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Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
1. Em 04 e 05 de outubro de 2013, no Tribunal de Trabalho, Secção Única, da Comarca de …, AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II e JJ [doravante Autores], instauraram Ações Declarativas [individuais], com processo comum, emergentes de contrato de trabalho contra “KK – Indústrias Reunidas de Mármores, S. A.” [doravante Ré], pedindo a sua condenação no pagamento da indemnização devida, como consequência, das resoluções com justa causa dos seus contratos de trabalho que mantinham com a Ré, com fundamento na falta de pagamento pontual da retribuição.
Alegam, em síntese, que celebraram contrato de trabalho com a Ré, respetivamente em 01/08/1987; 04/11/1991; 01/04/1983; 02/06/1987; 03/02/1997; 01/04/1987; 09/04/1990; 03/11/1991; 23/08/1999 e 02/11/1994.
Até final de 2011 as respetivas retribuições sempre foram pontualmente pagas.
Contudo, a partir de 2012 a Ré passou a pagar-lhes as retribuições com atrasos, sem lhes apresentar qualquer justificação, até que no início de outubro de 2012 todos os seus trabalhadores decidiram parar de trabalhar a fim de forçarem a administração da Ré a ouvi-los.
Uma vez que, em 5 de novembro de 2012, nenhum dos Autores tinha recebido os vencimentos relativos aos meses de agosto, setembro e outubro, bem como o subsídio de férias vencido em 1 de janeiro de 2012, decidiu, cada um, resolver com justa causa o contrato de trabalho que mantinha com a Ré, a qual aceitou, sem qualquer oposição e prontamente, os fundamentos dessa resolução porque, de imediato, emitiu a declaração de situação de desemprego (Modelo RP 5044/ 2012 -DGSS).
Até ao momento da propositura das ações, e até hoje, não tinham recebido e não receberam por parte da Ré a indemnização que lhes é devida nos termos do artigo 396º, n.º 1, do Código de Trabalho de 2009 [doravante CT].
Pedem que essa indemnização seja fixada, para cada um deles, em 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade e proporcionalmente no caso de fração de ano.
Realizada a audiência de partes em cada uma das ações, frustrou-se a conciliação em todas elas.
A Ré contestou, alegando no essencial, que no dia 1 de outubro de 2012 pagou aos seus trabalhadores os respetivos salários do mês de julho, tendo, apenas, em atraso o pagamento dos salários de agosto e setembro e ainda o subsídio de férias relativo a 2012.
Em 31 de outubro, a Ré realizou uma reunião com os seus trabalhadores, informando-os que não conseguia pagar a retribuição nesse mês por dificuldades financeiras.
Disse que em 5 de novembro de 2012 foi surpreendida pelo Autor e por outros [doze] trabalhadores [em que se incluíam os outros Autores] com a resolução, unilateral e alegando justa causa, dos respetivos contratos de trabalho e que em 4 de dezembro de 2012 todos eles deram entrada a um pedido da sua insolvência, que correu termos no Tribunal Judicial de ..., no processo que aí correu termos sob o n.º 397/12.0TBVVC.
Deduziu oposição a esse pedido e requereu que todos os Requerentes da sua insolvência fossem condenados como litigantes de má-fé, em multa e indemnização.
Alegou também que nesse processo de insolvência, no dia da realização da audiência de julgamento, ela e os treze trabalhadores, requerentes da sua insolvência, chegaram a um acordo, pondo fim a esse processo e a todas as questões laborais, entre as quais se incluíam as indemnizações de antiguidade pela resolução dos seus contratos, que tinham pendentes entre si, acordo esse que se traduziu na desistência, por parte dos Requerentes, do pedido de insolvência que tinham formulado contra a aqui Ré e na desistência desta de todos os pedidos que efetuaram contra eles.
No tocante às questões laborais, de acordo com a Ré, o acordo traduziu-se na aceitação, por parte dos trabalhadores, de que ela apenas lhes devia os montantes relativos a salários, diuturnidades, prémios, subsídios de férias, férias não gozadas e proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal, quantias estas que já tinha reconhecido dever-lhes na oposição à insolvência.
Foi, pois, acordado, por meio de transação, que a Ré pagaria o que devia aos Requerentes em nove prestações mensais e iguais, vencendo-se a primeira a 15 de abril de 2013 e a última a 15 de dezembro de 2013 e para que tudo ficasse imediata e definitivamente resolvido, e foi, também, acordado, por ambas as partes, renunciarem à interposição de recurso da sentença que a viesse a homologar.
Tal transação foi inserida na ata de audiência e foi, também na ata, homologada por sentença que transitou, de imediato, em julgado, dada a desistência das partes ao recurso.
A Ré sustenta que, em face dessa transação formou-se caso julgado porque existe identidade de sujeitos, do pedido [de indemnização por antiguidade] e da causa de pedir [resolução do contrato de trabalho por justa causa], entre a decisão final proferida no processo de insolvência n.º 397/12.0TBVVC e as ações aqui em causa.
Por fim, concluiu a sua contestação dizendo que devia ser julgada procedente a exceção do caso julgado que deduzira.
Marcada nova audiência preliminar em todos os processos, mas que se realizou conjuntamente, frustrou-se novamente a conciliação entre as partes.
Foi determinada, então, a apensação a esta ação n.º 311/13.5TTEVR das outras ações individuais propostas pelos outros Autores, passando todas a ter a numeração daquela, acrescentando-se a cada uma delas uma letra, que no caso foi de A) a I).
