Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
19/21.8SFPRT-D.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO BRANQUINHO DIAS
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 03/13/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. O recurso extraordinário de revisão tem consagração constitucional – art. 29.º, n.º 6, da C.R.P. - e encontra-se previsto no art. 449.º e ss. do C.P.P.

II. Tem uma larga tradição histórica, no nosso direito, encontrando-se já referenciado nas Ordenações Afonsinas.


III. É constituído por duas fases: a fase do juízo rescindente e a fase do juízo rescisório. A primeira abrange todos os termos que têm lugar desde a petição do recurso até à decisão do STJ; a segunda respeita ao conhecimento do mérito do próprio recurso, cabendo ao tribunal da primeira instância.


IV. Ora, na situação sub judice, não obstante o recorrente invocar a norma da alínea d) do n.º 1 do art. 449.º, do C.P.P., como fundamento do recurso, é por demais evidente não se estar em presença nem de novos factos nem de novos meios de prova, centrando-se a motivação do recurso na alegada ocorrência de um grave erro judiciário, que põe em causa, segundo o mesmo, a justiça da condenação e justifica a quebra do caso julgado, seguindo-se depois toda uma análise muito particular do que foi a prova considerada no julgamento de que emergiu a sua condenação em tribunal, que é perfeitamente deslocada, nesta sede.


V. Saliente-se, a propósito, que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a considerar de forma pacífica, desde já há algum tempo, que factos e/ou meios de prova novos têm de ser novos, no sentido de desconhecidos do tribunal e do arguido ao tempo do julgamento ou, pelo menos, que a sua não apresentação e consideração na sentença condenatória resulte de circunstâncias justificativas da sua não apresentação tempestiva e que da sua produção e consideração resulte não uma qualquer dúvida, mas graves dúvidas sobre a justiça da condenação.


VI. Contudo, as duas testemunhas que o recorrente requer que sejam ouvidas, já o foram aquando do julgamento que teve lugar na primeira instância, conforme resulta, nomeadamente, da informação da Senhora juíza do processo (art. 454.º, do C.P.P.).


VII. Como bem refere o Senhor Procurador-Geral Adjunto, no seu esclarecido e completo parecer, o que o recorrente visa, no fundo, é a reapreciação no âmbito de um recurso extraordinário do que não logrou alcançar, por via do recurso ordinário, esse sim, o meio próprio para o efeito pretendido e que tudo não passa de mais uma tentativa de, a todo o custo, se eximir ao inevitável cumprimento da pena de prisão a que foi condenado.


VIII. Nestes termos, acorda-se em negar a revisão requerida pelo arguido/condenado, por manifesta falta de fundamento (art. 455.º n.º 3, do C.P.P.).

Decisão Texto Integral:

Proc. n.º 19/21.8SFPRT-D.S1

(Recurso de revisão)

Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção Criminal, do Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. O arguido/condenado AA, com os sinais dos autos, veio interpor, em 16/10/2023, o presente recurso extraordinário de revisão, ao abrigo do disposto no art. 449.º n.º 1 d), do C.P.P., do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19/10/2022, transitado em julgado, que julgou parcialmente procedente o seu recurso e condenou-o pela prática em coautoria de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21.º n.º 1do DL n.º 15/93, de 22/01, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, apresentando as seguintes Conclusões (Transcrição):

I- O arguido AA foi condenado pelo tribunal da Relação do Porto a uma pena de pena de 5 anos e 6 meses de prisão pela coautoria de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21. °, n.º l com base em pressupostos errados, porquanto lhe foram imputados fatos dados como provados que não praticou (antes praticados por um terceiro), em resultado de um manifesto lapso material;

II- O presente pedido de revisão funda-se na ocorrência de um grave erro judiciário, o qual põe em causa a justiça da condenação e justifica a quebra do caso julgado;

III- Nos termos do disposto no artigo 32. °/5 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), o processo penal tem estrutura acusatória. O artigo 219. °/1 da CRP densifica, do ponto de vista orgânico, uma das dimensões da estrutura acusatória do processo penal, ao consagrar o MP como a magistratura a quem compete, entre o demais, o exercício da ação penal, sempre orientada pelo princípio da legalidade. O Ministério Público goza de autonomia em relação à Magistratura Judicial no exercício das competências que a CRP e a lei, designadamente o CPP, lhe conferem.

IV- Ora, quer na fase de inquérito que na fase de julgamento o Ministério publico demitiu-se e omitiu em absoluto perante os meios de prova e fatos indiciados e dados como validos e provados (em sede de julgamento) em promover a ação penal contra o outrora BB, trilhando de forma ilegal e contraria aos meios de prova insertos nos autos como provados e evidentes, acusando exclusivamente o arguido AA quando dos autos existem indícios e provas mais que suficiente de o crime de trafico estupefacientes ter sido praticado por um terceiro o outrora BB, procedimento que o Ministério Público não adotou, podendo e devendo fazê-lo.

V- Resvalando aliás tal comportamento ou melhor omissão de dever do exercício penal de crime de subsumível no tipo legal de denegação de justiça e prevaricação, p. e p. pelo art° 369° do CP.

VI- Voltando ao caso agora sob sindicância, temos então que na fase do inquérito o MP validou provas que resultam que a casa de recuo Rua do ... ... era utlizada pelo BB, sendo que da busca resultou apreensão de bens pertença do aludido BB e que se encontravam no quarto deste

VII- Na fase de julgamento e a instâncias do MP aquando das declarações do arguido CC este arguido foi perentório em afirmar que quem lhe entregava a droga era o BB, sendo ceto que ainda com a insistência do MP - perguntou por duas vezes se conhecia o arguido AA- o arguido afirmou desconhecer o arguido AA

VIII- Acresce ainda que nas vigilâncias levadas a cabo pelo agente da PSP DD entre 23.03.2021 e 19.05.2021, data e que foi realizada a busca, além do mais, ao local de venda e à casa de recuo." E "era normalmente entre as 7h30 e as 8h00 da manhã que o CC ia ao n. ..., sendo a respetiva entrada era franqueada pelo arguido AA; mutas vezes o AA já estava a porta à espera do CC, pelo que presume que este lhe telefonaria a avisar que este a chegar: o BB chegou a fraquear a porta do n. ... ao CC e este chegou a entrar lá duas vezes com chave; uma vez viu o AA a entregar a chave ao BB, que vivia no primeiro andar." Acrescenta ainda que "tanto o arguido AA como o BB tinham acesso ao n. ... da Rua ...; viu o CC a abrir aquela porta com a chave, nomeadamente na situação descrita a fls. 105 altura em que a porta não foi aberta por dentro e em que o CC esteve lá dentro entre 15 a 20 minutos"

IX- Perante tal factualidade (meios de prova (buscas domiciliárias e depoimento de co - arguido e testemunha) o Ministério Publico não deu, por isso, cumprimento às exigências legais - dever de exercício de ação penal - perante indícios e meios de prova mais que suficientes

X- O bem jurídico objeto imediato de tutela no crime de denegação de justiça, é a correta administração da justiça, a defesa dos direitos dos cidadãos e a garantia da pessoa humana, sendo também titular de tais interesses o Estado.

