Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2239/10.1TBOAZ.P1.S2
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA IRREGULAR
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
DETERMINAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 11/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / ABUSO DO DIREITO / COLISÃO DE DIREITOS.
Doutrina:
- Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, p. 176.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 334.º E 335.º.
CÓDIGO DE PROCESSO DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS (CPTA): - ARTIGOS 159.º E 173.º, N.º 3
CÓDIGO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO (CPA): - ARTIGOS 134.º, N.º 3 E 162.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 24-06-2008, PROCESSOS N.º 08A1929, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 05-02-2015, PROCESSOS N.º 2125/10;
- DE 14-04-2015, PROCESSOS N.º 100/10, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:

- DE 06-02-2001, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. A ocupação de parcelas de prédios rústicos ao abrigo de uma declaração de utilidade pública expropriativa cuja irregularidade impediu a adjudicação do direito de propriedade à entidade expropriante, pode justificar, consoante as circunstâncias, a procedência de um pedido de reivindicação das parcelas ou, mediante a aplicação do princípio da intangibilidade da obra pública, a procedência de um pedido de indemnização pelos danos causados.

II. Afastada pelos interessados a pretensão de natureza reivindicativa, numa situação em que a irregularidade do procedimento expropriativo por utilidade pública resultou de erro na identificação das parcelas a expropriar, o qual não foi sanado por iniciativa da entidade expropriante, a quantificação da indemnização dos danos emergentes e dos lucros cessantes deve ser feita mediante a aplicação das normas gerais da responsabilidade civil extracontratual, e não das previstas no Cód. de Expropriações.

Decisão Texto Integral:

I - AA e marido BB instauraram ação declarativa, sob a forma de processo comum ordinário, contra Município de CC, pedindo a sua condenação a:

a) Restabelecer o direito de propriedade dos AA., através da reconstituição da situação hipotética atual, relativa aos terrenos que identifica ou a indemnizar os AA. pela quantia de global de € 344.527,06, a título de reintegração por compensação, quantia acrescida dos juros de mora até efetivo e integral pagamento;

b) Pagar aos AA. a quantia global de € 5.856,12, a título de outros danos patrimoniais; a quantia global de € 263.833,43, a título de lucros cessantes; danos não patrimoniais à A. na quantia global de € 20.000,00 e ao A. na quantia global de € 30.000,00, tudo acrescido de juros moratórios até efetivo e integral pagamento.

Como fundamento alegaram que, em 24-8-99, o R. enviou aos AA. uma carta solicitando-lhes que o contactassem, para tratar de assunto relativo à construção da III Fase da Via do Nordeste, cujo traçado se previa ocupar parcelas de terrenos pertencentes aos AA. Em 5-7-01, sem que para o efeito estivesse munido de qualquer título, o R. procedeu ao abate e derrube de árvores, tendo persistido na ocupação contra a vontade e consentimento dos AA.

Em 6-8-02, os AA. foram notificados pela DGAL do teor da declaração de utilidade pública, publicada no DR, II Série, nº 175, de 31.07.02, pela qual lhes era dado conhecimento da decisão de expropriação urgente de 12 parcelas de terreno necessárias à construção da Via do Nordeste-3ª Fase, em …, havendo contudo erro na identificação da matriz predial rústica que o R. não corrigiu.

No processo especial de expropriação por utilidade pública foi proferida sentença declarando a inexistência legal do ato administrativo que legitimaria a expropriação das parcelas de terreno e indeferindo a adjudicação das mesmas

O R. manteve a ocupação dos prédios dos AA. desde 5-7-01, nele tendo implantado construções, sem que sobre tais prédios tenha incidido qualquer processo expropriativo válido e sem pagar qualquer valor aos AA.

Os AA. sofreram danos patrimoniais correspondentes a danos emergentes e lucros cessantes e ainda danos de natureza não patrimonial.

O R. contestou, invocando a exceção da inadequação do meio processual utilizado, impugnando os factos alegados pelos AA. e pedindo a condenação destes como litigantes de má-fé.

Houve réplica.

No despacho saneador, foi julgada improcedente a exceção de inadequação do meio processual utilizado.

Foi proferida sentença que:

1) Julgou a ação parcialmente procedente e condenou o R. a pagar aos AA. da quantia global de € 271.995,74, correspondente a:

(i) € 223.941,90, a título de justa indemnização (compensação) pela ocupação pelo R. das parcelas dos prédios dos AA., decorrente do princípio da intangibilidade da obra pública;

(ii) € 36.580,00, a título de lucros cessantes e compensação por frustração de expetativas jurídicas;

(iii) € 32,64, por despesas de deslocações;

(iv) € 441,20, por despesas de aconselhamento jurídico;

(v) € 5.500,00, a título de danos não patrimoniais à A.;

(vi) € 5.500,00, a título de danos não patrimoniais ao A.

2) Fez incidir sobre as quantias referidas em 1.(i), (ii), (iii) e (iv) juros moratórios à taxa legal, desde a citação até efetivo pagamento e sobre as quantias referidas em 1.(v) e (vi) juros moratórios desde a sentença até efetivo e integral pagamento.

3) Absolveu o R. do demais peticionado.


O R. e os AA. apelaram, tendo a Relação considerado improcedentes ambos os recursos, confirmando a sentença.

O R. veio interpor recurso de revista que, atenta a data da interposição da ação, ainda antes de 1-1-08, não está sujeito ao regime da dupla conforme emergente do nº 3 do art. 671º do CPC.

Na revista o R. põe unicamente em causa o critério de fixação da indemnização, considerando que esta deve ser calculada mediante a aplicação das regras do Cód. das Expropriações, uma vez que a sua atuação foi a coberto de um processo expropriativo afetado apenas quanto à identificação dos prédios.

Houve contra-alegações.

Cumpre decidir.

