida em comum, constitui fundamento para o divórcio - citados arts. 1672º e 1779º do Código Civil.

"No âmbito e para os efeitos do n.º 1 do artigo 1779º do Código Civil, o autor tem o ónus da prova de culpa do cônjuge infractor do dever conjugal de coabitação."- Assento do STJ, 5/94, de 26.1, in Diário da República de 24 de Março, n.º 70, Série I-A, págs. 1467 a 1473, agora valendo como Acórdão Uniformizador de Jurisprudência.

"I - Na acção de divórcio litigioso, ao cônjuge autor compete alegar e provar, não apenas a objectividade da violação do dever conjugal, mas também os factos tendentes a demonstrar a culpa do cônjuge ofensor e a gravidade da violação cometida ou a reiteração das faltas, por forma a poder-se concluir que a vida em comum, entre os cônjuges, se acha comprometida em consequência da violação ou violações praticadas.
II - Não basta a existência de uma qualquer conduta faltosa do cônjuge ofensor, em relação aos deveres conjugais, sendo antes preciso que se trate de uma falta grave, não só objectivamente (em face dos padrões médios de valoração das condutas dos cônjuges em geral), mas também subjectivamente (em face da sensibilidade moral do cônjuge ofendido e da actuação deste no processo causal da violação)". - Ac. do STJ, de 27.5.1999, in CJSTJ, 1999, II, 120.

Para que se possa considerar violado o dever de coabitação é necessário que o Autor da acção de divórcio prove que a saída do domicílio conjugal não teve a fundamentá-la qualquer comportamento do outro cônjuge, causador do abandono, e que o cônjuge que saiu o fez querendo cindir, definitivamente, os laços matrimoniais.

Tendo a saída do Réu sido feita com propósito de pôr termo à vida conjugal é despiciendo indagar acerca da reiteração, uma vez que um único e definitivo acto evidencia a vontade de não reatar o dever de coabitação.

No que respeita à pretensão da Ré importa, à luz dos factos, saber se se pode concluir que o Autor seu marido violou os deveres de coabitação, respeito e fidelidade.

Com a alegada violação de tais deveres terão atinência os seguintes factos:

Desde os finais do ano de 2002, o autor e a ré passaram a dormir em quartos separados.
Sem que, desde essa altura, estabeleçam quaisquer contactos íntimos.
A partir de então, também não realizaram as refeições em conjunto.
Desde Setembro ou Outubro de 2004, o autor deixou de habitar na casa de morada da família.
No ano de 2004, o autor chegava frequentemente a casa, depois da meia-noite, quando a autora mulher e a filha já se encontravam deitadas.
No ano de 2004, o autor frequentou casas de alterne em Bragança.

No que concerne ao dever coabitação é certo que o Autor, desde Setembro ou Outubro de 2004, deixou de habitar na casa de morada de família.

Os cônjuges estão obrigados ao dever de coabitação. Como vimos, nos termos do AUJ antes citado, sobre o cônjuge que acusa o outro da violação de tal dever incumbe o ónus da prova de actuação culposa.

Ora competia à Ré/reconvinte fazer a prova dos motivos que levaram o Autor a cessar a coabitação naquela data.

Ademais, o facto de antes dormirem em quatros separados, na mesma casa e sem estabelecerem contactos íntimos, aparece como antecâmara da cessação da coabitação, deixando entrever grave crise conjugal, mas sem que se vislumbre de forma nítida o porquê da cessação do trato carnal e da coabitação.

A mera constatação da violação dos deveres conjugais, só por si, não equivale à ruptura conjugal que justifique a dissolução do casamento, já que a lei exige não só que o cônjuge infractor actue com culpa, como também que a violação dos deveres conjugais, pela sua gravidade e reiteração, comprometa a possibilidade da vida em comum - cfr. Ac. do STJ, de 17.6.1986, in BMJ 358-544.

De notar que, no caso em apreço, o Autor alegou que abandonou o lar conjugal pelo facto de a Ré sua mulher ter violado o dever de fidelidade, violação que o Tribunal recorrido considerou inexistir e que o Réu pretendia provar com a requerida alteração da matéria de facto.

Afastamos, assim, a violação de tal dever.

Quanto à violação do dever de respeito.

Como se sentenciou no Ac. do STJ, de 17.12.1985, in BMJ 352-370:

"O dever (conjugal) de respeito poderá definir-se como o dever que recai sobre cada um dos cônjuges de não praticar actos que ofendam a integridade física ou moral do outro, entre os quais se incluem, obviamente, os que atinjam na sua honra ou bom nome; é o que acontece, nomeadamente, quando esses actos, afectando-o no seu próprio bom nome e consideração, se reflectem no bom nome, respeitabilidade e consideração social do outro cônjuge, atingindo, assim, a "honra solidária" do casal...".

No caso dos autos a Ré não imputa ao marido qualquer comportamento que, fisicamente, viole de forma ostensiva o dever de respeito, como seria o caso, de modo mais evidente e comum, da existência de ofensas físicas.
Mas poderá considerar-se que a provada frequência pelo Réu, no ano de 2004, de casas de alterne em Bragança (a crer nos relatos não muito longínquos da imprensa, nessa cidade proliferava tal tipo de casas, facto que deu brado na imprensa internacional e nacional e despoletou o controverso Socionimo-A") viola a integridade moral da sua mulher?

Nada se tendo provado acerca da sensibilidade, educação e modo de vida dos cônjuges, e sendo abusiva, a nosso ver, a ilação retirada pela apelante, nas suas alegações, de que a frequência de tais casas equivale a ter-se como provado que os que as procuram mantêm relações de sexo com as profissionais do "alterne", não se pode considerar que esse comportamento do Autor - não provada que está qualquer violação do dever de fidelidade - mormente, com prática de adultério, ou de ofensa grave daquele dever, se pode considerar violado o dever de respeito.

