Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1. ª SECÇÃO | ||
Relator: | URBANO DIAS | ||
Descritores: | EMPREITADA EXCEPÇÃO CADUCIDADE ÓNUS DE ALEGAÇÃO PROVA EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO ABUSO DE DIREITO JUROS | ||
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Nº do Documento: | SJ | ||
Apenso: | | ||
Data do Acordão: | 10/26/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTAS | ||
Decisão: | NEGADAS | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL / DIREITO DAS OBRIGAÇÕES- DIREITO PROCESSUAL CIVIL | ||
Doutrina: | - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I – 8ª edição –, páginas 395 e seguintes, 399, 401. Obra citada, Vol. II, 6ª edição, páginas 63 e 64. - Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, página 298. - Castanheira Neves, Questão de Facto e Questão de Direito ou o Problema Metodológico da Juridicidade, páginas 323 a 326, 523 e seguintes. - Enzo Roppo, O Contrato, páginas 211 a 226, 526, nota 46. - João Calvão da Silva, Código de Processo Civil anotado, Volume III, páginas 80 e 334. - João Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, página 330. - José João Abrantes, Cadernos de Direito Privado, nº 18, página 56. - José João Abrantes, Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Português, páginas 88 e 127. - Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª edição, páginas 328 a 330. - Luís Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II – 3ª edição –, páginas 255 e 256. - Mafalda Miranda Barbosa, Liberdade vs. Responsabilidade – A Precaução como fundamento da imputação delitual?, página 324. - Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil – 5ª edição – página 445. - Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, Em Especial Na Compra E Venda e Na Empreitada, páginas 328 e 329. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 334.º, 342.º E SS., 428.º, N.º1, 762.º, N.º1, 804.º, N.º2, 1211.º, N.º2, 1220.º, N.º1, 1225.º, N.º2 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 494.º, 495.º, 712.º | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA : - DE 04 DE FEVEREIRO DE 2010, COLECTÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA, ANO XVIII, TOMO 1, PÁGINAS 51 E SEGUINTES. | ||
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Sumário : | I. No contrato de empreitada relativo a imóveis de longa duração, tem o dono da obra a obrigação de respeitar dois prazos, com vista a obter a eliminação de defeitos, denunciando-os: um, de cinco anos, durante os quais “pode descobrir defeitos” (prazo de garantia supletiva), outro, de um ano, a partir do conhecimento (descoberta). Tendo em conta as regras do ónus probatório, cabe ao empreiteiro, enquanto A./Reconvinte, arguir a excepção da caducidade, com vista a obstar ao reconhecimento do direito dos AA., RR./Reconvintes, à eliminação dos defeitos invocados. Porém, tendo sido respeitados estes dois prazos por parte do dono da obra, irreleva na decisão o incumprimento da sua obrigação de indicação de data precisa da descoberta do vício. II. É perfeitamente invocar a exceptio no contrato de empreitada. A referência legal à inexistência de prazos diferentes não é obstáculo. Com efeito, o que a lei pretende é que o excepcionante não se encontre obrigado cumprir antes da contraparte, o que significa que a diversidade de prazos apenas obsta à invocação da exceptio pelo contraente que primeiro deve efectuar a prestação, mas já não impede o outro de opô-la. III. No caso de incumprimento parcial, o alcance da exceptio deve ser proporcional à gravidade da inexecução, sob pena de abuso do direito. IV. Procedendo a exceptio, só a partir do cumprimento integral da sua obrigação é permitido ao A./empreiteiro exigir juros dos RR./donos da obra, caso estes não se expliquem atempadamente. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório AA intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Lamego, acção ordinária contra BB e mulher, CC, pedindo a sua condenação no pagamento de 35.331,45 € e juros, à taxa legal, desde 02/10/2002 até efectivo e integral pagamento, correspondente a parte do preço devido pela execução de um contrato de empreitada, outorgado com o R., casado com a R., em regime diverso do de separação de bens. Os RR. contestaram, impugnando parte da factualidade vertida na petição, reconhecendo, no entanto, deverem ao A. 3.242,19 €. Em reconvenção, com fundamento em incumprimento defeituoso da obra, pediram a condenação do A. no pagamento de 9.842,19 €, com juros desde a data da notificação deste articulado até efectivo pagamento e, ainda, na execução das obras necessárias às alegadas anomalias, reconhecendo as falhas ao projecto do contrato, realizando as obras de acordo com o caderno de encargos, fazendo a redução do preço acordado, relativamente às obras de alteração ao projecto, feitas em proveito daquele e, consequentemente, em seu próprio prejuízo. Seguiram-se os demais articulados, o saneamento e a selecção dos factos e, após a respectiva instrução, foi proferida sentença a julgar a acção e a reconvenção parcialmente procedentes, com a condenação dos RR. no pagamento ao A. de 5.474,68 € e no que se vier a liquidar, referente ao preço dos trabalhos a mais realizados pelo A., consubstanciados no aumento do pavimento e de azulejos numa das casas de banho, no rebaixamento do chão de garagem, na construção de uma varanda, no fornecimento e colocação de tubos de aquecimento na cave, na construção, na cave, duma lareira em tijolo refractário, na construção de uma chaminé da cave até ao telhado, no fornecimento e colocação de uma tampa de chaminé e no fornecimento e colocação de roupeiros. Mais foi decidido que o pagamento daquelas indicadas quantias ficaria suspenso até o A. proceder à reparação ou eliminação dos defeitos referidos, com condenação dos RR. no pagamento de juros vincendos, à taxa legal, sobre a quantia já liquidada, desde o dia seguinte à eliminação dos defeitos até efectivo pagamento, e desde o dia seguinte à eliminação dos defeitos mencionados até efectivo pagamento. Outrossim foi sentenciada a condenação do A./Reconvindo a, no prazo de dois meses, a partir do trânsito em julgado, proceder à reparação/eliminação dos defeitos seguintes: fissuras nos muros de vedação da moradia, fendas no passeio frontal e lateral ao muro, derivadas do abatimento de terras mal compactadas, cedência do muro lateral que suporta o pavimento da entrada principal e ao rachamento do murete ao lado, por baixo da varanda da entrada principal e falta de aderência da pintura do muro da moradia, na zona do soco. Inconformado, o A. apelou para o Tribunal da Relação do Porto que, em consonância com a alteração introduzida na matéria de facto, decidiu dar parcial provimento ao recurso, condenando os RR. a pagarem ao A. a quantia de 22.383,99 €, correspondentes ao I.V.A.. Em acórdão aclaratório, provocado pelo Apelante, a Conferência acabou por determinar que “o pagamento correspondente ao IVA, fica submetido ao mesmo regime da quantia ali melhor definida ou seja, o seu pagamento ao Autor só será devido a partir do momento em que se mostrem reparados/eliminados os defeitos verificados na moradia daqueles”. Ambas as Partes pediram revista do aresto prolatado pelo Tribunal da Relação do Porto, tendo, para tanto, apresentado as respectivas minutas que fecharam do seguinte modo: A) Do A.: 1. A existência de defeitos, que eram desconhecidos do dono da obra na sua entrega, torna necessário, para que o empreiteiro os possa eliminar, que os mesmos lhe sejam denunciados. 2. Consta da matéria assente, que os RR./Reconvintes passaram a habitar a vivenda, na 2a quinzena de Setembro de 2000, aceitando-a integralmente e sem reservas. 3. Pendendo o ónus da prova sobre o A./Reconvindo de o prazo para o exercício da denúncia já ter decorrido, não afasta o ónus que sobre os RR./Reconvintes existe de alegarem e provarem o descobrimento dos defeitos, porque de outra forma, fazer recair o ónus da prova exclusivamente sobre o A./reconvindo é colocá-lo perante uma probatio diabolis. 