Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07S921
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: DOCUMENTO PARTICULAR
FORÇA PROBATÓRIA PLENA
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nº do Documento: SJ200707120009214
Data do Acordão: 07/12/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. O alcance da força probatória dos documentos particulares é circunscrito à materialidade das declarações neles produzidas, já que apenas fazem prova plena da conformidade da vontade declarada e não de quaisquer outros factos, por isso, a força probatória daqueles documentos esgota-se no seu teor, nos factos compreendidos na declaração.
2. Traduzindo-se as presunções judiciais em juízos de valor formulados perante os factos provados, tais presunções reconduzem-se ao julgamento da matéria de facto, não podendo ser objecto de censura pelo Supremo Tribunal de Justiça, atento o estipulado no artigo 26.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, e nos artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
3. Ao Supremo Tribunal de Justiça apenas cabe ajuizar, por ser uma questão de direito, se as presunções judiciais extraídas pelas instâncias violam o disposto nos artigos 349.º e 351.º do Código Civil, isto é, se foram tiradas de factos desconhecidos ou irrelevantes para firmar factos desconhecidos, se exigem um grau superior de segurança na prova, se conflituam com a factualidade material provada ou, ainda, se contrariam um facto que tenha sido submetido a concreta discussão probatória e que o tribunal considerou não provado. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I
1. Em 30 de Outubro de 2000, no Tribunal do Trabalho de Abrantes, Empresa-A, intentou a presente acção declarativa, com processo comum, contra AA, pedindo: (a) se declare nulo o contrato de trabalho celebrado pelo réu, por si próprio e em representação da autora, em virtude do seu objecto se revelar legalmente impossível, contrário à lei e constituir uma fraude à lei, de acordo com o disposto nos conjugados artigos 1.º do Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, e 280.º, n.º 1, do Código Civil; (b) caso assim se não entenda, se considere esse contrato de trabalho ineficaz em relação à autora, em virtude do réu não dispor de poderes de representação para a obrigar, nos termos do disposto nos artigos 268.º do Código Civil, 260.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais e 8.º dos seus Estatutos; (c) se assim se não entender, se declare o referido contrato de trabalho anulado por configurar uma situação de negócio consigo mesmo, de harmonia com o preceituado no artigo 261.º do Código Civil; (d) em qualquer dos casos, seja o réu condenado a devolver à autora a quantia de 3.524.700$00, acrescida de juros calculados à taxa legal a contar da data da citação, que lhe foi indevidamente paga no pressuposto da validade e eficácia do contrato de trabalho em questão, nos termos dos artigos 289.º do Código Civil e 15.º, a contrario, do Decreto-Lei n.º 49.408.

O réu contestou, alegando que a partir de certa altura passou não só a exercer as funções de gerente, mas também outras, em que esteve numa função de subordinação jurídica face à gerência. Esse novo cargo resultou do contrato de trabalho em causa e veio a acontecer, por indicação expressa do gerente BB, que dirigindo-se-lhe pessoalmente e manifestando algumas dificuldades em determinar a terminologia adequada, frisava claramente que queria dispor do réu para que este exercesse funções executivas que em última instância o próprio gerente BB disse que poderiam ser designadas por presidente.

Nas suas funções de presidente, o réu tinha uma categoria superior em relação a todos os trabalhadores da empresa, enquanto que face ao Conselho de Gerência estava numa situação de subordinação jurídica.

Foi então necessário formalizar a nova situação jurídica do réu face à autora, por imperativos da legislação laboral portuguesa, já que o réu passou a desempenhar uma dupla função na empresa, fazendo parte da gerência e desempenhando também funções executivas, correspondendo a esta dupla função uma dupla retribuição.

O contrato de trabalho foi celebrado por vontade expressa da gerência da autora, tendo o mesmo sido elaborado pela sua mandatária, sendo que a quantia cuja devolução pede corresponde à quantia devida pela indemnização por despedimento sem justa causa e os recibos de salários e de despedimento foram passados de acordo com as regras de cálculo prescritas para um trabalhador por conta de outrem.

Concluiu que o contrato de trabalho em causa era válido e que foi objecto de um despedimento ilícito, já impugnado, pelo que não deduzia pedido reconvencional.

A autora respondeu à contestação, concluindo como na petição inicial.

Entretanto, foi determinada a apensação aos presentes autos da acção, com processo comum, emergente de contrato de trabalho, instaurada, em 31 de Outubro de 2000, no Tribunal do Trabalho de Santarém, mas posteriormente remetida ao Tribunal do Trabalho de Abrantes, onde foi registada sob o n.º 60/2001, na qual o aí autor AA pede se declare a nulidade do seu despedimento, por ilícito, dada a ausência de processo disciplinar, «decretando-se que existe vínculo laboral», bem como a condenação da sociedade Empresa-A, a reintegrá-lo no seu posto de trabalho com a categoria, antiguidade e retribuição que teria se não tivesse sido despedido e a pagar-lhe a quantia de 8.351.966$00 referente a prestações pecuniárias já vencidas, bem como as vincendas até ao trânsito em julgado da sentença, a liquidar em execução desta, tudo acrescido de juros à taxa legal até integral pagamento.

A ré Empresa-A contestou aquela acção, excepcionando a incompetência territorial do Tribunal do Trabalho de Santarém e alegando que o autor foi apenas seu gerente, nunca tendo celebrado com ele qualquer contrato de trabalho, excepção essa julgada procedente, sendo os autos remetidos ao Tribunal do Trabalho de Abrantes.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que: (i) julgou procedente a acção intentada pela autora Empresa-A, declarando ineficaz em relação à autora o contrato de trabalho escrito celebrado pelo réu AA, por si próprio e em representação da autora, por o réu não dispor de poderes de representação para obrigar a autora, e condenando o réu a devolver à autora a quantia de 3.524.700$00, acrescida de juros calculados à taxa legal a contar da data de citação, quantia que lhe foi indevidamente paga no pressuposto da eficácia do contrato de trabalho escrito; (ii) julgou improcedente a acção apensa, instaurada por AA contra Empresa-A, consignando-se o não reconhecimento da existência de vínculo laboral entre as partes e absolvendo-se a ré dos pedidos.

2. Inconformado, o réu AA interpôs recurso de apelação, no qual sustentou que a prova gravada e documental devia ser reapreciada por forma «a ser considerada a ampliação de dois novos factos e a alteração das alíneas I), L) e S) dos factos assentes e, bem assim, a alteração da matéria constante das respostas aos artigos 20.º e 35.º da base instrutória» e, quanto ao mérito, defendeu a existência de um contrato de trabalho válido entre as partes e a ilicitude do seu despedimento, tendo a Relação julgado improcedente a apelação e confirmado a decisão recorrida.