Também, pelos mesmos motivos, se não pode considerar violado o dever de fidelidade.

Esclareça-se que este dever não é apenas violado quando se comete adultério, mas também quando existe infidelidade moral, ou seja, quando um dos cônjuges, pelo seu comportamento sentimental com outra pessoa, seja de outro sexo ou não, atenta contra os padrões de educação, sensibilidade e decência do seu cônjuge.

Ora, no caso dos autos nada se provou sobre a infidelidade física ou moral do Autor, de modo algum se podendo considerar que o chegar tarde a casa tarde, sem que se tivessem apurado os motivos desse comportamento, exprima violação de tal dever.

Pelo quanto dissemos não se pode concluir, ante a factualidade com que lidámos, que o Autor tenha violado os deveres conjugais de coabitação, respeito e fidelidade, não só porque os comportamentos eventualmente passíveis de subsunção a tais conceitos não se provaram, como também seria necessária a prova que a relevarem os provados, comprometiam pela sua gravidade e reiteração a possibilidade de vida em comum, que poderá estar comprometida, mas sem que o Tribunal almejasse prova concludente da motivação dos comportamentos dos cônjuges.
....
Improcede, assim, o recurso da Ré.

Do recurso do Autor:

Considera o Autor que a Ré sua mulher violou os deveres conjugais de respeito e de fidelidade.

Valem aqui as considerações que antes foram feitas acerca daqueles deveres. No caso dos autos os factos relevantes são:

"Por vezes, um tal CC visitava a ré na loja desta.
A ré não tem com essa pessoa qualquer relacionamento profissional.
Em dia não concretamente apurado do ano de 2003, o carpinteiro, encontrando-se em casa da Ré, viu o referido CC entrar".

Estes factos, se socialmente podem ter interpretação questionável, mormente, o do tal CC ter sido visto pelo carpinteiro na casa do casal não exprimem, sem mais, violação dos deveres de respeito e fidelidade, já que não se provou a existência de quaisquer actos que pudessem exprimir violação do dever de fidelidade, tanto mais que não se provaram os factos alegados pelo Autor - nos quesitos 5º e 7º - ou seja, que a sua mulher tinha com o tal CC uma relação de índole sexual e que nas ausências do Autor essa pessoa visitava a Ré durante largos períodos da noite.

A motivação da ida do CC, por vezes, à loja da Ré, no contexto dos factos provados, é anódina não significando violação do dever de respeito ou de fidelidade.

Esta alegação do Autor, prende-se com o seu pedido de reapreciação da matéria de facto que, não logrando êxito, não implica aditamento aos factos provados de outros que o Autor pretendia que o tivessem sido e que poderiam, eventualmente, exprimir violação de deveres conjugais.

Pelo quanto dissemos improcede, também, o recurso do Autor.»

Fazendo nossos estes fundamentos de facto e de direito, bem podíamos confirmar o decidido nos termos do n.º 5 do art. 713.º e 726.º do CPC, sem prejuízo do que na apreciação do recurso da Ré/Reconvinte se dirá no tocante à (só agora) invocada separação de facto por mais de um ano.
Acrescentaremos, porém, algumas considerações com vista à confirmação do acerto do julgado.

Como ficou dito, os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência - art. 1672º CC.
A violação culposa, grave e reiterada dos deveres conjugais por um dos cônjuges, por forma a comprometer a possibilidade da vida em comum, dá ao outro o direito de requerer o divórcio - art. 1779º, nº 1 do CC.

Na apreciação da gravidade dos factos invocados deve o Tribunal tomar em conta, nomeadamente, a culpa que possa ser imputada ao requerente e o grau de educação e sensibilidade moral dos cônjuges - nº 2 do art. 1779º CC .

Nos termos do art. 1787º do CC, se houver culpa de um ou de ambos os cônjuges, assim o declarará a sentença; sendo a culpa de um dos cônjuges consideravelmente superior à do outro, a sentença deve declarar ainda qual deles é o principal culpado - n.º 1 - ainda que não tenha havido reconvenção e já haja, relativamente aos factos alegados, caducado o direito ao divórcio pelo decurso do respectivo prazo - n.º 2.

Esta imposição legal existe mesmo nos casos de divórcio com fundamento em separação de facto - 1782º, n.º 1 - ou ausência - 1783º CC - tanto mais que a declaração do cônjuge culpado tem importantes efeitos na partilha dos bens (art. 1790º), na eficácia das liberalidades a favor dos cônjuges (art. 1791º), na ressarcibilidade dos danos não patrimoniais (art. 1792º) e no direito a alimentos (art. 2016º).