4. Para que as instâncias pudessem dar como provada a existência de defeitos e condenar na sua eliminação, era necessário alegar e provar que entre o descobrimento e a denúncia foram cumpridos os prazos de caducidade do artigo 1225º do Código Civil. 5. Não existindo prova, nem muito menos alegação nesse sentido, do possível descobrimento dos defeitos, inexiste um requisito essencial para aferir da oportunidade e tempestividade da denúncia operada com a reconvenção. 6. Ainda que assim não se entenda e se julgue pela existência do ónus da prova pelo Recorrente, nos termos do artigo 342º, nº 2, do Código Civil, sempre se tem de lançar mão do disposto no nº 2 do artigo 1224º do Código Civil que estabelece que, no caso de os defeitos serem desconhecidos pelo dono da obra e esta for por ele aceite, a caducidade conta-se a partir do momento da denúncia, mas aqueles direitos (os conferidos no nº 1 do mesmo preceito) não podem ser exercidos decorridos dois anos sobre a entrega da obra. 7. Atente-se a este propósito na 1ª parte do nº 1 do artigo 1225º do Código Civil que refere que, “sem prejuízo do disposto nos artigos 1219º e seguintes”, o que nos leva a concluir necessariamente que, naquele caso concreto do artigo 1225ºdo Código Civil, é de aplicar o nº 2 do artigo 1224º do mesmo diploma, que, na sua 2ª parte, prescreve que em caso algum a eliminação pode ser exercida depois de terem decorrido dois anos sobre a entrega da obra, o que é sem margem de dúvida o caso dos presentes autos. 8. Não procedendo o entendimento sufragado anteriormente, sempre será de aplicar no caso vertente o instituto do abuso do direito, cfr. artigo 334º do Código Civil, para fazer parar a excepção do não cumprimento do contrato, no caso de cumprimento defeituoso, que da forma que é explicitado na sentença, mais parece uma condição suspensiva. 9. O principio da boa-fé paralisa a aplicação da exceptio, porquanto no caso em concreto, atenta a diminuta relevância dos defeitos a debelar e a (elevada) contraprestação monetária a efectuar, condicionar uma ao efectivo cumprimento da outra é exercer ilegitimamente um direito, por ofensa ao princípio da boa fé, plasmado, entre nós, no artigo 334º do Código Civil., uma vez que não podemos olvidar da insignificância dos defeitos (estranhos à moradia propriamente dita), por referência à moradia edificada. 10. Para além do mais, neste preciso contrato, onde existem prazos diferentes para o cumprimento, não faz sentido a exceptio, uma vez que a mesma só funciona nos casos em que nada tenha sido estipulado quanto ao prazo, o mesmo que dizer-se, nos contratos de cumprimento instantâneo e não nos de execução continuada, como é o caso dos autos. 11. No âmbito da empreitada e existindo o nº 2 do artigo 1211º do Código Civil, que prescreve que, no momento da aceitação da obra, não havendo cláusula ou uso em contrário, é logo devido o preço, ou pelo menos, o seu remanescente, sob pena de o devedor se constituir em mora, será ilegítimo excepcionar o não cumprimento da prestação com a debelação dos defeitos por parte do credor/empreiteiro. 12. De tudo resulta, que, quer num caso, quer no outro, são devidos juros, à taxa legal comercial aplicável, desde a interpelação até efectivo e integral pagamento. 13. Ocorreu incorrecta aplicação e interpretação dos comandos legais dos artigos 342°, 1211°, 1218°, 1224° e 1225°, todos do Código Civil, por parte do Tribunal a quo. B) Dos RR.: 1. O contrato de empreitada celebrado entre os Recorrentes e o Recorrido estabelecia como única obrigação para os recorrentes, o pagamento da quantia de 23.500.000$00 (117.217,51€), sendo que, de acordo com o artigo 38° do C.I.V.A., o preço indicado pelo ultimo sujeito passivo de I.V.A. (empreiteiro), seja nas facturas, seja no contrato feito com o consumidor final, sendo omisso quanto à incidência do imposto, presume-se já incluir o I.V.A., ou seja, o valor a pagar pelos recorrentes seria (de acordo com o artigo 49° do C.I.V.A.) 21.623.932$00 mais o I.V.A., que para o consumidor final é suportado no preço (como foi), no valor de 3.676.068$00, valor este que pode ou poderia ser exigido pelo Estado ao Recorrido (ultimo sujeito passivo) 2. A única maneira de exigir o I.V.A. ao consumidor final é incidir o seu valor no respectivo preço, uma vez que, por norma, este não é sujeito passivo de I.V.A., o que quer dizer que não é exigível ao consumidor final nenhum valor com a designação I.V.A., apesar de ser este a suportá-lo no preço, como, efectivamente, suportou. 3. A forma de incidir o I.V.A., no preço ao consumidor final, pode ser uma de duas: I.V.A. incluído ou a acrescer, nos termos dos artigos 36º e 49º do C.I.V.A., sendo que, neste contrato, nada foi dito, pelo que, de acordo com o artigo 38º do C.I.V.A., quando omisso, quanto à incidência do imposto em cada pagamento do preço estipulado, presume-se que os valores indicados, incluem I.V.A., à taxa aplicável (conforme até parecer expresso da Direcção de Finanças, junto aos autos, em requerimento efectuado na audiência de discussão e julgamento na sessão do dia 8 de Novembro). 4. A questão no caso em apreço não é uma questão de âmbito fiscal, até porque os Recorrentes não são sujeitos passivos de I.V.A., mas sim meros consumidores finais que contrataram a construção de uma casa de habitação por um valor concreto. 5. Sempre convictos que aquele era o valor total da empreitada, até, porque da informação que lhes foi prestada pelo empreiteiro, que mais não foi do que o escrito no contrato, outro entendimento não era de concluir, sendo este uma das principais razões que os levou a contratar. 6. O preço é sempre dos principais factores da decisão de contratar, e como deriva da própria Lei, os aqui Recorrentes, enquanto consumidores têm direito a essa informação como está estipulado no nº 1 do artigo 8° da Lei do Consumidor (Lei 24/96, de 31 de Julho), “o fornecedor de bens, ou prestador de serviços, deve, tanto nas negociações, como na celebração do contrato, informar de forma clara, objectiva e adequada o consumidor, nomeadamente, sobre, características, composição e preço do bem ou serviço …”, sendo certo que se a informação fosse diversa, nomeadamente, com a menção I.V.A., a acrescer a decisão seria de não contratar. 7. Além disso, tendo, Recorrentes e Recorrido, outorgado e assinado o contrato de empreitada, fizeram-no, de acordo com o principio da liberdade contratual, nos termos em que foi exarado e não pode o Recorrido vir a acrescentar seja o que for e de que maneira for, sem o consentimento da outra parte, porque o que estamos aqui a assistir é à obrigação coerciva e unilateral, por parte do Recorrido aos Recorrentes, de pagar uma coisa por um preço que não foi o contratado. 8. Os aqui Recorrentes pagaram a empreitada de forma faseada, como acordado e expresso no contrato, em sete prestações, sendo que a soma dessas prestações totaliza o valor total acordado. 9. As prestações foram sempre pagas pelos Recorrentes, sem que, em momento algum, fosse, pelo Recorrido, exigido ou sequer alertado para o facto de ter que acrescentar àquele valor o valor do I.V.A.. 10. O acórdão da Relação vem alterar a sentença da primeira instância com base num fundamento totalmente em oposição com a decisão, uma vez que a sentença da primeira instância concluía por “nada acordado entre as partes relativamente ao I.V.A.”, e a decisão da Relação, que a altera, baseia-se, principalmente, no depoimento de uma testemunha (com depoimentos contraditórios, como supra se alega) que afirmou isso exactamente em expressões: “A questão do I.V.A. era para verem depois”, “Em virtude da carga fiscal é assim que normalmente se faz, quando as pessoas têm essa possibilidade para obviar a que a obra fique mais cara” (anunciando a fraude fiscal), Isto sem nunca referir que estes “usos fraudulentos” tivessem sido comunicados aos recorrentes, quer nas negociações, quer no próprio contrato, os quais até ficaram boquiabertos, como a delapidação do património do Estado se pode alegar em proveito próprio, em tribunal e aos olhos da Justiça Portuguesa. 