II - Factos provados:

1. Encontra-se inscrita na CRP de … a aquisição a favor da A., casada com o A. no regime de comunhão de adquiridos, dos seguintes prédios:

a) prédio rústico, constituído por terreno de cultura. pinhal e eucaliptal, com área de 109.000 m2, sito em …, …, inscrito na matriz predial rústica sob o art. 488 e descrito na CRP de … com o nº 1299, pela Ap. 10 de 2007/12/10;

b) prédio rústico, constituído por terreno de mato e pinhal com área de 7.000 m2, sito em …, …, inscrito na matriz predial rústica sob o art. 763 e descrito na CRP de … com o nº 1301, pela Ap. 10 de 2007/12/10;

c) prédio rústico, constituído por terreno de monte com área de 22.408 m2, sito em …, …, inscrito na matriz predial rústica sob o art. 1155º e descrito na CRP de … com o nº 1300, pela Ap.10 de 2007/12/10;

d) prédio rústico, constituído por mato e pinhal, com área de 9.300 m2, localizado em …, freguesia de …, inscrito na matriz predial sob o art. 465º e descrito na CRP de … com o nº 1302, pela Ap. 10 de 2007/12/10;

e) prédio rústico, constituído por mato e pinhal, com área de 4.470 m2, localizado em …, freguesia de …, inscrito na matriz predial sob o art. 463º e descrito na CRP de … com o nº 1303, pela Ap. 11 de 2007/12/10;

f) prédio rústico, constituído por pinhal e mato, com área de 4.900 m2, localizado em …, freguesia de …, inscrito na matriz predial sob o art. 471º e descrito na CRP de … com o nº 1304, pela Ap. 11 de 2007/12/10;

g) prédio rústico, constituído por pinhal e eucaliptal, com área de 3.300 m2, localizado em …, freguesia de … e inscrito na matriz predial sob o art. 485º e descrito na CRP de … com o nº 129B, pela Ap. 10 de 2007/12/10;

h) prédio urbano localizado em …, freguesia de …, composto por casa de duas habitações e dois comércios no rés do chão e cave, inscrito na matriz predial sob o art. 1308º, mas ao qual correspondeu já a matriz predial rústica com o art. 401º, atualmente descrito na CRP de … com o nº 134, pela Ap. 11 de 2007/12/10. (A)

2. Em 24-8-99, o R. enviou aos AA. uma carta solicitando-lhes que o contactassem para tratar de assunto relativo à construção da III Fase da Via do Nordeste, cujo traçado se previa ocupar parcela de terreno pertencente aos AA., a que se seguiu uma sucessiva troca de comunicações entre os AA. e o R. no sentido de, através da via negocial, ser concretizado o processo expropriativo das parcelas necessárias à construção da referida Via. (B)

3. Os AA. enviaram ao R. a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 77, na qual consta, designadamente que “no dia 04/07/2001 recebi telefonema da Sra. Drª DD, jurista da sua Câmara Municipal, pedindo-me autorização para colocação de estacas nas minhas terras (parcelas 8-A, 8-B, 8-C e 8-D). Por cortesia acedi ao pedido. Fui hoje, 05/07/2001, confrontado com um intolerável abuso, ao ser informado que as máquinas da sua Câmara Municipal invadiram os meus prédios, devastando e derrubando arvoredo (…)”. (C)

4. Por despacho do Sr. Secretário de Estado da Administração Local de 21-6-02, publicado na II Série do DR nº 175, de 31-7-02, foi declarada a utilidade pública (DUP) da expropriação com carácter urgente das seguintes parcelas, propriedade dos AA.:

- Parcela nº 8: prédios sitos em espaços florestais, localizados em …, freguesia de …, sendo um a confrontar a norte com EE, a sul e poente com FF e a nascente com GG, inscrito na matriz predial sob o artigo rústico 465 e omisso na CRP, e outro confrontando a norte com HH, a sul com estrada, a nascente com II e a poente com JJ, inscrito na matriz predial sob o art. rústico 463 e omisso na CRP;

- Parcela nº 8-A: prédio sito em espaços florestais, a confrontar a norte com KK, a sul e nascente com caminho e a poente com EE, inscrito na matriz predial sob o art. rústico 471 e omisso na CRP;

- Parcela nº 8-B: prédio sito em espaços florestais, a confrontar a norte com caminho, a sul com LL e a nascente e poente com caminho, inscrito na matriz predial sob o art. rústico 485 e omisso na CRP;

- Parcela nº 8-C: prédio sito em espaços florestais e em estrada ecológica nacional (REN), confrontando a norte com MM, a sul com a estrada nacional nº 227, a nascente com NN e a poente com a estrada de N…-C…, inscrito na matriz predial sob o art. rústico 401 e omisso na CRP. (D)

5. As parcelas referidas em 4. destinavam-se à construção do troço da designada "Via do Nordeste". (E)

6. Em 26-9-02 teve lugar a vistoria ad perpetuam rei memoriam, a qual alude aos elementos identificativos das parcelas referidos na DUP mencionada em 4. e em 22-1-03 o R. tomou posse administrativa das ditas parcelas, tendo sido lavrado o respetivo auto, cuja cópia se encontra a fls. 90 a 92. (F)

7. Entre AA. e o R. foi trocada a correspondência que se encontra junta aos autos a fls. 84 a 88 e 93, da qual consta, designadamente:

(a) Pela reclamação de 24-10-02, enunciando a falta de presença do A. aquando da vistoria ad perpetuam rei memoriam da parcela 8, de discordância na classificação dos solos, das confrontações, da descrição da área envolvente e das medidas de distância nelas constantes (fls. 84-86);

(b) Por carta de 9-1-03, o R. comunicou à A. que iria tomar formalmente posse administrativa das parcelas 8, 8-A, 8-B e 8-C, “no total de 9.822 m2 de terreno”, no dia 22 de Janeiro (fls. 87);

(c) Por comunicação entregue ao R. em 15-1-03, a A. explicitou que os prédios descritos na DUP não tinham relação com as parcelas, da inexistência de relatório complementar na sequência da reclamação apresentada, da falta de cumprimento do disposto no art. 35º do CE e para suspender a posse administrativa agendada, “porque não estão criadas as condições de legalidade” (fls. 88);

(d) Por carta de 11-2-03, os AA. comunicaram não poder oferecer uma contraproposta por, desde o início, as parcelas não estarem corretamente identificadas. (G)

8. Em 2-12-03, o R. veio a instaurar proc. de expropriação por utilidade pública, que sob o nº 3753/03.0T… veio a correr termos pelo 2º Juízo de Competência Cível do Trib. Judicial de … . (H)