«Sempre que haja culpa de um ou de ambos os cônjuges quanto aos factos concretos que servem de causa ao divórcio, o juiz deve declarar o culpado ou culpados da dissolução (cfr. arts. 1787º, 1782º, 2 e 1783º).
Sendo ambos os cônjuges culpados, como frequentes vezes sucede, se houver uma diferença apreciável no grau de culpa de um e outro, segundo os padrões de valoração moral subjacentes à nossa ordem jurídica, o juiz deve indicar o principal culpado.
A indicação de principal culpado (art. 1787º), tal como a de único culpado (arts. 1790º; 1791º e 1792º), pode ter consequências patrimoniais muito sérias. E, por isso, se compreende a determinação da lei no sentido de só se distinguir entre o principal culpado e o cônjuge menos culpado, quando o grau de reprovabilidade da conduta de um deles seja notoriamente maior do que o da censurabilidade do comportamento do outro.
O critério de valoração que deve ser adoptado para o efeito não é o de qualquer corrente especial de pensamento ou seita religiosa que censure de modo especial determinados tipos de faltas cívicas ou de infracções conjugais. Nem para o efeito pode contar o critério do julgador, com a sua aversão por certas formas associais ou anti-sociais de conduta.
O que releva, segundo o padrão de relativa uniformidade que não pode deixar de estar presente no critério igualitário da lei, é o padrão comum de valores geralmente aceite (geralmente aceite, expressão que não é sinónima de geralmente aplicado) na comunidade nacional, na época em que a questão é apreciada.
Nessa determinação (carregada de sentido) do principal culpado, quando obviamente haja faltas de parte a parte, importa naturalmente estar atento à data de cada uma das faltas comprovadamente praticadas por um e outro. Só assim será muitas vezes possível determinar quem deu culposamente causa ao processo de deterioração e, muitas vezes, de aviltamento da relação matrimonial.
Não é, aliás, a prioridade cronológica das faltas cometidas o único factor atendível na determinação do grau relativo de culpa dos cônjuges.
Pode um dos cônjuges ter prevaricado em primeiro lugar, mas a falta praticada a seguir pelo cônjuge agravado, como reacção contra o seu consorte, ser de tal modo desproporcionada, que o grau de culpa dos desavindos se inverta por completo.
Há, por isso, que dosear sempre, atenta e criteriosamente, o elemento da prioridade cronológica das faltas, de incontestável relevo para a fixação de culpa no processo causal conducente à ruptura conjugal, com o factor de gravidade relativa da conduta dos desavindos, que pode ter uma importância decisiva para o comportamento definitivo da reconciliação dos cônjuges.
... a determinação da culpa de que trata o art. 1787º é mais um conceito relativo, assente no comportamento recíproco dos cônjuges, do que um juízo de referência individual ou isolado. O que fundamentalmente se pretende saber, por outras palavras, não é se o marido é culpado ou a mulher é culpada, mas sim se um ou outro é o único ou é o principal culpado».

«A sentença ... deve declarar ainda se houve culpa de um ou de ambos os cônjuges e, neste caso, qual é o principal culpado se a culpa de um for consideravelmente superior à do outro (art. 1787º). Como bem se compreende, dados os importantes efeitos que decorrem da declaração do cônjuge culpado (cfr. arts. 1790º, 1791º, 1792º, 2016º, etc.), o juiz só deve declarar um dos cônjuges "principal culpado" quando os pratos da balança em que pesa as culpas dos cônjuges ficarem manifestamente desequilibrados. É a ideia que o advérbio "consideravelmente" pretende exprimir. Se a culpa de um dos cônjuges for apenas um pouco superior à do outro, deve declarar que as culpas dos dois são iguais» .

Da celebração do casamento decorrem, como efeitos, para os cônjuges, os deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência estabelecidos no artº. 1672º do C. Civil.
O conteúdo de tais deveres pode enunciar-se da seguinte forma:
O dever de respeito corresponde à obrigação de cada um dos cônjuges respeitar os direitos individuais do outro, os direitos conjugais que a lei lhe atribui e os seus interesses legítimos, desde logo a sua integridade física e moral - cf. Abel Pereira Delgado, Divórcio, pág. 48.
O dever de fidelidade corresponde não só à exclusividade de relações de sexo entre os cônjuges mas tem por objecto a dedicação exclusiva e sincera de cada cônjuge ao outro - cf. Antunes Varela, Família, 2ª ed., 1987, pág. 328.
O dever de coabitação compreende a obrigação dos cônjuges viverem em comum, sob o mesmo tecto e, sobretudo o chamado débito conjugal (relações sexuais) - cf. Abel P. Delgado, in ob. cit., págs. 43 e 44 e Antunes Varela, in ob. cit., pág. 331.
O dever de cooperação importa a obrigação de socorro e auxílio mútuos e a de assumirem em conjunto as responsabilidades inerentes á vida da família que fundaram - cf. artº. 1674º do C. Civil.
O dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar - cf. artº. 1675º nº 1 do C. Civil.
A violação culposa dos deveres enunciados quando realizada com gravidade ou reiteração tal que comprometa a possibilidade de vida em comum permite ao cônjuge ofendido requerer o divórcio - artº. 1779º do C. Civil.
E na apreciação da gravidade dos factos invocados estabelece o n.º 2 do citado artº. 1779º que se tome em consideração a culpa que possa ser imputada ao requerente e o grau de educação e sensibilidade moral dos cônjuges.

«O dever de respeito, que o art. 1672.° enuncia em primeiro lugar, foi introduzido no Código Civil pela Reforma de 1977. Trata-se, naturalmente, de um dever residual. Claro que o adultério, o abandono da residência da família, a falta de contribuição para os encargos da vida familiar também são faltas de respeito, mas constituem violações autónomas dos deveres de fidelidade, de coabitação e de assistência, respectivamente. Assim, só são violações do dever de respeito actos ou comportamentos que não constituam violações directas de qualquer dos outros deveres mencionados no art. 1672.°
O dever de respeito é um dever ao mesmo tempo negativo e positivo.
Como dever negativo, ele é, em primeiro lugar, o dever que incumbe a cada um dos cônjuges de não ofender a integridade física ou moral do outro, compreendendo-se na "integridade moral" todos os bens ou valores da personalidade cuja violação, na lição ainda actual de Manuel de Andrade, constituía "injúria" em face da "Lei do divórcio" de 1910: a honra, a consideração social, o amor próprio, a sensibilidade e ainda a susceptibilidade pessoal. Infringe o dever de respeito o cônjuge que maltrata ou injuria o outro...
Mas o dever de respeito como dever de non facere é ainda, em segundo lugar, o dever de cada um dos cônjuges não se conduzir na vida de forma indigna, desonrosa e que o faça desmerecer no conceito público. Na vigência da "Lei do divórcio" a nossa doutrina falava aqui de "injúrias indirectas". Embora não dirigidas ao outro cônjuge, a relevância destas injúrias fundava-se na ideia de que o casal é uma "unidade moral" (como dizia alguma jurisprudência), de tal modo que a dignidade, a honra e a reputação de um dos cônjuges são ao mesmo tempo a dignidade, a honra e a reputação do outro. Transpondo estas ideias para o direito actual, dir-se-á que o dever de respeito como dever negativo é também o dever de não praticar actos ou adoptar comportamentos que constituam "injúrias indirectas". Se um dos cônjuges se embriaga ou se droga com frequência, ou comete um crime infamante, está a violar o seu dever de respeito ao outro cônjuge.
O dever de respeito é porém ainda um dever positivo. Não o dever de cada um dos cônjuges amar o outro, pois a lei não impõe nem pode impor sentimentos. O "mariage de raison" é conforme ao direito, tanto quanto o "mariage d'amour". Mas o cônjuge que não fala ao outro, que não mostra o mínimo interesse pela família que constituiu, que não mantém com o outro qualquer comunhão espiritual, não respeita a personalidade do outro cônjuge e infringe o correspondente dever» .

