Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A1519
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: SJ200606080015191
Data do Acordão: 06/08/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : 1) Proferidos o despacho de admissão do recurso, o despacho de saneamento do relator e o ulterior conhecimento do mérito pela Relação, sem qualquer oposição ou impugnação do recorrido, não pode o STJ sindicar a admissibilidade por se tratar de questão nova só suscitada nas alegações do agravo em 2ª instância.

2) A deserção da instância opera por força da lei não sendo necessário qualquer despacho judicial a declará-la.

3) A interrupção da instância, por implicar a emissão de um juízo sobre a negligência da parte a quem cabe o impulso processual tem de ser declarada por despacho.

4) Este despacho limita-se a verificar ter decorrido mais de um ano de paralisação negligente, não significando que a interrupção só se verifique a partir da data da sua prolação.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


"AA" intentou acção, com processo ordinário, contra BB, sua mulher CC, DD e mulher EE.

A instância foi suspensa a aguardar decisão de outras acções conexas.

O Autor requereu, mais tarde, a cessação da suspensão e o prosseguimento da lide, o que foi deferido.

O 2º Réu agravou deste despacho mas a Relação de Lisboa revogou a decisão recorrida substituindo-a por outra a declarar a deserção da instância.

Agrava agora o Autor para concluir:

- É inadmissível o recurso de despacho anterior ao despacho de citação se interposto pelo Réu que aquando desse despacho ainda não fora chamado a intervir na acção;

- Aos despachos anteriores só pode reagir depois de citado;

- O despacho de interrupção da instância não produz efeitos retroactivos desde a data em que perfaz um ano e um dia sobre a data da inércia;

- Mas só produz efeitos a partir da data do seu trânsito em julgado;

- Se o despacho de interrupção foi proferido em 28 de Junho de 2002, a instância não estava deserta em 1 de Junho de 2004 quando o recorrente requereu o seu prosseguimento;

Contra alegou o Réu DD concluindo:

- O recurso da decisão de 1ª instância foi admitido sem impugnação nas contra-alegações, tendo transitado em julgado a decisão sobre a sua admissibilidade;

- A cessação da suspensão da instância cessou quando as causas prejudiciais foram julgadas por sentenças transitadas em 31 de Janeiro de 1999;

- Desde essa data até 1 de Junho de 2004 os Autores nada requereram tendo sido declarada a interrupção da instância por despacho de 31 de Janeiro de 2000;

- A persistência dessa inércia nos dois anos seguintes gerou a deserção da instância que tem lugar sem precedência de despacho que a declare;

Releva para a decisão a seguinte matéria de facto:

- A instância foi suspensa na acção pendente na 4ª Vara Cível de Lisboa, até que fossem julgadas as acções nºs 3701, da mesma Vara e 6455 do 14º Juízo, 3ª Secção;

- A decisão final da primeira transitou em julgado em 23 de Junho de 1993 e a segunda em 31 de Janeiro de 1999;

- A instância foi declarada interrompida (por despacho de 11 de Janeiro de 2000 fora ordenado às partes que informassem se pretendiam a continuação da lide) por despacho de 28 de Junho de 2002;

- Por requerimento de 1 de Junho de 2004 o recorrente requereu o prosseguimento da instância;

- A suspensão foi declarada cessada em 22 de Dezembro de 2004.

Foram colhidos os vistos.

Conhecendo,

O agravante limita o objecto do recurso a duas questões: recorribilidade da decisão da 1ª instância e deserção da instância.

1- Recorribilidade da decisão de 1ª instância.
2- Deserção da instância.
3- Conclusões.

1- Recorribilidade da decisão de 1ª instância.

Na óptica do recorrente a decisão da 1ª instância seria irrecorrível pois foi proferida antes do despacho que determinou a citação do Réu e este impugnou-a antes de ser citado.
Trata-se de questão não suscitada aquando da admissão do agravo, nem, o que seria a sede própria, como questão prévia, nas suas contra-alegações.
Ora, aquele recurso passou pelo crivo do despacho liminar do Excelentíssimo Juiz de 1ª Instância (nºs 3 e 4 do artigo 687º do Código de Processo Civil) da primeira análise do Relator (artigo 700º nº1) e da conferência (artigo 709º), sendo que foi julgado de mérito.
Embora os dois primeiros despachos não tenham força de caso julgado, arrumando definitivamente a questão, já o conhecimento do objecto do recurso não expressamente analisado no Acórdão nem posto em causa pelo recorrido, e não sendo, outrossim, referente ao agravo "sub judicio" mas ao interposto para a Relação, terá de escapar a este Supremo Tribunal, por se tratar de questão nova.