9. Em 19-10-05, no âmbito do processo referido em 8., veio a ser proferida sentença, já transitada em julgado, pela qual o aqui R., entidade expropriante, viu indeferida a sua pretensão de adjudicação, da qual consta, designadamente, o seguinte:

“Em suma, ocorre um manifesto erro de identificação das parcelas a expropriar e, no caso a adjudicar ao expropriante nesta fase contenciosa do processo”;

“O certo é que relativamente aos prédios efetivamente apropriados e que seriam objeto da vontade expropriativa da expropriante nada existe. Isto é, juridicamente, não tem existência legal o ato administrativo que legitimaria a expropriação das parcelas de terreno de que a entidade expropriante efetivamente tomou posse. O ato administrativo que ora nos é indicado e associado à expropriação das parcelas efetivamente utilizadas pela expropriante tem por objeto prédios totalmente distintos e não é suscetível de legitimar a expropriação dos prédios ora identificados consensualmente por expropriante e expropriados”;

“(...) não tem este tribunal condições para poder proceder à requerida adjudicação das parcelas agora identificadas por não estar o processo devidamente instruído, designadamente por inexistência de um despacho administrativo de D.U.P. que abranja as mesmas, mas também por não serem as deficiências detetadas passíveis de mera retificação processual nesta fase”. (I) e J)).

10. As parcelas de terreno dos AA. de que o R. tomou posse administrativa não correspondem às identificadas na DUP referida em 4. e na vistoria e no auto referidos em 6. (K)

11. A identificação das parcelas ocupadas pelo R., acordada pela expropriante e pelos expropriados no processo referido em 8., foi a seguinte:

- Parcelas 8 e 8-A: respetivamente com a área de 2.321 m2 e 2.136 m2, a destacar do prédio constituído por terreno de milho, pinhal, eucaliptal e mato, sito em …, …, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de … sob o art. 488;

- Parcela 8-B: com a área de 2.097 m2, a destacar do prédio constituído por terreno a pinhal, sito em …, …, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de … sob o art. 763;

- Parcela 8-C: com a área de 2.550 m2 (segundo a expropriante) e 3.694 m2 (segundo os expropriados), a destacar do prédio constituído por terreno de monte, sito em …, …, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de … sob o art. 1155. (L)

12. Nas parcelas dos AA. referidas em 10. e 11. foi construída a III Fase da Via do Nordeste, via esta aberta à circulação pública desde Março de 2005. (M)

13. A Via do Nordeste estabelece, numa extensão de cerca de 20 kms, ligação entre o centro do Município (cidade de …, onde se situam os principais serviços públicos - escolas secundárias, escola de enfermagem, polo universitário, Tribunais, Finanças, Conservatórias, Bibliotecas e superfícies comerciais) e as populações das freguesias situadas a norte da sede do Município (…, …, …, …, …, …, …). (N)

14. Em 5-7-01, o R. fez deslocar para os terrenos dos AA. identificados em 1., a), b) e c), máquinas cujo funcionamento levou ao abate e derrube de árvores, com a consequente descaracterização e destruição de parte desses terrenos. (1º)

15. O R. passou a “ocupar” as parcelas dos prédios referidas em 11. a partir da posse administrativa em 22-1-03 referida em 6., tendo neles implantado construções, sem pagar o que quer que seja aos AA. (3º, 4º e 5º)

16. Do levantamento topográfico realizado nos autos resulta que o R. ocupou as seguintes áreas dos prédios referidos em 1. e 11., dos quais ficaram igualmente sobrantes as seguintes:

Parcela 8    Parcela 8-A Parcela 8-B Parcela 8-C

Nasc. Via Nordeste   2.338 m2     2.075 m2     ------        ------

Poente Via Nordeste      2.338 m2     2.075 m2     1.828 m2   2.944 m2

Área total da parcela 4.676 m2 4.150 m2    ------        -----

Área da parte sobrante 85.549 m2   ----       5.152 m2   19.475 m2  

(6º, 11º, 14º, 18º, 19º e 20º).      

17. Na parte ocupada do prédio referido em 1.-a), na parte poente da Via do Nordeste, das parcelas 8 (2.338m2) e 8-A (2.075m2), o mesmo era atravessado pela R. …, que possui todas as infraestruturas de rede elétrica e telefónica, abastecimento de água, pavimento betuminoso e ao longo da qual estão instaladas diversas indústrias. (7º)

18. A poente da referida R. … e adjacente à Via do Nordeste o R. mandou elaborar, por deliberação de 10-11-98, um instrumento urbanístico que designou por "Plano de Pormenor da Zona Industrial de …/…", onde são previstos uma dezena de lotes industriais com arruamentos, estacionamentos e zonas verdes. (8º)

19. Estando os terrenos do prédio de onde são destacadas as parcelas referidas dentro dos limites desse "Plano de Pormenor". (9º)

20. A menos de 300 metros dos limites do mesmo prédio e parcelas situam-se os aglomerados de … e de …, onde predominam habitações de rés do chão e 1º andar. (10º)

21. O prédio referido em 1.-b), do qual foi ocupada a parcela 8-B, situa-se numa área de transição, estando servido de rede de águas pluviais, rede de abastecimento de água, eletricidade, telefone e via pavimentada. (12º)

22. O qual era um prédio com forma triangular, estando grande parte da sua frente para a antiga estrada municipal, confinante com outros do lado Poente e com uma unidade industrial (serração) do lado Sul, e a curtíssima distância de aglomerado populacional (menos de 100 metros) de distância. (13º)

23. O prédio referido em 1.-c), do qual foi ocupada a parcela 8-C, sem forma definida, era confinante em grande parte a Sul com a R. Prof. …, e com estrada municipal do lado Nascente, confinando do lado Poente com moradia e terrenos florestais e do lado Norte com floresta estava servido de rede de águas pluviais, rede de abastecimento de água, eletricidade, telefone, e via pavimentada. (15º)

24. O prédio referido em 23. inseria-se numa zona de espaços florestais e REN. (16º)

25. Os terrenos marginais às parcelas 8 e 8-A ficaram desvalorizados numa profundidade, relativamente ao limite da plataforma, no mínimo de 10 m e nas parcelas 8-B e 8-C os sobrantes a nascente deixaram de ter qualquer possibilidade de utilização para o fim a que diziam respeito. (17º, 18º, 19º e 20º)