São regras gerais de distribuição do ónus da prova as consagradas no art. 342º do CC:

1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.

Daquele art. 1779º e deste art. 342º conclui-se que a violação dos deveres conjugais só é causa de divórcio se for culposa - ... se o outro violar culposamente os deveres conjugais - nº 1 do art. 1779º. Por isso, e nos termos do nº 1 do art. 342º do CC, é ao cônjuge autor (ou R. reconvinte) que pertence alegar e provar a culpa do cônjuge requerido nas acções de divórcio ou de separação de pessoas e bens com fundamento em violação dos deveres conjugais.
Assim mesmo decidiu o STJ, em Assento de 26.1.1994 : «No âmbito e para os efeitos do nº 1 do artigo 1779º do CC, o autor tem o ónus da prova da culpa do cônjuge infractor do dever conjugal de coabitação".
«Notaremos, por último, que a orientação defendida, segundo a qual o onus da prova incumbe, em toda a linha, ao cônjuge autor não faz incidir sobre ele um encargo probatório demasiadamente gravoso.
Com efeito, o cônjuge autor só terá de trazer ao processo dados ou circunstâncias que permitam ao juiz, de acordo com as regras da experiência, formar uma convicção positiva sobre a culpa do cônjuge réu na violação dos deveres conjugais invocada.

Admitimos até que o cônjuge autor se limite, por vezes, à alegação e prova da violação dos deveres conjugais que invocou, integrando essa violação nas circunstâncias "intrínsecas" que, como seus elementos "constitutivos", permitam identificá-la ou individualizá-la; em muitos casos, não se lhe tomará necessário alegar também circunstâncias "extrínsecas", concomitantes da violação cometida, pois a violação objectiva dos deveres conjugais, integrada naquelas circunstâncias, já fará presumir ela própria, de acordo com as regras da experiência, que o cônjuge réu procedeu com culpa. Assim, se um dos cônjuges pede o divórcio contra o outro com fundamento em ofensas à integridade física, a prova dos termos em que a ofensa foi cometida já implicará normalmente, em primeira aparência, a prova de que a violação os deveres conjugais invocada foi culposa».

«Sobre esta questão deve começar por salientar-se que o entendimento por que optou, nesta parte, a decisão recorrida - no sentido de que a culpa do cônjuge réu é um elemento constitutivo do direito do autor ao divórcio com fundamento no disposto no artigo 1779º, nº 1, do Código Civil, e, portanto, cuja prova compete ao autor de acordo com o que se dispõe no nº 1 do artigo 342º, do mesmo diploma - é hoje amplamente dominante quer na jurisprudência - como já vimos - quer na doutrina portuguesa (nesse sentido, cfr. ANTUNES VARELA, Direito da Família, 1982, pp. 475 e ss.; PEREIRA COELHO, "Anotação ao acórdão do STJ de 17/2/83", Revista de Legislação e Jurisprudência, 117 (1984/1985), 64 e 91 e ss.; CARLOS MATIAS, "Da culpa e da inexigibilidade de vida em comum no divórcio", Temas de Direito da Família (Coimbra, 1986, pp. 75 e ss.).

Acresce, que esta solução normativa - a identificação da culpa do réu como um elemento constitutivo do direito do autor - não é, sequer, uma especificidade do direito ao divórcio com fundamento na violação de um dever conjugal.

Pelo contrário, a referência à culpa do réu como elemento constitutivo do direito que o autor pretende fazer valer em juízo constitui igualmente a regra em matéria de responsabilidade civil por factos ilícitos. Nesse sentido estipula o artigo 487º, nº 1, do Código Civil, como regra, que "É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção de culpa".

A regra é pois, mesmo fora dos domínios em que agora a questão se discute - direito ao divórcio litigioso com fundamento na violação de um dever conjugal -, a de que a prova da culpa do lesante cabe ao titular do direito violado, na medida em que é um seu elemento constitutivo, e não àquele contra quem se pretende fazer valer esse mesmo direito.

Mas, mesmo nas hipóteses em que exista a favor do lesado uma presunção de culpa do lesante, situação de que é exemplo o disposto no artigo 799º, nº 1, ainda assim a culpa não deixa, só por isso, de ser considerada um elemento constitutivo do direito do autor. A existência de uma presunção de culpa a favor do lesado não impede que esta deva continuar a ser considerada como um elemento constitutivo do seu direito. Trata-se apenas, nestas hipóteses, de um elemento constitutivo do direito do autor cuja verificação a lei presume.

Nesse sentido refere GALVÃO TELLES (Direito das Obrigações, 6ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, p. 326): "Assim resulta do disposto no artigo 342º, nº1: àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado - (1) ».