XI- A omissão do Ministério Publico foi, por isso, desconforme e contra o direito a um justo e equitativo julgamento/ traduzindo-se num claro e frontal prejuízo dos direitos do arguido AA, concretamente a condenação a um crime que face aos meios de prova e fatos dados como provados (audição da testemunha agente da PSP DD e arguido) determinaria que fosse o outrora arguido BB levado a julgamento e condenado.

XII- Não podia ignorar que a sua conduta omissiva era violadora do direito e da lei, razões pelas quais o MP podia e devia ter atuado de forma diferente e conforme o direito, o que não quis, bem conhecendo as consequências dessa sua opção.

XIII- Com a omissão do Ministério Publico conduz-nos à violação dos seguintes direitos: Direitos com consagração na nossa lei fundamental - art.° 13° da CRP e na Declaração dos Direitos do Homem — arts.7 a 10: Art.7 da DDH "Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. "Artigo 8 da DDH "Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei. "Artigo 10 DDH "Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir seus direitos e deveres ou fundamento de qualquer acusação criminal contra ele."

XIV- O MP, violou, assim, o MP por erro judiciário grave, os princípios da igualdade, da equidade, da verdade material e do princípio in dúbio pro Reo, ilegalidade que se arguem para os legais efeitos.

XV- Por outro lado, quando o Tribunal da Relação afirma que "reiteramos que as provas devem ser apreciadas, não pelo que isoladamente transmitem , mas pelo valor ou sentido que assumem no complexo articulado de todas elas ", Vejamos do complexo articulado e todas as provas que o tribunal se quis referir : Valorizou o depoimento da testemunha DD, agente da PSP já conhecido e reproduzido ;Valorizou que o arguido AA entregou um saco preto ao arguido CC , a pedido do seu primo BB , valorizou que junto à mesinha de cabeceira foi encontrado e apendido caderno com as anotações relativas à atividade em causa, caderno que o arguido AA negou ser seu e que reconhecia a letra do primo BB ; facto que aliás veio a ser comprovado que a caligrafia seria de diversas pessoas e não apenas uma.

XVI- Conclui o tribunal da Relação que da conjugação da prova referida resulta evidente que o arguido AA tinha perfeito conhecimento e participação na atividade de venda de estupefacientes

XVII- Questiona -se porque não da conjugação da prova referida resulta evidente que o outrora arguido BB tinha perfeito conhecimento e participação na atividade de venda e estupefacientes? Neste conspecto há absoluta inércia, desatenção e omissão grave no exercício penal pondo em causa a justiça da condenação do arguido AA.

XVIII- Não sendo característica exclusiva do processo penal, mas em especial no seu domínio, a certeza e a segurança jurídicas cedem perante o valor da justiça (em sentido próprio ou material). Tal explica-se, desde logo, pela estreita e complexa relação existente entre a justiça penal e os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Deste modo, o recurso extraordinário de revisão constitui um direito fundamental dos "cidadãos injustamente condenados", tal como dispõe o art.° 29. ° n.° 6, da CRP

XIX- Não restam dúvidas de que da conjugação de provas que o tribunal a quo e ad quem alicerçaram o fundamento para a condenação do arguido AA resultam certezas sobre a injustiça da condenação;

XX- o recorrente clama assim que seja autorizada a revisão e, cautelarmente, seja determinada a suspensão da execução da pena, ou caso não seja decretado o seu cumprimento decidir da aplicação medida de coação admissível no caso em concreto, tudo nos termos do art. 457. °, n. °2 e 3 do CPP.

XXI- Ademais, da escolha da pena: A lei não exige certezas acerca da injustiça da condenação, mas apenas dúvidas, embora graves (Ac. do STJ de 3/7/97, Proc.n.°485/97). Essas dúvidas, porém, porque graves têm de ser de molde a pôr em causa, de forma séria, a condenação de determinada pessoa, que não a simples medida da pena imposta. A lei, contudo, não veda a revisão que se funda em dúvida grave sobre a escolha da pena, por exemplo, a aplicação de uma pena de substituição de uma pena de prisão.(ac. STJ data d acórdão 26.04.2012 proc. n.º 614/09.3TDLSB-A.S1, em www.dgsi.pt) Ainda sem conceder, e sem prejuízo do anteriormente dissertado, dir-se-á que o tribunal ad quem ao aplicar uma pena de prisão superior a cinco anos ao arguido AA desvalorizou a sua personalidade, as suas condições de vida, o seu passado, a sua conduta anterior e posterior aos fatos puníveis,

XXII- Ou seja tribunal demitiu-se em absoluto da inserção de um juízo de prognose favorável ao desconsiderar/ desprezar factos juridicamente relevantes para apurar a existência ou inexistência de crime/ cfr. art.° 124° n.° 1 CPP.