11. Não podem estes “usos” desta testemunha e do Recorrido, ilícitos e que nem todos conhecem, como se depreende dos depoimentos de outras testemunhas também referidas no acórdão, (uma das quais até trabalha no mesmo ramo), ter força de lei e muito menos força contra a lei e princípios gerais do nosso direito 12. Em face dos elementos de prova fornecidos pelo processo, o Tribunal da Relação não poderia decidir diferentemente do tribunal de 1ª instância, assim sem mais, infringindo desta forma as alíneas a), b), do nº 1, nºs 2, 3 e 4 do artigo 712°, do Código de Processo Civil, para tanto e em face da prova produzida, nunca se poderia tirar a conclusão de que as partes alguma vez tivessem acordado de que o I.V.A. seria a acrescer ao preço. 13. Pelo que houve incorrecta aplicação do Direito aos factos e há nítida oposição entre a fundamentação e a decisão plasmada no Acórdão da Relação – nulidade do acórdão – artigo 668º, nº 1, alínea c), conjugado com o artigo 716º do Código de Processo Civil. 14. Ao decidir de forma diversa da sentença, o acórdão da Relação violou o correcto entendimento dos preceitos citados, designadamente o Código de Processo Civil, artigos 655°, 712°, 668º e 716°, Código Civil, artigos 393°, 396° e 405° e ss., Lei do Consumidor artigo 8º, nº 1, C.I.V.A., artigo 36°, 38º, 49°, entre outros preceitos legais já citados anteriormente. Às alegações do A. responderam os RR., para pedirem a improcedência do seu recurso. II. As instâncias deram como provados os seguintes factos: 1. O A. é comerciante em nome individual que se dedica, lucrativamente, à actividade de empreiteiro da construção civil. 2. No dia 12 de Março de 1999, A. e R. marido assinaram um contrato escrito, denominado de “Contrato de Empreitada”, e que tinha por objecto a construção de uma moradia num lote de terreno, identificado pelo nº ... do alvará de loteamento nº .../96, situado na Quinta da F..., freguesia de A..., concelho de Lamego (…) e no qual ficou convencionado todos os pormenores de construção, nomeadamente remetendo para a memória descritiva apresentada. 3. O preço acordado, e tendo em conta o projecto existente, foi de 25.300.000$00, em prestações no mesmo descriminadas, devendo as obras começar no início do “mês de Abril do corrente ano e deverão ser entregues, depois de concluídas, dentro do prazo de aproximado de um ano”. 4. Mais ficou convencionado que “qualquer alteração ao projecto será da responsabilidade do proprietário, bem como a sua aprovação e legalização” 5. A obra foi iniciada em 10 de Julho de 1999. 6. O R. entregou ao A., por conta dos trabalhos por estes realizados, a quantia de 24.000.000$00. 7. Os RR. foram viver para a nova casa em Setembro de 2000. 8. O pagamento das grades, a colocar na moradia, seria por conta do A. 9. Após terem ido viver para a moradia em referência, os RR. mudaram as respectivas fechaduras. 10. O A., através do seu mandatário, enviou ao R. marido uma carta registada com aviso de recepção e que este recebeu, em 07 de Outubro de 2002, com o seguinte teor: “Na qualidade de Advogado do Exmº. Sr. AA, construtor civil, venho solicitar a Vª Exª. a liquidação do valor global de Esc. 7.083.319$00 = 35.331,45 €, referente a alterações produzidas ao projecto de sua casa e pedidas por si, bem como a taxa legal de IVA sobre o preço total da empreitada. Se o não fizer dentro dos próximos oito dias, serei obrigado a recorrer à cobrança judicial, o que, creia-me, muito lamentaria”. 11. O A. deu a obra em causa como concluída em data não apurada da 2ª quinzena do mês de Setembro de 2000. 12. Sendo que o A., em finais de Dezembro de 2000, ainda se deslocou à obra, para pequenas alterações. 13. Era do conhecimento do A. e do R. marido que o preço referido em 3. era acrescido de I.V.A., à taxa legal em vigor. 14. No decurso da execução da obra, o R. solicitou acrescentos ao A. e alterações não previstos no acordo mencionado no ponto 1. e o A. efectuou pagamentos à Câmara Municipal de Lamego, que se passam a enunciar: 1. Aumento de pavimento e de azulejos numa das casas de banho; 2. Rebaixamento do chão da garagem; 3. Construção de uma varanda; 4. Fornecimento e colocação de tubos de aquecimento na cave; 5. Portão de garagem diferente do inicialmente contratado, como o acréscimo de preço, no valor de 97.000$00; 6. Alteração nas escadas da cave ao rés-do-chão, no valor de 125.000$00; 7. Pagamento à C.M.L. do alvará de licença de construção, no valor de 122.000$00; 8. Pagamento à C.M.L., Serviços de Água, de despesas com ramais, ligações e colocação de contadores, no valor de 2.574$00; 9. Fornecimento e colocação de porta e portadas na varanda no valor de 98.000$00; 10. Construção duma lareira em tijolo refractário na cave; 11. Construção de uma chaminé da cave até ao telhado; 12. Fornecimento e colocação de uma tampa de chaminé; 13. Fornecimento e colocação de roupeiros. 15. Os RR. haviam acordado com terceiros em vender-lhes o apartamento onde viviam. 16. A obra de que se trata, executada pelo A., apresenta as seguintes características: 1. As paredes da cave não foram executadas em betão armado, tendo-o sido em blocos e tijolo 11; 2. Não foi colocado “Roofmate” de 4 mm na caixa de ar do r/c e 1º andar, mas sim lã de rocha de 6 cm, cujo preço é mais barato cerca de € 0,60 (sessenta cêntimos), o m2; 3. Não foram colocadas ombreiras, em granito, nas janelas e portas exteriores; 4. Não foram colocadas portadas nas janelas da cave e da garagem; 5. As paredes exteriores não foram pintadas com tinta de borracha, tendo-o sido com tinta de areia; 6. Não foi colocada soleira de granito no portão e porta da garagem; 7. A escada exterior, com 4 degraus, não foi revestida a granito e não foi colocado granito nas guias laterais dos passeios e nas fachadas das paredes lateral e posterior; 8. A caldeira ficou provisoriamente instalada na cave, sendo que o R. solicitou a alteração do tipo de caldeira cujo fornecimento e instalação estava previsto no acordo mencionado em 1; 9. Os tubos de ventilação das casas de banho não saem acima do telhado; 10. Muros com fissuras e necessitando de pintura; 11. Dificuldades na drenagem das águas pluviais, no acesso principal da garagem, ficando a mesma, por vezes, “empoçada” em frente à garagem. 17. Os RR. mandaram executar a terceiro uma cabina para a instalação da caldeira de aquecimento e que, em virtude do facto descrito no ponto 8. da al. o), os RR., para proceder à drenagem das águas do local, efectuaram obras, no que despenderam a quantia global de € 1.600. 18. A moradia em referência apresenta, ainda, as seguintes falhas: 1. As paredes interiores revestidas a seral precisam de uma reparação e pintura gerais; 2. Três tacos levantados num dos quartos; 3. Falta colocar as pingadeiras nas varandas; 4. Uma mancha no tecto da varanda lateral; 5. Pavimento do passeio frontal e lateral esquerdo com fendas junto ao muro, derivado do abatimento de terras mal compactadas; 6. O muro lateral direito que suporta o pavimento da entrada principal cedeu, existindo um assentamento do murete sob o passeio exterior; 7. E rachou ao lado, por baixo da varanda da entrada principal; 8. Foi aplicada uma pintura isolante pelo exterior do muro da moradia e, pelo menos, na zona do soco (junto ao solo) o reboco apresenta pouca aderência; 9. Os muros de vedação têm fissura e precisam de uma pintura. 19. Os RR. comunicaram ao A., através da carta que se encontra inserta a fls. 44 dos autos, datada de 27/03/2001, a existência de falhas e defeitos na obra, enunciados na dita carta. 20. O preço das grades referido em h) foi de 650.000$00. 