É contra esta decisão da Relação que o mesmo réu se insurge, mediante recurso de revista, ao abrigo, em substância, das seguintes conclusões:
– Existe uma contradição notória nos fundamentos do acórdão recorrido, com violação clara do n.º 2 do artigo 722.º do Código de Processo Civil, pois a fls. 14 afirma-se a impossibilidade de considerar o Prof. BB como sócio maioritário da autora por inexistência do documento indispensável para a prova desse facto (certidão comercial), para, a fls. 16, se sustentar que o Prof. BB, como sócio da autora, podia dar ordens ao gerente AA para que este as executasse com autonomia;
– Não podendo constar nos fundamentos do mesmo acórdão que o Prof. BB era e não era sócio, e uma vez que a Relação entendeu que não podia, por falta de prova, ter-se o Prof. BB como sócio, então todas as provas e todos os pressupostos e respectivas decisões da 1.ª e 2.ª instâncias têm que ser revistos;
– Por outro lado, o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 374.º e 376.º do Código Civil, pois, à luz dos mesmos e dos documentos de fls. 152, 166, 194, 793 e 797, deverá ter-se como provado que o gerente que definia toda a política da empresa era o gerente BB;
– Foram também violados os mesmos artigos 374.º e 376.º do Código Civil, na medida em que, à luz dos documentos de fls. 256, 793 e 797 e dos factos assentes ou dados como provados, há que concluir que a partir de 2000 o recorrente, por indicações do gerente BB passou a exercer funções sob subordinação jurídica da autora;
– Ora, ficou demonstrado, mais uma vez, que todas as decisões relativas às novas funções exercidas pelo recorrente e, nomeadamente salários, foram tomadas sob a dependência inequívoca da vontade do gerente BB, afinal, o gerente principal, tendo ficado provada a subordinação jurídica do recorrente à gerência da autora como resulta da aplicação dos artigos 374.º e 376.º do Código Civil, uma vez que aquele recebeu ordens desta, como consta nos documentos de fls. 152, 166, 194, 259 e ainda a fls. 294;
– As declarações constantes dos documentos acima têm força probatória plena e têm valor de uma confissão judicial, devendo, então, o tribunal a quo ter decretado que, não se podendo dar como certo que o Prof. BB era sócio da autora por falta da certidão comercial, tem que dar--se como certo que ele era o gerente principal;
Tais declarações têm força probatória plena e valem como confissão judicial, sendo, por isso, insusceptíveis da livre apreciação do Tribunal, sendo certo que as instâncias, à revelia dos artigos 374.º e 376.º do Código Civil, as apreciaram como se o pudessem fazer livremente;
Na verdade, para lá da contradição existe uma conclusão que é frontalmente contra as confissões do gerente BB nos termos sobreditos, a saber: o gerente BB era o gerente principal da autora porque era ele quem definia as políticas da empresa e os demais gerentes, nomeadamente o CC, não tomavam quaisquer decisões sem a sua aprovação; porque se encontrava provado de que foi por vontade do gerente principal, o Prof. BB, que o recorrente passou a exercer novas funções, as do DD, e que, para o exercício das mesmas, houve análise e negociação sobre o salário do recorrente (o qual nada tinha a ver com a renda anual que este recebia no exercício das funções de gerente desde 1991);
Cai, assim, a tese que fundamentou o indeferimento do pedido de ampliação da matéria de facto do recorrente, pois, tendo sido este considerado o gerente principal, foi considerado também a pessoa que não podia estar em simultâneo na dependência funcional da gerência;
Vai também contra o valor confessório das declarações do gerente BB, na medida em que tais declarações foram dirigidas ao declaratário AA e operam a favor deste que as novas funções que este passou a desempenhar a partir de 2000 foram negociadas pela gerência (CC e BB);
– Por outro lado, as instâncias presumiram factos a partir de factos que não assentaram na factualidade provada, para, a partir dessas presunções, concluírem que o contrato de trabalho não foi executado nem ratificado pela autora;
– A questão do processamento dos salários do recorrente e pagamento dos mesmos à revelia da autora: (i) do facto provado de que foi por ordens do recorrente que lhe foram processados os salários como trabalhador subordinado, não pode retirar-se a conclusão que tal fosse à revelia da empresa, desde já porque dar instruções à contabilidade tanto pode ser com conhecimento como sem conhecimento da autora; (ii) dos factos provados e assentes só pode presumir-se que foi com o conhecimento da autora recorrida — vide pontos 22, 23, 27, 28, 36 e 40 da matéria de facto dada como provada, donde se deverá presumir o contrário da presunção retirada pela Relação, ou seja, de que o recorrente agiu à revelia da empresa;
– Dos factos provados e dos documentos onde se discutiu uma nova situação salarial, diferente da renda anual que o recorrente recebia, deve presumir-se que foi com conhecimento da empresa que o recorrente terá dado essas ordens: (i) porque o contrato de trabalho estava na posse da autora e foi com base nele e por ele estar na sua posse que se acertaram as contas finais a mando dos dois gerentes BB e CC (fls. 24 do Acórdão) e os cálculos das contas finais terem sido feitos tendo por base o regime do contrato de trabalho subordinado; (ii) porque, na assembleia geral que deliberou o salário esteve presente o gerente responsável pela contabilidade, Dr. EE (acta n.º 34 de 30/06/2000, fls. 76); (iii) porque, tendo ficado assente que o recorrente não está sempre presente em Portugal (fls. 15 do Acórdão) e estando o contrato de trabalho na posse da autora, não foi à sua revelia que foram processados àquele os salários;
– A presunção de que a quantia depositada ao recorrente, a título de indemnização, se deveu a lapso da autora, não pode proceder, pois essa conclusão de que foi por lapso resultou da conclusão das instâncias de que o contrato era ineficaz e inválido;
– Ora, não há presunções de factos sobre conclusões de Direito e, dos factos assentes, resulta a presunção inversa, ou seja, o contrato de trabalho esteve à vista de todos na empresa, que tinha um gerente responsável que via os recibos e saídas de dinheiro e também, porque tais cálculos já foram feitos após o recorrente ter sido demitido da autora (ponto 22 da matéria de facto dada como provada);
– Mas o nó górdio desta lide tal como ele foi colocado pela Mma. Juíza e aceite pela Relação de Évora é o de que não havia subordinação jurídica;
– Porém, o facto dado como provado de que o recorrente AA agia com total autonomia nos termos sobreditos não procede, porque são as próprias instâncias que negam que o Prof. BB fosse sócio, e, assim, na sua qualidade de gerente da autora é ele, sem dúvida, o gerente principal e nessa qualidade agiu do seguinte modo: (i) deu ordens, directrizes, funções, designação e duplicação das funções; (ii) foi o gerente BB que, com outro gerente, o CC, quem ponderou e discutiu a situação laboral futura do recorrente num âmbito diferente daquele que ele recorrente até aí detinha, pois enquanto gerente recebia uma quantia anual; (iii) o recorrente duplicou as funções que até aí eram só de gerente, impunha-se, portanto, que fosse por isso remunerado, resultando, ainda, das declarações dos gerentes BB e CC que se devia acautelar a sua reforma; (iv) ao contrário do que se concluiu a fls. 27 da sentença, se o regime jurídico da prova tivesse sido respeitado nos termos acima ter-se-ia concluído que existiu dependência funcional no acréscimo das funções exercidas pelo recorrente uma vez que já se demonstrou que este não era o gerente principal; (v) existem sinais e indícios evidentes, quase todos preenchidos, da existência do contrato de trabalho subordinado;
– Só não ficou provada a vinculação do trabalhador a horário de trabalho e a anterioridade do contrato de trabalho à aquisição da qualidade de gerente, o que não tem relevo suficiente para anular todos os sinais e indícios da existência do contrato de trabalho;
– Do resto tudo se provou, pois o recorrente tinha um local de trabalho nas instalações da empregadora ou em local por ela designado; havia controlo externo do modo da prestação da actividade pelo gerente principal da empresa, o gerente BB; obedecia a ordens e estava sujeito à disciplina da empresa; tinha retribuição certa ao mês; os instrumentos de trabalho eram da empregadora; a retribuição auferida teve alterações significativas pois deixou de haver apenas a renda anual e passou a existir, também, um salário mensal; a natureza das funções concretamente exercidas enquanto trabalhador são diferentes das funções de gerente, pois passou a exercer as funções que vinham sendo desempenhadas por DD, passando a ter de dedicar mais tempo ao serviço da autora; as novas funções foram-lhe atribuídas por indicações expressas do gerente BB; as novas funções eram as relativas aos sectores de exploração agrícola e todas as actividades relacionadas; passou a ser designado por gerente/presidente;
– Mais: a gerência da empresa era composta por 6 gerentes, havia duas sócias maioritárias que detinham 99,17% do capital, e a dependência hierárquica e funcional do recorrente para com a gerência, mormente o gerente BB, por força das novas funções que este lhe cometeu e que nada tinham a ver com as típicas da gerência, apesar de, por determinação do BB, ter passado a ser designado por presidente no desempenho das novas funções (pontos 31 a 34 da matéria de facto dada como provada);
– Dúvidas não restam que o recorrente, não era o gerente principal e apresentava todos os sinais e indícios reveladores de dependência funcional pelas novas funções que lhe foram atribuídas pelo gerente principal - o Prof. BB;
– Demonstrado ficou que o Prof. BB não tendo sido considerado pelas instâncias como sócio da autora, só pode ser considerado como gerente principal, e que os salários e indemnização processados e pagos, não foram, nem à revelia da autora, nem por lapso dos seus serviços da contabilidade;
– Ora, não foi feita contraprova sobre as declarações constantes dos documentos de fls. 793, 797, 800 e, uma vez que não impugnadas, não foi feita sobre as mesmas contraprova de modo a tomá-las duvidosas, essas declarações devem, nos termos do artigo 346.º do Código Civil, ter--se como verdadeiras, o mesmo se devendo dizer das declarações que constam nos documentos de fls. 220 e 788;
– Dos factos provados e das declarações constantes dos documentos dos autos, caso não venha a considerar-se que o contrato de trabalho subordinado foi celebrado e executado, então, sempre será um atentado contra o bom senso não ter como certo que houve negociações, nas quais o recorrente esteve sempre de boa fé, sendo que lhe foram criadas expectativas, as quais se inserem no âmbito do regime jurídico da culpa in contrahendo;
– Das declarações precedentes conclui-se inequivocamente que o recorrente: discutiu as suas pretensões com os outros gerentes da autora (fls. 788, 793, 797, 800, 256); acatou dedicar mais tempo a esta; aceitou o que o gerente BB lhe propôs; fez um anúncio público das novas funções na autora (fls. 220); pediu garantias para a reforma, negociada entre os gerentes BB e CC (fls. 788), e por este foi aconselhado que o Prof. BB discutisse essa matéria directamente com o recorrente (fls. 793);
– Contudo, pretende a autora fazer valer que o recorrente negociou o contrato consigo mesmo, à revelia da mesma;
– Não tendo o recorrente dado origem, de má fé, à falta de forma do contrato de trabalho, nem tendo adoptado qualquer conduta que provocasse a não assinatura daquele e, muito menos, que desta falta de assinatura viesse a ser invocada a sua nulidade no confronto com a entidade patronal, pode o recorrente, no quadro da responsabilidade pré--contratual, exigir da autora uma indemnização, nos termos a que teria direito se o contrato de trabalho tivesse sido celebrado cumprindo as exigências de forma e despedido sem justa causa;
– O contrato de trabalho estava na posse da autora que o apresentou em tribunal, não podendo o recorrente responder pela não assinatura do mesmo por aquela, já que no regime jurídico da culpa in contrahendo tal responsabilidade não é do recorrente;
– Aliás, se há presunções possíveis sobre factos da matéria assente, algumas são muito evidentes: (i) por lapso ou desleixo, a autora não assinou o contrato de trabalho que foi preparado pela advogada desta e pelo gerente responsável pela contabilidade, mas, depois, quando a autora quis despedir o recorrente por razões que não apresentou (pois quando o destituiu do cargo de gerente, até lhe conferiu um louvor pelo trabalho desempenhado), usou o contrato de trabalho não assinado para se eximir de responsabilidades; (ii) sem esquecer a outra presunção da grande verticalidade do recorrente de não aceitar uma elevada quantia para desistir dos processos que tinha contra a autora (documento que foi junto na sessão de julgamento de 20/04/2005); (iii) foi acusado pela autora de ter forjado um contrato de trabalho só porque esta não o assinou, responsabilidade que não é sua;
– Apesar das deficiências apresentadas pela autora pela falta da assinatura de um outro gerente para que o negócio jurídico (celebração do contrato de trabalho) não padecesse do vício da falta de poderes de representação, certo é que este contrato formalizado foi ratificado porque nem os salários nem a indemnização foram processados por lapso, reiterando-se, para tanto o que já acima se disse sobre o conteúdo das declarações relativamente aos documentos de fls. 793, 797 e 800, pois não pode presumir-se que as instruções que o recorrente deu à contabilidade fossem dadas à revelia da empresa conforme pretende a autora e presumiram as instâncias.