XXIII- O que sabemos do arguido AA e o que resulta dos autos (à data do julgamento): Nada consta do CRC deste arguido. O arguido descende de um relacionamento ocasional entre os progenitores/ salientando-se a existência de quatro irmãos uterinos e de uma irmã consanguínea, com quem aquele não convive. O arguido observou uma integração familiar junto do agregado familiar da progenitora/ empregada de limpeza/ beneficiando de um ambiente familiar positivo, de afeto e suporte/ com uma educação equilibrada, que foi protagonizada pela sua mãe e coadjuvada pela família alargada materna, nomeadamente pela sua tia. Inicialmente, o arguido ainda manteve contacto semanal com o seu progenitor, to da via, com o seu crescimento, os laços familiares aparentemente não se consolidaram, originando o afastamento de pai e filho. O arguido frequentou o sistema de educação pública até ao 12° ano de escolaridade, sem registo de qualquer retenção. Não obstante, constatando as dificuldades económicas da família e integrando aparente desmotivação, acabou por abandonar o ensino secundário sem concluir o ciclo de estudos. O arguido iniciou o seu trajeto profissional, através de empresas de trabalho temporário, em 2019, como empregado de balcão, numa confeitaria e, em junho de 2021, numa churrasqueira. No período desenvolvimental, o arguido patenteia uma vivência de integração interpessoal com elementos de idêntica faixa etária, oriundos de diferentes contextos, nomeadamente de futsal, modalidade que praticou dos 6 aos 22 anos como atleta federado. A prática desportiva foi interrompida devido a um problema cardíaco e, entretanto, ainda não foi retomada devido à dificuldade em conciliar o emprego com a prática desportiva. Os hábitos de consumo, aparentemente reportam-se a hábitos tabágicos e a consumos etílicos ocasionais ocorridos em contextos de diversão e convivialidade. No período a que se reportam os factos de que está acusado nos presentes autos, o arguido residia na Rua ..., onde coabitava com a mãe e com dois irmãos, beneficiando do adequado suporte da estrutura familiar. Não exercia atividade laboral e não auferia qualquer rendimento, ilustrando uma condição de aparente dependência económica. A família do arguido beneficiava do apoio pecuniário da prestação de rendimento social de inserção, complementado pela pensão de sobrevivência e por biscates efetuados pela mãe na área das limpezas e outros eventuais apoios comunitários. O arguido revelou desconhecer os valores dos dividendos e das despesas da família, gestão a cargo da sua progenitora, de quem dependia. O arguido evidenciava um estilo de vida associado à deficitária estruturação ocupacional, despendendo parte significativa do seu tempo com dois amigos, residentes num espaço comunitário adjacente ao seu. Por questões de gestão familiar, designadamente respeitantes às carentes condições de habitabilidade da casa da mãe, desde agosto de 2020 que o arguido dormia em casa da sua tia, sita à Rua ... - Santa Cruz do Bispo, o arguido mantém-se a residir com a sua progenitora e respetivos familiares, mantendo o apoio dos mesmos. Encontra-se a trabalhar na ... e aufere um salário de referência mínima nacional que lhe confere uma dinâmica financeira de autossustentabilidade. Mantém um estilo de vida de integração interpessoal e preserva um relacionamento íntimo estabelecido há cerca de 4 meses que considera gratificante. O relatório Reinserção social de fls. conclui que o arguido "reúne condições pessoais para cumprir uma medida de execução na comunidade, devendo a mesma incidir na ampliação / promoção de atividades laborais e na auto sustentabilidade"

XXIV- Da atualidade quanto às suas condições pessoais, o aqui, arguido apresenta assinaláveis fatores de proteção, nomeadamente laços familiares sólidos, coesos e estruturados/ encontrando-se socialmente inserido e com regulares hábitos de trabalho, encontrando-se com contrato de trabalho sem termo.

XXV- O que, de modo particular, dispensa toda e qualquer significativa necessidade de reinserção, tanto mais que tem, atualmente, como sempre teve hábitos de trabalho constantes.

XXVI- No que diz respeito à sua personalidade, não apresenta qualquer antecedente criminal.

NESTES TERMOS, e no mais de direito a admissão de recurso de revisão do acórdão do Tribunal da Relação proferido aos 19-10-2022 tudo nos termos alcançados nos termos do art.° 449°al. d) do CPP, art 696 al. h) CPC e 696-A CPC ex vi art. 4 do CPP, e ainda no art.20 e 29 n. 6 do CRP e ordenar a notificação do recorrido para se pronunciar, em prazo e sob cominação, e afinal julgar válidos os fundamentos admitindo-os como procedentes, fazendo assim INTEIRA E SÃ JUSTIÇA.

O Recorrente clama assim que seja autorizada a revisão e, cautelarmente, seja determinada a suspensão da execução da pena, ou caso não seja decretado o cumprimento da pena decidir da aplicação medida de coação admissível no caso em concreto, tudo nos termos do art. 457. °, n. °2 e 3 do CPP.

REQUER-SE: em nome da descoberta da verdade material e por afigura necessária atento o hiato temporal do último relatório a elaboração de relatório inserção social.

REQUER-SE AINDA: se digne ordenar a audição das seguintes testemunhas:

a) BB melhor id. nos autos a fls.

b) AGENTE PSP EE melhor id. nos autos a fls.

c) que seja admitido depoimento de co-arguido CC, melhor id. nos autos em epigrafe.

Mais requer: Uma vez que o arguido beneficia de apoio judiciário requer-se a V. Exa se digne deferir emissão de certidão das buscas domiciliárias a fls.297 e 298 do II volume , dos apontamentos encontrados na casa de ... , n. ... de fls. 274 a 286, da reportagem fotográfica de fls. 17 a 22, 24 a 31, 40 a 42, 46 a 56, 62 a 91, 96 a 100, 104 a 109, 183 a 189, 196, 197, 200 a 204, 212 a 216, 247, 253 a 267, 295 a 296, 343 a 347, 378 a 401, 406 a 409, do certificado do registo criminal do aqui recorrente, do acórdão do Tribunal da Relação.

2. Por despacho da Senhora Juíza titular, de 04/01/2024, foi tal recurso admitido.

3. O Ministério Público, junto do Juízo Central Criminal do Porto -J1, respondeu, em 22/01/2024, ao recurso, concluindo da seguinte forma (Transcrição):

1 - Com o recurso de revisão ora interposto afirma o recorrente pretender a revisão do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto proferido a 19.10.22, fundando tal pedido naquilo que classifica de «ocorrência de grave erro judiciário»;

2 - No impreciso arremedo de concretização oferecido pelo recorrente, tal equivaleria a que «da conjugação de provas que (…) alicerçaram o fundamento para a sua condenação (…), resultam certezas sobre a injustiça da condenação»;

3 - A taxatividade dos fundamentos da revisão atesta e advém da natureza absolutamente excepcional deste instituto jurídico, por estar em causa a quebra do princípio fundamental da segurança jurídica;

4 - Sendo que os fundamentos da revisão se encontram taxativamente consagrados no art. 449.º do Código de Processo Penal, Ifácil é concluir que nenhuma das alíneas de tal preceito dá cobertura à pretensão do ora recorrente;

5 - Tentando o recorrente acobertar a sua pretensão ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 449º do CPP, alínea essa onde se estabelece como fundamento de revisão a descoberta de novos factos ou meios de prova que suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação (fundamento exclusivamente pro reo), há todavia que não olvidar que ali se exige dois requisitos cumulativos: a existência de novos factos ou meios de prova; que suscitem dúvidas sérias e relevantes sobre a justiça da condenação;