21. A execução das paredes da cave em blocos e tijolo 11 e não em betão armado e a colocação de lã rocha de 6 cm na caixa de ar do r/c e 1º andar e não de “Roofmate” de 4 mm, bem como a não colocação de granito em partes da moradia (ombreiras das janelas e portas exteriores) que estavam previstas no acordo aludido em b), implicou, para o A., uma diminuição dos custos, em valor que não foi apurado. 22. A mudança da fechadura, referida na al. i), verificou-se em Setembro de 2000. 23. Não obstante a mudança da fechadura referida na al. i), o A. continuou a ter acesso à garagem da moradia e aos materiais a utilizar na construção da obra de que se trata. 24. Os RR. contraíram casamento em 25 de Julho de 1971, tendo celebrado convenção antenupcial, em que convencionam o regime da comunhão geral de bens. III. Quid iuris? Da leitura das conclusões com que as Partes fecharam as respectivas minutas, retira-se a ideia que somos convocados a resolver as seguintes questões: 1ª – A matéria de facto dada como provada permite concluir pela caducidade do direito dos RR., tal como o A. defende? 2ª – Prevendo a hipótese de a resposta a esta questão ser positiva, é legítimo aplicar ao caso a exceptio, tal como as instâncias o fizeram? 3ª – E a sua admissão, no caso concreto, não configura um caso de abuso do direito? 4ª – O A. tem ou não direito a juros, tal como os peticionou? 5ª – Poderia a Relação ter imposto aos RR. o pagamento do I.V.A, em resultado da alteração da matéria de facto? 6ª – E, tendo-o feito, não terá cometido a Relação a nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil (contradição entre os fundamentos e a decisão), ao ter concluído que o I.V.A. era, afinal, devido pelos RR. ao A.? Analisemos, pois, cada uma destes problemas. 1º Da caducidade. O A., na veste de reconvindo, arguiu a excepção da caducidade do direito dos RR. à eliminação dos defeitos ou indemnização, tendo, para tanto, alegado ter já decorrido um ano sobre a denúncia. A sentença proferida pela Juiz de Círculo de Lamego julgou tal excepção parcialmente procedente e, em resultado disso, apenas condenou o A., nos termos supra mencionados. Sustentando tal condenação, depois de breve referência aos normativos aplicáveis, ficou dito que “é sobre o dono da obra que impende o ónus de alegação e prova, além do mais, dos defeitos ou vícios da obra e da sua denúncia ao empreiteiro, enquanto a este, por sua vez, incumbe o ónus de alegação e prova do decurso dos prazos estipulados (legal ou contratualmente) para aquele exercer os direitos correspondentes”. Como dito, a Relação do Porto, confirmou, nesta parte, o julgado, subscrevendo por inteiro a sua fundamentação. Insiste o A. na bondade da sua tese, fazendo notar que, sendo certo que o ónus da prova de o prazo para a denúncia ter já decorrido, isso não afasta a obrigação dos RR./Reconvintes de alegarem e provarem o descobrimento dos defeitos. Nessa conformidade, não tendo estes alegado e provado este elemento (descobrimento) – concluiu – inexiste um requisito essencial para aferir da oportunidade e tempestividade da denúncia operada com a reconvenção. Que dizer desta argumentação? O defendido pelo A./Recorrente não pode deixar de se considerar correcto, face ao estipulado na lei. Efectivamente, o nº 1 do artigo 1220º do Código Civil estipula que “o dono da obra deve, sob pena de caducidade dos direitos conferidos nos artigos seguintes, denunciar ao empreiteiro, os defeitos da obra dentro do prazo de trinta dias seguintes ao seu descobrimento”. Este prazo de 30 dias é, no caso presente, alargado para um ano, tal como, pela alteração introduzida pelo Decreto-Lei nº 267/94, de 25 de Outubro, ficou, definitivamente, assente no nº 2 do artigo 1225º do Código Civil, dado que, em causa, está uma empreitada cujo objecto é um imóvel destinado a longa duração. Por essa mesma razão, nestes casos, o dono da obra passou a dispor de um prazo de cinco anos de garantia, salvo estipulação de outro prazo, durante o qual o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra (ou a terceiro adquirente), nos termos do nº 1 do último artigo citado. Este prazo de cinco anos traduz não um alargamento para o exercício do direito, mas sim num dilatar do mesmo para a descoberta dos vícios que, as mais das vezes, ocultos, só se patenteiam anos depois da obra que, por natureza deve ser durável e duradoura. Trata-se, nestes casos (como o presente) de aplicar um regime especial de protecção ao dono da obra, na justa medida em que pode haver casos de difícil e demorada descoberta, assim se justificando a ressalva expressa do artigo 1225º ao regime consagrado no artigo 1219º (“sem prejuízo do disposto nos artigos 1219º e seguintes, …”). Vale tudo isto por dizer que, nos casos de imóveis destinados a longa duração, tem o dono da obra à sua disposição dois prazos: um, de cinco anos, durante os quais “pode descobrir defeitos” (prazo de garantia supletivo), outro, de um ano, a partir do seu conhecimento (descoberta), para os denunciar. Significa isto que, decorrido aquele referido prazo de cinco anos, não mais pode o dono da obra denunciar defeitos, tenha ele ou não tomado conhecimento (descoberta) dos mesmos um ano antes da denúncia. Fica claro que ao dono da obra cabe, se pretende denunciar defeitos, com vista à sua eliminação, por parte do empreiteiro, em casos como o presente, denunciar os defeitos no prazo de um ano, após a sua descoberta. O êxito de tal pretensão está, porém, sujeito ao facto de tal denúncia ocorrer no prazo de cinco anos, a contar da entrega (prazo de garantia), e ter sido concretizada no ano subsequente à descoberta do defeito. Olhando para as regras do ónus probatório (artigos 342 e seguintes do Código Civil), facilmente se retira a ideia de que é ao empreiteiro que, pretendendo fazer extinguir o direito do dono da obra à eliminação de alegados defeitos, cabe arguir a caducidade, tendo em conta o decurso dos prazos supra mencionados. Mas, por outro lado, é ao dono da obra que cabe o ónus de alegação e prova não só a existência dos defeitos que pretende ver eliminados como, também, a data do seu descobrimento. Podemos, pois, dizer – e era aqui que pretendíamos chegar – que a alegação da data do descobrimento dos defeitos é elemento constitutivo do direito do dono da obra, enquanto figurante na lide na veste de autor da acção. Desta forma, em tese, não podemos deixar de dar razão ao A/Recorrente, neste ponto. Em boa verdade, se não lhe é indicada uma data concreta e precisa em que ocorreu a descoberta do defeito alegado, como pode ele defender-se, dizendo que o prazo já está ultrapassado?! Ignorar isto seria inverter as regras do ónus probatório, sujeito, assim, injustificadamente, a uma probatio diabolica, para não dizer impossível. Expostas, em linhas gerais, as ideias norteadoras do instituto da caducidade, em matéria de invocação de defeitos relativos a contrato de empreitada de imóveis de longa duração, eis-nos perante a obrigação de analisar o caso concreto e dizer se os RR., enquanto Reconvintes, alegaram e provaram o elemento constitutivo “descobrimento”. Ou seja, para sermos mais precisos, se alegaram e provaram a data em que descobriram os defeitos invocados. Uma cousa é, desde já certa: não tendo as Partes estipulado qualquer prazo de garantia, como resulta do contrato junto aos autos, o que, como dito, era perfeitamente admissível (artigo 1225º, nº 1, do Código Civil), teremos de nos interrogar sobre se os donos da obra, RR./Reconvintes, denunciaram atempadamente os defeitos, com vista a podermos aquilatar da procedência ou improcedência da excepção de caducidade, arguida pelo A./Reconvindo, empreiteiro da mesma. É um facto que, lendo os articulados (contestação e tréplica) e, sobretudo, a matéria de facto dada como provada, não vislumbramos que os AA. tivessem, na verdade, alegado a data do descobrimento dos defeitos alegados, como, em face do que ficou relatado, lhes cumpria. Primo conspectu, poder-se-ia, então, dizer que a razão está do lado do A./Recorrente, no que toca à solutio do caso concreto: aquele não alegou