Saneado o processo, foi proferida decisão quanto à invocada exceção de caso julgado, julgando-se a mesma improcedente.
Subsequentemente o Sr. Juiz proferiu o seguinte despacho:
“Atento o acordo a que as partes chegaram no processo que correu termos pelo Tribunal Judicial de ..., afigura-se-me que os autores deduziram pretensão que sabiam não lhes ser devida, omitindo tais factos na petição inicial, pois face ao acordo obtido e homologado por sentença no processo de insolvência, aqueles aceitaram que os créditos que lhes eram devidos seriam apenas os relativos a salários, diuturnidades e prémios em falta dos meses de Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2012, subsídios de férias, férias não gozadas, proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal do ano da cessação do contrato, “deixando cair” o pedido de indemnização pela resolução do contrato de trabalho com justa causa, pelo exposto entendo declarar extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide dos presentes autos e condenar os autores como litigantes de má-fé, cada um deles na multa de 2 UC, artigos 277º al. e) e 542º do CPC2.
II
2. Inconformados com essa decisão e com a sua condenação como litigantes de má-fé, todos os Autores, com exceção de II, dela interpuseram recurso de apelação.
A ré, por sua vez, na contra-alegação pugnou pela improcedência da apelação e, consequentemente, pela confirmação da decisão da primeira instância, e, prevenindo a eventualidade de assim não vier a ser decidido, ampliou o objeto da apelação pedindo que a exceção do caso julgado, que deduzira, fosse julgada procedente.
Por acórdão de 14 de abril de 2014, decidiu-se:
A. Julgar procedente o recurso interposto pelos Autores/apelantes, revogando-se a decisão recorrida de forma que, se não houver qualquer outra razão ou fundamento legal que a isso obste, seja substituída por outra que faça prosseguir o presente processo na sua normal tramitação;
B. Julgar improcedente a exceção de caso julgado arguida na ampliação de recurso deduzida pela Ré/apelada nas suas contra-alegações.
Como seu fundamento, entendeu-se o seguinte:
§ Não se podia afirmar que ao transigirem, nos termos em que o fizeram no processo de insolvência que, sob o n.º 397/12.0TBVVC, correu termos pelo Tribunal Judicial de ..., os aí Requerentes e aqui Autores/apelantes tinham “deixado cair” (na expressão empregue pelo Juiz do Tribunal “a quo”) os créditos atinentes a indemnização por resolução de contrato de trabalho com fundamento em justa causa com o sentido de haverem prescindido ou abdicado dos mesmos.
§ O Juiz da 1ª instância não podia declarar extinta a instância por “inutilidade superveniente” da lide com base na al. e) do artigo 277º, do Código de Processo Civil, porquanto, tendo a aludida transação sido concretizada entre Requerentes e Requerida no mencionado processo de insolvência em 4 de março de 2013, data em que também foi homologada por sentença que, de imediato, transitou em julgado, a presente ação e as que lhe estão apensas, movidas pelos Autores/apelantes contra a Ré/apelada, foram instauradas em 4 e 5 de outubro de 2013, ou seja em data muito posterior à da celebração da aludida transação.
§ Não se verificar a exceção ou a autoridade de caso julgado entre a decisão homologatória de transação proferida no aludido processo de insolvência e a presente ação e apensas, nos termos em que foram deduzidas pelos Autores/apelantes.
3. Inconformada com essa decisão ficou, agora, a Ré “KK” que interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, pedindo a revogação do acórdão recorrido e a manutenção da decisão da primeira instância, ainda que com fundamento diferente da força e autoridade do caso julgado.
Consequentemente diz que deve ser absolvida de todos os pedidos contra si formulados.
Apenas os Autores/recorridos CC, EE e FF, contra-alegaram pugnando pela improcedência da revista e pela manutenção do acórdão recorrido.
No seu recurso a Ré formulou as seguintes conclusões:
1. Entre os dias 4 e 5 de Outubro de 2013 foram instauradas no Tribunal do Trabalho de ... dez ações exatamente iguais através das quais os respetivos Autores, aqui Recorridos, vieram afirmar que, em resultado de reiteradas faltas no pagamento pontual da sua retribuição por parte da sua entidade empregadora, a aqui Ré/Recorrente, tinham resolvido os respetivos contratos de trabalho com justa causa-
2. Estranhamente, nas Petições Iniciais dessas ações não se pediam condenações no pagamento de retribuições, nem de férias, nem de subsídios de férias ou de Natal, nem de proporcionais de férias, de subsídios de férias ou de Natal, mas apenas se pediam as condenações da Recorrente no pagamento de indemnizações por antiguidade.
3. Nelas omitia-se completamente o facto de, cerca de um ano antes, os mesmíssimos "Autores" terem pedido ao Tribunal Judicial de ... a Insolvência da Recorrente no Processo n.º 397/12.OTBWC, no qual, para além de outros créditos laborais incluindo os decorrentes da cessação dos respetivos contratos de trabalho, tinham reclamado o pagamento das mesmíssimas indemnizações por antiguidade - que em Outubro de 2013 pediam no Tribunal de Trabalho de ....
4. Também omitiam o facto de, em tal Processo de Insolvência, no dia 04 de Dezembro de 2012, ter sido celebrada uma transação - no âmbito do qual tinham ficaram resolvidas, por acordo, todas as questões laborais pendentes entre eles [trabalhadores] e a sua ex-entidade patronal - que tinha sido homologada por Sentença há muito transitada em julgado.