6 - In casu, o arguido pretende a revisão do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto com fundamento tão só numa pretensa conclusão que da «conjugação de provas que (…) alicerçaram o fundamento para a sua condenação (…), resultam certezas sobre a injustiça da condenação»;

7 - Ora, nem tal “fundamento” (porque já esgrimido sem sucesso junto do TRP o pretenso erro na apreciação da prova e a “certeza da inocência do arguido”) se pode considerar novo, nem sobretudo traduz esse argumento a invocação de um qualquer facto novo ou equivale à apresentação de um novo meio de prova;

8 - Não se enquadrando no fundamento legal invocado (ou em qualquer outro legalmente previsto) os motivos do presente recurso, não será, de todo, o recurso de revisão o meio processual próprio ou apto para remediar a alegada injustiça da decisão impugnada;

9 - E disso mesmo estará o recorrente ciente, pois que, obstinado em alcançar o seu verdadeiro objectivo - isto é, reverter a condenação, com o fim último de evitar a execução da pena a que foi condenado – esgotou ele já os meios que a Lei lhe faculta para sindicar a decisão condenatória:

10 - Inconformado como o insucesso assim conhecido e em que viu rebatidas todas as alegações que novamente aqui reproduz, lança, contudo, agora mão de um meio processual com que, embora não ignorando não ser o próprio, espera conseguir então uma nova dilação.

Nestes termos, deve o presente recurso ser declarado totalmente improcedente, pelo que, assim decidindo, contribuirão Vossas Excelências, Colendos Juízes Conselheiros, para a realização do DIREITO.

4. Por sua vez, em 25/01/2024, a Senhora Juíza titular deu a informação, a que se refere o art. 454.º, do C.P.P., que passamos também a transcrever:

Nessa conformidade, e dando cumprimento ao imperativo legal, informa-se o Venerando Tribunal Superior nos seguintes termos:

A) Por acórdão proferido por este tribunal, datado de 17-06-2022, foi AA condenado pela coautoria de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, alínea b), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

B) Inconformado com aquela decisão, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, no qual, além do mais, impugnou a matéria de facto provada. O recurso foi, nessa parte, julgado totalmente improcedente por aquele Venerando Tribunal, aqui se transcrevendo a respetiva fundamentação:

«E que dizer quanto à impugnação da matéria de facto do arguido AA?

Reiteramos que as provas devem ser apreciadas, não pelo que isoladamente transmitem, mas pelo valor ou sentido que assumem no complexo articulado de todas elas.

De facto, também, no caso ora em apreço, se impõe ponderar o que resulta da prova testemunhal, mais concretamente do depoimento da testemunha DD, agente da PSP (que balizou o início e fim da atividade em causa nestes autos com referência às vigilâncias que efetuou), assim como do das demais testemunhas já referidas e inquiridas durante as sessões de audiência de julgamento, bem como dos relatos de vigilância externa, respetivas reportagens fotográficas, e relatórios de buscas realizadas, não só pelo que cada um daqueles depoimentos e relatos de vigilância representam, isoladamente considerados, mas essencialmente pelo que representam mediante a sua análise conjugada e interligada, sustentando-se e reforçando-se uns aos outros e com recurso às regras da experiência.

E conforme decorre das declarações do próprio arguido AA era ele quem pernoitava no n.º ... da ..., sendo que tal quarto, que anteriormente era uma garagem, apenas tinha um acesso. E o mesmo arguido declarou ali ter entregue um saco preto ao arguido CC, a pedido do seu primo BB.

Por sua vez, a testemunha DD referiu que era normalmente entre as 7h30 e as 8h00 da manhã que o CC ia ao nº ..., onde lhe era franqueada a porta. Às vezes, a porta era franqueada pelo arguido AA. Uma vez o BB franqueou a porta ao AA. Chegou a ver o AA à porta um ou dois minutos antes de o CC chegar. Por vezes, o AA já se encontrava à porta, abria a porta e estava ali cerca de um minuto. Entretanto chegava o CC e entravam os dois lá para dentro. Passados cinco minutos, ou nem isso, o CC saía com a mochila, para o seu meio de transporte. Às vezes, também o AA saía de lá de dentro, depois do CC.

Uma das vezes o AA chegou a entregar a chave ao BB. Outras vezes ia para a sua atividade, para o café, abandonava aquele local. O AA aparecia antes e depois de o CC chegar.

Esclareceu a confusão quanto à identificação, nos relatórios de vigilância, do arguido AA como “FF”, afirmando que se trata do arguido AA (que na foto 4 da vigilância de 06.04.2021 aparece encapuzado).

Ademais, conforme decorre da busca a tal local, junto da mesinha de cabeceira foi encontrado e aprendido caderno com as anotações relativas à atividade em causa.

No relatado contexto, da conjugação da prova referida resulta evidente que o arguido AA tinha perfeito conhecimento e participação na atividade de venda de estupefacientes.

Diferente interpretação não se apresenta verossímil em face das regras da experiência.

Da motivação da matéria de facto constante do acórdão recorrido, de relevante quando ao teor daqueles depoimentos pode ler-se:

“A investigação deste caso consistiu, maioritariamente, nas vigilâncias levadas a cabo pelo agente da PSP DD entre 23.03.2021 e 19.05.2021, data em que foi realizada a busca, além do mais, ao local de venda e à casa de recuo.

Foi, por isso, fundamental o depoimento desta testemunha, que nos mereceu total credibilidade, atenta a forma clara, precisa, sincera e objetiva como foi prestado.

(…)

Mais declarou, em suma, que:

» fez vigilâncias, tanto no local da venda como na casa de recuo, quer de manhã, quer de tarde;

(…)

» era normalmente entre as 7h30 e as 8h00 da manhã que o CC ia ao n.º ..., sendo a respetiva entrada franqueada pelo arguido AA; muitas vezes o AA já estava à porta à espera do CC, pelo que presume que este lhe telefonaria a avisar que estava a chegar;

» o BB chegou a franquear a porta do n.º ... ao CC e este chegou a entrar lá duas vezes com chave; uma vez viu o AA a entregar a chave ao BB, que vivia no primeiro andar.

(…)

» tanto o arguido AA como o BB tinham acesso à ao n.º ... da ...; viu o CC a abrir aquela porta com a chave, nomeadamente na situação descrita a fls. 105, altura em que a porta não foi aberta por dentro e em que o CC esteve lá dentro entre 15 a 20 minutos.