Termina pedindo que seja: «(a) dado como provado o Prof. BB como o gerente principal da Recorrida; (b) dados como confessados os factos constantes das declarações dos gerentes BB e CC como se explicitou; (c) decretado não provado que o recorrente deu instruções à contabilidade à revelia da recorrida; (d) decretado que os salários e indemnização pagos ao recorrente não o foram por lapso uma vez que são presunções que não assentam na factualidade provada; (e) considerada a subordinação jurídica do recorrente à gerência por estarem preenchidos os sinais e indícios da existência do Contrato de Trabalho; (f) caso venha a decretar--se a inexistência do contrato de trabalho subordinado, condenada a recorrida em sede de culpa in contrahendo, ou seja, que o recorrente seja indemnizado como se tivesse sido despedido sem justa causa, em quantia a liquidar em execução de sentença; (g) dada como assente a presunção de boa fé do recorrente face à declaração receptícia; (h) caso se entenda que, apesar da prova produzida, a redução do contrato a escrito tem relevância jurídica, ainda que assinado apenas pelo recorrente, seja decretado que o mesmo foi ratificado pela autora.»

Em contra-alegações, a recorrida veio defender a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de que a revista deve ser negada, parecer que, notificado às partes, não suscitou qualquer resposta.

3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar:

– Erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa [conclusões I) a XXXIX), XLVII), na parte atinente, XLVIII) e XLIX)];
Existência de subordinação jurídica do recorrente à gerência da recorrida no desempenho das suas funções [conclusões XL) a XLVI)];
– Responsabilidade pré-contratual da recorrida [conclusões XLVII), na parte atinente, e L) a LVII)];
– Ratificação, pela recorrida, do contrato de trabalho que o recorrente celebrou por si e em representação daquela [conclusões LVIII) e LIX)].

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II
1. As instâncias deram como provados os factos seguintes, mencionando-se entre parênteses as alíneas da matéria de facto considerada assente e os artigos da base instrutória julgados provados em sede de audiência de discussão e julgamento:

1) A autora Empresa-A, dedica-se à actividade de promoção, exploração e desenvolvimento da indústria agrícola e de todas as actividades com ela relacionadas [alínea A)];
2) São sócias da autora as sociedades Empresa-B, Empresa-C, e a Sociedade Empresa-D [alínea B)];
3) A gerência da autora é exercida por três ou mais gerentes eleitos em assembleia-geral, de acordo com o disposto no número um do artigo sexto dos respectivos Estatutos, conforme redacção introduzida pela alteração do pacto social efectuada em 27 de Janeiro de 1994 [alínea C)];
4) A autora obriga-se «... validamente em todos os seus actos pela assinatura de dois gerentes, de um gerente e do director-geral ou só pela assinatura deste no âmbito dos poderes que lhe foram conferidos», nos termos previstos no artigo oitavo dos respectivos estatutos [alínea D)];
5) Ainda de acordo com os Estatutos da autora, «os gerentes designarão um director-geral, que poderá ou não ser membro da gerência, definindo simultaneamente os seus poderes, funções e remuneração» [alínea E)];
6) Para o exercício das funções de gerente da autora é dispensada a qualidade de sócio [alínea F)];
7) O réu AA foi nomeado gerente da autora em 26 de Julho de 1990 [alínea G)];
8) Nas Assembleias-Gerais da autora, realizadas entre 24 de Março de 1993 e 18 de Agosto de 2000, as sociedades Empresa-B, e a Empresa-C, sócias maioritárias, foram sempre representadas pelo réu, na qualidade de procurador [alínea H)];
9) Durante o período em que exerceu funções de gerência, o réu sempre actuou como gerente principal, fiscalizando e dirigindo toda a actividade da autora e transmitindo as ordens e directivas da sociedade [alínea I)];
10) Nesse período, o réu deslocava-se, em regra, duas vezes por mês às instalações da autora, onde permanecia por períodos de três dias [alínea J)];
11) O réu prestou pessoalmente à autora a sua actividade profissional de gerente, exercendo tal actividade com total autonomia [alínea L)];
12) Até ao ano de 1999, a autora pagou ao réu, pelo exercício das suas funções de gerente, uma quantia anual, com vencimento em 31 de Dezembro do ano a que dizia respeito [alínea M)];
13) Na assembleia-geral realizada em 2 de Março de 2000, as sócias da autora ratificaram a «... decisão de dezoito de Outubro de mil novecentos e noventa e nove, que conferia ao Presidente, senhor AA, poderes para só por si assinar cheques e outros movimentos bancários sem qualquer limite de montante» [alínea N)];
14) Em 30 de Junho de 2000, foi aprovado, por proposta apresentada pelo réu que «... o gerente senhor AA passasse a auferir a remuneração mensal ilíquida de Esc. 1.174.900$00, bem como subsídios de Férias e de Natal de igual montante, com efeitos retroactivos ao dia um de Janeiro do ano dois mil ...» [alínea O)];
15) Nessa mesma data, o réu celebrou o contrato que se encontra junto aos autos a fls. 82 a 84, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e do qual consta que o réu se comprometeu «... a exercer por conta e sob a autoridade e direcção da Primeira Outorgante - ora autora - as funções inerentes à profissão de Gerente e Presidente ...» [alínea P)];
16) Como data de início de vigência do mencionado contrato foi fixado o dia 1 de Janeiro de 2000, ficando estipulado no dito contrato que o réu teria direito a uma remuneração mensal ilíquida base no valor de Esc. 1.174.900$00, bem como subsídios de férias e de Natal de igual montante [alínea Q)];
17) O referido contrato foi assinado única e exclusivamente pelo réu, por si próprio e em representação da autora, pois apesar de constar do cabeçalho de tal contrato como representante da autora o Dr. EE, gerente da autora, o mesmo não o assinou [alínea R)];
18) Após a celebração de tal contrato de trabalho e de acordo com instruções transmitidas pelo próprio, foram processados ao réu, em conta corrente da autora as remunerações previstas no contrato de trabalho, referentes ao período compreendido entre 1 de Janeiro e 8 de Setembro de 2000 [alínea S)];
19) Em 30 de Junho de 2000, a autora tinha como gerentes, além do réu, os Senhores Professor BB, CC, Dr. EE e Eng. FF e Eng. GG [alínea T)];
20) Em 8 de Setembro de 2000, de acordo com instruções que lhe foram transmitidas pelas sócias da autora, o Senhor CC comunicou ao réu a cessação das suas funções, com efeitos imediatos [alínea U)];
21) Em 16 de Setembro de 2000, com efeitos a partir de 8 de Setembro de 2000, a Assembleia-Geral da autora deliberou destituir o réu das suas funções de gerente [alínea V)];
22) Após a cessação de funções de gerente, os serviços contabilísticos da autora, por solicitação dos gerentes Professor BB e CC, procederam ao acerto de contas com o réu [alínea X)];
23) Em 29 de Setembro de 2000, foi transferido para conta bancária do réu, sedeada no Banco Português do Atlântico, o saldo da conta corrente da autora na qual haviam sido processadas as suas remunerações referentes ao ano 2000 [alínea Z)];
24) O réu não prestou qualquer actividade à autora após o dia 8 de Setembro de 2000 [alínea AA)];
25) O réu tem residência permanente em Inglaterra e durante a sua permanência em Portugal reunia com os membros da direcção e com os chefes e subchefes da autora orientando e acompanhado o funcionamento e desenvolvimento da actividade da autora (artigo 1.º);
26) O réu prestou pessoalmente à autora a sua actividade profissional de gerente, exercendo tal actividade com autonomia, no uso dos poderes que nele foram delegados (artigo 2.º);.
27) Os serviços contabilísticos da autora procederam ao acerto de contas com o réu com base no contrato de trabalho especificado em P) e com base na informação de que o réu havia cessado as suas funções por rescisão unilateral da autora (artigo 10.º);
28) Entre outras quantias então processadas ao réu foi incluída uma verba no valor de Esc. 3.524.700$00, com a designação de indemnização (artigo 11.º);
29) O réu nas suas deslocações a Portugal para exercer as suas funções nas instalações da Empresa-A não tinha qualquer tipo de limites no seu trabalho, trabalhando de forma exaustiva (artigo 15.º);
30) Quando se encontrava fora do local de trabalho continuava a trabalhar para a ... [Empresa-A] através dos meios que a moderna tecnologia hoje permite, nomeadamente recorrendo ao uso de telefones, mails, faxes, uma vez que lhe incumbiam tarefas de direcção e orientação e executivas, actualmente exequíveis à distância (artigo 16.º);
31) A partir de certa altura, o réu passou a exercer as funções que vinham sendo desempenhadas por DD passando a ter de dedicar mais tempo ao serviço da autora (artigo 18.º);
32) As novas funções desempenhadas pelo réu foram-lhe atribuídas por indicações expressas do gerente BB que manifestando algumas dificuldades em determinar a terminologia adequada, frisava claramente que queria dispor do réu para que este exercesse funções executivas que em última instância o próprio gerente H. BB disse que poderiam ser designadas por Presidente (artigo 19.º);
33) No exercício dessas funções o réu orientava [o] serviço dos sectores de exploração e desenvolvimento de indústria agrícola e de todas as actividades com ela relacionadas (artigo 20.º);
34) O réu começou a ser designado em toda a documentação como gerente/presidente (artigo 21.º);
35) O réu transmitia as ordens e directivas da sociedade, fiscalizava a boa execução das mesmas ordens e dirigia toda actividade da autora, actividade essa, cujo órgão social máximo de decisão e administração era a gerência, órgão plural, do qual também fazia parte (artigo 22.º);
36) A autora emitia os recibos de vencimento ao réu com a categoria de Presidente e não de gerente (artigo 28.º);
37) O réu perspectivou uma mudança de residência de Inglaterra para Portugal, o que era do conhecimento da gerência tendo procurado adquirir uma propriedade neste País (artigo 29.º);
38) O exercício das novas funções impunha ao réu uma mais longa estadia no País, coadunando-se com a perspectiva de perda de vínculo laboral que tinha em Inglaterra numa empresa do mesmo grupo (artigo 31.º);
39) A celebração do contrato de trabalho e o pagamento de quaisquer quantias no âmbito da execução desse contrato foram efectuadas de acordo com instruções emanadas do próprio réu (artigo 35.º);
40) Em Outubro de 1999, em comunicado publicado na sede da empresa a todos os membros da Empresa-A, o Sr. DD deixou a sua posição de Director-Geral, passando a exercer funções de Director Agrícola, tendo o réu assumido as funções administrativas e de coordenação geral de Director-Geral, mantendo-se o Dr. EE como gerente e director-geral-adjunto, tendo a seu cargo a contabilidade (artigo 36.º).