5. E naturalmente também omitiam o facto de que, em cumprimento de tal Sentença, a Recorrente lhes estar a pagar todos os meses, nas prestações que tinham combinado, os créditos laborais que tinha acordado pagar-lhes, que incluíam, além do mais, os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal resultantes da cessação dos respetivos contratos de trabalho-
6. Perante o teor das contestações da Recorrente, em vez das Audiências de Julgamento que inicialmente agendara, o Meritíssimo Juiz do Tribunal do Trabalho de ... proferiu de imediato um Despacho a agendar uma Audiência Prévia em todos os processos, para efeitos do disposto no artigo 591.° do C.P.C.
7. No decurso dessa Audiência e depois de ordenar a apensação de todos os processos, o Meritíssimo Juiz do Tribunal do Trabalho de ... julgou improcedente a exceção de caso julgado, mas decidiu que, atento "o acordo a que as partes chegaram no processo que correu termos pelo Tribunal Judicial de ..., afigura-se-me que os autores deduziram pretensão que sabiam não lhes ser devida, omitindo tais factos na petição inicial, pois que face ao acordo obtido e homologado por sentença no processo de insolvência, aqueles aceitaram que os créditos que lhes eram devidos seriam apenas os relativos a salários, diuturnidades e prémios em falta dos meses de Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2012, subsídios de férias, férias não gozadas, proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal do ano da cessação do contrato, "deixando cair" o pedido de indemnização pela resolução do contrato de trabalho com justa causa, pelo exposto entendo dever declarar extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide dos presentes autos e condenar os autores como litigantes de má-fé, cada um deles na multa de 2 UC, artigo. 277° al. e) e 542°, do CPC.”
8. Os Autores recorreram para o Venerando Tribunal da Relação de ... questionando a Decisão de pôr termo ao processo e a sua condenação como litigantes de má-fé.
9. Em contra-alegações, a Ré-aqui Recorrente, além de defender a confirmação da Decisão de Primeira Instância, fundamentando-se na Transação celebrada no Processo de Insolvência e na douta Sentença Homologatória da mesma, pediu a ampliação da matéria do recurso quanto à exceção de caso julgado e à violação da força e autoridade de caso julgado.
10. Nesse recurso a Ex.ª Senhora Procuradora-Geral Adjunta no Venerando Tribunal da Relação de ... emitiu parecer no sentido do não provimento dos recursos interpostos pelos Autores/Apelantes "já que se considera ocorrer a situação de força e autoridade do caso julgado em face da transação obtida entre estes e a Ré/Apelada no Processo de Insolvência", sustentando que a ampliação do recurso formulada pela Ré merecia provimento.
11. Veio então a ser proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de ... o douto Acórdão de 14 de Abril de 2016, que, por um lado, julgou procedente o recurso interposto pelos Autores-Apelantes, revogou a Decisão Recorrida e ordenou que a mesma viesse a ser substituída por outra que faça prosseguir o processo na sua normal tramitação, e, por outro lado, julgou improcedente a exceção de caso julgado e a ofensa da autoridade do caso julgado arguidas pela Ré, ora Requerente, em sede de ampliação de recurso.
12. É com esta Decisão que a Recorrente se não pode conformar e daí a interposição da presente Revista - nos termos do n.º 1 do artigo 81º do Código do Processo do Trabalho e n-º 1 do artigo 671.° do Código de Processo Civil.
13. Revista que se restringe à parte do Acórdão que decide, de mérito, não se poder "afirmar que ao transigirem, nos termos em que o fizeram no processo de insolvência que, sob o n.º 397/12. OTB WC correu termos pelo Tribunal Judiciai de ..., os aí Requerentes e ora Autores/apelantes tenham "deixado cair" (na expressão empregue pelo Mº. Juiz do Tribunal “a quo”) os créditos atinentes a indemnização por resolução de contrato de trabalho com fundamento em justa causa com o sentido de haverem prescindido ou abdicado dos mesmos" e que "não se verifica a autoridade de caso julgado entre a decisão homologatória de transação proferida no aludido processo de insolvência e a presente ação".
14. Na verdade, no caso concreto é por demais evidente que todas as questões laborais entre a Recorrente e os Recorridos - incluindo a questão das supostas indemnizações por antiguidade - foram definitivamente resolvidas no Tribunal de ... no âmbito do Processo de Insolvência através duma transação que foi objeto de uma Sentença homologatória, já transitada em julgado.
15. Basta ter em atenção que os ora Recorridos estribaram o seu pedido de insolvência da Recorrente na existência de dois tipos de créditos sobre a mesma: por um lado, dos créditos de salários, subsídios que lhes estavam em dívida e, por outro, dos créditos resultantes da cessação dos seus contratos de trabalho, ou seja, os proporcionais de férias, os proporcionais de subsídios de férias e de Natal e as (supostas) indemnizações por antiguidade.
16. Para a boa decisão da Insolvência n.º 397/12.0TBWC foram naturalmente consideradas matérias relevantes as situações laborais dos ex-trabalhadores na Empresa e todos os créditos que os mesmos tinham invocado deterem sobre a mesma, de entre os quais se destacavam as supostas indemnizações de antiguidade que constituíam os valores mais elevados ali em discussão - alíneas D) a BI) da Matéria de Facto Assente e os números 23, 24, 27 a 36 da Base Instrutória constante da Ata da Audiência de Julgamento de 04 de Março de 2013.