(…)

» aquando dos factos o AA estava desempregado;

(…);

(…)

Considerando, contudo:

» a concreta atividade exercida por cada um dos arguidos, observada e descrita pelo Agente DD: o arguido CC transportava a droga da casa de recuo para o local da venda; o arguido AA permanecia na casa de recuo, onde guardava a droga e a entregava ao arguido CC; (…);

(…)

Na verdade, e no que diz respeito ao arguido AA, é evidente que o mesmo sabia o que se passava no quarto do n.º ... da ..., pois era ali

que ele pernoitava, era ali que se encontrava quando o arguido CC, de manhã, lá se dirigia para ir buscar os produtos estupefacientes, era ele que tinha o caderno com as anotações na mesinha de cabeceira, era ele que tinha a chave do quarto e que permitia a entrada naquele local, pelo que não se mostra verosímil que não fosse ele, por si ou por intermédio de outro(s), que entregasse ao arguido CC tais produtos.”.

De facto, o relatório de vigilância de fls. 38 e 39 e respetiva reportagem fotográfica de fls. 40 a 42 (cujo teor foi confirmado pelo depoimento da testemunha DD) descreve que no dia 1 de abril de 2021, pelas 8h20, o arguido CC deslocou-se no veículo de marca SMART, de cor cinzenta, com a matrícula ..-IN-.., até à casa (quarto onde o arguido AA pernoitava), sita na ..., onde entrou e carregou uma mochila com produto estupefaciente, levando-a consigo. Volvidos cerca de cinco minutos, o arguido CC saiu daquela residência e iniciou a marcha no sentido ascendente da rua em direção ao local de venda direta, na Rua.... Atente-se na hora matinal em que tal deslocação ocorreu ao local de pernoita do arguido AA, que na altura se encontrava desempregado e no facto de o arguido CC ali ter permanecido apenas cerca de cinco minutos e dali ter saído com uma mochila.

Ainda o relatório de vigilância de fls. 43 e 44 e respetiva reportagem fotográfica (cujo teor foi confirmado pelo depoimento da testemunha DD) descreve que o arguido CC, no dia 6 de abril de 2021, cerca das 8.35h, se deslocou, no veículo de marca Seat, modelo Arona, ao nº ... da Rua ... (local onde o arguido AA pernoitava), retirando da mala de tal veículo uma mochila de cor preta com o logótipo de Nike, após o que onde entrou naquela morada e daí saiu carregando a referida mochila, com todo o cuidado, iniciando a marcha, no veículo, com destino ao local de venda direta. O referido agente referiu ainda que viu o AA a entregar a chave ao BB, que vivia no primeiro andar.

Ainda do relatório de vigilância de fls. 101 a 103 e respetiva reportagem fotográfica de fls. 104 a 112 (cujo teor foi confirmado pelo depoimento da testemunha DD) decorre que no dia 14 de abril de 2021, pelas 08h30, o arguido CC se deslocou novamente à Rua ..., onde entrou com chave. Cerca de cinco minutos depois saiu desse local transportando consigo uma mochila de cor escura nas costas. Às 08h40, o arguido AA saiu do interior do seu quarto, onde havia momentos antes havia estado o arguido CC, tendo-se dirigido para um café nas proximidades. Atente-se, uma vez, na hora matutina em que estes factos ocorreram, aliados ao facto de o arguido CC dali ter saído a transportar uma mochila.

Acresce que o arguido CC confessou que ia buscar a droga ao nº ... da Rua ... e transportava-a para o nº 480 da .... É certo que este mesmo arguido referiu não conhecer o arguido AA, contudo este confessou que viu uma vez o CC, a quem entregou um saco preto a pedido do seu primo. Foi ele que abriu a porta ao CC.

Ademais, não obstante a negação por parte do arguido AA no sentido de que nada tem a ver com o caderno apreendido, não podemos escamotear o local onde foi encontrado tal caderno – no móvel ao lado da cama, local facilmente acessível a quem está deitado, no quarto onde apenas o arguido AA dormia.

A que acresce o teor dos referidos apontamentos, que numa breve análise é possível concluir, sem dúvidas, de que estão relacionados com a atividade de tráfico de estupefacientes, com alusão a dias e quantidades de entradas naquele local (veja-se a alusão “chegou”).

Neste contexto, face ao exposto, analisada a prova produzida e considerada pelo tribunal a quo, sem escamotear que está em causa uma atividade levada a cabo por vários indivíduos, com repartição de tarefas, em que cada um tem a sua, e que a de cada um complementa a dos demais, não se podendo isolar a tarefa de cada um dos arguidos da dos demais, tudo conjugado com as regras da experiência, suportam a convicção a que o tribunal a quo chegou sobre a veracidade da facticidade considerada provada pelo tribunal a quo e impugnada pelo arguido AA, nomeadamente no que concerne à atividade desenvolvida pelo mesmo – guarda do produto estupefaciente - ao invés, da prova avançada pelo mesmo arguido.

Face às regras da lógica e da experiência, aquelas provas em que o tribunal a quo se baseou e em que fundamentou o seu raciocínio sustentem a conclusão a que o mesmo chegou.

E face a todos os elementos probatórios considerados no acórdão recorrido, aferidos, como se impõe, numa perspetiva crítica globalizante, e não num quadro de apreciação individualizada, como se caracteriza a tese argumentativa do recorrente, com recurso às regras da experiência comum e do normal acontecer, a prova produzida, perfeitamente consentânea com a atividade de tráfico de estupefacientes (guarda do produto estupefaciente), levada a cabo pelo arguido AA, da forma descrita na factualidade provada, falece por completo a argumentação avançada pelo arguido.

E no acórdão em crise, em sede de “Motivação” está explicado, de forma objetiva, na conjugação e concatenação da prova e das regras da experiência comum, como se estribou aquela convicção de que o arguido cometeu aqueles factos naquelas circunstâncias de modo, tempo e lugar – a motivação do acórdão dá uma explicação racional, plausível e convincente sobre a prova dos factos impugnados.

Quanto ao elemento subjetivo do tipo não é necessário, para o seu apuramento, a existência de confissão do arguido, pois como processo psíquico, pertence ao foro interno do agente, sendo insuscetível de apreensão direta, tendoMais declarou, em suma, que:

» fez vigilâncias, tanto no local da venda como na casa de recuo, quer de manhã, quer de tarde;

(…)

» era normalmente entre as 7h30 e as 8h00 da manhã que o CC ia ao n.º ..., sendo a respetiva entrada franqueada pelo arguido AA; muitas vezes o AA já estava à porta à espera do CC, pelo que presume que este lhe telefonaria a avisar que estava a chegar;

» o BB chegou a franquear a porta do n.º ... ao CC e este chegou a entrar lá duas vezes com chave; uma vez viu o AA a entregar a chave ao BB, que vivia no primeiro andar.