2. O recorrente sustenta que este Supremo Tribunal, nos termos dos artigos 722.º e 729.º do Código de Processo Civil, deve alterar a matéria de facto fixada, porque, «quer a sentença de 1.ª instância, quer o acórdão da Relação de Évora, que a manteve na íntegra, padecem de ilogicidade, violaram normas legais sobre a força probatória plena de documentos e presumiram factos, não de factos provados, mas sim de conclusões e opiniões, presunções essas que contrariam factos assentes».

A questão suscitada prende-se com a fixação dos factos materiais da causa.

O Supremo Tribunal de Justiça, funcionando como tribunal de revista, só conhece, em princípio, de matéria de direito (artigo 26.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), cabendo-lhe aplicar definitivamente, aos factos materiais fixados nas instâncias, o regime jurídico que julgue adequado (artigo 729.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

Sendo aqui já aplicável o n.º 6 do artigo 712.º do Código de Processo Civil (artigos 8.º, n.º 2, e 9.º do Decreto-Lei n.º 375-A/99, de 20 de Setembro), que veda o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões da Relação proferidas ao abrigo dos números precedentes daquele preceito, torna-se evidente que não cabe a este Supremo Tribunal censurar o uso ou não uso dos poderes que a Relação dispunha para operar a alteração reclamada pelo recorrente da decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, a menos que essa censura decorra dos poderes próprios que o Supremo Tribunal de Justiça possui em relação à matéria de facto.
Como é sabido, em sede de revista, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no que respeita ao apuramento da matéria de facto relevante é residual e destina-se exclusivamente a apreciar a observância das regras de direito material probatório, prevista nos conjugados artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do n.º 3 do artigo 729.º do mesmo diploma legal.

O n.º 2 daquele artigo 722.º dispõe que «[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força de determinado meio de prova».

Doutro passo, o n.º 2 do artigo 729.º citado determina que «[a] decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 2 do artigo 722.º».

As excepções contempladas nos aludidos normativos não constituem desvio à regra geral da insindicância da matéria de facto pelo Supremo, já que se configuram como situações de erro de direito e se traduzem na ofensa de disposição expressa de lei, quando esta exija certa espécie de prova para a existência do facto ou quando a mesma fixe a força de determinado meio de prova.

Por sua vez, nos termos dos conjugados artigos 729.º, n.º 3, e 730.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, o Supremo pode mandar «julgar novamente a causa», quando «entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito».

2.1. O recorrente invoca, em primeira linha, que «existe uma contradição notória nos fundamentos do acórdão recorrido, com violação clara do n.º 2 do artigo 722.º do Código de Processo Civil, pois a fls. 14 afirma-se a impossibilidade de considerar o Prof. BB como sócio maioritário da autora por inexistência do documento indispensável para a prova desse facto (certidão [do registo] comercial), para, a fls. 16, se sustentar que o Prof. BB, como sócio da autora, podia dar ordens ao gerente AA para que este as executasse com autonomia».

E, prossegue o recorrente, «não podendo constar nos fundamentos do mesmo acórdão que o Prof. BB era e não era sócio, e uma vez que a Relação entendeu que não podia, por falta de prova, ter-se o Prof. BB como sócio, então todas as provas e todos os pressupostos e respectivas decisões da 1.ª e 2.ª instâncias têm que ser revistos».

Ora, a fls. 14 do acórdão recorrido, que corresponde a fls. 1893 verso dos autos, o tribunal recorrido, apreciando a pretensão do apelante, aqui recorrente, de que fossem aditados dois novos factos à matéria de facto fixada, a saber, que «[a]s sócias maioritárias da A., Empresa-B, e Empresa-C, detêm 99,17% daquela» e que «[o] também gerente da A., Prof. BB é o dono das duas sócias maioritárias da A.», consignou que «[q]uanto ao segundo facto que se pretende aditar a prova invocada pelo apelante é insuficiente, pois do documento de fls. 166 não resulta com clareza a prova do mesmo, tanto mais que tratando-se dum facto sujeito ao registo comercial, só com uma certidão é que tal prova seria inequívoca», tendo indeferido aquele aditamento.

Por sua vez, a fls. 16 do mesmo aresto, que corresponde a fls. 1894 verso dos autos, o tribunal recorrido, apreciando a pretensão do apelante, aqui recorrente, de que na alínea L) dos factos considerados assentes devia constar que «o Réu prestou pessoalmente à A. a sua actividade profissional de gerente, não exercendo tal actividade com total autonomia, exercendo tal actividade em função das coordenadas e ordens dadas pelo Prof. BB», ponderou que «[d]e qualquer maneira os documentos em que se fundamenta o apelante (duas cartas do sócio BB) nada provam contra a autonomia no desempenho das funções de gerente, pois os titulares deste cargo podem receber orientações e a definição dos objectivos a atingir com o desempenho social, sendo no entanto autónomos na forma de alcançar o resultado que lhes é solicitado», tendo indeferido a reclamada alteração.

Portanto, o acórdão recorrido recusou aditar à matéria de facto que «[o] também gerente da A., Prof. BB é o dono das duas sócias maioritárias da A.», porque, além de não resultar com clareza do documento de fls. 166, tratando-se dum facto sujeito ao registo comercial, só com uma certidão é que tal prova seria inequívoca, sendo certo que, mais adiante, alude a «duas cartas do sócio BB».

A expressão «duas cartas do sócio BB» apresenta-se isolada no texto do acórdão recorrido, mediante o uso de parênteses, visando apenas indicar, como se afigura patente, a autoria das cartas invocadas pelo recorrente, não se integrando na atinente fundamentação do acórdão sob recurso.

Na verdade, o aresto recorrido, em sede de fundamentação de facto e de direito, sempre alude ao Professor BB como gerente da recorrida; donde, se essa qualidade de «sócio» não é afirmada na fundamentação do acórdão recorrido, não pode gerar a assinalada contradição.

Apenas se acrescentará que não se configura, nos segmentos transcritos, qualquer vício interno da decisão recorrida subsumível à figura da nulidade, que, aliás, o recorrente não arguiu, nem ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito.

Não se verifica, pois, a pretendida contradição notória nos fundamentos do acórdão recorrido, nem a suposta violação, neste conspecto, da norma contida no n.º 2 do artigo 722.º do Código de Processo Civil.

2.2. O recorrente alega, também, que, face ao teor dos documentos de fls. 152, 166, 194, 220, 256, 259, 294, 788, 793, 797 e 800, deve dar-se como provado que era o gerente BB quem definia toda a política empresarial da recorrida, que foi por determinação deste que, a partir de 2000, o recorrente passou a exercer as funções que estavam distribuídas ao Sr. DD e que no exercício dessas funções estava sujeito às ordens e fiscalização da gerência da recorrida.

Conforme se referiu, o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, citados, só pode alterar a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto quando, nessa fixação, tenha havido ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova, ou seja, tal como sublinha a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal, «quando tiver sido dado como provado determinado facto sem que tenha sido produzido o meio de prova de que determinada disposição legal faz depender a sua existência, quando determinado facto tenha sido dado como provado por ter sido atribuído a determinado meio de prova uma força probatória que a lei não lhe reconhece ou quando um facto tenha sido dado como não provado por não ter sido atribuído a determinado meio de prova a força probatória que a lei lhe confere».

Dispõe o n.º 1 do artigo 374.º do Código Civil que «[a] letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas, pela parte contra quem o documento é apresentado […]», sendo certo que, nos termos do artigo 376.º do Código Civil, «[o] documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento» (n.º 1) e «[o]s factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; […]» (n.º 2).

Todavia, como tem sido entendimento corrente na doutrina e jurisprudência, apenas o declaratário pode invocar o documento particular, como prova plena, contra o declarante que emitiu uma declaração contrária aos seus interesses.

Nas relações com terceiros, essa declaração vale apenas como elemento de prova a apreciar livremente pelo tribunal, tal como sucede relativamente à confissão extrajudicial (artigo 358.º, n.os 2 e 4, do Código Civil).

A razão de ser desta distinção tem por fundamento as maiores garantias de seriedade e de ponderação que a confissão oferece no caso do destinatário ser a parte contrária, o que não se verifica quando é um terceiro (cf. PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, 1967, p. 234).