26. Em Janeiro de 1999, foi apresentada aos AA. uma oferta de compra em relação aos prédios referidos em 1.-a), b) e c) pelo preço de 10.000$00/m2. (21º)

27. Em 20-5-03, os AA. receberam uma proposta de compra de 30.000 m2 do terreno referido em 1.-a), pelo preço de € 44,00/m2, os quais se situavam em parcela situada a norte da empresa OO, Lda, e poente da R. … . (22º e 23º)

28. Pela privação do uso e fruição das parcelas 8-B e 8-C os AA. deixaram de poder obter e vender material lenhoso. (25º)

29. Sendo a produção anual de material lenhoso nessas parcelas com o valor de € 3,25/m2, enquanto material para massa de papel e biomassa até ao máximo de dez anos. (26º)

30. Os AA. receberam uma proposta de compra do terreno sito em … em frente às instalações da empresa PP - Comércio de Automóveis, S.A., pelo preço de 7.000$00/m2. (27º)

31. Sendo o terreno sobre o qual incidiu a proposta relativo ao prédio de pinhal e eucaliptal (espaços florestais), a confrontar a norte com caminho, a sul com LL e a nascente e poente com caminho, inscrito na matriz predial sob o art. rústico 485º, atualmente descrito na CRP de …sob o nº 1298 da freguesia de … indicado na DUP como parcela 8-B. (28º)

32. Os AA. tiveram que se deslocar por várias vezes à Câmara Municipal de … para a entrega de requerimentos, para a solicitação de informações e ao Tribunal de … para a entrega de peças processuais e outros requerimentos. (30º e 31º)

33. Tendo tido encargos e despesas, de valor concretamente não apurado, nessas deslocações e nas demais efetuadas no contexto dos autos. (32º)

34. Bem como suportado com serviços de advogados, com o objetivo de obter o competente aconselhamento jurídico, no valor de € 441,20. (34º)

35. Em virtude dos factos dos autos, os AA. durante pelo menos 5 anos foram sujeitos a pressões, angústias, receios, temores e desilusões, que degradaram a sua saúde física e psíquica. (35º)

36. Presentemente, a A. apresenta um quadro clínico caracterizado pela degradação da memória, cansaço, stress, depressão e hipertensão, tendo de recorrer a medicamentos para evitar o agravamento do seu estado de saúde, e diminuir a sintomatologia. (36º)

37. A A. é educadora de infância, sendo uma profissional dedicada à sua atividade, quer no relacionamento que tem com as crianças, quer na forma como orienta a sua conduta ao nível pedagógico e face aos factos descritos, viu diminuído o seu rendimento de trabalho e a sua atenção e concentração, circunstância que lhe trouxe e ainda traz incómodo, angústia e stress. (37º e 38º)

38. O A. apresenta um quadro clínico caracterizado pelo cansaço, dispneia, stress, cardiopatia hipertensiva, com evidência para doença hipertensiva que se tem agravado, progressivamente, nos últimos cinco anos, tendo de recorrer a medicamentos para evitar o agravamento do seu estado de saúde, e diminuir a sintomatologia. (40º e 41º)

39. O A. é médico, sendo um profissional dedicado à sua atividade, que lhe exige a máxima concentração e dedicação aos seus pacientes e um permanente estudo e atualização. (42º)

40. Foi o A. quem, desde o início do processo, se ocupou a título principal da elaboração de todas as reclamações apresentadas ao R. e, posteriormente, em tribunal, foi ele quem efetuou as diversas deslocações referidas em 32. (45º)

41. O cansaço, insónias, dispneia, stress, hipertensão e depressão sofrido pelos autores repercutiu-se na diminuição do apoio à família, na ausência de tempo para privar com a mesma e lhe prestar o devido acompanhamento e do agregado familiar dos AA. fazem parte dois filhos ainda em idade escolar e que carecem de atenção e acompanhamento. (49º e 50º)

42. Com o referido em 37. e 38., o A. viu diminuída a sua atenção e concentração no trabalho. (44º)

43. Por deliberação da Camara Municipal de …, de 30-10-01, foi determinada a elaboração de um plano de pormenor da zona industrial de …/…, que veio a ser aprovado posteriormente e publicado em DR, por Aviso nº 10...3/2010.

44. Por instrumento público de Aquisição de Terrenos, elaborado pelo Notário Privativo da Câmara Municipal de …, de 18-1-07, foi adquirida pelo R. uma parcela de 2.130 m2 de um terreno sito no lugar de …, …, com a área de 3.100 m2, pelo valor de € 67.081,16, correspondendo ao valor de € 31,49/m2.

45. Por escritura pública de compra e venda, lavrada em 19.01.99, no 1º Cartório Notarial de …, um terreno situado na Zona Industrial de …/…, da zona onde se situam as parcelas 8 e 8-A, foi declarado vender por 80.000.000$00 com a área de 16.000 m2, correspondente a € 25,00/m2.


III – Decidindo:

1. Os AA. formularam inicialmente o pedido de restituição das parcelas ocupadas pelo R., mas logo em alternativa pediram a fixação de uma indemnização atinente ao valor das parcelas ocupadas pelo R. e a outros danos complementares.

A sentença da 1ª instância optou pela fixação de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, mediante a adesão ao princípio geral da intangibilidade da obra pública que, no caso concreto, foi aplicado tendo em conta todo o circunstancialismo que rodeou a ocupação das parcelas de terreno por parte do R.

Ora, nesta parte, a sentença não foi impugnada pelos AA. que se limitaram a pugnar pela fixação de uma indemnização mais elevada. O próprio R. Município também não questionou aquela opção, limitando a sua oposição no precedente recurso de apelação à definição do critério que deveria ser aplicado para fixação da indemnização a favor dos AA., defendendo para o recurso às regras constantes do Cód. de Expropriações.

No acórdão recorrido a Relação, tendo em conta o objeto de cada um dos recursos de apelação, limitou-se também a apreciar o critério a que deveria obedecer a fixação da indemnização. E para esse efeito, não atendeu nem à pretensão do R. no sentido da aplicação integral dos critérios previstos no Cod. de Expropriações, nem à pretensão dos AA. de incremento da indemnização que fora estabelecida pela 1ª instância.