(…)

» tanto o arguido AA como o BB tinham acesso à ao n.º ... da Rua ...; viu o CC a abrir aquela porta com a chave, nomeadamente na situação descrita a fls. 105, altura em que a porta não foi aberta por dentro e em que o CC esteve lá dentro entre 15 a 20 minutos.

(…)

» aquando dos factos o AA estava desempregado;

(…);

(…)

Considerando, contudo:

» a concreta atividade exercida por cada um dos arguidos, observada e descrita pelo Agente DD: o arguido CC transportava a droga da casa de recuo para o local da venda; o arguido AA permanecia na casa de recuo, onde guardava a droga e a entregava ao arguido CC; (…);

(…)

Na verdade, e no que diz respeito ao arguido AA, é evidente que o mesmo sabia o que se passava no quarto do n.º ... da Rua ..., pois era ali que ele pernoitava, era ali que se encontrava quando o arguido CC, de manhã, lá se dirigia para ir buscar os produtos estupefacientes, era ele que tinha o caderno com as anotações na mesinha de cabeceira, era ele que tinha a chave do quarto e que permitia a entrada naquele local, pelo que não se mostra verosímil que não fosse ele, por si ou por intermédio de outro(s), que entregasse ao arguido CC tais produtos.”.

De facto, o relatório de vigilância de fls. 38 e 39 e respetiva reportagem fotográfica de fls. 40 a 42 (cujo teor foi confirmado pelo depoimento da testemunha DD) descreve que no dia 1 de abril de 2021, pelas 8h20, o arguido CC deslocou-se no veículo de marca ..., de cor cinzenta, com a matrícula ..-IN-.., até à casa (quarto onde o arguido AA pernoitava), sita na Rua ..., onde entrou e carregou uma mochila com produto estupefaciente, levando-a consigo. Volvidos cerca de cinco minutos, o arguido CC saiu daquela residência e iniciou a marcha no sentido ascendente da rua em direção ao local de venda direta, na Rua .... Atente-se na hora matinal em que tal deslocação ocorreu ao local de pernoita do arguido AA, que na altura se encontrava desempregado e no facto de o arguido CC ali ter permanecido apenas cerca de cinco minutos e dali ter saído com uma mochila.

Ainda o relatório de vigilância de fls. 43 e 44 e respetiva reportagem fotográfica (cujo teor foi confirmado pelo depoimento da testemunha DD) descreve que o arguido CC, no dia 6 de abril de 2021, cerca das 8.35h, se deslocou, no veículo de marca Seat, modelo Arona, ao nº ... da Rua ... (local onde o arguido AA pernoitava), retirando da mala de tal veículo uma mochila de cor preta com o logótipo de Nike, após o que onde entrou naquela morada e daí saiu carregando a referida mochila, com todo o cuidado, iniciando a marcha, no veículo, com destino ao local de venda direta. O referido agente referiu ainda que viu o AA a entregar a chave ao BB, que vivia no primeiro andar.

Ainda do relatório de vigilância de fls. 101 a 103 e respetiva reportagem fotográfica de fls. 104 a 112 (cujo teor foi confirmado pelo depoimento da testemunha DD) decorre que no dia 14 de abril de 2021, pelas 08h30, o arguido CC se deslocou novamente à Rua ..., onde entrou com chave. Cerca de cinco minutos depois saiu desse local transportando consigo uma mochila de cor escura nas costas. Às 08h40, o arguido AA saiu do interior do seu quarto, onde havia momentos antes havia estado o arguido CC, tendo-se dirigido para um café nas proximidades. Atente-se, uma vez, na hora matutina em que estes factos ocorreram, aliados ao facto de o arguido CC dali ter saído a transportar uma mochila.

Acresce que o arguido CC confessou que ia buscar a droga ao nº ... da ... e transportava-a para o nº 480 da .... É certo que este mesmo arguido referiu não conhecer o arguido AA, contudo este confessou que viu uma vez o CC, a quem entregou um saco preto a pedido do seu primo. Foi ele que abriu a porta ao CC.

Ademais, não obstante a negação por parte do arguido AA no sentido de que nada tem a ver com o caderno apreendido, não podemos escamotear o local onde foi encontrado tal caderno – no móvel ao lado da cama, local facilmente acessível a quem está deitado, no quarto onde apenas o arguido AA dormia.

A que acresce o teor dos referidos apontamentos, que numa breve análise é possível concluir, sem dúvidas, de que estão relacionados com a atividade de tráfico de estupefacientes, com alusão a dias e quantidades de entradas naquele local (veja-se a alusão “chegou”).

Neste contexto, face ao exposto, analisada a prova produzida e considerada pelo tribunal a quo, sem escamotear que está em causa uma atividade levada a cabo por vários indivíduos, com repartição de tarefas, em que cada um tem a sua, e que a de cada um complementa a dos demais, não se podendo isolar a tarefa de cada um dos arguidos da dos demais, tudo conjugado com as regras da experiência, suportam a convicção a que o tribunal a quo chegou sobre a veracidade da facticidade considerada provada pelo tribunal a quo e impugnada pelo arguido AA, nomeadamente no que concerne à atividade desenvolvida pelo mesmo – guarda do produto estupefaciente - ao invés, da prova avançada pelo mesmo arguido.

Face às regras da lógica e da experiência, aquelas provas em que o tribunal a quo se baseou e em que fundamentou o seu raciocínio sustentem a conclusão a que o mesmo chegou.

E face a todos os elementos probatórios considerados no acórdão recorrido, aferidos, como se impõe, numa perspetiva crítica globalizante, e não num quadro de apreciação individualizada, como se caracteriza a tese argumentativa do recorrente, com recurso às regras da experiência comum e do normal acontecer, a prova produzida, perfeitamente consentânea com a atividade de tráfico de estupefacientes (guarda do produto estupefaciente), levada a cabo pelo arguido AA, da forma descrita na factualidade provada, falece por completo a argumentação avançada pelo arguido.

E no acórdão em crise, em sede de “Motivação” está explicado, de forma objetiva, na conjugação e concatenação da prova e das regras da experiência comum, como se estribou aquela convicção de que o arguido cometeu aqueles factos naquelas circunstâncias de modo, tempo e lugar – a motivação do acórdão dá uma explicação racional, plausível e convincente sobre a prova dos factos impugnados.