17. Na transação que, para "pôr termo aos presentes autos", celebraram no Processo de Insolvência os Recorridos, por um lado, aceitaram que a Recorrente só lhes devia os montantes que em sede de Contestação expressamente havia reconhecido dever-lhes, quer a título salários e subsídios que lhes tinha em atraso, quer a título de proporcionais de férias e de subsídios de férias e de Natal resultantes da cessação dos respetivos Contratos de Trabalho e, por outro, aceitaram que esta não reconhecesse dever-lhes quaisquer indemnizações por antiguidade (que obviamente assim deixaram cair).
18. Aceitaram que tudo o que lhes era efetivamente devido lhes fosse pago em nove prestações, a primeira das quais a vencer-se cerca de um mês e meio depois da data em que estavam a transigir e até aceitaram que as custas em dívida eram da sua responsabilidade.
19. A transação de 04 de Março de 2013 não foi uma transação parcial - em que se tivesse deixado para momento posterior a discussão do que quer que fosse - mas sim de um acordo sobre tudo o que estava em discussão nesse Processo de Insolvência, que incluía evidentemente o direito dos seus Requerentes a indemnizações por antiguidade.
20. Daí que, exatamente ao contrário do que se decidiu no Acórdão aqui em recurso, só se expressamente se tivesse excluído dessa transação a matéria das supostas indemnizações por antiguidade que estavam em discussão naquele Processo de Insolvência, é que os Recorridos a poderiam vir a colocar noutra sede.
21. Nos termos do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 1248.° do Código Civil a transação constitui um contrato processual celebrado pelas partes intervenientes num litígio, cuja interpretação obedece ao disposto n.º 1 do artigo 236.° e do artigo 239.° do Código Civil.
22. Ou seja: "A declaração negocial vaie com o sentido que um declaratárío normal, colocado na posição do real declaratárío, possa deduzir do comportamento do declarante" e "Na falta de disposição especial, a declaração negociai deve ser integrada (...) de acordo com os ditames da boa-fé".
23. Ora, para quem de boa-fé, a transação celebrada era - e foi - perfeitamente clara sobre aquilo que a Recorrente aceitava que devia e sobre aquilo que aceitava ter de pagar aos Recorridos, e era - e foi - perfeitamente clara que os Recorridos aceitavam que o que dela constava era aquilo a que tinham direito - e que não incluía nenhumas indemnizações por antiguidade de que, ao aceitarem receber o que estavam a aceitar receber, obviamente prescindiam.
24. Uma vez que tal transação foi objeto de uma Sentença Homologatória transitada em julgado, nenhuma das matérias que estiveram em discussão naquele Processo de Insolvência- ou seja, e para o que aqui importa, a questão das indemnizações por antiguidade - podia, ou pode vir a ser colocada à apreciação de um qualquer outro Tribunal - artigo 621.º do Código de Processo Civil.
25. Por isso, nunca o Tribunal do Trabalho de ... poderia vir a novamente apreciar a questão das supostas indemnizações por antiguidade uma vez que uma tal segunda apreciação consubstanciaria sempre uma grave violação da força e autoridade do caso julgado da Sentença proferida no Processo de Insolvência sobre a transação nele celebrada entre Recorrente e Recorridos - como, aliás, também foi reconhecido pela Senhora Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de ....
26. Na verdade: "A autoridade de caso julgado significa que, decidida com força de caso julgado material uma determinada questão de mérito, não mais poderá ser apreciada numa ação subsequente, quer nela surja a título principal, quer se apresente a título prejudicial, e independentemente de aproveitar ao autor ou ao réu " - Acórdão desse Supremo Tribunal de Justiça de 19.02.2009.
27. "Nos limites objetivos do caso julgado material incluem-se todas as questões e exceções suscitadas e solucionadas, ainda que implicitamente, na sentença, que funcionam como pressupostos necessários e fundamentadores da decisão final' - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 30.09.2004.
28. “A força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário da predita parte do julgado"- Acórdão desse Supremo Tribunal de Justiça de 23.11.2011.
29. Em suma, as indemnizações por antiguidade que tinham sido invocadas como um dos fundamentos do pedido de insolvência e de que os Recorridos prescindiram, quando acordaram com a Recorrente tudo o que esta lhes tinha que lhes pagar e respetivas as prestações, numa transação que foi homologada por Sentença que apreciou o mérito do acordo a que as Partes tinham chegado, deixaram de poder vir a ser discutidas em qualquer outro Tribunal ou processo a partir do momento em que tal Sentença transitou em julgado.
30. Ao ter entendido o contrário o douto Acórdão de 14 de Abril aqui Recorrido enfermou de erros de interpretação e aplicação, além do mais do disposto nos artigos 1248.°, n.º 1, 236.° e 239.°, todos do Código Civil, e do artigo 621.° do Código de Processo Civil e além do mais por isso, tem que ser revogado - alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 674.° do Código de Processo Civil.
31. E, ainda que com um fundamento diferente, deve ser sustentada e mantida a douta Decisão de Primeira Instância, sendo a Ré absolvida dos pedidos contra ela formulados nas ações apensadas, com base na força e autoridade do caso julgado da Sentença Homologatória da transação proferida pelo Tribunal de ... no Processo de Insolvência n.º 397/12.0TBVVC.
32. Sendo absolutamente condenável a estratégia abusiva dos Recorridos ao não terem tido pejo em mudarem de advogado para virem intentar novas ações num Tribunal diferente, omitindo a factualidade essencial ocorrida na Insolvência de ..., numa flagrante e gravíssima instrumentalização, objetivamente dolosa e ética e legalmente reprovável, dos processos e dos Tribunais, para coagirem a aqui Recorrente a pagar o que não lhes deve, estratégia esta que não irá certamente passar impune neste Supremo Tribunal de Justiça, onde irá ser sancionada de forma exemplar.