um dos factos constitutivos do seu direito, circunstância esta que leva, naturalmente, à improcedência do peticionado. Porém, há que analisar, cuidadosamente, a matéria de facto dada como provada, interpretando-a no contexto global em que foi apurada. Nesta medida, não podemos deixar de dizer que, tendo a acção sido proposta no prazo de cinco anos, após a entrega da casa (seguramente em Setembro de 2000 – cfr. pontos 7 e 11 –, o prazo de garantia (supletivo) consagrado no artigo 1225º, nº 1, do Código Civil, foi respeitado, atenta a temporalidade da interposição da presente acção (13 de Dezembro de 2002). Resta, pois, saber se, não obstante isso, o prazo de denúncia (de um ano) foi respeitado pelos RR., donos da obra. Ora bem. Como acabado de referir, a entrega da casa, objecto do ajuizado contrato, concretizou-se em Setembro de 2002, certo que, logo passado escasso meio ano sobre tal data, os RR. apressaram-se a dar conhecimento ao A. dos defeitos, através de carta datada de 27/03/2001, referida no ponto nº 19. São estes os defeitos que estão aqui em causa, afastados que foram os outros, invocados só em sede de pedido reconvencional, precisamente na base da procedência da excepção (cfr. sentença a fls. 431 dos autos). Foi em relação aos defeitos invocados ab initio que as instâncias julgaram improcedente a excepção de caducidade arguida pelo A./Reconvindo, precisamente na base de lhe foram comunicados os defeitos através da aludida carta datada de 27 de Março de 2001, junta aos autos a fls. 44. Tendo os donos da obra denunciado os defeitos no prazo de um ano, após a recepção da obra, queda sem qualquer sentido saber a data exacta do descobrimento dos defeitos. ´ O que se compreende e é óbvio: se a comunicação tivesse ocorrido para além do prazo de um ano, então sim, teria todo o interesse saber a data exacta do descobrimento dos defeitos, pois podia mui bem ter acontecido que o prazo estipulado no nº 1 do artigo 1225º do Código Civil já estivesse, de todo, ultrapassado. Não assim, no caso, como o presente, em que os defeitos foram denunciados em absoluto respeito pelo prazo de um ano fixado no já citado nº 2 do artigo 1225º do Código Civil. Id est, irreleva a alegação e prova da descoberta dos defeitos no caso, como o presente, de a comunicação ao empreiteiro ocorrer dentro daquele referido prazo. A conclusão a tirar é, assim, a de que, neste ponto concreto, a razão não está do lado do A./Recorrente, como, prima facie, parecia: improcede, portanto, o vertido nas sete primeiras conclusões. 2º Da legitimidade da invocação da exceptio. Muito embora pareça que o A./Recorrente se conforma com a aplicação da exceptio ao caso dos autos (é o que parece resultar da conclusão 8ª, com a invocação do abuso do direito), a verdade é que ele não está de acordo com tal, argumentando, para tanto, que a mesma só tem razão de ser nos contratos de execução instantânea e não nos contratos de execução continuada (como é o caso), e, por outro, com o que dispõe o nº 2 do artigo 1211º do Código Civil (“o preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto da aceitação da obra”), sob pena de o devedor se constituir em mora. Isto tudo obriga, portanto, a tomar posição sobre a sua admissibilidade, na empreitada, em geral, e no caso ajuizado, em particular. É o que passaremos a fazer. O nº 1 do artigo 428º do Código Civil prescreve “se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”. Este preceito legal permite, desta forma, que, nos contratos bilaterais, como é o caso do contrato de empreitada, uma das partes recuse a sua prestação enquanto a outra não efectuar a que lhe cabe. “O que legitima a exceptio non adimpleti contratus é a ausência de correspondência ou de reciprocidade que está na origem das obrigações (sinalagma genético) e que deve continuar a estar presente no seu cumprimento (sinalagma funcional)” (João Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, página 330). A exceptio é, ainda, admitida quando a outra parte cumpriu, embora com defeitos (exceptio non rite adimpleti contratus). Mas, como observa Antunes Varela, “na falta de disposição específica, o problema terá de ser resolvido … sem nunca perder de vista o princípio básico da boa fé”. Adverte, contudo, para o facto de o credor ter recebido a sua prestação, sem nenhuma reserva ou protesto, apesar dos vícios ou defeitos, quando em princípio não o deveria ter feito, não lhe ser lícito invocar a exceptio, pelo menos em relação à parte da prestação a que se encontra adscrito (Das Obrigações em Geral, Vol. I – 8ª edição –, página 399). Luís Teles de Menezes Leitão defende que a solução deverá ser a de que a aceitação da prestação não deve precludir o recurso à exceptio “se os defeitos de que a prestação padece prejudicam a integral satisfação do interesse do credor”, mas já não será admissível o recurso à exceptio se os defeitos da prestação, atendendo ao interesse do credor, tiverem escassa importância”, por aplicação analógica do artigo 802º do Código Civil (Direito das Obrigações, Volume II – 3ª edição –, páginas 255 e 256). Também Pedro Romano Martinez admite a exceptio após o credor ter não só denunciado os defeitos, como também exigido que os mesmos fossem eliminados, a prestação substituída ou realizada de novo, o preço reduzido, ou, ainda, o pagamento de uma indemnização por danos circa rem, sublinhando, no entanto, que a sua invocação deve ter em linha de conta o princípio da boa fé (Cumprimento Defeituoso, Em Especial Na Compra E Venda e Na Empreitada, página 328 e 329). Alinhando pelo mesmo diapasão, José João Abrantes, esclarece, ainda, que “a excepção do contrato não cumprido não pressupõe a culpa do devedor da contraprestação no seu atraso. A inexecução por parte deste, pode ser-lhe imputável ou não, tanto pode ele constituir-se em mora como não. Ainda que o incumprimento lhe não seja imputável, antes obedeça a circunstâncias fortuitas, independentes da vontade, a excepção é invocável pelo outro contraente” (Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Português, página 88). Do ponto de vista adjectivo, perante as dúvidas de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora, em catalogar a exceptio como excepção dilatória material (Manual de Processo Civil, 2ª edição, página 298) (dúvidas que nos parecem afastadas pelo 1º destes três AA., a página 401 do seu livro “Das Obrigações em geral”, Vol. I, 8ª edição, pois aí define-a como sendo uma excepção dilatória material ou substantiva), João Calvão da Silva, à semelhança de Alberto dos Reis (Código de Processo Civil anotado, Volume III, página 80) e de José João Abrantes (obra citada, página 127), esclarece a questão, a nosso ver, em termos claros e definitivos, ao dizer: “Trata-se, ainda, de uma excepção material, porque corolário do sinalagma funcional que a funda e legitima: ao autor que exige o cumprimento opõe o demandado o princípio substantivo do cumprimento simultâneo próprio dos contratos sinalagmáticos, em que a prestação de uma das partes tem a sua contraprestação da outra. Por conseguinte, o excipiens não nega nem limita o direito do autor ao cumprimento; apenas recusa a sua prestação enquanto não for realizada ou oferecida simultaneamente a contraprestação, prevalecendo-se do princípio da simultaneidade do cumprimento das obrigações recíprocas que servem de causa uma à outra”. E conclui: “É, portanto, uma excepção material dilatória: o excipiens não nega o direito do autor ao cumprimento nem enjeita o dever de cumprir a prestação; pretende tão-só um efeito dilatório, o de realizar a sua prestação no momento (ulterior) em que receba a contraprestação a que tem direito e (contra) direito ao cumprimento simultâneo” (obra citada, página 334). Um ponto merece ponderação: a lei refere a inexistência de prazos diferentes, como sendo condição essencial para o funcionamento da exceptio. A sua justificação, encontra-se rapidamente, lendo Mário Júlio de Almeida Costa: “ o seu