«Culpabilidade é, nas palavras de PESSOA JORGE (Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Lisboa, 1968, pp. 315) "a qualidade ou conjunto de qualidades do acto que permitem formular, a respeito dele, um juízo ético-jurídico de reprovação ou censura (...)". E, mais à frente (ob. cit., p. 319), refere expressamente este autor que "a culpabilidade não se confina à simples verificação da vontade de praticar o acto ilícito, pois tem de atender também à motivação do agente; só à luz desta será possível emitir algum juízo de valor ético-jurídico".

No mesmo sentido, i.e., no sentido de que o conceito de "violação culposa" não se reconduz à constatação da voluntariedade do comportamento em que se traduz o facto ilícito, e especificamente sobre a culpa do cônjuge na acção de divórcio, refere MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (O Regime Jurídico do Divórcio, Coimbra, Almedina, 1991, pp. 57 e ss.): "Dado que o dolo e a negligência, como elementos da ilicitude da conduta, absorvem a relação psicológica do agente com essa conduta, para a culpa fica reservada uma apreciação normativa ou valorativa sobre a atitude ou a motivação interior do agente (...).

A culpa decorre de um juízo de censurabilidade sobre a conduta do cônjuge, em cuja formulação devem ser consideradas as condições que justificam que lhe seja dirigida essa censura. A censurabilidade da conduta é uma apreciação do desvalor que resulta do reconhecimento de que o cônjuge, nas circunstâncias concretas em que actuou, poderia ter conformado a sua conduta de molde a assegurar a satisfação do dever conjugal cujo cumprimento lhe era exigível nesses mesmos condicionalismos."

Finalmente, e ainda no mesmo sentido, refere ANTUNES VARELA (Das Obrigações em Geral, 7ª ed., Coimbra, Almedina, 1991, vol. I, pp. 554-555): "Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo" (2) ».

A culpa pressupõe a imputabilidade do agente - a capacidade do cônjuge prevaricador para entender e valorar os actos por ele praticados e a capacidade de autodeterminação -, bem como a reprovabilidade da sua conduta, em face das circunstâncias concretas registadas.

A valoração da culpa e o grau de educação e sensibilidade moral dos cônjuges hão de ter em conta o padrão comum de valores geralmente aceite (geralmente aceite, expressão que não é sinónima de geralmente aplicado) na comunidade nacional, na época em que a questão é apreciada, de acordo com a diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso - art. 487º, nº 2 e 799º, n.º 2, ambos do CC.

«Em suma: do que se disse resulta com clareza que a decisão recorrida interpretou os artigos 1779º, n.º 1, 1782º, n.º 2 e 342º, todos do Código Civil, com o sentido de que o cônjuge autor tem que fazer a prova (positiva) dos factos que permitam ao tribunal, designadamente através do recurso às regras da experiência, concluir pela censurabilidade do comportamento do cônjuge que decidiu deixar o lar conjugal.

Ora, entendidos neste sentido, como os entendeu a decisão recorrida, os preceitos supra referidos não consagram qualquer solução arbitrária ou desproporcional, em termos de distribuição do ónus da prova, violadora do princípio da igualdade.

Pelo contrário, a solução por que optou a decisão recorrida é susceptível de ser justificada à luz de critérios materiais de decisão que afastam a alegação de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade.

Por um lado verifica-se que não é possível constatar a existência de uma regra de experiência social que permita a ilação (presunção) de que a violação objectiva do dever de coabitação é culposa. Nesse sentido, refere TEIXEIRA DE SOUSA (ob. cit., p. 66): "Finalmente, noutros casos ainda o tribunal não pode extrair a culpa do cônjuge da violação do dever conjugal, porque não há qualquer regra de experiência ou standard social que justifique essa ilação. É o que acontece com o abandono do lar conjugal, dado que nenhuma regra de experiência ou critério social permite extrair com segurança a culpa do cônjuge da prova desse abandono, porque a observação sociológica demonstra que esse abandono tanto pode ser não culposo, se, por exemplo, o cônjuge abandona o lar para se proteger das ofensas físicas infligidas pelo outro, como ser culposo, se o cônjuge abandonado em nada contribuiu para a saída do lar conjugal do outro cônjuge. Assim, o tribunal não dispõe de qualquer regra de experiência que lhe permita concluir, sem deixar dúvidas, que a conduta do cônjuge abandonante é culposa. Para que o correspondente juízo de censurabilidade possa ser deduzido do próprio abandono é necessário considerar outros parâmetros."

Por outro lado, entendemos que não se verifica uma situação de anormal dificuldade por parte do cônjuge autor - ou facilidade da parte do cônjuge réu - em efectuar a prova da culpa - ou não culpa - que torne inconstitucional, por arbitrária ou desproporcionada, a solução normativa por que optou a decisão recorrida.

De facto, se considerarmos a diferente dificuldade de prova que recai sobre cada um dos cônjuges relativamente aos factos relevantes para a formulação do juízo de censurabilidade pelo tribunal concluiremos que, também por aqui, o diferente grau de dificuldade/facilidade em efectuar essa prova - se é que existe - não é de molde a justificar a inconstitucionalidade da solução legislativa que opte por onerar o cônjuge autor com o ónus da prova da culpa do cônjuge réu.

Esta conclusão carece, porém, de uma maior fundamentação, uma vez que é na sequência da sua contestação, e na tentativa de demonstração do contrário, que a recorrente sustenta a alegação de inconstitucionalidade dos preceitos referidos.