Os autores CC, EE e FF, nas suas contra-alegações concluíram:
A. É absolutamente falso que, no âmbito do processo n.º 397/12.0TBWC, tenham ficado resolvidas todas as questões laborais existentes entre a Recorrente e os Recorridos;
B. Não se verifica nos presentes autos a exceção de caso julgado, conforme decisão de 1ª instância confirmada pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de ... ora em crise;
C. Não se verifica nos presentes autos qualquer autoridade de caso julgado, teoria alvitrada pela Recorrente já e apenas em sede de recurso e demonstrativa de que nunca teve, enquanto declaratária, a impressão de que com a transação que foi homologada estaria a resolver todas as questões pendentes com os ora Recorridos;
D. Mantendo-se o douto acórdão recorrido não está colocado em crise o prestígio dos Tribunais, nem a certeza e segurança jurídica das decisões judiciais.
Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Ex.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta, nos termos do artigo 87º, n.º 3, do CPT, emitiu douto parecer no sentido de ser negada a revista e confirmado o acórdão recorrido.
Notificado o mesmo às partes, apenas mereceu resposta da recorrente no sentido de reafirmar a sua posição.
III
Não tendo o Autor II apelado da decisão da 1ª instância, transitou ela relativamente a ele.
Todas as ações foram instauradas em 04 ou em 05 de outubro de 2013.
O acórdão recorrido foi proferido em 14 de abril de 2014.
Nessa medida, é aqui aplicável:
- O Código de Processo Civil (CPC), anexo e aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;
- O Código de Processo do Trabalho (CPT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março (retificado pela Declaração de Retificação n.º 5-C/2003, de 30 de abril), 295/2009, de 13 de outubro (retificado pela Declaração de Retificação n.º 86/2009, de 23 de novembro), que o republicou e pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto.
No caso, dada a restrição do recurso feita pela Ré na conclusão n.º 13, são duas as questões a resolver:
i. Se se verifica a exceção ou a autoridade de caso julgado entre a decisão homologatória da transação efetuada no processo de insolvência n.º 397/12.0TBVVC, do, então, Tribunal Judicial de ..., e a presente ação e apensas nos termos em que foram instauradas pelos Autores/Recorridos.
ii. Se se deve manter a decisão da primeira instância, embora com um fundamento diferente, e a Ré ser absolvida dos pedidos formulados contra ela em todas as ações, com base na força e autoridade do caso julgado da Sentença Homologatória da transação proferida pelo Tribunal de ... no Processo de Insolvência n.º 397/12.0TBVVC.
Cumpre, pois, julgar o objeto do presente recurso.
IV
O tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:
A. De acordo com cópia de certidão emitida em 1 de novembro de 2013 pelo, então, Tribunal Judicial de ... e que constitui o documento n.º 3 junto pela Ré/apelada com a contestação deduzida nos presentes autos, documento não impugnado, certificou-se que, por aquele Tribunal correu termos uns autos de insolvência de pessoa coletiva, registados sob o n.º 397/12.0TBVVC e em que eram Requerentes HH e outros e Devedor (Requerida) a KK – Indústrias Reunidas de Mármores, S.A.;
B. De acordo com o documento n.º 1 junto pela Ré/apelada com a contestação deduzida nos presentes autos e igualmente não impugnado, os aludidos autos de insolvência tiveram início com requerimento deduzido por HH e outros, designadamente os demais aqui Autores, os quais se afirmavam credores da Requerida KK – Indústrias Reunidas de Mármores, S.A. por créditos que ascendiam ao valor global de € 274.378,59, para além da existência de outros credores sobre esta sociedade e indicando ativos da mesma cujo valor avaliavam em € 2.000,00, pelo que, em seu entender, se justificava a declaração de insolvência da sociedade Requerida, declaração de insolvência que requereram;
C. No requerimento a que se alude na alínea anterior, cada um dos Requerentes, indicando a data de início da sua prestação de trabalho ao serviço da Requerida bem como a data de 5 de novembro de 2012 como a da cessação do contrato de trabalho, invocava créditos sobre a Requerida atinentes a vencimentos não pagos referentes aos meses de agosto, setembro e outubro de 2012, férias vencidas em 1 de janeiro de 2012, proporcionais de subsídio de férias referentes à prestação de trabalho no ano de 2012, proporcionais de férias referentes ao trabalho prestado no ano de 2012, proporcionais de subsídio de Natal referentes ao ano de 2012 e indemnização devida pela resolução do contrato de trabalho, por justa causa, por facto imputável à entidade patronal, nos termos do disposto no artigo 396º do Código do Trabalho;
D. De acordo com o documento n.º 2 junto pela Ré/apelada com a contestação deduzida nos presentes autos e igualmente não impugnado, esta, enquanto Requerida nos aludidos autos de insolvência, aí deduziu oposição, afirmando, em síntese, dispor de ativos bem superiores ao passivo e requerendo, a final, que fosse julgado improcedente o pedido de insolvência e que os Requerentes fossem condenados em indemnização a favor da Requerida, a liquidar em execução de sentença, por dolosamente terem deduzido infundado pedido de declaração de insolvência, bem como que fossem condenados como litigantes de má-fé em multa e indemnização a favor da Requerida;
E. Através do documento mencionado em A), certificou-se ainda que, em ata de audiência de julgamento lavrada em 4 de março de 2013 nos referidos autos de insolvência de pessoa coletiva e estando presentes os Requerentes/credores HH, GG, FF, LL, JJ, AA, DD, BB, CC, EE, II, MM e NN, acompanhados da sua ilustre mandatária Sr.ª Dr.ª OO, bem como a Requerida KK – Indústrias Reunidas de Mármores, S.A., acompanhada do seu ilustre mandatário Sr. Dr. PP, este requereu a junção a esses autos de credencial passada pela Requerida a favor do Sr. Dr. QQ, credencial que, depois de examinada e rubricada pela M.ª Juíza foi junta ao processo;