Quanto ao elemento subjetivo do tipo não é necessário, para o seu apuramento, a existência de confissão do arguido, pois como processo psíquico, pertence ao foro interno do agente, sendo insuscetível de ser inferido dos factos materiais que, provados e apreciados com a livre convicção do julgador e conjugados com as regras da experiência comum, apontam para a sua existência.»

C) Julgado o recurso parcialmente procedente, por se entender que não se verificava a agravante da alínea b) do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, veio o arguido a ser condenado, por acórdão datado de 19-10-2022, pela coautoria de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei 15/93, de 22.01, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

D) Deste acórdão do Tribunal da Relação do Porto veio o arguido a interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432º n.º 1 al. b) do CPP, o qual, por douto despacho datado de 17-11-2022, não foi admitido.

E) Deste despacho de não admissão do recurso, veio o arguido a apresentar reclamação, nos termos do art.º 405.º do CPP, a qual foi indeferida, por douta decisão, datada de 08-12-2022.

F) Desta decisão de indeferimento, veio o arguido a recorrer para o Tribunal Constitucional, recurso esse que o Supremo Tribunal de Justiça, numa parte, não admitiu e na outra parte, determinou que os autos fossem remetidos para o Tribunal da Relação do Porto para apreciação, não tendo este tribunal, igualmente, admitido o recurso interposto pelo arguido.

G) Destes dois despachos de não admissão de recurso, veio o arguido reclamar para o Tribunal Constitucional, o qual, por doutos acórdãos datados, respetivamente, de 30-03-2023 e de 28-09-2023, decidiu indeferir as reclamações em causa, confirmando as decisões de não admissão dos recursos de constitucionalidade interpostos pelo arguido.

H) Tornando-se finalmente definitiva a decisão condenatória proferida nos autos, veio então o condenado com o presente RECURSO DE REVISÃO, que mais não é do que uma nova e derradeira tentativa de reapreciação das provas já existentes nos autos e analisadas, quer em sede de audiência de julgamento, quer em sede de recurso ordinário.

I) Na verdade, fundando o seu recurso de revisão na alínea d) do n.º 1 do art.º 449.º do CPP, verifica-se que o recorrente não alegou a descoberta de novos factos ou novos meios de prova que suscitem dúvidas sobre a justiça da sua condenação, mas tão só, por um lado, a existência de um comportamento omissivo do Ministério Público, subsumível ao tipo legal de crime de denegação de justiça e prevaricação, p.p. pelo art.º 369.º do Código Penal, por não ter acusado o arguido BB do crime de tráfico de estupefacientes, quando tinha no inquérito provas suficientes para o fazer, e, por outro lado, a errada valoração das provas produzidas em audiência de julgamento, que entende ter sido de “absoluta inércia, desatenção e omissão grave no exercício penal” (sic), por ter concluído pela sua condenação, quando tudo indicava que o “culpado” era o BB.

J) Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, o presente recurso carece de todo e qualquer fundamento factual ou legal.

K) Em primeiro lugar, o Ministério Público entendeu, em face da análise das provas carreadas para os autos em sede de inquérito, que “não foi possível recolher elementos dos quais resultasse, de uma forma sustentada (…) que o arguido BB “tivesse(m) conhecimento, colaborasse(m) ou ajudasse(m) o arguido AA, em concreto, no que estava relacionado com a circunstância do mesmo guardar o produto estupefaciente e/ou outros objetos e valores relacionados com tal atividade, na residência onde morava, sita na Rua ...” (cfr. despacho de arquivamento).

L) Em segundo lugar, quer o tribunal de primeira instância, quer o tribunal de recurso, entendeu, em face da análise que fez das provas produzidas em audiência de julgamento – entre as quais se incluem as declarações prestadas pelo recorrente e pelo coarguido CC e os depoimentos prestados pelas testemunhas DD e BB, bem como o auto de busca domiciliária e os relatórios de vigilância – que foi o recorrente que cometeu os factos integradores do crime de tráfico de estupefacientes que lhe vinham imputados, e não o seu primo GG, hipótese desde logo aventada em audiência, mas que não vingou, não tendo sequer sido suficiente para colocar em dúvida a autoria dos factos por parte do recorrente.

M) Os factos e as provas que o recorrente pretende ver apreciados em sede de RECURSO DE REVISÃO são, assim, exatamente os mesmos que foram conhecidos e analisados em sede de audiência de julgamento e de recurso ordinário, tendo os respetivos tribunais, contudo, chegado a conclusões diversas daquelas que o recorrente pretendia.

N) Tudo conjugado, fica-se com a nítida sensação de que esta é mais uma derradeira tentativa de o recorrente se eximir à sua responsabilidade penal, mais precisamente, de evitar o cumprimento da pena de prisão aplicada, sendo que se mostram pendentes os respetivos mandados de detenção.

Face a todo o exposto, por força da informação ora expendida, a qual segue o entendimento do Ministério Púbico, é nosso parecer que o recurso extraordinário de revisão interposto por AA deverá improceder.

5. Neste Supremo Tribunal, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu, em 02/02/2024, douto parecer, nos temos do qual, acompanhando as tomadas de posição do Ministério Público da primeira instância e da Juíza titular do processo, entende que é manifestamente improcedente a pretensão do recorrente, não se verificando os requisitos do art. 449.º n.º 1 d), do C.P.P., ou de qualquer dos demais segmentos do mesmo preceito legal, pelo que deverá ser negada a pretendida revisão da decisão condenatória.

6. Observado o contraditório, o recorrente respondeu, em 19/02/2024, ao parecer do Ministério Público, discordando praticamente de todo o seu conteúdo e insistindo que houve um “grave erro judiciário”, que põe em causa a justiça da condenação e justifica a quebra do caso julgado, devendo, em consequência, ser autorizada a revisão requerida e, cautelarmente, determinada a suspensão da execução da pena aplicada, nos termos do art. 457.º n.ºs 2 e 3, do C.P.P.

7. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

1. O recurso extraordinário de revisão constitui, nas assertivas palavras de Amâncio Ferreira1, o “último remédio contra os erros que atingem uma decisão judicial”.

Este expediente extraordinário visa a obtenção de uma nova decisão judicial que se substitua, através da repetição do julgamento, a uma outra já transitada em julgado2.

Trata-se, pois, de uma solução de compromisso entre o interesse de dotar o ato jurisdicional de firmeza e segurança e o interesse de que não prevaleçam sentenças que contradigam ostensivamente a verdade e, através dela, a justiça material.

Procura-se evitar, em ultima ratio, sentenças injustas e corrigir erros judiciários3.