Desde logo poderia entender-se, como faz PEREIRA COELHO (lug. cit., p. 96), que a solução contrária pode conduzir a resultados manifestamente injustos. Refere aquele autor que "uma solução que obrigasse o cônjuge réu a provar as razões justificativas do abandono conduziria, na prática, a soluções de manifesta injustiça, sempre que o abandono tivesse sido determinado, como frequentemente acontece, pelo comportamento do próprio cônjuge abandonado, comportamento traduzido, muitas vezes, em ofensa à integridade física ou moral do cônjuge abandonante, mas que este, como também sucede com frequência, não tem possibilidade de fazer prova por os respectivos factos terem ocorrido na intimidade da vida conjugal".

Mas, ainda que, como refere a recorrente, o citado Professor não tenha razão - por o argumento da intimidade da vida conjugal a dificultar a prova ser igual para ambos os cônjuges - tal não é argumento suficiente para impor a solução da inversão do ónus da prova e só por si determinar, como pretende a recorrente, a inconstitucionalidade da solução contrária - que continue a fazer recair sobre o lesado o ónus da prova da culpa do lesante.

Sendo - ou frequentemente sendo - iguais as dificuldades de prova, nada há que justifique, e muito menos imponha, o afastamento da solução normativa regra em matéria de prova da culpa - e que corresponde, como é sabido, ao respeito por um elementar princípio de presunção de inocência -; ou seja, a de que sendo a culpa um elemento constitutivo do direito do autor é a este que compete a sua prova de acordo com os critérios de distribuição do ónus da prova previstos no artigo 342º do Código Civil.

Por tudo o exposto, não se vê qualquer violação dos princípios constitucionais invocados pela recorrente nas normas que se extraem dos artigos 1779º, nº 1, 1782, nº 2 e 342º, todos do Código Civil, quando interpretados com o sentido que lhes deu a decisão recorrida - e que, como vimos, não corresponde àquele que a recorrente lhe pretende imputar - Ac. do TC 236/99, de 28.4.1999, no DR, II, n.º 158, de 9.7.1999 (3)».
...
«Que o dever de coabitação foi violado parece, de facto, não haver dúvidas. O que o artigo 1779º do Código Civil exige, porém, para que tal violação possa servir, ou ser invocada, como fundamento para a decretação do divórcio é que tivesse sido praticada culposamente.

Apoia-se a apelante no acórdão do S.T.J. de 23 de Fevereiro de 1983, publicado no BMJ nº 324-584, em que se defendeu a aplicação ao contrato de casamento da regra geral do artigo 779º, nº1, do Código Civil, em matéria de incumprimento. Segundo tal orientação, a violação dos deveres conjugais, como violação do contrato matrimonial, presume-se culposa, pelo que compete ao cônjuge autor, que pede o divórcio, alegar e, necessariamente, provar, apenas a objectividade da violação do dever conjugal, competindo ao cônjuge réu, a quem se imputa essa violação, ilidir a presunção, provando que não procedeu com culpa.

Esta atraente orientação jurisprudencial - que bem servia a tese da ré/reconvinte/apelante - ficou, porém, isolada.

Não resistiu à crítica que logo entendeu dever fazer-lhe o Professor Pereira Coelho, na citada Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 117-64. Na sua importante anotação, o ilustre Mestre demonstra, em termos convincentes, que aquele princípio geral dos contratos não é aplicável ao contrato matrimonial.

O seu entendimento vai no sentido de que o critério legal de repartição do ónus da prova do artigo 342º, do Código Civil, impõe a conclusão de que é ao cônjuge autor que pertence alegar e provar a culpa do réu nas acções de divórcio propostas com fundamento em violação dos deveres conjugais, nos termos do artigo 1779º, do Código Civil. E com evidente interesse, afirma a fls. 92, da citada Revista:
«Com efeito, não é qualquer violação dos deveres conjugais que constitui causa de divórcio, mas tão só a violação culposa que, pela sua gravidade ou reiteração, comprometa a possibilidade de vida em comum. Só a violação dos deveres conjugais que revista todas estas características é que dá ao cônjuge ofendido o direito de requerer o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens - o facto constitutivo do direito ao divórcio ou à separação é este facto jurídico global, integrado por todos os factos ou circunstâncias referidos. Deve, pois, o cônjuge autor alegar e provar, não apenas a objectividade da violação do dever conjugal, mas ainda factos tendentes a provar a culpa do cônjuge ofensor e a gravidade da violação cometida ou a reiteração das faltas, factos de que possa inferir-se a conclusão de que a vida em comum se acha comprometida em consequência da violação ou das violações praticadas».

Em síntese, dir-se-á, ainda, que para o referido Professor estando o ónus da prova a cargo do autor, isso obriga-o a trazer ao processo - e, necessariamente, a provar - circunstâncias ou dados de facto que permitam ao juiz formar uma convicção positiva sobra a culpa do réu, de harmonia com as regras da experiência.

Como ensinou, também, o Professor Antunes Varela, em Direito da Família, pp. 407, nota 22, a culpa pressupõe a imputabilidade do agente - a capacidade do cônjuge prevaricador para entender e valorar os actos por ele praticados e a capacidade de autodeterminação - bem como a reprovabilidade da sua conduta, em face das circunstâncias concretas registadas.

Ora, não estando provadas as circunstâncias concretas que levaram o autor marido - réu quanto ao pedido reconvencional - a sair de casa, não é possível formular um juízo de censura da sua referida conduta, o que inviabiliza, claramente, a atribuição de culpa.

Mas além disso, os poucos factos provados também são manifestamente insuficientes para, mesmo através do recurso às regras da experiência, se poder concluir que o cônjuge marido teria agido culposamente quando deixou o lar conjugal. (4). »

Os factos, o Direito e os Recursos

De posse destes comandos legais e ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais, podemos concluir, com a decisão recorrida, que os factos apurados não permitem julgar verificada a violação, pela Ré mulher, dos deveres de respeito e fidelidade - entendidos como acima visto - que o A. marido invocou como fundamento de divórcio.
As visitas do CC à mulher do A., na loja que esta explora, e a sua ida à casa do casal, em dia indeterminado de 2003, quando lá se encontrava a mulher do A. e um carpinteiro, apesar de entre aquela e o CC não haver qualquer relacionamento profissional, não são bastantes para, à luz das regras da experiência, alicerçar, com a necessária segurança, a condenação da Ré por adultério. Condenação judicial que é o que aqui se trata, não de julgamento à mesa do café de Mogadouro.
Termos em que improcede o recurso do A.