F. Através desse mesmo documento referido em A) e no que aqui releva, certificou-se que pelos ilustres mandatários dos Requerentes e da Requerida foi dito pretenderem pôr fim aos autos, nos seguintes termos:
1. «Os requerentes desistem do pedido formulado nos presentes autos – pedido de declaração de insolvência da requerida –, atendendo aos valores do ativo entretanto apurados;
2. A requerida desiste dos pedidos formulados nos presentes autos, a saber:
§ Pedido de condenação dos Requerentes em indemnização a favor da Requerida, a liquidar, ulteriormente, em execução de sentença, por dolosamente ter vindo a deduzir um pedido de declaração de insolvência imputado;
§ Pedido de condenação dos requerentes como litigantes de má-fé, no pagamento de multa e indemnização a favor da requerida;
3. A requerida reconhece-se devedora dos seguintes montantes:
a) Relativamente ao 1º requerente. HH, o montante de 4782,17€, correspondente ao somatório dos seguintes valores parciais 2359,77 referentes aos salários, diuturnidades e prémios relativos aos meses de Agosto, Setembro e Outubro e a quatro dias do mês de Novembro de 2012; 659,13€ referentes a subsídio de férias e de Natal e € 1763,27 relativos a 6,5 dias de férias não gozadas e proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal;
b) Relativamente à 3ª requerente, GG, o montante de € 4.259,20, correspondente ao somatório dos seguintes valores parciais: 2.120,52 referentes aos salários, diuturnidades e prémios relativos aos meses de Agosto, Setembro e Outubro e a quatro dias do mês de Novembro de 2012; € 538,12 referentes ao subsídio de férias e € 1.555,56 relativos a 6 dias de férias não gozadas e proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal;
c) Relativamente ao 4º requerente, FF, o montante de € 4.615,73, correspondente ao somatório dos seguintes valores parciais: € 2.324,85 referentes a salários, diuturnidades e prémios relativos aos meses de Agosto, Setembro e Outubro e a quatro dias do mês de Novembro de 2012; € 647,84 referentes ao subsídio de férias e € 1.643,04 relativos a 7 dias de férias não gozadas e proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal;
d) Relativamente ao 6º requerente, JJ, o montante de € 4.395,31, correspondente ao somatório dos seguintes valores parciais: € 2.195,34 referentes aos salários, diuturnidades e prémios relativos aos meses de Agosto, Setembro e Outubro e a quatro dias do mês de Novembro de 2012; € 613,34 referentes a subsídio de férias e € 1.586,63 relativos a 7 dias de férias não gozadas e proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal;
e) Relativamente ao 7.º requerente, AA, o montante de € 6.035,46, correspondente ao somatório dos seguintes valores parciais: € 2.965,14 referentes aos salários, diuturnidades e prémios relativos aos meses de Agosto, Setembro e Outubro e a quatro dias do mês de Novembro de 2012; € 878,66€ referentes aos subsídios de férias e € 2.200,66 relativos a 4 dias de férias não gozadas e proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal;
f) Relativamente ao 8º requerente DD, o montante de € 4.802,70, correspondente ao somatório dos seguintes valores parciais: € 2.354,01 referentes aos salários, diuturnidades e prémios relativos aos meses de Agosto, Setembro e Outubro e a quatro dias do mês de Novembro de 2012; 660,28€ referentes ao subsídio de férias e € 1.788,41 relativos a 7 dias de férias não gozadas e proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal;
g) Relativamente ao 9º requerente, BB, o montante de € 4.422,16, correspondente ao somatório dos seguintes valores parciais: € 2.196,85 referentes aos salários, diuturnidades e prémios relativos aos meses de Agosto, Setembro e Outubro e a quatro dias do mês de Novembro de 2012; € 611,13 referentes aos subsídios de férias e € 1.614,18 relativos a 5 dias de férias não gozadas e proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal;
h) Relativamente ao 10º requerente, CC, o montante de € 4.785,40, correspondente ao somatório dos seguintes valores parciais: € 2.390,68 referentes aos salários, diuturnidades e prémios relativos aos meses de Agosto, Setembro e Outubro e a quatro dias do mês de Novembro de 2012; € 670,47 referentes ao subsídio de férias e € 1.697,25 relativos a 4 dias de férias não gozadas e proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal;
i) Relativamente ao 11º requerente, EE, o montante de € 4.993,33, correspondente ao somatório dos seguintes valores parciais: € 2.614,24 referentes ais salários, diuturnidades e prémios relativos aos meses de Agosto, Setembro e Outubro e a quatro dias do mês de Novembro de 2012; € 626,13 referentes ao subsídio de férias e € 1.692,96 relativos a 7 dias de férias não gozadas e proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal;
4. O montante referido no ponto 3 que antecede será pago, relativamente a cada um dos requerentes, em nove prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no dia 15/04/2013 e as restantes nos meses subsequentes, vencendo-se a última no dia 15/12/2013, sendo tais pagamentos a efetuar através de transferência bancária;
5. As custas ficam a cargo dos requerentes, prescindindo ambas as partes das custas de parte;
6. Requerentes e Requerida declaram renunciar ao prazo de interposição de recurso da sentença que homologue o presente acordo.»;
G. Através do documento referido em A), certificou-se ainda que «De seguida, encontrando-se presentes os requerentes já identificados e o legal representante da requerida Sr. Dr. QQ, consignando-se ainda que o ilustre mandatário da requerida tem procuração com poderes especiais, foi dado a todos conhecimento das desistências que antecedem bem como dos termos da transação e por todos foi dito concordarem com tudo.