Saliente-se que a revisão de sentenças e despachos que ponham termo ao processo tem uma larga tradição nosso direito4, encontrando-se já referenciada, como lembra Luís Osório5, nas Ordenações Afonsinas (Ord. III, §§ 1.º, 3.º, 5.º e 6.º).

Presentemente, tem consagração constitucional – art. 29.º n.º 6 da C.R.P. – e encontra-se prevista no art. 449.º e ss. do C.P.P.

Também a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, no Protocolo 7, art. 4.º, consagra que a sentença definitiva não impede a reabertura do processo, nos termos da lei do processo penal do Estado em causa, se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior poderem afetar o resultado do julgamento.

É constituída por duas fases: a fase do Juízo rescindente e a fase do juízo rescisório6. A primeira abrange todos os termos que têm lugar desde a petição do recurso até à decisão do Supremo Tribunal de Justiça, concedendo ou denegando a revisão. A segunda respeita ao conhecimento do mérito do próprio recurso, cabendo ao tribunal da primeira instância.

No caso da descoberta de novos factos ou novos elementos de prova, que é um dos fundamentos mais frequentemente utilizados pelos recorrentes, Cavaleiro de Ferreira7 chama a atenção para a indicação ser em alternativa, o que só pode significar que se trata de coisas diferentes.

Factos são os factos probandos; elementos de prova, as provas relativas a factos probandos. Quer dizer, por factos há que entender todos os factos que devem ou deveriam constituir tema da prova, seja direta ou indireta. Elementos de prova são os as provas destinadas a demonstrar a verdade de quaisquer factos probandos, quer dos que constituem o próprio crime, quer dos que são indiciadores de existência ou inexistência do crime.

2. Fechado este parêntese, em que tecemos breves considerações sobre a figura do recurso de revisão, e regressando à situação sub judice, torna-se patente, analisada a Motivação do requerimento de interposição do recurso de revisão, não se verificar qualquer dos fundamentos legais taxativamente previstos para este recurso extraordinário.

Não obstante a invocação da norma da alínea d) do n.º 1 do art. 449.º, do C.P.P., como fundamento do recurso, é por demais evidente não se estar em presença nem de novos factos nem de novos meios de prova, centrando-se a motivação do recurso na alegada ocorrência de um grave erro judiciário, que põe em causa, segundo o recorrente, a justiça da condenação e justifica a quebra do caso julgado, seguindo-se depois toda uma análise muito particular pelo mesmo do que foi a prova considerada no julgamento de que emergiu a sua condenação em tribunal, que é perfeitamente deslocada, nesta sede.

Saliente-se que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça8 tem vindo a reconhecer de forma pacífica, desde já há algum tempo, que factos e/ou meios de prova novos têm de ser novos, no sentido de desconhecidos do tribunal e do arguido ao tempo do julgamento ou, pelo menos, que a sua não apresentação e consideração na sentença condenatória resulte de circunstâncias justificativas da sua não apresentação tempestiva e que da sua produção e consideração resulte não uma qualquer dúvida, mas graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Ora, as duas testemunhas que o recorrente requer que sejam ouvidas, já o foram aquando do julgamento que teve lugar na primeira instância, conforme resulta, nomeadamente, da informação da Senhora juíza do processo.

Nestes termos, o recorrente não indica novos factos nem carreia novos elementos que coloquem graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação.

Com efeito, como bem refere o Senhor Procurador-Geral Adjunto, no seu esclarecido e completo parecer, o recorrente parece esquecer que o requisito de fundadas, por graves e sérias, dúvidas sobre a justiça da condenação, não pode ser visto autonomamente, antes depende forçosamente de novos factos ou novos meios de prova, sem o que não estaria em causa senão mais uma reapreciação da prova existente, que os autos já não admitem.

O que o mesmo visa, no fundo, é a reapreciação no âmbito de um recurso extraordinário do que não logrou alcançar, por via do recurso ordinário, esse sim, o meio próprio para o efeito pretendido e que tudo não passa de mais uma tentativa de, a todo o custo, se eximir ao inevitável cumprimento da pena de prisão a que foi condenado.

Nesta conformidade, sem necessidade de outros considerandos, terá de ser indeferida, por manifesta falta de fundamento, a solicitada revisão do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto.

III. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar a revisão requerida pelo arguido/condenado AA (art. 455.º n.º 3, do C.P.P.).

Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, a que acrescerá mais 6 UC, nos termos do art. 456.º, do C.P.P.

Lisboa, 13 de março de 2024

(Processado e revisto pelo Relator)

Pedro Branquinho Dias (Relator)

Maria Teresa Féria de Almeida (Adjunta)

Teresa de Almeida (Adjunta)

Nuno Gonçalves (Presidente da Secção)

___________________________




1. Manual dos Recursos em Processo Civil, 3.º ed., Pg. 334.↩︎

2. Simas Santos e Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6.º ed., pg. 203 e ss.

3. É muito vasta a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre o recurso de revisão, sendo, entre os mais recentes, entre outros, de destacar os acórdãos de 15/2/2024, 23/11/2023, 7/4/2022, 23/3/2022, 27/1/2022 e 20/10/2021, cujos relatores são, respetivamente, os Senhores Conselheiros Agostinho Torres, Leonor Furtado, António Gama, Nuno Gonçalves, M. Carmo Silva Dias e Ana Barata de Brito, todos consultáveis em www.dgsi.pt.

4. Sobre a evolução histórica do recurso de revisão, vide Paulo Renato de Freitas Belo, in JULGAR n.º 23-2014, pg. 85 e ss.

5. In Comentário ao Código de Processo Penal, Vol.VI, pg. 402.

6. Com mais desenvolvimento, veja-se, com interesse, Manuel Cavaleiro de Ferreira, in Scientia Juridica, 1965, Tomo XIV, n.ºs 75-76 – Setembro-Dezembro, pg. 357 e ss., e o acórdão do STJ de 12/3/2009, cujo relator é o Senhor Conselheiro Simas Santos, in www.dgsi.pt.

7. Estudo já referenciado, pg. 521 e ss.

8. Cfr., v.g., os acórdãos de 11/1/2024 (relator o Senhor Conselheiro João Rato), Proc. n.º 50/20.0JBLSB-A.S1, 28/9/2023 (Senhor Conselheiro António Latas), Proc. n.º 285/19.9JAGRD-B.S1, 13/9/2023 (Senhor Conselheiro Ernesto Vaz Pereira), Proc. n.º 7/22.7PBCHV-A.S1, e 7/6/2023 (Senhora Conselheira Helena Moniz), Proc. n.º 22/08.3JALRA-J.S1, todos disponíveis no sítio indicado.