verdadeiro significado é o de que o excepcionante não se encontre obrigado a cumprir antes da contraparte. E, assim, a diversidade de prazos apenas obsta à invocação da exceptio pelo contraente que primeiro deve efectuar a prestação, mas já não impede o outro de opô-la” (Direito das Obrigações, 9ª edição, páginas 329 e 330). Isto posto, é altura de, debruçando-nos sobre o que está apurado, responder directamente à pergunta que foi formulada. Antes, porém, resta dizer que esta excepção não é de conhecimento oficioso (ainda Calvão da Silva, obra citada, página 334), assistindo razão ao A./Recorrente quando, a fls. 651, in fine, afirma isso mesmo, lembrando que os RR. não a invocaram. Isso é verdade: a exceptio não foi arguida pelos RR. em qualquer um dos articulados, acabando por, em transgressão ao disposto no artigo 494º e 495º, ambos do Código de Processo Civil, ser apreciada ex officio, com todas as consequências daí derivadas. Mas também cumpre dizer que tal decisão, no que diz respeito à possibilidade do seu conhecimento, nunca foi posta em causa, por qualquer forma, pelo próprio A., e muito menos levantou, nas respectivas conclusões, a questão do seu oportuno conhecimento, ciente, certamente, de que o tempo oportuno, para daí retirar as devida ilações, há muito tinha passado. Avancemos, pois. O excurso doutrinário que, propositadamente, fizemos autoriza-nos a dizer que também aqui a razão não está do lado do A./Recorrente: ex abundantia, ficou plenamente demonstrada a possibilidade de aplicação da exceptio em contratos como o que aqui está em discussão, o de empreitada. Cai, desta forma, por terra a argumentação espelhada nas conclusões 10ª e 11ª. 3º Do eventual abuso do direito. A este respeito, é bom não esquecer que não foram os RR., como o próprio A. o reconheceu, a arguir a exceptio. Isso não impede, contudo, que não se possa e não se deva averiguar se a sua consagração, por parte das instâncias, importa ou não abuso do direito. Defende o A./Recorrente que, no caso presente, a invocação da exceptio configura um caso de abuso do direito. Vejamos. Segundo o preceituado no artigo 334º do Código Civil “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito”. Este dispositivo legal – já o afirmamos noutro aresto – vale o que vale: nada ou quase nada. Este “quase nada” é justificado por Castanheira Neves quando considera como não despicienda a consagração legal do abuso do direito e até conveniente “para evitar farisaicos escrúpulos, já que haverá sempre radicais positivistas-legalistas entre nós, e assim é possível combater com as suas próprias armas” (Questão de Facto e Questão de Direito ou o Problema Metodológico da Juridicidade, página 529, nota 54). Segundo este mui ilustre Mestre a adequada compreensão do abuso do direito só se atinge com a mutação da forma como se compreende o próprio direito subjectivo. Para tanto, parte da ideia de que o direito subjectivo é “uma intenção normativa que apenas subsiste na sua validade jurídica enquanto cumpre concretamente o fundamento axiológico-normativo que a constitui”, ou seja, o direito subjectivo deixa de ser uma estrutura formal para ser encarado “com uma função normativa, teleológico-materialmente fundada”, havendo abuso de direito quando “um comportamento tenha a aparência de licitude jurídica – … – e, no entanto, viole ou não cumpra, no seu sentido materialmente realizado, a intenção normativa que materialmente fundamenta e constitui o direito invocado, ou de que o comportamento realizado se diz exercício”. Desta forma, “o abuso de direito configura-se como uma contradição entre dois pólos que entretecem o direito subjectivo”: a sua estrutura formal reconhecida pelo ordenamento jurídico e o fundamento normativo que integra esse mesmo direito e lhe confere materialidade devem estar em conformidade, certo que quando esta não é detectada, ocorre abuso de direito (obra citada, páginas 523 a 524). Comungando das mesmas ideias, diremos que não temos que ficar presos, amarrados, ao que está prescrito no citado artigo 334º, antes nos cumpre, e sempre, procurar detectar se o exercício formal de um direito se mostra desconforme com a teologia desse mesmo direito. Se a resposta for positiva, então sim, há abuso do direito. Resumindo o muito que a este respeito se poderia dizer, queremos apenas salientar que, a referência à boa fé, ínsita no preceito em referência, é deslocada, porquanto, no ensinamento do Ilustre Mestre, “ela sustenta todo o mundo contratual, modelando a conduta dos contraentes, sindicando-a e chancelando-a de lícita ou ilícita”. Razão de sobra para Mafalda Miranda Barbosa, sustentar, com brilho, que “naquelas situações em que se coloca um problema relativo à boa fé e aos deveres que ela faz emergir não faz sentido recorrer ao abuso do direito” (Liberdade vs. Responsabilidade – A Precaução como fundamento da imputação delitual?, página 324). Avisados deste axioma, deveremos, pois, interpretar com naturais reservas o citado artigo 334º do Código Civil, “sem que isso nos impeça de ir mais além”, pois “perante a mobilização em concreto de um direito, teremos de indagar sempre, por referência aos princípios normativos em que se funda, se aquele exercício os contraria ou não” (ainda Castanheira Neves, obra citada, páginas 323 a 326). Ainda mui recentemente, um acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, referindo-se a um caso em todo análogo ao dos presentes autos, apoiando-se em doutrina autorizada (José João Abrantes, obra citada, páginas 105 a 110, e Menezes Cordeiro, A Boa Fé em Direito Civil, Volume I, página 649), indo ao encontro do expendido pelo A./Recorrente nas conclusões 8ª e 9ª, defendeu, em tese geral, que “no caso de incumprimento parcial, o alcance da excepção de não cumprimento do contrato deve ser proporcional à gravidade da inexecução, sob pena de abuso do direito” – Acórdão de 04 de Fevereiro de 2010, Colectânea de Jurisprudência, Ano XVIII, tomo 1, páginas 51 e seguintes, relatado pelo Conselheiro Oliveira Rocha). Efectivamente, não fazia sentido, feria a nossa própria sensibilidade jurídica, se, colocados perante um “pequeno incumprimento” do A., o R. viesse invocar a exceptio, sendo a sua contraprestação incomensuravelmente maior do que a daquele. Isto entra pelos olhos dentro de qualquer jurista. Antunes Varela diz isto mesmo: “…, se o não cumprimento parcial da prestação pouca ou nenhuma importância tiver para a outra parte, não poderá esta usar da exceptio, sob pena de estar a infringir o princípio da boa fé. Trata-se, aliás, de aplicar à exceptio, por analogia, o disposto no nº 2 do artigo 802º para a resolução do contrato” (Das Obrigações em geral, Vol. I, 8ª edição, página 399). Ideia esta que também é realçada por Mário Júlio de Almeida Costa quando defende que, na apreciação e aplicação da exceptio, se deve ter em devida conta o princípio da boa fé, razão pela qual a apreciação da gravidade da falta não pode mostrar-se insignificante, impondo-se, por outro lado, a regra da adequação ou proporcionalidade entre a ofensa do direito do excipiente e o exercício da excepção (obra citada, páginas 328 e 329). A questão não é, pois, a de não admitir a figura do abuso do direito no caso de invocação da exceptio: ela está presente sempre que o direito subjectivo “deixe de ser visto como mera estrutura formal para ter de ser compreendido como uma súmula entre forma e matéria”. E isto porque o direito subjectivo é “uma intenção normativa que apenas subsiste na validade jurídica enquanto cumpre concretamente o fundamento axiológico-normativo que a constitui” (mais uma vez, Castanheira Neves, Questão-de-facto-questão-de-direito, página 523 e seguintes). O que nos preocupa é podermos dizer se no caso concreto, a situação de desequilíbrio contratual é patente. Ou seja, se concedendo aos RR. a possibilidade de não cumprirem, por ora, as suas obrigações para com o A., se está a permitir um desequilíbrio contratual a ultrapassar