Após, pela Mm.ª Juiz foi proferido o seguinte despacho:
Nos presentes autos de insolvência em que são requerentes HH, GG, FF, LL, JJ, AA, DD, BB, CC, EE, II, MM e NN e requerida KK – Indústrias Reunidas de Mármores, S.A., todos melhor identificados nos autos, a transação constante dos autos, afigura-se válida, quer pelo objeto disponível da causa, quer pela qualidade dos intervenientes – artigos 293.º, n.º 1, e 299.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Assim, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 300.º do Código de Processo Civil, homologo a mesma por sentença condenando as partes à sua observância nos precisos termos em que foi elaborada.
Fixa-se à Ação o valor de 10.943.708€00 (artigo 15º do CIRE – cf. ainda relatório pericial de fls. 637 e ss., onde consta o valor do activo)
Custas, nos termos acordados (artigo 451.º, n.º 2 do Código de Processo Civil)
Notifique e registe».
H. A presente ação 311/13.5TTEVR deu entrada no Tribunal a quo no dia 4 de outubro de 2013 e as demais que lhe foram apensas deram entrada no mesmo Tribunal em 5 de outubro de 2013”.
Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objeto de impugnação pelas partes e nem ocorre qualquer das situações referidas no n.º 3, do artigo 682º,do CPC.
V
A) – Exceção de caso julgado (sua força e autoridade) entre a decisão homologatória da transação efetuada no processo de insolvência n.º 397/12.0TBVVC do, então, Tribunal Judicial de ..., e a presente ação e apensas nos termos em que foram instauradas pelos Autores/Recorridos:
1. Neste caso concreto verifica-se a ocorrência de uma situação de dupla conforme, nos termos do artigo 671º, n.º 3, do CPC, mas que não é impeditiva do conhecimento da presente revista.
Com efeito, estipula essa norma que não é admissível de recurso de revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamento essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância, mas “sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível”.
Resulta, pois, do exposto que as consequências duma situação de dupla conforme não atingem os casos, como o dos autos, em que o fundamento do recurso seja a ofensa de caso julgado.
Ora, nos termos do artigo 639º, n.º 2, alínea a), último segmento, do CPC, é sempre admissível recurso de revista independentemente quer do valor, da natureza ou do teor do acórdão da Relação, e da ocorrência duma situação de dupla conforme.
Assim, a alegação de ofensa do caso julgado determina a admissibilidade da revista, nos termos do disposto nos artigos 629º, n.º 2, alínea a), e 671º, nºs 1 a 3, ambos do CPC, 79.º e 81º, n.º 5, estes do CPT.
Há, pois, que decidir:
2. Segundo a Ré, as indemnizações por antiguidade que foram invocadas como um dos fundamentos do pedido de insolvência e “[d]e que os Recorridos prescindiram”, quando acordaram com ela “[t]udo o que esta lhes tinha que pagar e respetivas as prestações”, na transação efetuada no processo de Insolvência e que foi homologada por sentença “[q]ue apreciou o mérito do acordo a que as Partes tinham chegado”, deixaram de poder vir a ser discutidas em qualquer outro Tribunal ou processo a partir do momento em que tal sentença transitou em julgado.
Alega, ainda, que nenhuma das matérias que estiveram em discussão no Processo de Insolvência, entre as quais se encontram as indemnizações por antiguidade, podia ou pode vir a ser novamente colocada à apreciação de um qualquer outro Tribunal, nos termos do artigo 621.º do CPC.
Em suma, para a recorrente esta ação ofende e viola o caso julgado estabelecido com aquela sentença homologatória da transação efetuada no processo de insolvência bem como a sua força e autoridade.
Em consequência, deduziu a sua exceção [do caso julgado e/ou da sua força e da sua autoridade].
Não tem razão.
3. Ora, na 1ª instância a exceção em causa foi julgada improcedente, por não provada, no Despacho Saneador proferido em 20 de dezembro de 2013, porque “[n]esta ação o pedido consiste no pagamento da indemnização em consequência da resolução do contrato de trabalho com justa causa, enquanto na ação que correu termos pelo Tribunal de ..., o pedido consistia na declaração de insolvência da sociedade ré, sendo os pagamentos dos créditos em que transacionaram uma mera consequência da declaração de insolvência e não o pedido em si mesmo.
Assim, e quanto a este requisito de identidade de pedidos essa identidade não se verifica.”
No mesmo sentido decidiu o acórdão recorrido.
Nele consta que ”[d]e comum apenas encontramos as próprias partes, já que, quer em relação ao pedido, quer em relação à causa de pedir, os mesmos surgem perfeitamente distintos numa e noutra dessas ações.