O recorrente pretende, embora não o diga expressamente, que este Supremo Tribunal altere os factos provados n.os 9, 11, 18, 26, 33 e 39, por entender que os mencionados documentos particulares fazem prova plena de que «o gerente que definia toda a política da empresa era o gerente BB», «que, a partir de 2000, o recorrente, por indicações do gerente BB, passou a exercer funções sob subordinação jurídica da autora», e, ainda, «que todas as decisões relativas às novas funções exercidas pelo recorrente e, nomeadamente salários, foram tomadas sob a dependência inequívoca da vontade do gerente BB, afinal, o gerente principal».

O documento de fls. 152, trata-se de uma carta dirigida pelo Professor BB ao recorrente, datada de 24 de Agosto de 2000, em que aquele afirma, em síntese, esperar que o recorrente, «realmente se devote ao máximo ao Empresa-A», «é vital», acrescentando que «[t]emos de transformar a nova casa grande numa casa de hóspedes, talvez até na minha casa pessoal, para que todos possam lá ficar quando estiverem em Portugal».

O documento de fls. 166, trata-se de uma carta dirigida pelo Professor BB ao recorrente, em 22 de Agosto de 2000, e na qual, após expressar o seu agradecimento pela carta de 20 de Agosto («Muito Obrigado pela sua carta de 20 de Agosto»), afirma que «[n]enhuma decisão em relação ao Empresa-A deverá ser tomada durante o próximo ano», que «[v]ocê é Presidente Executivo, se é que existe tal cargo em Portugal. Caso contrário, você deverá ser Presidente e eu funcionarei como Presidente Executivo. […]. Também é perfeitamente possível que possamos construir, nesse local, uma pequena unidade de leite e vendamos até 50% do nosso leite, directamente. Estou a considerar essa alternativa. […]. Mas todas estas coisas poderão ser discutidas no prazo de um ano. Não existe absolutamente pressa alguma. Acima de tudo, devemos trabalhar com eficiência e calmamente para aumentarmos a produção, e devemos assegurar-nos que o nosso pessoal está satisfeito - senão ele não trabalha bem. E devemos ter vacas contentes. O grande empreendimento de gado em Wanas está a usar, há muitos anos, os “arbustos” rotativos, e eles funcionam aí. Por que não reintroduzi-los? As vacas amam-nos.»

O documento de fls. 194 [do processo apenso n.º 60/01] - erradamente referenciado como documento de fls. 294 na conclusão XXI da alegação de recurso de revista - é uma carta dirigida pelo Professor BB ao recorrente, datada de 2 de Março de 2000, em que aquele endereça ao recorrente uma proposta relativa ao banho dos cascos, concretamente, «pôr 2 banhos, não 1, e deixar água pura correr através do primeiro, para que os cascos estejam limpos quando imersos na solução de cobre. A água usada poderia correr para a lagoa. Isto pagar-se-ia, por si mesmo, através de menos problemas com os cascos e menos consumo de cobre. Por favor informe-me sobre o nutricionista.»

O documento de fls. 220 [do processo apenso n.º 60/01] trata-se de uma carta, de Outubro de 1999, dirigida pelo recorrente a todos os colaboradores do Empresa-A, em que se dá conta que DD concordou em renunciar ao seu cargo de Director-Geral, que o recorrente iria «assumir as funções administrativas e de coordenação geral de Director-Geral, até deliberação em contrário» e que o «EE permanecerá como Assistente de Direcção, com a responsabilidade de assuntos de contabilidade», exortando todos a trabalhar como equipa.

No documento de fls. 256 [do processo apenso n.º 60/01], que se trata de uma carta dirigida pelo Professor BB ao recorrente, em 21 de Agosto de 1999, aquele afirma, «[t]emos 2 problemas sobre os quais precisamos de falar, o DD e o seu salário. Neste momento só tenho um desejo: não agitar o barco até recebermos a quota [de leite]. O DD pode não ser óptimo, mas se obtiver a quota e controlar os seus custos, não há tragédia. A quota acima de qualquer outra coisa!!!»

No documento de fls. 259 [do processo apenso n.º 60/01], que se trata de uma carta dirigida pelo Professor BB ao recorrente, em 3 de Fevereiro de 2000, aquele afirma, relativamente ao Empresa-A (Re: Empresa-A), «[e]stou com medo. Não recebemos quaisquer papéis sobre a quota [de leite] (ou você tê-los--ia enviado para mim, como lhe pedi). Com que quota [de leite] ficaremos? Onde estão os limites do empreendimento? É realmente necessário escolher muito? Será óptimo? Duvido.» Relativamente à Quinta Morghew (Re: Morghew), refere que «[n]ão tive resposta à questão da carne de vaca ecológica. Você colocou fardos de palha abertos junto dos porcos? Se não o fez, faça-o agora, imediatamente.»

Note-se que o assunto relativo à colocação de fardos de palha junto dos porcos não respeita ao Empresa-A, mas à Quinta Morghew, sita no Reino Unido.

O documento de fls. 788 trata-se de uma carta enviada pelo recorrente a CC, datada de 7 de Setembro de 1999, afirmando não estar insatisfeito com o salário que recebe em “Morghew Farm“, que gostaria de viver a sua reforma em Portugal e que a sua reforma poderia ser financiada pela Quinta Vale da Lama.

O documento de fls. 793 trata-se de uma carta enviada ao Professor BB por CC, em 7 de Setembro de 1999, referente à remuneração a atribuir ao recorrente.

O documento de fls. 797 trata-se de uma carta enviada pelo Professor BB a CC, datada de 18 de Setembro de 1999, relativo ao salário do recorrente, em que aquele pretende saber «como é que ele se enquadra entre outros com o mesmo tipo de trabalho».

No documento de fls. 800, CC responde, em 21 de Setembro de 1999, ao Professor BB, agradecendo a carta de 18 de Setembro de 1999, relativo ao salário de AA, informando que «o actual salário de AA, no montante de £ 32,346, encontra-se perto do valor inferior da grelha salarial que se aplica a 25% das pessoas mais bem pagas da sua profissão, tendo em atenção o tipo de negócio e o nível de responsabilidade que ele tem. O valor dos salários dessa grelha salarial seria entre os £ 30,000 – £ 45,000 acrescidos dos benefícios usuais de alojamento e pensão.»

Verifica-se, pois, que o documento de fls. 220 [apenso n.º 60/01] é dirigido pelo recorrente a todos os colaboradores do Empresa-A, que o documento de fls. 788 trata-se de uma carta enviada pelo recorrente a CC e que os documentos de fls. 793, 797 e 800 constituem cartas dirigidas, respectivamente, por CC ao Professor BB, por este àquele e por CC ao Professor BB, pelo que, não se tratando de declarações dirigidas à parte contrária ou a quem a represente, nem se podendo considerar que tenha sido o recorrente o destinatário dessas declarações, as mesmas não têm força probatória plena, valendo apenas como elemento de prova a apreciar livremente pelo tribunal, logo, este Supremo Tribunal não pode sindicar a valoração que as instâncias fizeram das declarações vertidas nos sobreditos documentos.

Quanto aos documentos de fls. 152, 166, 194, 256 e 259, os mesmos constituem cartas dirigidas pelo Professor BB ao recorrente.

Refira-se, no entanto, que o alcance da força probatória dos documentos particulares é circunscrito à materialidade das declarações neles produzidas, já que apenas fazem prova plena da conformidade da vontade declarada e não de quaisquer outros factos (cf., neste sentido, os Acórdãos deste Supremo Tribunal, de 23 de Novembro de 2005, Revista n.º 2445/05, de 3 de Maio de 2006, Revista n.º 572/06, e de 24 de Outubro de 2006, Revista n.º 1827/06, todos da 4.ª Secção).

Deste modo, a força probatória daqueles documentos esgota-se no seu teor (artigos 374.º e 376.º do Código Civil), nos factos compreendidos na declaração.

Ora, tal como afirma a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal, «basta ler os referidos documentos para se concluir que as declarações neles vertidas são manifestamente insuficientes para que se possa dar como provado, como pretende o recorrente, que o gerente BB era o gerente principal da recorrida e que era ele quem dirigia e definia toda a actividade da sociedade recorrida e, por outro lado, que foi por indicação daquele mesmo gerente que o recorrente, a partir de 2000, passou a exercer funções sob as ordens e direcção da gerência da recorrida», ou, ainda, que todas as decisões relativas às novas funções exercidas pelo recorrente e, nomeadamente salários, foram tomadas sob a dependência inequívoca da vontade do gerente BB.

Com efeito, os factos discriminados não estão contidos nas declarações constantes dos documentos acima transcritos, daí que não possam servir para provar esses factos com força probatória plena, como propugna o recorrente.

Impõe-se, assim, concluir que não se verifica a alegada violação dos artigos 374.º e 376.º do Código Civil.
2.3. O recorrente considera, por outro lado, que as instâncias presumiram factos que não têm qualquer apoio na factualidade dada como provada para, a partir dessas presunções, concluírem que o contrato de trabalho junto a fls. 82 a 84 não foi executado e não foi ratificado pela recorrida.