Neste contexto, o recurso de revista que foi interposto pelo R. Município tem como único objeto a identificação do critério a que deve obedecer a fixação da indemnização, mais concretamente, se para o efeito devem valer as regras que constam do Cód. de Expropriações ou se, como decidiram as instâncias, em face da ausência de um processo expropriativo válido, a indemnização a atribuir aos AA. proprietários das parcelas ocupadas pelo R. Município deve obedecer às regras gerais que decorrem do regime geral da responsabilidade civil.


2. Invoca o Município recorrente que, embora tenha sido anulado o processo de expropriações, tal deveu-se a um erro de identificação na declaração de utilidade pública das parcelas que foram efetivamente ocupadas para a realização de obras de inegável interesse público. Considera ainda que apenas em casos de grosseira usurpação da propriedade alheia e de inexistência de qualquer elemento do processo expropriativo a indemnização deve ser calculada com recurso às regras gerais. Conclui que, nas circunstâncias do caso, o valor da indemnização deverá ser calculado com apoio nas normas que constam do Cód. de Expropriações, o que determinaria a exclusão de qualquer indemnização a título de lucros cessantes ou por frustração de expetativas, assim como da indemnização por despesas, danos não patrimoniais e juros de mora. Tal redundaria, pois, na redução do valor da indemnização que foi arbitrada.

Retenhamos, antes de mais, que as instâncias estabeleceram as seguintes indemnizações parcelares, no valor global de € 271.995,74, com juros de mora:

a) € 223.941,90, a título de justa indemnização (compensação) pelas parcelas prediais dos AA. decorrente do princípio da intangibilidade da obra pública;

b) € 36.580,00, a título de lucros cessantes e compensação por frustração de expetativas jurídicas;

c) € 32,64, por despesas de deslocações;

d) € 441,20, por despesas de aconselhamento jurídico;

e) € 5.500,00, a título de danos não patrimoniais à A.;

f) € 5.500,00, a título de danos não patrimoniais ao A.

Acerca de tais valores, o R. manifestou a sua oposição frontal quanto às parcelas das als. b), c), d) e) e f), e juros de mora. Já quanto à parcela mais elevada da al. a), limitou-se a alegar que o montante é excessivo, sem apresentar qualquer valor alternativo e, ademais, sem concretizar o motivo do alegado excesso, designadamente a partir da enunciação e concretização do critério e dos valores que alegadamente deveriam resultar do Cód. de Expropriações.

Esta estratégia do recorrente, associada ao percurso que foi seguido pelas instâncias para encontrar os valores referidos, logo indicia a manifesta dificuldade de se obter neste recurso de revista um resultado diverso. Tal dependeria essencialmente da adesão à pretensão do Município recorrente no sentido da aplicação exclusiva das regras constantes do Cód. de Expropriações, apesar de o processo expropriativo ter terminado com uma sentença que recusou ao R. a adjudicação do direito de propriedade sobre as parcelas com fundamento na divergência relativamente às parcelas que realmente foram ocupadas.


3. A questão que seria verdadeiramente difícil de resolver está ultrapassada pela evolução processual nos termos que se enunciaram. Problemática seria, pois, a resposta a dar a uma eventual pretensão dos AA. centrada num pedido de reivindicação do direito de propriedade sobre as parcelas efetivamente ocupadas pelo R. e aplicadas para a construção de uma via pública, no confronto com o princípio da intangibilidade da obra pública.

É neste ponto que convergem as principais dúvidas suscitadas na jurisprudência e na doutrina, divergindo a resposta entre a prevalência daquele direito ou a sua cedência face ao chamado princípio da intangibilidade da obra pública em termos que este mesmo coletivo já analisou no Ac. do STJ de 14-4-15, 100/10 (www.dgsi.pt), com a resposta que ficou enunciada no respetivo sumário do seguinte modo:

“A nulidade da declaração de utilidade pública de um prédio produz efeitos retroativos que se projetam em todo o processo de expropriação, sem exclusão sequer do despacho de adjudicação do direito de propriedade, embora tais efeitos possam ser impedidos ou atenuados em determinadas circunstâncias, designadamente quando seja convocado o princípio geral da intangibilidade da obra pública.

O princípio geral da intangibilidade da obra pública é suscetível de ser invocado em situações em que a entidade expropriante agiu de boa fé ou com culpa leve, podendo justificar que, em lugar da restituição do prédio ocupado, se atribua ao interessado uma indemnização correspondente ao seu valor expropriativo.

A aplicação de tal princípio justificar-se-ia num caso em que, após ser judicialmente reconhecida a nulidade de uma declaração de utilidade pública de uma parcela predial para implantação de uma estação de serviço numa autoestrada, por motivo não imputável à expropriante, foi emitida nova declaração de utilidade pública e a parcela de terreno efetivamente destinada à construção daquela infraestrutura rodoviária”.

Em tal aresto foi feito uso do que Alves Correia defende noutro local (As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública), nos termos seguintes:

“Para casos de anulação da DUP, depois de ter sido realizada a obra a que a mesma se destinava, Alves Correia assinala especificamente que, em lugar da destruição da obra e entrega do prédio ao particular, se justifica “a atribuição de uma indemnização, com o que se chancelerá, na prática, uma apropriação irregular ou uma expropriação indireta” (ob. cit., p. 176). Aduz mais adiante que “o expropriado não conseguirá readquirir os seus bens, não obstante terem sido ilegalmente expropriados”, restando a concessão de uma indemnização correspondente à expropriação legal (que no caso já terá sido recebida) e eventualmente, para situações que o caso de modo algum refletiria, “uma indemnização complementar com base na prática do ato ilegal culposo da administração” (pp. 195 e 201 e ss.), a qual apenas poderia ser reclamada da administração responsável pela nulidade”.

Num outro aresto deste mesmo coletivo (Ac. do STJ 5-2-15, 2125/10, www.dgsi.pt, com relato do ora relator), foi ainda decidido que:

“A invocação ou aplicação do princípio da intangibilidade da obra pública apenas é viável em casos em que a apropriação de prédios por uma entidade pública, correspondente a expropriações de facto, é feita num quadro de ausência de culpa ou de culpa leve, seguida da realização de obras ou de investimentos na parcela do prédio ocupado.

Nessa eventualidade, em lugar da condenação na restituição do bem, admite-se que a entidade ocupante possa ser condenada no pagamento de uma indemnização ao proprietário”.