De qualquer modo, sempre se dirá "ex abundantia" que o nº2 do artigo 680º do Código de Processo Civil, sempre autorizaria o recurso em momento anterior à citação, já que conhecimento de uma causa de extinção da instância pode prejudicar directa e efectivamente alguém.

2- Deserção da instância.

A relação processual pode extinguir-se por várias razoes, uma das quais - e única que aqui releva - é a deserção (artigos 287º alínea c) e 291º do Código de Processo Civil).
No seu "Comentário ao Código de Processo Civil" (III, 434 ss) o Prof. Alberto dos Reis entendia a deserção como necessária para impedir a pendência definitiva de lides das quais, as próprias partes já se tinham desinteressado.
Daí que verificada a interrupção da instância e decorrido o prazo subsequente (actualmente de dois anos) a deserção opere "ope legis", isto é, com desnecessidade de despacho a declará-la (cf. os Acórdãos do STJ de 17 de Junho de 2004 -04B1472- e de 15 de Junho de 2004 -04A 1992).
Nos termos do artigo 285º da lei processual há interrupção quando o processo estiver parado mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou algum incidente de que dependa o seu andamento.
Mas ao contrário da deserção, a interrupção opera " ope judicis" por pressupor a emissão de um juízo sobre a inércia, ou menor diligencia, das partes servindo também de chamada de atenção aos litigantes de que decorreu o período de paralisação que vai funcionar como "terminus a quo" da extinção da instância.
Isto é, enquanto para a deserção ocorrer basta o decurso do prazo contado a partir da interrupção, o despacho a declarar esta não pode ser dispensado por exigir "uma prévia indagação cuidada sobre a eventual negligencia das partes na paralisação do processo". (Acórdão do STJ de 13 de Maio de 2003 - 03A 584).
Note-se, contudo, que o prazo de dois anos a partir da interrupção conta-se não do despacho que o declara mas sim do decurso de mais de um ano de paralisação, nas circunstâncias do citado artigo 285º.

Ou seja, aquele despacho não é determinativo da interrupção antes se limitando a constatar que a mesma se verificou sem que, contudo, tal signifique que só na sua data a interrupção tenha ocorrido.
Trata-se de despacho meramente declarativo, não fazendo sentido que um juiz que encontrasse dezenas de processos parados, por falta de impulso negligente, há mais de um ano, tivesse de, por forma constitutiva, declarar a interrupção desaproveitando-se todo o período excedente de paralisação anterior.
Aqui chegados, e considerando que a parte não impulsionou o processo desde o julgamento, com transito, da última questão prejudicial, causal da suspensão da instância, (em 31 de Janeiro de 1999), que a negligência foi verificada pelo despacho que afirmou a interrupção e só veio requerer o prosseguimento da lide em 1 de Junho de 2004, a instância extinguiu-se por deserção.

3- Conclusões.

a) Proferidos o despacho de admissão do recurso, o despacho de saneamento do relator e o ulterior conhecimento do mérito pela Relação, sem qualquer oposição ou impugnação do recorrido, não pode o STJ sindicar a admissibilidade por se tratar de questão nova só suscitada nas alegações do agravo em 2ª instância.
b) A deserção da instância opera por força da lei não sendo necessário qualquer despacho judicial a declará-la.
c) A interrupção da instância, por implicar a emissão de um juízo sobre a negligência da parte a quem cabe o impulso processual tem de ser declarada por despacho.
d) Este despacho limita-se a verificar ter decorrido mais de um ano de paralisação negligente, não significando que a interrupção só se verifique a partir da data da sua prolação.

Destarte, acordam negar provimento ao agravo.

Custas pelo agravante.

Lisboa, 8 de Junho de 2006
Sebastião Póvoas
Moreira Alves
Alves Velho