Neste plano de consideração, o recorrente sustenta que a Relação não podia extrair da factualidade assente a conclusão de que as quantias que ele recebeu com base naquele contrato de trabalho foram-lhe pagas à revelia da recorrida, assim como não podia retirar a conclusão de que a indemnização paga ao recorrente pela cessação do referido contrato de trabalho foi igualmente paga à revelia da recorrida, tendo concluído que «dos factos provados e assentes só pode presumir-se que foi com o conhecimento da autora recorrida - vide pontos 22, 23, 27, 28, 36 e 40 da matéria de facto dada como provada, donde se deverá presumir o contrário da presunção retirada pela Relação, ou seja, de que o recorrente agiu à revelia da empresa»

E acrescenta o recorrente, «[a] presunção de que a quantia depositada ao recorrente, a título de indemnização, se deveu a lapso da autora, não pode proceder, pois essa conclusão de que foi por lapso resultou da conclusão das instâncias de que o contrato era ineficaz e inválido», ora, «dos factos assentes, resulta a presunção inversa, ou seja, o contrato de trabalho esteve à vista de todos na empresa, que tinha um gerente responsável que via os recibos e saídas de dinheiro e também, porque tais cálculos já foram feitos após o recorrente ter sido demitido da autora (ponto 22 da matéria de facto dada como provada)».

Segundo o artigo 349.º do Código Civil, «[p]resunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido», sendo que, nos termos do artigo 351.º do Código Civil, «[a]s presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal».

No dizer de PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, as presunções judiciais «inspiram-se nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana» (cf. Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1967, p. 228).

Traduzindo-se as presunções judiciais em juízos de valor formulados perante os factos provados, tais presunções reconduzem-se ao julgamento da matéria de facto, pelo que, são insindicáveis por parte do Supremo Tribunal de Justiça, atento o estipulado no artigo 26.º da Lei n.º 3/99, citada, e nos artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Ao Supremo Tribunal de Justiça apenas cabe ajuizar, por ser uma questão de direito, se as presunções judiciais extraídas pelas instâncias violam o disposto nos artigos 349.º e 351.º citados, isto é, se foram tiradas de factos desconhecidos (não provados) ou irrelevantes para firmar factos desconhecidos ou se exigem um grau superior de segurança na prova, ou, ainda, se conflituam com a factualidade material provada ou contrariam um facto que tenha sido submetido a concreta discussão probatória e que o tribunal considerou não provado (cf. Acórdãos deste Supremo Tribunal, de 22 de Fevereiro de 2005, Revista n.º 4594/04, da 1.ª Secção, de 7 de Abril de 2005, Revista n.º 393/05, da 7.ª Secção, de 1 de Março de 2007, Revista n.º 4192/06, e de 27 de Junho de 2007, Revista n.º 1050/07, ambos da 4.ª Secção).

O recorrente começa por discordar da ilação retirada pelo acórdão recorrido de que os pagamentos efectuados com base no contrato de trabalho em causa foram feitos à revelia da recorrida.

Na verdade, o acórdão recorrido afirma que «mesmo quanto aos salários que lhe foram pagos, o pagamento destas quantias que foram recebidas no âmbito desse contrato foi efectuado de acordo com as instruções emanadas do próprio recorrente e à revelia da empresa. E assim sendo, não a podem vincular. Bastaria a consideração da questão por este prisma para se concluir pela manutenção da decisão recorrida.»

Ora, perante a matéria de facto dada como provada nos pontos 17), 18) e 39), a ilação retirada, porque assente em factos plenamente provados e estando de acordo com as regras da experiência, traduz um uso legítimo de presunção judicial com vista à fixação desse facto, pelo que, é insindicável por este tribunal de revista.

E também é insindicável por este Supremo Tribunal a alegada presunção extraída pela sentença proferida em 1.ª instância de que a quantia depositada ao recorrente, a título de indemnização pela cessação do contrato de trabalho, se deveu a lapso da autora, já que o acórdão recorrido não extraiu semelhante ilação, nem a acolheu ou sufragou por expressa remissão para os precisos termos daquela sentença, sendo que a única decisão em causa no presente recurso é a proferida pela Relação.

Doutro passo, ao contrário do que afirma o recorrente, a Relação não extraiu dos factos dados como provados nos pontos 27) e 28) que a indemnização paga ao recorrente pela cessação do referido contrato de trabalho foi igualmente paga à revelia da recorrida para, a partir daqui, concluir que o contrato de trabalho não foi executado, nem foi ratificado, por esta.

Na verdade, o que se afirmou no acórdão recorrido foi que a actuação da recorrida descrita naqueles pontos 27) e 28) não se pode considerar que «integre uma confirmação do contrato, ainda que tácita, pois para tanto necessário era que o apelante [aqui recorrente] tivesse provado que a entidade confirmante tinha conhecimento do vício e do direito à anulação do contrato, conforme resulta do n.º 2 do artigo 288.º do Código Civil, prova que lhe competia por ser o beneficiário desta situação e por se tratar de um facto constitutivo do direito que se arroga - validação do contrato pela confirmação da empresa».

E, quanto à suposta ratificação, o mesmo acórdão refere que, «[d]e qualquer forma, a matéria constante das alíneas Q) e X) dos factos assentes e dos artigos 11, 18, 19, 28 e 36 da [base instrutória] não envolve qualquer declaração susceptível de ratificar a actuação sem poderes do apelante ao intervir naquele contrato em nome da empresa, pois para tanto era necessário que se provasse que esta conhecia o vício e aceitava aprová-lo apesar desta falta de poderes para vincular a apelada».

Portanto, a solução jurídica quanto à questão da ratificação pela recorrida do referido contrato de trabalho assentou, exclusivamente, na factualidade apurada.

Impõe-se acrescentar, porque o recorrente defende que dos pontos 22, 23, 27, 28, 36 e 40 da matéria de facto provada se deverá presumir o contrário da presunção retirada pela Relação, ou seja, de que o recorrente agiu à revelia da empresa, que não cabe a este Supremo Tribunal extrair ilações dos factos apurados, nos termos do artigo 351.º do Código Civil, mas sim aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, como resulta do n.º 2 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho, conjugado com os artigos 721.º, n.º 2, 722.º, n.º 2, e 729.º do Código de Processo Civil.

2.4. O recorrente aduz, ainda, a violação das regras sobre o ónus da prova.

Para tanto, refere que «não foi feita contraprova sobre as declarações constantes dos documentos de fls. 793, 797 [e] 800 e, uma vez que não impugnadas, não foi feita sobre as mesmas contraprova de modo a tomá-las duvidosas, essas declarações devem, nos termos do artigo 346.º do Código Civil, ter-se como verdadeiras, o mesmo se devendo dizer das declarações que constam nos documentos de fls. 220 e 788».

Nos termos do artigo 346.º do Código Civil, «[s]alvo o disposto no artigo seguinte, à prova que for produzida pela parte sobre que recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova.»

Por seu lado, o artigo 347.º estabelece que «[a] prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto, sem prejuízo de outras restrições especialmente determinadas na lei».

Como já referiu supra, as declarações constantes dos documentos de fls. 220 [do apenso n.º 60/01], 788, 793, 797 e 800 não se tratam de declarações dirigidas à parte contrária ou a quem a represente, nem o recorrente é o destinatário dessas declarações, por isso, não têm força probatória plena, valendo apenas como elemento de prova a apreciar livremente pelo tribunal

Desta forma, não se descortina a alegada violação das regras sobre o ónus da prova, já que o resultado probatório obtido através da conjugação de elementos documentais que não possuem força probatória plena decorre da livre convicção do julgador, que este Supremo Tribunal, enquanto tribunal de revista, não pode sindicar.

2.5. Assim, à luz de toda a explanação antecedente, não há fundamento para que o Supremo Tribunal de Justiça exerça a pretendida censura sobre a matéria de facto fixada pelas instâncias (artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), pelo que, improcedem as conclusões I) a XXXIX), XLVII), na parte atinente, XLVIII) e XLIX) da alegação do recurso de revista.

Será, pois, com base no acervo factual anteriormente enunciado que hão-de ser resolvidas as restantes questões suscitadas no presente recurso.

3. Assente, nas instâncias, que a qualidade de gerente de uma sociedade por quotas é compatível com a de trabalhador subordinado dessa mesma sociedade, por se dever concluir pela não aplicação analógica do disposto no artigo 398.º do Código das Sociedades Comerciais às sociedades por quotas, o recorrente insiste que, no exercício das suas funções, estava subordinado juridicamente à gerência da recorrida, por estarem preenchidos os sinais e indícios da existência de um contrato de trabalho.

Neste particular, o recorrente alega que «só não ficou provada a vinculação do trabalhador a horário de trabalho e a anterioridade do contrato de trabalho à aquisição da qualidade de gerente, o que não tem relevo suficiente para anular todos os sinais e indícios da existência do contrato de trabalho», sendo certo que se provou que «tinha um local de trabalho nas instalações da empregadora ou em local por ela designado, havia controlo externo do modo da prestação da actividade pelo gerente principal da empresa, o gerente BB, obedecia a ordens e estava sujeito à disciplina da empresa, tinha retribuição certa ao mês, os instrumentos de trabalho eram da empregadora, a retribuição auferida teve alterações significativas pois deixou de haver apenas a renda anual e passou a existir, também, um salário mensal, a natureza das funções concretamente exercidas enquanto trabalhador são diferentes das funções de gerente, pois passou a exercer as funções que vinham sendo desempenhadas por DD, passando a ter de dedicar mais tempo ao serviço da autora, as novas funções foram-lhe atribuídas por indicações expressas do gerente BB, as novas funções eram as relativas aos sectores de exploração agrícola e todas as actividades relacionadas, passou a ser designado por gerente/presidente».

O acórdão recorrido, por sua parte, concluiu que o recorrente não provou factos suficientes que demonstrem a existência dum contrato de trabalho, pelo contrário, «o que se colhe da matéria apurada é que sempre foi o principal gerente e sempre actuou como tal, tanto mais que, e apesar da situação lhe dizer respeito, até foi o único gerente que assinou o seu pretenso contrato de trabalho», por isso, «é absolutamente irrelevante a existência deste contrato escrito, dado que nenhuma actividade subordinada o apelante provou ter prestado ao abrigo do mesmo, prova que lhe competia […]».