Na verdade, enquanto na presente ação e ações a ela apensas o pedido formulado pelos Autores/apelantes é o de condenação da Ré/apelada no pagamento de indemnização em consequência da resolução do contrato de trabalho, com fundamento em justa causa por falta de pagamento pontual de retribuição, no aludido processo de insolvência de pessoa coletiva o pedido deduzido pelos aí Requerentes (entre eles os aqui Autores/apelantes) era o de declaração de insolvência da Requerida (ora Ré/apelada) e a causa de pedir a existência de créditos daqueles sobre esta e a insuficiência do ativo desta para satisfação do passivo decorrente dos créditos sobre ela existentes.”
4. Nos temos do artigo 621º, do CPC, a sentença constitui caso julgado nos precisos termos e limites em que se julga, e nos termos do artigo 620º, do mesmo CPC, a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º [recurso de revisão].
Por sua vez, no artigo 580º, n.ºs 1 e 2, do CPC, consta que a exceção do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, ou seja há lugar a esta exceção se a repetição da causa se verificar depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso e que a sua finalidade consiste em evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
No artigo seguinte, refere-se que a causa se repete quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, à causa de pedir e ao pedido [n.º 1].
Há identidade de [artigo 581º, n.ºs 2 a 4]:
§ Sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica;
§ Pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico;
§ Causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.
Por sua vez, a exceção do caso julgado configura uma exceção dilatória [artigo 577º, alínea i), do CPC], a qual obsta ao conhecimento do mérito da causa e que dá lugar à absolvição da instância [artigo 576º, n.º 2, do CPC].
6. Da factualidade assente no acórdão recorrido verifica-se que no caso concreto inexiste a exceção de caso julgado deduzida por inexistir identidade de causas de pedir e de pedidos.
Com efeito, no Processo de Insolvência a causa de pedir consistia no facto do ativo da Requerida/Ré/Recorrente ser inferior ao seu passivo.
Conforme alegado pelos Requerentes/Autores/Recorridos, para além da existência de outros credores, só o valor dos seus créditos, cujo montante global ascendia a € 274.374, 59, era muito superior ao valor do ativo da Ré que por eles fora avaliado em € 2.000,00.
Por seu lado, nesta ação e apensas a causa de pedir consiste na resolução com justa causa, pelos Autores, dos seus contratos de trabalho, por falta de pagamento atempado de retribuições, e no não pagamento pela Ré das indemnizações devidas nos termos do artigo 396.º, nºs 1 e 2, do CT [indemnização por cada ano ou de fração de ano de antiguidade].
Por outro lado, os seus pedidos são igualmente diversos.
§ No Processo de Insolvência os Requerentes pediam a declaração de insolvência da Requerida;
§ Nesta ação e apensas o pedido efetuado pelos Autores consiste na condenação da Ré, em consequência da resolução do contrato de trabalho com justa causa, por falta de pagamento pontual da retribuição, no pagamento da indemnização a que alude o artigo 396º, do CT, e que cada um deles quantificou.
Ora, não havendo identidade de causa de pedir, nem de pedidos, inexiste a invocada ofensa do caso julgado.
Consequentemente não se verifica a sua exceção.
7. Por fim, como diz a Ex.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta, no seu parecer, na transação em causa os créditos salariais que a Recorrente reconheceu dever aos Recorridos “[e]stavam admitidos por confissão, enquanto o crédito de indemnização por resolução do contrato de trabalho com justa casula, que os Recorridos invocam e pretendem ver reconhecido nesta ação, eram controvertidos, por terem sido contestados pela Recorrente na oposição deduzida ao pedido de insolvência”.
Por outro lado, “[a] transação é absolutamente omissa quanto a tal crédito, sendo que nenhuma declaração expressa dos Recorridos, corporizada no texto da transação celebrada, se lhe refere, do mesmo modo que não existe qualquer afirmação ou reconhecimento, por parte dos Recorridos, ainda que socorrendo-se de fórmulas genéricas, como é usual, com o sentido de que nada mais se lhes seria devido ou teriam a haver ou a reclamar da Recorrente.”
Também, por aqui, se verifica a inexistência de violação da força e autoridade do caso julgado, decorrente da sentença homologatória da transação porque nos seus termos não há, explicita ou implicitamente, qualquer cláusula, ou qualquer referência, quer sobre a resolução com justa causa, efetuada pelos Requerentes, dos seus contratos de trabalho quer sobre os créditos relativos às indemnizações devidas por essa resolução e agora pedidos nestas ações.
Improcede, assim, esta questão.
~~~~~~
B) – Manutenção da decisão proferida na primeira instância, embora com um fundamento diferente, e absolvição da Ré dos pedidos contra ela formulados em todas as ações, com base na força e autoridade do caso julgado da Sentença Homologatória da transação proferida pelo Tribunal de ... no Processo de Insolvência n.º 397/12.0TBVVC.
Tendo-se concluído que, no caso, não se verifica a violação da força e autoridade do caso julgado, fica prejudicado o conhecimento da questão enunciada.
De facto, o n.º 2, do artigo 608º, do CPC, aplicável aos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto nas normas conjugadas dos artigos 663º, n.º 2, e 679º, do mesmo Código, estabelece que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
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Pelo exposto delibera-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.
Custas pela Recorrente.
Anexa-se o sumário do acórdão.
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Lisboa, 2016.11.17
João Fernando Ferreira Pinto - Relator
Pinto Hespanhol
Gonçalves Rocha
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[1] - N.º 002/2016 – (FP) – PH/GR