4. Ora, estando unicamente em causa, como se referiu, a quantificação da indemnização e não a apreciação de qualquer pedido de reivindicação do direito de propriedade, a resposta que unanimemente foi obtida pelas instâncias no caso concreto encontra na matéria de facto provada e nas normas jurídicas aplicáveis suficiente apoio.

Da matéria de facto emerge essencialmente o seguinte:

- As parcelas que foram efetivamente ocupadas pelo R., segundo acordo entre o R. e oos AA. foram as seguintes:

- Parcelas 8 e 8-A: respetivamente com a área de 2.321 m2 e 2.136 m2, a destacar do prédio constituído por terreno de milho, pinhal, eucaliptal e mato, sito em …, …, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de … sob o art. 488;

- Parcela 8-B: com a área de 2.097 m2, a destacar do prédio constituído por terreno a pinhal, sito em …, …, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de … sob o art. 763;

- Parcela 8-C: com a área de 2.550 m2 (segundo a expropriante) e 3.694 m2 (segundo os expropriados), a destacar do prédio constituído por terreno de monte, sito em …, …, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de … sob o art. 1155.

- Em tais parcelas foi construída parte da III Fase da Via do Nordeste, via esta aberta à circulação pública desde Março de 2005, que numa extensão de cerca de 20 kms, estabelece a ligação entre o centro do Município (cidade de … e outras aldeias.

- O R. ocupou tais parcelas, a coberto de uma declaração de utilidade pública e da tomada da posse administrativa em 22-1-03, tendo nelas implantado construções, sem pagar o que quer que seja aos AA., tanto mais que o respetivo processo expropriativo redundou no indeferimento da adjudicação do direito de propriedade, tendo em conta as divergências que existiam entre as áreas realmente ocupadas e o que era referido na declaração de utilidade pública.

- Do levantamento topográfico realizado resulta que o R. ocupou as seguintes áreas dos prédios referidos em 1. e 11., dos quais ficaram igualmente sobrantes as seguintes:

Parcela 8       Parcela 8-A   Parcela 8-B    Parcela 8-C

Nasc. Via Nordeste    2.338 m2     2.075 m2        -----            -----

Poente Via Nordeste    2.338 m2      2.075 m2     1.828 m2    2.944 m2

Área total da parcela     4.676 m2      4.150 m2 -----          -----

Área da parte sobrante    85.549 m2      ---    5.152 m2   19.475 m2.       


5. A legitimidade da ocupação das parcelas de terreno dos AA. por parte do R. Município não foi confirmada pela regularidade do processo expropriativo que deveria ter culminado com a adjudicação ao R. do direito de propriedade. Para os efeitos pertinentes, a ocupação de tais parcelas pelo R. e a posterior aplicação das mesmas para implantação de uma via pública de circulação não foi coroada, como deveria ter sido, com a adjudicação do direito de propriedade, ou por via de acordo dos interessados ou por intermédio de decisão judicial proferida no processo de expropriação por utilidade pública. Assim, em termos rigorosos, a referida ocupação e apropriação das parcelas por parte do R. ocorreu à revelia de um título que a justificasse.

Mas não deixa de ser verdade também que a posse administrativa de parcelas que eram propriedade dos AA. ocorreu no âmbito de um procedimento administrativo aparentemente legal, já que foi precedida de uma declaração de utilidade pública referente a parcelas que, embora sem uma exata identificação predial e das áreas ocupadas, integravam prédios dos mesmos AA.

Não se tratou, pois, de uma ocupação que tenha sido (como acontece, por vezes) manifestamente abusiva ou grosseiramente violadora de princípios de legalidade, sendo visível, pelo contrário, que os atos praticados pelo R. Município estavam envolvidos num procedimento administrativo de natureza expropriativa que contava com elementos essenciais que integraram, a par da DUP, uma vistoria ad perpetuam rei memoriam e o auto de posse administrativa, o qual só não culminou na adjudicação judicial e consolidação do direito de propriedade a seu favor por causa do referido erro na identificação das parcelas ocupadas.

Mas, detetado o referido erro de identificação, o mesmo poderia ter sido sanado, não existindo, no entanto, demonstração de qualquer iniciativa do R. no sentido de obter essa correção nem no processo expropriativo em que o erro foi detetado, nem através de outro procedimento autónomo que permitisse a regularização administrativa da DUP e, depois, em termos judiciais, a adjudicação do direito de propriedade das parcelas corretamente identificadas e demarcadas.


6. Neste contexto, confrontados com a situação de facto consumado que se traduziu na ocupação das parcelas e na construção de uma via de circulação automóvel por parte do R. Município, não faz sentido o apelo que o R. faz à aplicação exclusiva das regras do Cod. de Expropriações que regulam a determinação da indemnização expropriativa.

Com efeito, as regras previstas em tal diploma para o cálculo da indemnização devida por expropriação por utilidade pública têm subjacente a existência de um procedimento administrativo regular no qual os expropriados sejam confrontados com uma correta identificação das parcelas e no âmbito do qual possam defender os seus interesses que passam, além do mais, pela prolação de uma decisão arbitral, pela remessa do processo a Tribunal Judicial para efeitos de adjudicação à expropriante do direito de propriedade, depois de depositada a quantia arbitrada, com eventual exercício do direito de recurso dirigido ao mesmo Tribunal em cujo processo decisório se integra a realização de uma perícia e que culmina com a possibilidade de interposição de recurso de apelação da sentença que determine o quantitativo da indemnização.

Ora, no caso concreto, as falhas que afetaram o processo de expropriação refletiram-se negativamente na tutela dos direitos dos expropriados que, sem qualquer responsabilidade da sua parte e apesar dos avisos que dirigiram ao R. Município, viram frustrada a possibilidade de fazerem uso dos mecanismos de defesa previstos no Cód. das Expropriações para quem seja objeto de expropriação por utilidade pública.

Deste modo, faz todo o sentido observar, como já se fez no citado Ac. do STJ de 14-4-15, 100/10, www.dgsi.pt, com relato do ora relator, que:

“Para casos de anulação da DUP, depois de ter sido realizada a obra a que a mesma se destinava, Alves Correia assinala especificamente que, em lugar da destruição da obra e entrega do prédio ao particular, se justifica “a atribuição de uma indemnização, com o que se chancelerá, na prática, uma apropriação irregular ou uma expropriação indireta” (Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, p. 176).