A controvérsia cinge-se, pois, à existência ou não de subordinação jurídica.

3.1. A subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho decorre precisamente do poder de direcção que a lei confere ao empregador (n.º 1 do artigo 39.º da LCT) a que corresponde um dever de obediência por parte do trabalhador [alínea c) do n.º 1 do artigo 20.º da LCT].

Porém, como vem sendo repetidamente afirmado, a extrema variabilidade das situações concretas dificulta muitas vezes a subsunção dos factos na noção de trabalho subordinado, implicando a necessidade de, frequentemente, se recorrer a métodos aproximativos, baseados na interpretação de indícios.

É o que acontece nos casos em que o trabalho é prestado com grande autonomia técnica e científica do trabalhador, nomeadamente quando se trate de actividades que tradicionalmente são prestadas em regime de profissão liberal, como acontece com o exercício da actividade do médico, do engenheiro, do advogado.

A este propósito, afirmou-se no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 2 de Novembro de 1994, proferido no Processo n.º 4090 (Acórdãos Doutrinais, n.º 399, p. 363), «[a] dependência técnica e científica não é necessária à subordinação jurídica, podendo esta restringir-se a domínios de carácter administrativo e de organização. Nessas situações, o trabalhador somente fica sujeito à observância das directrizes do empregador em matéria de organização do trabalho - local, horário, número de clientes, etc. A subordinação jurídica pode, assim, respeitar apenas à organização da actividade laboral, não obstante englobar também o poder de determinar a função do trabalhador, já que cabe ao empregador a distribuição do posto de trabalho segundo o organigrama da empresa e as necessidades desta. A subordinação jurídica existirá, pois, sempre que ocorra a possibilidade de ordens e direcção, bem como quando a entidade patronal possa de algum modo orientar a actividade laboral em si mesma, ainda que só no tocante ao lugar ou ao momento da sua prestação.»

Nos casos limite, a doutrina e a jurisprudência aceitam a necessidade de fazer intervir indícios reveladores dos elementos que caracterizam a subordinação jurídica, os chamados indícios negociais internos (a designação dada ao contrato, o local onde é exercida a actividade, a existência de horário de trabalho fixo, a utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo destinatário da actividade, a fixação da remuneração em função do resultado do trabalho ou em função do tempo de trabalho, direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, incidência do risco da execução do trabalho sobre o trabalhador ou por conta do empregador, inserção do trabalhador na organização produtiva, recurso a colaboradores por parte do prestador da actividade, existência de controlo externo do modo de prestação da actividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa) e indícios negociais externos (o número de beneficiários a quem a actividade é prestada, o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a inscrição do prestador da actividade na Segurança Social e a sua sindicalização).

Especificamente, o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 29 de Setembro de 1999, Processo n.º 364/98, 4.ª Secção (Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano VII, tomo III, pp. 248-251), considerou relevantes no sentido de apurar, no caso concreto, a existência de eventual subordinação jurídica em cumulação com a situação de gerente, os seguintes aspectos: (i) anterioridade ou não do contrato de trabalho face à aquisição da qualidade de sócio-gerente; (ii) alterações significativas no domínio da retribuição ou existência de dualidade de retribuições; (iii) natureza das funções concretamente exercidas antes e depois da ascensão à gerência, designadamente com vista a apurar a verificação do exercício de funções tipicamente de gerência e se há nítida separação de actividades; (iv) composição da gerência, designadamente o número de sócios-gerentes e respectivas quotas; (v) existência de sócios maioritários, com autoridade de domínio sobre os restantes; (vi) dependência hierárquica e funcional dos sócios-gerentes que desempenhem tarefas não tipicamente de gerência, relativamente a estas actividades.

Cada um daqueles indícios tem naturalmente um valor muito relativo e, por isso, o juízo a fazer é sempre um juízo de globalidade (MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, p. 145), a ser formulado com base na totalidade dos elementos de informação disponíveis, a partir de uma maior ou menor correspondência com o conceito-tipo.

Saliente-se, por último, que incumbe ao trabalhador, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, fazer a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho, nomeadamente, que desenvolve uma actividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direcção do beneficiário da actividade.

3.2. Ora, resulta da factualidade apurada que a gerência da recorrida era exercida por três ou mais gerentes eleitos em assembleia-geral (n.º 3 da matéria de facto provada), tendo o recorrente sido eleito como gerente da recorrida em 26 de Julho de 1990 (n.º 7 da matéria de facto provada), cargo esse que exerceu até ser destituído por deliberação da assembleia-geral de 16 de Setembro de 2000, com efeitos a partir de 8 de Setembro do mesmo ano (n.º 21 da matéria de facto provada).

Verifica-se, ainda, que, durante o período em que exerceu funções de gerência, o recorrente sempre actuou como gerente principal, fiscalizando e dirigindo toda a actividade da recorrida e transmitindo as ordens e directivas da sociedade (n.º 9 da matéria de facto provada), deslocando-se, em regra, duas vezes por mês às instalações da recorrida, onde permanecia por períodos de três dias (n.º 10 da matéria de facto provada), prestando pessoalmente a sua actividade profissional de gerente, e exercendo tal actividade com total autonomia (n.º 11 da matéria de facto provada).

Demonstrou-se, também, que, até ao ano de 1999, a recorrida pagava ao recorrente, pelo exercício das suas funções de gerente, uma quantia anual, com vencimento em 31 de Dezembro do ano a que dizia respeito (n.º 12 da matéria de facto provada), sendo que, em 30 de Junho de 2000, foi aprovado, por proposta apresentada pelo recorrente, que passasse a auferir a remuneração mensal ilíquida de 1.174.900$00, bem como subsídios de férias e de Natal de igual montante, com efeitos retroactivos ao dia um de Janeiro do ano dois mil, e, nessa mesma data, o recorrente celebrou o contrato que se encontra junto aos autos a fls. 82 a 84, do qual consta que se comprometeu a exercer por conta e sob a autoridade e direcção da recorrida as funções inerentes à profissão de Gerente e Presidente, contrato esse que foi assinado única e exclusivamente pelo recorrente, por si e em representação da recorrida (n.os 14, 15, 16 e 17 da matéria de facto provada).

Mais se apurou a factualidade que se passa a discriminar:

– O réu tem residência permanente em Inglaterra e durante a sua permanência em Portugal reunia com os membros da direcção e com os chefes e subchefes da autora orientando e acompanhado o funcionamento e desenvolvimento da sua actividade (n.º 25 da matéria de facto provada);
– O réu prestou pessoalmente à autora a sua actividade profissional de gerente, exercendo tal actividade com autonomia, no uso dos poderes que nele foram delegados (n.º 26 da matéria de facto provada);
– O réu nas suas deslocações a Portugal para exercer as suas funções nas instalações da Empresa-A não tinha qualquer tipo de limites no seu trabalho, trabalhando de forma exaustiva (n.º 29 da matéria de facto provada);
– Quando se encontrava fora do local de trabalho continuava a trabalhar para a Empresa-A através dos meios que a moderna tecnologia hoje permite, nomeadamente recorrendo ao uso de telefones, mails, faxes, uma vez que lhe incumbiam tarefas de direcção e orientação e executivas, actualmente exequíveis à distância (n.º 30 da matéria de facto provada);
– A partir de certa altura o réu passou a exercer as funções que vinham sendo desempenhadas por DD passando a ter de dedicar mais tempo ao serviço da autora (n.º 31 da matéria de facto provada);
– As novas funções desempenhadas pelo réu foram-lhe atribuídas por indicações expressas do gerente BB que manifestando algumas dificuldades em determinar a terminologia adequada, frisava claramente que queria dispor do réu para que este exercesse funções executivas que em última instância o próprio gerente H. BB, disse que poderiam ser designadas por Presidente (n.º 32 da matéria de facto provada);
– No exercício dessas funções o réu orientava o serviço dos sectores de exploração e desenvolvimento de indústria agrícola e de todas as actividades com ela relacionadas (n.º 33 da matéria de facto provada);
– O réu começou a ser designado em toda a documentação como gerente/presidente (n.º 34 da matéria de facto provada);
– O réu transmitia as ordens e directivas da sociedade, fiscalizava a boa execução das mesmas ordens e dirigia toda actividade da autora, actividade essa, cujo órgão social máximo de decisão e administração era a gerência, órgão plural, do qual também fazia parte (n.º 35 da matéria de facto provada);
– A autora emitia os recibos de vencimento ao réu com a categoria de Presidente e não de gerente (n.º 36 da matéria de facto provada);
– O exercício das novas funções impunha ao réu uma mais longa estadia no país, coadunando-se com a perspectiva de perda de vínculo laboral que tinha em Inglaterra numa empresa do mesmo grupo (n.º 38 da matéria de facto provada);
– A celebração do contrato de trabalho e o pagamento de quaisquer quantias no âmbito da execução desse contrato foram efectuadas de acordo com instruções emanadas do próprio réu (n.º 39 da matéria de facto provada);
– Em Outubro de 1999, em comunicado publicado na sede da empresa a todos os membros da Empresa-A, o Sr. DD deixou a sua posição de Director-Geral, passando a exercer funções de Director Agrícola, tendo o réu assumido as funções administrativas e de coordenação geral de Director-Geral, mantendo-se o Dr. EE como gerente e director-geral-adjunto, tendo a seu cargo a contabilidade (n.º 40 da matéria de facto provada).