O mesmo se diz no tocante ao recurso da Ré/Reconvinte enquanto assente na violação dos deveres de respeito, fidelidade e coabitação.
Os factos apurados - chegar frequentemente a casa depois da meia noite, quando mulher e filha estavam já deitadas, frequência de casas de alterne em Bragança, separação de quartos e cessação de tomada de refeições em conjunto - são, na sua materialidade, insuficientes para julgar verificada violação culposa e relevante daqueles deveres, como exigido pelo n.º 1 do art. 1779.º do CC.

Quanto à separação de facto por um ano prevista na al. b) do n.º 1 do art. 1781.º do CC, várias razões apontam para a impossibilidade da consideração deste fundamento objectivo do divórcio.

É sabido que os fundamentos do divórcio integram dois grupos (5) de todo distintos, consagrados em normas também diferentes:
- a violação culposa dos deveres conjugais, como previsto no art. 1779.º, n.º 1, do CC, fundamento do chamado divórcio-sanção;
- a ruptura da vida em comum, como prevenido nas al. a) e b) do art. 1781.º e n.º 1 do art. 1782.º do CC, causa do divórcio-remédio.

Em qualquer caso, porém, deve o Juiz declarar a culpa dos cônjuges quando a haja - art. 1787.º e 1782, n.º 2, do CC.

Nos termos do art. 264º do CPC,
1. Às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções.
2. O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 514.º e 665.º e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa.
3. Serão ainda considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.

Como dito no n.º 1 do art. 273.º do CPC,
Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada na réplica, se o processo a admitir, a não ser que a alteração ou ampliação seja consequência de confissão deita pelo réu e aceita pelo autor.


Nos termos do nº 2 do art. 660º do CPC,

- O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Dispõe o art. 661º, nº 1, do mesmo diploma:

1. A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
...
E o art. 664º:
O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264º.

Além de dever formular o pedido (art. 3º, n.º 1, e 467º, n.º 1, al. e), do CPC), o Autor tem de alegar os factos concretos que gerarão o efeito jurídico pretendido, os factos constitutivos da situação jurídica que quer fazer valer (6) - art. 467º, n.º 1, d) e 498º, n.º 4, do CPC. Através da alegação desse facto constitutivo, a causa de pedir exerce a sua função delimitadora do pedido ou pretensão, individualizando-o.
«O princípio do dispositivo implica ainda que sejam as partes a definir os contornos fácticos do litígio, ou seja, devem ser elas a carrear para os autos os factos em que o tribunal se pode basear para decidir. O autor deverá, pois, alegar os factos que dão consistência à pretensão por si formulada. Ao réu competirá alegar os factos que servem de base à sua defesa.
Trata-se do princípio da disponibilidade do objecto ou da disponi­bilidade objectiva, como lhe chamou M. Teixeira de Sousa.

Finalmente, é por força do princípio do dispositivo que o tribunal, apesar de legitimado para fazer assegurar o direito objectivo, jamais pode condenar em objecto diverso do pedido ou em quantidade superior à peticionada pelo autor (cfr. o art. 661º1 do CPC).
Com efeito, e como ensinou Rosenberg, "a sentença deve sempre corresponder à demanda, determinando-se por ela na sua espécie e medida". No mesmo sentido se pronunciou Chiovenda, ao afirmar que há um limite absoluto aos poderes do tribunal, qual seja o "da correspondência necessária entre o pedido e o resultado".
Por isso, os autores espanhóis aludem a um "dever de congruên­cia" entre a sentença e o pedido (7) ».

O juiz tem de se ater, na decisão, ao objecto do processo assim definido pelas partes, não podendo «condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pediu» (art. 661-1), sob pena de nulidade da sentença (art. 668º, nº 1, al. e)....
É, portanto, monopólio das partes a conformação da instância, nos seus elementos objectivos e subjectivos. (8)

«Limitado pelos pedidos das partes, o juiz não pode, na sentença, deles extravasar: a decisão, seja condenatória, seja absolutória, não pode pronunciar-se sobre mais do que foi pedido ou sobre coisa diversa daquela que foi pedida (art. 661-1).
O objecto da sentença coincide assim com o objecto do processo, não podendo o juiz ficar aquém nem ir além do que o que foi pedido ou sobre coisa diversa daquela que lhe foi pedida (art. 661 - 1) (9) ».
A sentença deve manter-se dentro do âmbito da acção (pedido lato sensu), identificada através dos sujeitos, do objecto e da causa de pedir (10).
Em suma, às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções (art. 264º, n.º 1, do CC). É que, nos termos do art. 664º do CPC, o Juiz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo, embora, do disposto no art. 264º do mesmo diploma.
Pode considerar-se ponto assente que a nossa lei - art. 498º, n.º 4, do CPC - consagrou a chamada teoria da substanciação, segundo a qual o objecto da acção se afere pelo pedido e pela causa de pedir, impondo-se ao Autor, para fundamentar a sua pretensão, que indique o facto jurídico concreto em que se baseia a pretensão que formula e pretende ver acautelada (11).