Aduz mais adiante que “o expropriado não conseguirá readquirir os seus bens, não obstante terem sido ilegalmente expropriados”, restando a concessão de uma indemnização correspondente à expropriação legal (que no caso já terá sido recebida) e eventualmente, para situações que o caso de modo algum refletiria, “uma indemnização complementar com base na prática do ato ilegal culposo da administração” (págs. 195 e 201 e ss.), a qual apenas poderia ser reclamada da administração responsável pela nulidade” (sublinhado nosso).

Também no Ac. do STJ 5-2-15, 2125/10, www.dgsi.pt, se assumiu que:

“A apropriação ou ocupação de prédios alheios por entidades públicas pode apresentar-se sob vários gradientes que vão desde o desrespeito flagrante das regras sobre a expropriação por utilidade pública até situações em que a violação objetiva do direito de propriedade é resultado de comportamentos que se inscrevem na mera culpa ou na ausência de culpa, ou é traduzida em situações que se manifestam através da violação dos limites objetivos do prédio expropriado, por vezes, em resultado de um mero erro ou de excesso na execução do ato expropriativo. Enfim, casos existem em que a violação objetiva do direito de propriedade é precedida ou acompanhada de uma aparência de legitimidade quanto à ocupação ou apropriação de prédio alheio que, no entanto, é infirmada pela análise mais cuidada dos respetivos contornos legais.


Para situações como estas tem sido desenvolvida uma tese, intermediada pelos tribunais em face dos casos concretos, que legitima uma limitação ao exercício do direito de reivindicação, substituindo-o pela atribuição de uma indemnização correspondente ao valor expropriativo do prédio, ponderando o princípio da intangibilidade da obra pública que mais não é do que uma versão administrativista das figuras do abuso de direito ou da colisão de direitos previstas nos arts. 334º e 335º do CC.

Posto que tal princípio não esteja expressamente consagrado na lei, encontra sustentação no disposto nos arts. 159º e ss. do CPTA, na medida em que se permite afastar a execução de julgado em casos em que esta provoque grave lesão do interesse público. Ou ainda no art. 173º, nº 3, do CPTA, nos termos do qual a situação jurídica fundada em atos consequentes praticados há mais de um ano é suscetível de obter uma garantia que impede a sua modificação quando os danos sejam de difícil ou impossível reparação e for manifesta a desproporção existente entre o interesse na manutenção da situação e o interesse na execução da sentença anulatória. E também no art. 134º, nº 3, do CPA, nos termos do qual o efeito da nulidade do ato administrativo “não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais do direito”. Outrossim com o art. 162º, nº 3, do novo Cód. de Proc. Administrativo, aprovado pela Lei nº 4/15, de 7-1, segundo o qual o disposto quanto à nulidade dos actos administrativos “não prejudica a possibilidade de atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, de harmonia com os princípios da boa-fé, da proteção da confiança e da proporcionalidade ou outros princípios jurídicos constitucionais, designadamente associados ao decurso do tempo”.

Com recurso a tal princípio geral, em casos em que a condenação na restituição do prédio livre e desocupado constituiria um resultado manifestamente inadequado, por resultarem gravemente afrontados interesses de ordem pública, é possível sustentar uma solução diversa daquela que resultaria da aplicação das regras exclusivamente extraídas do direito privado.

Ainda que não esteja expressamente consagrado tal princípio (e embora também não seja pacífica a sua admissibilidade no nosso ordenamento jurídico, negada, por exemplo, no Ac. do STA, de 6-2-01, www.dgsi.pt), o certo é que a sua intervenção é limitada a casos que verdadeiramente o justifiquem e que se caracterizem por comportamentos adotados pela entidade a favor de quem foi declarada a utilidade pública expropriativa e que não ultrapassem subjetivamente os limites da culpa leve”.

Esclareça-se que a alusão que neste último aresto foi feita ao valor expropriativo dos prédios não teve em vista resolver a questão em torno do critério a que deve obedecer a indemnização em casos de expropriação afetada de irregularidade, antes distinguir os casos em que se justificaria ou não a opção pela procedência do pedido de reivindicação dos prédios em lugar da concessão de uma indemnização.

Assim foi também decidido no Ac. do STJ de 24-6-08, 08A1929 (www.dgsi.pt), também mencionado pelo recorrente, mas que apreciou um caso em que estava em causa unicamente o pedido de reivindicação de uma parcela ocupada por uma entidade pública.


7. Como já se disse, no caso concreto, o R. Município não concluiu, como devia, o processo expropriativo que foi dirigido contra os AA., o que estava ao seu alcance, bastando para o efeito que tivesse promovido junto da entidade governamental competente a correção da identificação de cada uma das parcelas afetadas pela DUP.

Nesta medida, a ocupação real das parcelas configura uma situação afetada pela ilicitude da conduta, na perspetiva da falta de apoio formal para a apropriação que na realidade resultou da ocupação e da utilização das parcelas para a passagem de uma via de comunicação.

A par da ilicitude verificada a partir da ocupação que não foi chancelada por um despacho judicial de adjudicação do direito de propriedade, verifica-se a falta de diligência imputável ao R. Município (culpa) por não ter gido, ex ante ou a posteriori, enquanto entidade pública que pretendia apossar-se de terrenos para realização de uma obra pública, em termos que lhe eram exigíveis, regularizando o procedimento administrativo.

Neste contexto, não existe fundamento para recorrer às regras do Cód. das Expropriações para efeitos de quantificação da indemnização devida aos AA. lesados, sendo plenamente justificado o recurso às regras gerais da responsabilidade civil extracontratual (arts. 483º e ss. e arts. 566º e ss. do CC) que permitem estabelecer, mediante a aplicação da teoria da diferença, o quantitativo correspondente aos danos emergentes e aos lucros cessantes, sem embargo do recurso à equidade no que concerne à fixação da compensação devida pelos danos não patrimoniais que a situação gerada provocou em cada um dos AA., nos termos que a matéria de facto provada documenta.

Foi precisamente o que fizeram as instâncias, recorrendo, quanto aos danos patrimoniais, aos factos que se apuraram, fruto da perícia que foi realizada, com resultados que não foram sequer rebatidos pelo R., uma vez que se limitou a impugnar o critério geral, sem concretização de qualquer objeção quanto à sua concreta aplicação em face dos factos que se apuraram.