os limites da boa fé, o mesmo é dizer se isso comporta abuso do direito. Se o caso é esse, se não há equilíbrio entre o devido pelo A. aos RR. e a contraprestação merecida por estes àquele, então, sim, diremos, sem hesitação, que estamos perante um caso nítido de abuso do direito, a justificar a retirada da moratória a estes concedida em função do cumprimento daquele. O chamado sinalagma funcional, ou seja, o vínculo que liga as partes durante toda a execução do contrato, aponta essencialmente para a ideia de que as obrigações têm de ser cumpridas simultaneamente e, “ainda para o pensamento de que todo o acidente ocorrido na vida de uma delas repercute necessariamente no ciclo vital da outra” (Antunes Varela, obra citada, páginas 395 e seguintes). “O sinalagma liga as prestações e contraprestações ou os efeitos obrigacionais ou reais que, no mesmo negócio, são a causa jurídica e fundamento uns dos outros. No caso dos negócios sinalagmáticos a prestação ou a atribuição patrimonial de uma das partes constitui a razão de ser e o fundamento jurídico da sua contraprestação ou a atribuição patrimonial correspectiva, em termos tais que a falta de uma tem como consequência que a outra não seja exigível ou, se tiver sido já prestada, deva ser restituída” (Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil – 5ª edição – página 445). E este papel cabe, indubitavelmente, ao próprio ordenamento, qual seja o de verificar se é justo e razoável pretender que um contraente cumpra os seus compromissos contratuais, mesmo na presença de circunstâncias que perturbem, em seu prejuízo, o equilíbrio económico da operação (Enzo Roppo, O Contrato, páginas 211 a 226). É, pois, a este nível, ao nível da funcionalidade do contrato, que se deve colocar a questão de saber se o benefício que, ex officio, foi concedido aos RR. (bem ou mal, é cousa que agora não faz sentido discutir) constitui ou não uma forma de abuso do direito. É na desconformidade das prestações devidas e próprias do contrato em causa que entra a ideia do abuso do direito, ou seja, na incompatibilidade entre a estrutura formal do direito subjectivo reconhecido pelo ordenamento jurídico e o fundamento normativo que o informa: detectada a mesma, está encontrado o abuso. Por isso mesmo, o Mestre diz que “o abuso de direito é um limite normativamente imanente ou interno dos direitos subjectivos, pelo que, no comportamento abusivo são os próprios limites normativos-jurídicos do direito particular que são ultrapassados” (obra citada, página 526, nota 46). É perante situações como esta que somos obrigados a apelar ao Direito, procurando compreender o seu modo-de-ser, enquanto realidade imanente, e não como mero corpo normativo escrito. Mas, a vexata quaestio aí está: quais os elementos fácticos, alegados e provados, que nos permitem chegar a tal conclusão? Lendo e relendo os autos, a resposta é só uma: nada há que nos permita emitir um juízo de valor a esse respeito. Sabemos apenas que o A., não executou a obra, em respeito absoluto pelo contratualizado, deixando-a com defeitos (incumprimento defeituoso, portanto) e daí a obrigação que lhe foi imposta de os eliminar e que, por outro lado, os RR. não pagaram na totalidade o preço, motivo que levou as instâncias a convocar a exceptio, obrigando-os apenas a tal, logo que a obra fique sem mácula. Há desequilíbrio nas prestações e nas contraprestações em falta? Não sabemos, à falta de factos. Fora o referido, não temos mais elementos em termos que nos possam ajudar na formulação do juízo de valor imanente à figura em análise. Por isso, somos forçados a concluir que a razão continua a não estar do lado do A./Recorrente. 4º A questão dos juros. A justificação dada pelo Juiz de Círculo de Lamego para negar ao A. o direito a perceber juros, tal como o peticionado foi esta: “No tocante aos juros, tendo em conta a procedência da excepção de não cumprimento, não obstante o A. ter interpelado os RR. para pagarem o preço em falta, no referente à quantia já líquida, designadamente, com a citação, não existe mora dos RR., já que a falta de pagamento é justificada pela existência dos defeitos na obra. Essa mora só passará, pois, a existir a partir do momento em que forem eliminados os defeitos em causa”. A Relação do Porto coonestou este entendimento. Estará certo? Vejamos. Da outorga do contrato entre A. e RR. nasceram obrigações recíprocas e múltiplas. Entre elas, avultam, para o empreiteiro a obrigação de realizar a obra atempadamente, e, para o dono da obra, a obrigação de pagar o preço, de acordo como previamente estipulado. De acordo com o disposto no artigo 762º, nº 1, do Código Civil, “o devedor cumpre a sua obrigação quando realiza a obrigação a que está vinculado”. A consagração da exceptio, por parte das instâncias, nos termos já assinalados, não pode ter outro significado que não seja o de que o A., enquanto empreiteiro da obra ainda não cumpriu a sua obrigação. Com efeito, ficou provado que a sua prestação foi deficientemente cumprida, impondo-se, portanto, que retire os defeitos assinalados, de molde a que se possa dizer, com propriedade, que a sua obrigação (execução da obra), para com os RR. (donos da obra), foi integralmente satisfeita. Então, nesse momento, será exigível o pagamento, por parte dos RR., na parte em falta. A eficácia e utilidade da invocação da exceptio está, precisamente, neste particular ponto: enquanto um dos contraentes não cumprir, na totalidade a obrigação, tem a outra parte direito a recusar-lhe a contraprestação. Nesta linha de pensamento, podemos convocar o doutrinado por José João Abrantes quando, considerando a exceptio como uma excepção de direito material, defende, com toda a propriedade, que ela “não destrói o vínculo contratual, apenas suspende os seus efeitos. … A excepção de contrato incumprido, ao ser invocada, não só não extingue a relação contratual, como também, legitimando a recusa da prestação, estimula a contraparte a cumprir a dele” (Cadernos de Direito Privado, nº 18, página 56). Daqui resulta que, não tendo o A. cumprido na íntegra, a sua obrigação, na medida em que se apresenta defeituosa, não pode exigir aos RR., donos da obra o pagamento da totalidade do preço, ou, dito de outra forma, estes não entraram em mora. Está, assim, suspensa a exigência do cumprimento da obrigação dos RR., enquanto o A. não cumprir na totalidade a sua obrigação, reparando os defeitos atempadamente invocados por aqueles. Enquanto isso não acontecer, não é legitimo falar em mora debitoris, por parte dos RR., donos da obra, o mesmo é dizer que, na procedência da exceptio, não são devidos os juros peticionados. Com efeito, o nº 2 do artigo 804º do Código Civil prescreve que “o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que não lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada em tempo devido”. Antunes Varela alerta para o facto de a mora poder resultar de causas imputáveis ao credor ou de motivos não imputáveis nem ao credor, nem ao devedor, antes de circunstâncias de impossibilidade transitória ou temporária, assinalando, no entanto, uma terceira causa motivadora de tal estado de retardamento, qual seja a devida ao incumprimento imperfeito ou cumprimento defeituoso, sublinhando que “o Código Civil não cura especialmente dos casos deste tipo, como categoria autónoma, no capítulo do não cumprimento, embora lhes faça alusão expressa no nº 1 do artigo 799º”. E daí retira a devida consequência: “… o seu regime pode ser determinado, com relativa segurança, tendo em vista as normas reguladoras, quer do não cumprimento, quer de alguns contratos especiais, como a compra e venda, a empreitada e a locação” (obra citada, Vol. II, 6ª edição, páginas 63 e 64). Não tendo o A., enquanto empreiteiro, cumprido a sua obrigação para com os RR., donos da obra, entregando-a livre de defeitos, ou seja, cumprindo integralmente o seu dever, não tem o direito de exigir destes o pagamento total do preço. É que, sendo certo que estes não pagaram o preço na totalidade, tal como livremente se comprometeram, não é menos verdade que a mora é aqui motivada pelo retardamento no cumprimento, por parte daquele: só prestando a obrigação nos termos estipulados, perfeitos, será lícito ao A., exigir aos RR. o pagamento de juros, caso estes não se expliquem atempadamente. Daqui resulta que as instâncias decidiram este ponto de forma certa e em conformidade com os ditames legais, razão pela qual podemos dizer que cai por terra toda a argumentação aqui trazida pelo A., na tentativa de obter a revogação, a seu favor, do acórdão impugnado. 