Face ao preceituado no artigo 498º, n.º 4, do Código de Processo Civil, pode definir-se causa de pedir como sendo o acto ou facto jurídico de que deriva o direito que se invoca, ou no qual assenta o direito invocado pelo autor. De resto, o autor terá, desde logo, na petição inicial de expor «os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção - artigo 467º, n.º 1, alí­nea c), do Código de Processo Civil; ou seja, de fazer a indicação dos factos concretos consti­tutivos do direito, não se podendo confinar à indicação da relação jurídica abstracta - ver Prof. Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, 1964, vol. I, pág. 361.
Quando se diz que a causa de pedir é o acto ou facto jurídico de que emerge o direito que o autor se propõe fazer valer, tem-se em vista, não o facto jurídico abstracto, tal como a lei o con­figura, mas um certo facto jurídico concreto cujos contornos se enquadram na definição legal; certo contrato, um determinado testamento um indi­vidualizado facto ilícito, etc (12).

A identificação da causa de pedir com o facto constitutivo da situação jurídica que o autor quer fazer valer (ou com os elementos constitutivos do facto jurídico cuja existência ou inexistência afirma) é, fundamentalmente, correcta.
Através da alegação desse facto constitutivo, a causa de pedir exerce a sua função delimitadora do pedido ou pretensão, individualizando-o (13), do mesmo passo que assegura o leal desenvolvimento da lide, não obrigando o R. a defender-se de generalidades e impedindo a condenação por factos diversos ou não alegados - art. 664º do CPC.

Como são jurisprudência e doutrina uniformes, os recursos destinam-se a reapreciar as decisões recorridas e não a conhecer de questões novas, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso.

«Embora o juiz não esteja sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, o certo é que o mesmo está impedido de fundar a decisão em causa de pedir diferente da invocada pelo Autor.
Tratando-se de nova a questão suscitada em sede de recurso, e não sendo a mesma de conhecimento oficioso, deve improceder a revista (art.ºs 666, n.º 2, 680, 684, n.ºs 2 e 3, e 690, todos do CPC) (14) ».

«... o STJ não pode conhecer de tal questão quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuar a finalidade dos recursos.
Estes destinam-se a reapreciar questões submetidas pelas partes ao Tribunal, ou do conhecimento oficioso, e não a decidir questões novas por tal apreciação equivaler a suprir um ou mais graus de jurisdição, prejudicando a parte que ficasse vencida, impedindo-a (quando o STJ conhecer de tal questão) de recorrer (15)».

Voltando ao nosso caso, é evidente que não pode este Supremo Tribunal julgar verificado o fundamento (objectivo) de divórcio agora invocado pela Ré - a separação de facto por um ano se o divórcio for requerido por um dos cônjuges sem oposição do outro.

Em primeiro lugar, porque jamais foi este facto invocado como causa de pedir, nem de início nem em articulado superveniente, assim como nunca ocorreu modificação da causa de pedir ab initio invocada - a violação culposa, grave e reiterada, dos deveres de respeito, fidelidade e coabitação - para estoutra causa de pedir objectiva, integrante do divórcio-remédio.

Depois, não se trata de qualificar diversamente um mesmo facto, antes e oportunamente invocado, mas sim de submeter à apreciação do Tribunal Supremo questão jamais posta aos Tribunais recorridos, questão nova, pois, e que não é de conhecimento oficioso.

Por fim, ainda que se pudesse considerar verificada a separação de facto por mais de um ano, mesmo assim improcederia tal fundamento por o divórcio ter sido requerido por cada um dos cônjuges (em acção e reconvenção) mas com oposição (16) do outro que pretende ver o divórcio decretado com culpa exclusiva do seu antagonista.

É certo que os cônjuges podem, com a maior facilidade, dissolver o vínculo que os liga e obter, em minutos, o divórcio que aqui regateiam. Basta dirigirem-se à Conservatória do Registo Civil e aí, por acordo e sem discussão de culpas, manifestarem a vontade de pôr fim ao casamento.
Mas se querem declaração de culpa, com as sabidas consequências patrimoniais, então hão-de alegar e provar os factos pertinentes, com sujeição às regras substantivas e processuais vigentes.
Improcede a revista da Ré/Reconvinte.


Decisão

Termos em que se decide:
a) - negar ambas as revistas e
b) - condenar cada um dos Recorrentes nas custas do respectivo recurso.


Lisboa, 10 de Outubro 2006
Afonso Correia (Relator)
Ribeiro de Almeida
Nuno Cameira
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(1) - Acórdão n.º 236/99, do Tribunal Constitucional, de 28.4.1999, no DR, II série, n.º 158, de 9.7.1999.
(2) - Ibidem, pág. 9967 do DR.
(3) - Ibidem
(4) - Ibidem.
(5) - Para mais desenvolvimentos, cfr. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, I, 2ª edição, 2001, pág. 608 a 610.
(6) - Lebre de Freitas, Introdução ao Processo civil (revisto), 53 e ss.
(7) - Montalvão Machado, O Novo Processo Civil, 2ª ed., 26.
(8) - Lebre de Freitas, op. cit., 128/129
(9) - Autor citado, A Acção Declarativa Comum, 54, 286 e 288.
(10) - Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 297.
(11) - RLJ ano 131-pág. 23.
(12) - Ac. do STJ, de 13.4.2000, no BMJ 496-253; no mesmo sentido e com larga cópia de Jurisprudência e Doutrina, o Ac. do mesmo STJ, de 15.3.2001, na Col. Jur. (STJ) de 2001, tomo I, pág. 170.
(13) - Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 54 e ss., maxime 58.
(14) - Ac. do STJ (Ex.mo Conselheiro Abílio de Vasconcelos) de 11.4.2005, na Rev. 541.05.
(15) - Ac. do STJ (Ex.mo Conselheiro Miranda Gusmão) de 22-01-1998, no Processo n.º 787/97 - 2.ª Secção.
(16) - No Acórdão deste Supremo Tribunal, de 3.11.2005, citado na alegação do Recorrente marido, não houve oposição nem contestação do aí Requerido.