Vem justamente a propósito, para melhor elucidação, referir que foram dados como «não provados», em sede de julgamento, os artigos 23.º a 27.º da base instrutória, em que se perguntava:

Foi necessário formalizar a nova situação jurídica do réu face à Empresa-A e por isso foram tomadas, progressivamente, algumas medidas, de modo a que fosse compatível a posição laboral do réu, que tinha desde pelo menos Janeiro de 2000, uma dupla função na empresa, ou seja, além de fazer parte da gerência era também presidente, por designação que lhe foi imposta para o desempenho das suas funções executivas?, o qual mereceu a resposta, «não provado» (artigo 23.º da base instrutória);
A esta dupla função que progressivamente o réu foi impelido a exercer correspondia uma dupla retribuição?, o qual mereceu a resposta, «não provado» (artigo 24.º da base instrutória);
A formalização do «contrato de trabalho» aconteceu por vontade documental e verbalmente expressa pela gerência da autora, tendo o mesmo sido contratado por ordens da gerência para exercer funções executivas, tendo horário de trabalho determinado, local e retribuição certa?, o qual mereceu a resposta, «não provado» (artigo 25.º da base instrutória);
Enquanto Presidente, o réu dava as ordens deliberadas pelo órgão administrativo, ou seja punha em execução o que a administração lhe impunha?, o qual mereceu a resposta, «não provado» (artigo 26.º da base instrutória);
O réu, na qualidade de gerente e nessa medida representando juntamente com o gerente EE a Empresa-A, estava a celebrar um contrato de trabalho, que apenas formalizava as tais funções executivas que vinha desempenhando e pedidas pelo Sr. BB?, o qual mereceu a resposta, «não provado» (artigo 27.º da base instrutória).

3.3. O que está verdadeiramente em causa é saber se a relação jurídica descrita, face à configuração que realmente assumiu, deve ser qualificada como contrato de trabalho subordinado ou contrato de mandato (ou de administração).

Como é sabido, cabe em última instância ao tribunal operar a qualificação dos factos apurados, já que não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, em conformidade com o previsto no artigo 664.º do Código de Processo Civil, aplicável aos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos conjugados artigos 713.º, n.º 2, e 726.º do mesmo Código, pelo que, não coarcta a liberdade do julgador neste domínio a qualificação jurídica dos factos efectivada pelas partes.

Ora, como bem se decidiu no acórdão recorrido, «da matéria de facto provada não resultam factos suficientes para caracterizar um contrato de trabalho a partir do momento em que o recorrente passou também a desempenhar as funções que anteriormente estavam cometidas a DD, passando a orientar os sectores de exploração e desenvolvimento de indústria agrícola, bem como todas as actividades com eles relacionadas, pois nenhuma prova se fez de que o seu estatuto de gerente se tenha alterado e que houvesse um desempenho juridicamente subordinado daquelas funções».
E, prossegue o mesmo aresto, «residindo o apelante em Inglaterra e deslocando-se, em regra, duas vezes por mês às instalações da A., onde permanecia por períodos de três dias, temos de reconhecer que perante um quadro destes é difícil descortinar a existência dum contrato de trabalho, o qual pressupõe uma prestação diária da actividade a que o trabalhador está obrigado, como é norma».

Tal como nota a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal, «[i]sto significa que o recorrente não estava vinculado a horário de trabalho, não se verificando, assim, um dos índices que com mais firmeza assinala a existência de subordinação jurídica».

Por outro lado, ficou demonstrado que o recorrente sempre actuou como gerente principal, fiscalizando e dirigindo toda a actividade da recorrida e transmitindo as ordens e directivas da sociedade, gozando de ampla autonomia na execução das suas funções (n.os 9, 11 e 26 da matéria de facto provada).

Acresce que o recorrente não exercia a sua actividade exclusivamente para a recorrida, uma vez que tinha um vínculo laboral em Inglaterra com uma empresa do mesmo grupo (n.º 38 da matéria de facto provada), situação que também não é consentânea com a existência de um contrato de trabalho.

Enfim, provou-se que enquanto «presidente», o recorrente continuou a desempenhar as funções de gestão que anteriormente exercia, tendo-se mantido sem interrupções a sua investidura social na qualidade de gerente da recorrida.

Além disso, o recorrente não logrou provar que «tinha desde pelo menos Janeiro de 2000, uma dupla função na empresa, ou seja, além de fazer parte da gerência era também presidente», nem que a tal dupla função correspondesse uma dupla retribuição (respostas negativas aos artigos 23.º e 24.º da base instrutória).

Em conclusão, entende-se que não estão presentes na relação contratual em apreço índices suficientes da existência de subordinação jurídica, quer antes, quer depois do recorrente ter passado a desempenhar as funções que anteriormente estavam cometidas a DD; pelo contrário, apurou-se que o recorrente sempre desenvolveu a sua actividade de gestão dos assuntos da recorrida com total autonomia, sem sujeição a ordens ou instruções, não se podendo considerar que as relações que se estabeleceram entre o recorrente e a recorrida se enquadram no âmbito de uma relação contratual de trabalho subordinado.

A relação jurídica estabelecida entre as partes configura, substancialmente, um contrato de mandato (ou de administração) e não um contrato de trabalho, pelo que improcedem as conclusões XL) a XLVI) da alegação do recurso de revista.

4. O recorrente pugna, outrossim, pela responsabilidade pré-contratual da recorrida, nos termos do preceituado no artigo 227.º do Código Civil.

Trata-se de questão que só agora, no recurso de revista, foi suscitada, não tendo sido invocada na alegação do recurso de apelação, e que, em consequência, não foi examinada no acórdão recorrido.

Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais (artigos 676.º, n.º 1, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões e não criá-las sobre matéria nova, salvo quanto às questões de conhecimento oficioso, o que não é o caso.

Assim, não se pode tomar conhecimento da temática versada nas conclusões XLVII), na parte atinente, e L) a LVII)] da alegação do recurso de revista.

5. Finalmente, o recorrente pugna pela ratificação, por parte da recorrida, do contrato de trabalho que o recorrente celebrou por si e em representação daquela.
Neste particular, o recorrente considera que «[a]pesar das deficiências apresentadas pela autora pela falta da assinatura de um outro gerente para que o negócio jurídico (celebração do contrato de trabalho) não padecesse do vício da falta de poderes de representação, certo é que este contrato formalizado foi ratificado porque nem os salários nem a indemnização foram processados por lapso, reiterando--se, para tanto o que já acima se disse sobre o conteúdo das declarações relativamente aos documentos de fls. 793, 797 e 800, pois não pode presumir-se que as instruções que o recorrente deu à contabilidade fossem dadas à revelia da empresa, conforme pretende a autora e presumiram as instâncias».

A este propósito, decidiu-se no acórdão recorrido:

«[…] em conformidade com os Estatutos da apelada, é oportuno referir que esta só se obriga validamente com a assinatura de dois gerentes, de um gerente e do director-geral ou só pela assinatura deste no âmbito dos poderes que lhe forem conferidos.
Assim sendo, é forçoso concluir que o documento a titular o pretenso contrato de trabalho do apelante, estando só assinado por um gerente (o ora apelante), não pode vincular a empresa em virtude da pessoa que interveio em sua representação não ter poderes para tal.
Ora, o recorrente não logrou provar que a formalização do contrato de trabalho aconteceu por vontade documental e verbalmente expressa pela gerência da apelada e que foi contratado na sequência de ordens da gerência para exercer funções executivas, tendo horário de trabalho determinado, local e retribuição certa, conforme se colhe da resposta negativa ao artigo 24.º da base instrutória.
Assim sendo, não foram apurados quaisquer factos que demonstrem que o recorrente e a recorrida tenham pretendido vincular-se através do contrato que consta de fls. 82 a 84.
Ora, conforme resulta do artigo 268.º do C.C. o negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado, consistindo a ratificação no acto pelo qual, na representação sem poderes ou com abuso no seu exercício, a pessoa em nome de quem o negócio é concluído, declara aprová-lo, consoante Rui de Alarcão, página 118 da obra já mencionada [A Confirmação dos Negócios Anuláveis].
Trata-se dum instituto que não esconde certas afinidades com a confirmação dos negócios anuláveis e que se acentuam quando se analisa a natureza jurídica das duas figuras, conforme defende o mesmo AUTOR, página 119.
De qualquer forma, a matéria constante das alíneas Q) e X) dos factos assentes e dos artigos 11.º, 18.º, 19.º, 28.º e 36.º da [base instrutória], não envolvem qualquer declaração susceptível de ratificar a actuação sem poderes do apelante ao intervir naquele contrato em nome da empresa, pois para tanto era necessário que se provasse que esta conhecia o vício e aceitava aprová-lo apesar desta falta de poderes para vincular a apelada.
E assim sendo, quer por não se ter provado a prestação de qualquer actividade subordinada pelo apelante, quer por considerarmos o pretenso contrato de trabalho anulável ou ineficaz, conforme se referiu, daí resulta que a quantia paga ao apelante a título de indemnização por despedimento ilícito nunca seria devida, o que determina a sua devolução, conforme se decidiu.»

Sufraga-se, inteiramente, o decidido no acórdão recorrido.

Na verdade, os documentos em que o recorrente funda a alegada ratificação não provam que a recorrida tivesse tido conhecimento da celebração do contrato de trabalho em causa, nem que conhecesse o vício do mencionado negócio jurídico, decorrente da falta de poderes de representação, e que tivesse aceitado ratificá-lo.
Não há, pois, motivo para alterar o julgado, pelo que improcedem as conclusões LVIII) e LIX) da alegação do recurso de revista.

III
Pelo exposto, decide-se não conhecer da questão versada nas conclusões XLVII), na parte atinente, e L) a LVII) da alegação do recurso de revista, negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 12 de Julho de 2007
Pinto Hespanhol (Relator)
Vasques Dinis
Bravo Serra