5ª e 6ª Questões – Da exigibilidade do I.V.A. e da arguida nulidade. Procuraremos, aqui saber se a Relação podia ter imposto aos RR./Recorrentes o pagamento do I.V.A., como o impôs, e se, por outro lado, isso determinou a nulidade do aresto, nos termos assinalados. Como facilmente se conclui, as duas questões – uma ligada ao fundo da causa, a outra a sua problemática adjectiva – estão aqui intimamente ligadas. Insurgem-se os Recorrentes, por um lado, contra a alteração da matéria de facto, levada a cabo pela Relação, defendendo que, face aos elementos probatórios produzidos, nunca poderia ser alterado o julgado em 1ª instância. Dizem mesmo que com a assumpção de tal posição, a Relação violou o disposto nas alíneas a) e b) do nº 1, nºs 2 e 3 do artigo 712º do Código de Processo Civil, acrescentando que “em face da prova produzida, nunca poderia tirar a conclusão de que as partes alguma vez tivessem acordado de que o I.V.A. seria a acrescer ao preço”, pelo que houve incorrecta aplicação do Direito aos factos e há nítida oposição entre a fundamentação e a decisão plasmada”. E a arrematar a argumentação, esta do ponto de vista puramente de direito, afirmam que as normas atinentes de natureza tributária não terão sido respeitadas pelo Tribunal da Relação do Porto. Salta à vista desarmada que nem foi cometida nenhuma nulidade, que a Relação respeitou integralmente as suas competências, em matéria de sindicância ao juízo probatório firmado pela 1ª instância, não violando as normas do Código de Processo Civil apontadas pelos Recorrentes, e que, finalmente, não houve qualquer desrespeito pelo que está determinado legalmente em matéria respeitante ao pagamento do imposto em causa. Com efeito, indo directamente à questão adjectiva, por razões lógicas e metodológicas, é por demais sabido que, no âmbito das competências do Tribunal da Relação, cabem os poderes de sindicância do juízo probatório firmado na 1ª instância, tal como o previsto no artigo 712º do Código de Processo Civil. Saber se o valor constante do contrato como sendo o preço devido pelos donos da obra estava ou não incluído o montante devido ao Estado, a título de imposto de valor acrescentado, é questão puramente fáctica, cuja competência, para o seu apuramento, é exclusivo das instâncias. Posto em crise, como foi, por parte do A./apelante, o juízo probatório que a 1ª instância fez a este respeito, impunha-se que a Relação, verificados os pressupostos de admissibilidade da sua impugnação, nunca postos em causa pelo A./Recorrido, ajuizasse da bondade da decisão, confirmando-a ou alterando-a. Foi isto e apenas isto que a Relação fez. No uso dos poderes conferidos pelo artigo 712º do Código de Processo Civil, sopesando as provas produzidas, reapreciando-as, a Relação houve por bem alterar a resposta dada pela 1ª instância à questão de saber se o imposto estava já incluído no preço indicado no contrato, respondendo negativamente. Em face da decisão (definitiva) à chamada “questão-de-facto”, a Relação, em coerência, alterou o sentenciado, do ponto de vista do direito, colocando o pagamento de tal imposto a cargo dos RR.. Onde está a contradição? Sinceramente, não a vislumbramos. Saber se o A., enquanto empreiteiro cumpriu ou vai cumprir com a Administração Fiscal os deveres correspondentes à outorga do contrato de empreitada celebrado com os RR. é cousa que escapa ao controle da Ordem Jurisdicional onde se enquadram os Tribunais Judiciais e que nada tem a ver com o que foi ou não estipulado pelas partes aquando da feitura do contrato ajuizado. Estamos, assim, perfeitamente de acordo com a posição assumida pela Relação sobre este ponto concreto: “O aludido contrato é omisso quanto ao IVA, mas as partes contraentes sabiam que o preço antes referido era acrescido de IVA à taxa legal em vigor. Tendo ficado provado que o Réu entregou ao Autor, por conta dos trabalhos que por este foram realizados, a quantia de 24.000.000$000, é verdade que não se provou que as facturas juntas pelo Autor com a petição inicial a fls. 20 a 28 e que estão identificadas sob os documentos 4 a 11, tivessem sido entregues ao Réu marido. Por outro lado e como também se refere na sentença recorrida, mesmo que tal entrega tivesse ocorrido, ficaria por explicar a razão pela qual o Autor não exigiu desde logo ao Réu marido o respectivo pagamento, tanto mais que o imposto em questão consta nas aludidas facturas como tendo sido liquidado. Mais ficou por apurar se o Autor procedeu ou não à liquidação perante à Fazenda Pública do IVA correspondente à empreitada em apreço nos autos. No entanto e como correctamente defende o Apelante nas suas alegações, para este efeito é irrelevante a falta de prova da entrega das facturas aos Réus, já que a obrigação de emitir a factura não se confunde com a entrega desta ao consumidor. Assim e ainda que não seja entregue a factura, não deixa de ficar apurado o imposto, o qual tem que ser entregue ao Estado porque o emite. Dito de outra forma, a obrigação do emitente do IVA de entregar ao “Fisco” o imposto constante da factura existe, mesmo que esta nunca venha a ser entregue ao respectivo consumidor. Deste modo é nosso entendimento, que o conjunto de factos que ficaram provados nos autos é por si só suficiente para condenar os Réus no pagamento do respectivo IVA”. Dizer, por último, como fazem os RR., que não estavam informados a este respeito e que era sua convicção que o I.V.A. já estava incluído no preço, a ponto de, se cientes disso mesmo, não o tinham celebrado, tendo, inclusive, havido violação da Lei do Consumidor (artigo 8º da Lei nº 24/96, de 31 de Julho), com o pretexto de que não são responsáveis pelo pagamento do montante correspondente ao I.V.A, antolha-se-nos como argumentação de todo irrelevante na economia do contrato e, consequentemente, no seu cumprimento, porquanto nenhum vício de vontade foi, atempadamente, por eles arguido, surgindo, pois, tais questões, nesta sede, como “questões novas”, avessas, portanto, à finalidade do recurso. O que fica é suficiente para respondermos às questões colocadas do seguinte modo: 1º A Relação não usurpou funções, antes, no âmbito das suas competências, verificados os pressupostos formais da possibilidade de alteração da matéria de facto, alterou o juízo decisório feito em 1ª instância, respeitante à responsabilidade pelo pagamento do imposto devido pela celebração do contrato ajuizado. No respeito absoluto pelas suas competências, alterando a matéria de facto, foi, naturaliter,obrigada, in casu, a alterar a decisão, colocando o pagamento do imposto a cargo dos RR.. Nenhuma nulidade foi, portanto, cometida. A Relação fez o que, no uso das competências próprias, entendeu fazer: alterar a matéria de facto – nenhuma censura há, portanto, a fazer. Por outro lado, ao actuar como actuou, a Relação aplicou, devidamente, aos factos apurados, o direito, de modo que nenhuma nulidade foi cometida, nomeadamente a apontada pelos RR./Recorrentes. Improcede, deste modo, na totalidade, a tese que aqui apresentaram. IV. Decisão: Em conformidade com o exposto e sem necessidade de qualquer outra consideração, decide-se negar ambas as revistas, colocando o pagamento das custas respectivo a cargo dos respectivos Recorrentes. §§§ Supremo Tribunal de Justiça, aos 26 de Outubro de 2010 Urbano Dias ( Relator) Paulo Sá Mário Cruz |