8. As instâncias arbitraram ainda uma indemnização por outros danos, incluindo os decorrentes das expetativas de alienação que ficaram goradas, a partir dos factos que se apuraram e dos quais ressuma, no essencial que:

- O prédio das parcelas 8 e 8-A era atravessado pela R. …, que possui todas as infraestruturas de rede elétrica e telefónica, abastecimento de água, pavimento betuminoso e ao longo da qual estão instaladas diversas indústrias.

- A poente da referida R. … e adjacente à Via do Nordeste o R. mandou elaborar, por deliberação de 10-11-98, um instrumento urbanístico que designou por "Plano de Pormenor da Zona Industrial de …/…", onde são previstos uma dezena de lotes industriais com arruamentos, estacionamentos e zonas verdes, sendo que os terrenos do prédio de onde foram destacadas as parcelas referidas estão dentro dos limites desse "Plano de Pormenor".

- A menos de 300 metros dos limites do mesmo prédio e parcelas situam-se os aglomerados de … e de … .

- A parcela 8-B, situa-se numa área de transição, estando servida de rede de águas pluviais, rede de abastecimento de água, eletricidade, telefone e via pavimentada, estando grande parte da sua frente para a antiga estrada municipal, confinante com outros do lado Poente e com uma unidade industrial (serração) do lado Sul, e a curtíssima distância de aglomerado populacional (menos de 100 metros) de distância.

- A parcela 8-C era confinante em grande parte a Sul com a R. Prof. …, e com estrada municipal do lado Nascente, confinando do lado Poente com moradia e terrenos florestais e do lado Norte com floresta estava servido de rede de águas pluviais, rede de abastecimento de água, eletricidade, telefone, e via pavimentada. (15º)

- Os terrenos marginais às parcelas 8 e 8-A ficaram desvalorizados numa profundidade, relativamente ao limite da plataforma, no mínimo de 10 m e nas parcelas 8-B e 8-C os sobrantes a nascente deixaram de ter qualquer possibilidade de utilização para o fim a que diziam respeito.

- Em Janeiro de 1999, fora apresentada aos AA. uma oferta de compra em relação aos prédios referidos em 1.-a), b) e c) pelo preço de 10.000$00/m2.

- Em 20-5-03, os AA. receberam uma proposta de compra de 30.000 m2 do terreno referido em 1.-a), pelo preço de € 44,00/m2, os quais se situavam em parcela situada a norte da empresa OO, Lda, e poente da R. … .

- Pela privação das parcelas 8-B e 8-C os AA. deixaram de poder obter e vender material lenhoso, sendo a produção anual de material lenhoso nessas parcelas com o valor de € 3,25/m2, enquanto material para massa de papel e biomassa até ao máximo de dez anos.

- Os AA. receberam uma proposta de compra do terreno sito em … em frente às instalações da empresa PP - Comércio de Automóveis, S.A., pelo preço de 7.000$00/m2.

Ora, no recurso de revista o R. não impugnou o resultado que, a partir do uso daquele critério geral, foi alcançado, o que, deste modo, terá que ser confirmado.


9. A partir do referido critério geral, também nada impedia as instâncias de valorizarem outros danos, considerando os prejuízos que a situação causou na esfera dos AA. e que são bem evidenciados pelos seguintes factos:

- Os AA. tiveram que se deslocar por várias vezes à Câmara Municipal de … para a entrega de requerimentos, para a solicitação de informações e ao Tribunal de … para a entrega de peças processuais e outros requerimentos.

- Tendo tido encargos e despesas, de valor concretamente não apurado, nessas deslocações e nas demais efetuadas no contexto dos autos e que suportaram com serviços de advogados, com o objetivo de obter o competente aconselhamento jurídico, no valor de € 441,20.

- Em virtude dos factos dos autos, os AA. durante pelo menos 5 anos foram sujeitos a pressões, angústias, receios, temores e desilusões, que degradaram a sua saúde física e psíquica.

- Presentemente, a A. apresenta um quadro clínico caracterizado pela degradação da memória, cansaço, stress, depressão e hipertensão, tendo de recorrer a medicamentos para evitar o agravamento do seu estado de saúde, e diminuir a sintomatologia.

- A A. é educadora de infância e viu diminuído o seu rendimento de trabalho e a sua atenção e concentração, circunstância que lhe trouxe e ainda traz incómodo, angústia e stress.

- O A. apresenta um quadro clínico caracterizado pelo cansaço, dispneia, stress, cardiopatia hipertensiva, com evidência para doença hipertensiva que se tem agravado, progressivamente, nos últimos cinco anos, tendo de recorrer a medicamentos para evitar o agravamento do seu estado de saúde, e diminuir a sintomatologia.

- O A. é médico, sendo um profissional dedicado à sua atividade, que lhe exige a máxima concentração e dedicação aos seus pacientes e um permanente estudo e atualização.

- Foi o A. quem, desde o início do processo, se ocupou a título principal da elaboração de todas as reclamações apresentadas ao R. e, posteriormente, em tribunal, foi ele quem efetuou as diversas deslocações referidas em 32.

- O cansaço, insónias, dispneia, stress, hipertensão e depressão sofrido pelos autores repercutiu-se na diminuição do apoio à família, na ausência de tempo para privar com a mesma e lhe prestar o devido acompanhamento e do agregado familiar dos AA. fazem parte dois filhos ainda em idade escolar e que carecem de atenção e acompanhamento. (49º e 50º)

- Com o referido em 37. e 38., o A. viu diminuída a sua atenção e concentração no trabalho. (44º)

Mais não resta, pois, do que confirmar o que a tal respeito a Relação decidiu.


10. Nestas circunstâncias, confirma-se a regularidade da opção das instâncias quanto à identificação do regime jurídico aplicável à quantificação dos valores das indemnizações por danos patrimoniais e não patrimoniais e, na falta de outras objeções expostas pelo recorrente acerca da concretização de cada um dos valores parcelares, confirma-se o acórdão recorrido.


IV – Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas da revista a cargo do R.

Notifique.

Lisboa, 7-11-19


Abrantes Geraldes (Relator)

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo