Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
319937/10.3YIPRT.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: INJUNÇÃO
OPOSIÇÃO
ACÇÃO DECLARATIVA
PROCESSO COMUM
INDEFERIMENTO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
CAUSA DE PEDIR
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/14/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCECIONAL
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário : I - Remetidos os autos para o tribunal competente e aplicando-se o processo comum ordinário face à dedução de oposição ao pedido de injunção de valor superior à alçada da Relação (cf. o disposto no art. 7.º do DL n.º 32/2003, de 17-02) a questão que consiste em saber se a transação comercial que esteve na origem do crédito reclamado é ou não daquelas que permitem a injunção, não exerce qualquer influência no mérito da causa, saber se o pedido de pagamento deve ou não deve proceder, nem exerce qualquer influência na tramitação da causa visto que estamos em processo comum e não em processo especial.

II - Assim, ultrapassada a fase, face à oposição deduzida, em que se pretendia a declaração de injunção que se traduz em fazer o secretário constar do requerimento de injunção a fórmula executória a que alude o art. 14.º, n.º 1, do DL n.º 269/98, de 01-09, mostram-se precludidas, atento o valor da causa superior à alçada da Relação, as questões que poderiam levar ao indeferimento da injunção.

III - Não ocorre, portanto, exceção dilatória inominada que obste ao conhecimento de mérito no âmbito da ação declarativa com processo ordinário em que se transformou a providência de injunção que não foi decretada.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. AA-Construção Civil Unipessoal Lda. requereu em 6-10-2010 providência de injunção contra BB tendo em vista o pagamento da quantia de 61.405.05€, de capital e juros de mora vencidos de 21-10-2009 a 6-10-2010, valor de faturas vencidas em 2010 respeitantes a empreitada que o réu, interpelado para pagar, não pagou, declarando o requerente que a obrigação emerge de transação comercial nos termos do DL n.º 32/2003, de 17 de fevereiro.

2. O réu deduziu oposição à injunção, requerendo a absolvição do pedido e deduziu reconvenção pedindo a condenação da A. no pagamento de 102.892,21 euros, quantia acrescida de juros vincendos à taxa legal até efetivo pagamento e ainda no pagamento de 25.000€ por cada mês vincendo a contar de 1-11-2010, acrescida de juros vincendos à taxa legal; finalizou a sua oposição requerendo prova pericial à obra e seus edifícios com caráter de urgência, juntando, para o efeito, os respetivos quesitos.

3. A A. , notificada da oposição, suscitou como questão prévia o indeferimento do pedido reconvencional por ser a reconvenção inadmissível nos processos de injunção; seguidamente opôs-se à matéria alegada pelo réu.

4. Por sua vez, o réu, face à posição assumida pela autora, sustentou a admissibilidade da reconvenção visto que a dedução da oposição determina a cessação do procedimento de injunção com passagem de tramitação dos autos, após distribuição, como ação declarativa especial; no entanto, no caso de transações comerciais, se a dívida for superior à alçada do tribunal da Relação, a dedução da oposição determina a remessa dos autos ao tribunal competente e a aplicação da forma de processo comum (cf. artigo 7.º do DL n.º 32/2003, de 17 de fevereiro).

5. Invocou ainda exceção dilatória de conhecimento oficioso nos termos do artigo 489.º/2 do C.P.C., a impor a absolvição do réu da instância nos termos dos artigos 493.º, 494.º e 495º do C.P.C., visto que a injunção constitui providência a decretar no caso de transações comerciais abrangidas pelo mencionado DL n.º32/2003; sucede que isso não está demonstrado, pois o réu não desenvolve uma atividade económica ou profissional autónoma, cumprindo à A. alegar que o demandado, pessoa singular, agiu no exercício de atividade económica ou profissional autónoma suscetível de ser considerada empresa.

6. Foi proferido despacho saneador em que se julgou verificada a exceção dilatória inominada de indevida utilização do procedimento de injunção (artigos 288.º,n.º1, alínea e), 493.,n.º 1 e 3, ambos do C.P.C.)., absolvendo-se o réu da instância, ficando deste modo prejudicada a admissibilidade da reconvenção.

7. Interposto recurso pelo A. para o Tribunal da Relação, não lhe foi dado provimento pelo Acórdão de 7-11-2011 que, por unanimidade, entendeu o seguinte:

"- A opção pela via da injunção só será possível no que às transações comerciais respeita, no restrito âmbito a que aludem os artigos 2º, 3º , 7º e 10º, todos do Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de fevereiro.

- A falta daqueles requisitos não materializa um erro na forma do processo, mas um obstáculo que impede que o tribunal conheça do mérito da causa, dando origem a uma exceção dilatória inominada.

- Tal exceção afetando o conhecimento e o prosseguimento da própria injunção, não permite qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento".

8. Interpôs a A. recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça, sustentando que o acórdão proferido está em contradição com o acórdão também da Relação de Lisboa de 18-6-2009 [6201/06.0TBAMD.L12] assim sumariado:

"1- Na situação dos autos, estando em causa o pedido de reembolso, com juros, da quantia que a requerente entregara à requerida destinada à aquisição de um terreno para a construção por esta de uma vivenda, reembolso que solicita em virtude da sua demissão da qualidade de cooperante da requerida, fundamentada na circunstância desta não ter cumprido o prazo estabelecido para a construção da referida vivenda, não havia lugar à utilização de uma injunção destinada a exigir o cumprimento de obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo DL 32/2003 de 17/2.

2- É que, se a requerida pode ser entendida como 'empresa' para o efeito da definição constante da al. b) do art. 3º do diploma legal em referência, o facto é que, a 'transação' comercial' referida naquele diploma, pressupõe a ligação entre 'empresas', ou entre 'empresas e entidades públicas', e a requerente não tem a qualidade de 'empresa', ou de 'entidade pública', antes assume a qualidade de consumidor, sendo que e o art. 2º/2 al. a) do DL 32/2003 exclui expressamente do seu âmbito de aplicação os contratos celebrados com consumidores.

3- Por outro lado, também não está em causa uma obrigação pecuniária que se mostre diretamente emergente de contrato, pois se é certo que a obrigação de indemnizar constitui uma obrigação pecuniária, não emerge diretamente de contrato, e há muito que a doutrina vem pondo em evidência a necessidade do regime processual em análise só ser aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, nem outro entendimento sendo defensável vista a forma célere e simplificada que se pretendeu, sobretudo, para a injunção.

4- Não havendo lugar à utilização da injunção há erro na forma de processo.

5- O erro sobre a forma do processo só é configurável como exceção dilatória com o efeito típico desta, que é o da absolvição da instância, quando se afigure como total, nada se podendo aproveitar; não sendo esse o caso, o erro na forma de processo configura-se como uma mera nulidade processual, resultando do nº 2 do art. 199º que o desvio ao formalismo processual que o mesmo encerre, só constituirá nulidade, quando tenha implicado 'diminuição das garantias do réu'.

6- Na situação dos autos, não há motivo para anular seja o que for, porque a requerida se defendeu, tal qual como o faria numa ação de processo comum na forma sumária que seria a aplicável nos termos do art. 462º CPC".

9. A recorrente finaliza a sua minuta com as seguintes conclusões:

"a) O acórdão recorrido concluiu de forma diametralmente diversa dos arestos indicados nas presentes alegações sobre dois factos essenciais: a não consideração como erro na forma de processo da adoção do procedimento de injunção quando os autos não revelam a qualidade de comerciante do réu; inerentemente, a insusceptibilidade de ocorrer a adequação processual ou o convite ao aperfeiçoamento;

b) sendo certo que o facto de não ser suscitada, em termos de invocação direta e concreta no requerimento de injunção, a qualidade de comerciante do réu não é conducente à absolvição da instância declarada pela sentença recorrida, dado que tal suposto erro na forma de processo não envolve qualquer diminuição das garantias de defesa, não existindo obstáculo ao aproveitamento do processado que sempre terá de ocorrer à luz do disposto no artigo 199.º do C.P.C.

c) A considerar-se que tal elemento era essencial e integrante do requerimento desencadeador dos presentes autos, sempre caberia ao julgador lançar mão do disposto nos artigos 265.º,n.ºs 2 e 3 e 508. do C.P.C.".

10. A revista excecional foi admitida pelo coletivo de juízes deste Supremo Tribunal que consideraram o seguinte:

"Ora, a questão a resolver consiste em determinar se a ausência de invocação da qualidade de comerciante do requerido, em requerimento injuntivo, configura erro na forma de processo, devendo proceder-se a aproveitamento do processado nos termos do artigo 199.º ou a providência ou convite do Juiz nos termos dos artigos 265.º,nºs 1 e 2 e 508.º todos do C.P.C. ou exceção dilatória inominada de indevida utilização do procedimento de injunção, determinante da absolvição da requerida da instância.

O acórdão recorrido decidiu no sentido de não se tratar de erro na forma de processo, mas de exceção dilatória inominada, e de não haver lugar a qualquer aproveitamento nem a providências ou convite a efetuar pelo juiz.

Já o acórdão-fundamento da Relação de Lisboa, datado de 18 de junho de 2009 […] decidiu precisamente o contrário, ou seja, que se trata de erro na forma de processo , devendo ser aproveitado o processado e cabendo ao juiz providenciar no sentido de as irregularidades existentes serem sanadas".

Apreciando.

11. A injunção constitui uma providência que tem por finalidade conferir força executiva a requerimento (a) destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada da Relação ou (b) das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro (cf. artigo 7.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro).

12. Prescreve o artigo 2.º deste DL 32/3003 o seguinte:

1- O presente diploma aplica-se a todos os pagamentos efetuados como remunerações de transações comerciais.

2- São excluídos da sua aplicação:

a) Os contratos celebrados com consumidores;

b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efetuados para remunerar transações comerciais;

c) Os pagamentos efetuados a título de indemnização por responsabilidade civil, incluindo os efetuados por companhias de seguros.

13. Prescreve o artigo 3.º deste DL 32/2003 que para efeitos do presente diploma, entende-se por:

a) “Transação comercial” qualquer transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respetiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração.

b) “Empresa” qualquer organização que desenvolva uma atividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular.

[…].

14. Do exposto decorre, para que a providência seja decretada, ou seja, para que seja aposta a fórmula executória que é nisso que consiste a injunção, que devem ser reclamados obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000€ ( atualmente a alçada dos tribunais da Relação é de 30.000€: cf. artigo 31.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto) ou créditos de natureza contratual emergentes de transações comerciais que deram origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços; que essas transações devem ter-se processado entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, mas já não com consumidores, considerando-se empresas aquelas organizações que desenvolvem uma atividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular.

15. O mérito da decisão é a injunção de pagamento da quantia reclamada traduzida na fórmula “ este documento tem força executiva” que é constitutiva de título executivo (cf. artigo 14.º/1 do Decreto-Lei n.º269/98 e artigo 46.º, alínea d) do C.P.C.).

16. Deve, pois, assistir ao credor um conjunto de requisitos de natureza substantiva para que lhe assista o direito de obter uma injunção.

17. Note-se que o pedido que primacialmente está em causa não é o pedido de condenação no pagamento de determinada quantia, mas o pedido de injunção.

18. Ora, quanto a este último, quando o credor apresenta o requerimento de injunção na secretaria judicial declarando que a transação comercial está abrangida pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, ele não está a incorrer em erro na forma de processo, pois requer a providência nos termos que a lei prescreve.

19. Corre o risco, se não estiverem preenchidos os mencionados requisitos substanciais que a lei impõe, de ver naufragar a sua pretensão.

20. Se o credor requer injunção alegando crédito emergente de transação comercial que só depois se verifica advir de um contrato celebrado com consumidor, não houve erro na forma de processo, pois o credor requereu a providência em abstrato adequada à finalidade tida em vista; se o credor não vê reconhecida a sua pretensão à injunção é porque, em termos de fundo, se veio a verificar que o credor não tem direito a obter a injunção considerada a transação que efetivamente realizou; precisamente porque estamos face a uma questão de fundo, não se nos afigura que o controlo por parte da secretaria judicial a exercer nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 11.º ou do n.º 3 do artigo 14.º do DL 269/98, isto é, recusando o requerimento de injunção ou não proferindo declaração executória por não se ajustar o pedido ao montante ou finalidade do procedimento, se adeque àquela situação. Constata-se que os exemplos indicados por Salvador da Costa se referem a situações bem diversas em que o fundamento da recusa é evidente. Assim, a recusa justificar-se-á “ quando a pretensão do requerente vise a entrega de coisa móvel ou imóvel, a resolução de um contrato de arrendamento, uma prestação de facto ou assente em responsabilidade civil extracontratual, enriquecimento sem causa ou se reporte a prestações propter rem derivadas de relações de condomínio” (A Injunção e as Conexas Ação e Execução. Processo geral simplificado”, pág. 73). E crê-se que tal controlo não se impõe igualmente nos casos em que o credor omite que empresa estava envolvida na transação comercial de que promana o crédito que pretende ver reconhecido como título executivo por injunção.

21. Queremos com isto significar que, no caso de obrigações emergentes de transações comerciais em que a providência de injunção é conferida apenas aos credores que sejam titulares de créditos fundados nas transações abrangidas pelo âmbito de aplicação do mencionado Decreto-Lei n.º 32/2003, se constar do requerimento de injunção que assim sucede, a inadequação do pedido de injunção em razão da transação comercial realizada dependerá da análise dos seus termos.

22. Esta situação não se nos afigura diferente daquela que Alberto dos Reis mencionava quando salientava, a propósito da, ao tempo ação especial de restituição de posse, que não se deve confundir “ a questão de fundo com a questão de forma”. Assim, “quando alguém pede a restituição da posse duma coisa sobre a qual não pode constituir-se legalmente a posse, o erro cometido não está na forma do processo, está no pedido formulado. Se a coisa não é suscetível de posse ou não pode, segundo a lei, ser objeto de posse, é de toda a evidência que, pedindo-se a posse, enuncia-se um pedido que a lei não autoriza, um pedido que não tem base legal; ora quando o autor pede aquilo que, segundo a lei, não pode pedir, a consequência é a improcedência da ação: a ação naufraga, por o autor não ter o direito que se arroga. Que o pedido seja apresentado através de processo especial ou de processo comum, o efeito é o mesmo, porque o que está em causa não é um vício de forma, mas um vício de substância” (Comentário ao Código de Processo Civil, Vol 2º, pág. 472).

23. Assim, se o requerente pede a injunção apesar de não dispor de crédito que a lei reconhece ser o crédito suscetível de a obter, o requerente, seja qual for o modo como apresente em juízo a sua pretensão, não deveria ver essa sua pretensão deferida; no entanto, atenta a declaração exarada no requerimento de injunção de que o crédito emerge de transação comercial abrangida pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro (cf. artigo 10.º, alínea g) do DL n.º 269/98) será apenas, por via da oposição, que tal questão se suscitará.

24. Se for deduzida oposição, a injunção já não será aposta pelo secretário pois, conforme prescreve o artigo 16.º/1 do DL n.º 269/98, “ deduzida oposição ou frustrada a notificação do requerido, no caso em que o requerente tenha indicado que pretende que o processo seja apresentado à distribuição, nos termos da alínea j) do n.º2 do artigo 10.º, o secretário apresenta os autos à distribuição que imediatamente se seguir”.

25. E, de acordo com o disposto no artigo 7.º/2 do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 107/2005, de 1 de julho, “ para valores superiores à alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum”.

26. Constata-se, assim, que o pedido de injunção já não será efetivado pela aposição da dita fórmula executória a partir do momento em que haja oposição; é que, para a lei, deduzida oposição, fica ipso facto excluída a possibilidade de ser ordenada a injunção. Por isso, as razões que poderiam ter levado à improcedência do pedido de injunção, podem relevar tendo em vista obstar ao conhecimento da pretensão de pagamento se processualmente assim se justificar.

27. A questão que se suscita é a de saber se o Tribunal pode, nos casos em que houve oposição limitada às questões substantivas atinentes ao crédito reclamado ( e não às questões substantivas cujo preenchimento a lei considere necessário para se obter a injunção – ver o mencionado artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 32/2003), deixar de conhecer do pedido de condenação no pagamento do crédito por julgar a posteriori que não foram preenchidas as condições que a lei reconhecia como necessárias para ser decretada a injunção.

28. Pode sustentar-se, considerando que a ação declarativa ordinária resulta sequencialmente de um procedimento de injunção em que a injunção não foi ordenada porque houve oposição, de esta circunstância só por si não obstar ao entendimento segundo o qual o mérito da causa só deve ser apreciado se estiverem verificadas as condições que a lei impõe para que a injunção seja decretada. O reconhecimento da viabilidade da injunção, que apenas não foi ordenada porque o requerido deduziu oposição, constituiria sempre condição indispensável ao conhecimento do pedido de pagamento fundado em transação comercial.

29. Parece-nos ser este o pressuposto de que parte alguma jurisprudência quando considera que tais condições integram pressuposto processual que deve verificar-se em todas as fases da causa, seja a fase em que se pretende a aposição de fórmula executória, seja a fase em que se pretende a condenação no pagamento da quantia reclamada.

30. Os pressupostos processuais são, no ensinamento de Manuel de Andrade, “ aqueles requisitos de que depende dever o juiz proferir decisão sobre o mérito da causa, concedendo ou denegando a providência judiciária requerida pelo demandante. Na falta deles o juiz só pode e deve declarar isso mesmo, abstendo-se de estatuir sobre o mérito” (Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 74/75).

31. No seu exaustivo estudo “ Os Pressupostos Objetivos e Subjetivos do Procedimento de Injunção” in Themis, VII, n.º 13, pág. 169-212 Paulo Duarte Teixeira, depois de salientar “que tem sido frequente a existência de procedimentos em que após a oposição e sua consequente tramitação sob a forma de processo comum, é suscitada a questão relativa à admissibilidade processual de utilização dessa forma processual, devido ao requerido assumir ( alegadamente) a qualidade de consumidor” entende que se está face a um pressuposto processual não o descaracterizando a circunstância de a sua comprovação estar associada a circunstâncias ou pressupostos de facto a justificar, por aplicação do princípio da adequação formal previsto no artigo 265.º-A do C.P.C. “ a produção de prova incidental sobre os fundamentos de facto controvertidos relativos a esse incidente”.

32. No que respeita à consequência processual da eventual comprovação da inexistência de uma transação comercial que condiciona e permite a utilização do procedimento de injunção, Paulo Duarte Teixeira refere:

"O critério de aferição da propriedade ou impropriedade da forma de processo consiste em determinar se o pedido formulado se harmoniza com o fim para o qual foi estabelecida a forma processual empregue pelo autor. Nesta perspetiva, a determinação sobre se a forma de processo adequada à obrigação pecuniária escolhida pelo autor ou requerente se adequa, ou não, à sua pretensão diz respeito apenas com a análise da petição inicial no seu todo, e já não com a controvérsia que se venha a suscitar ao longo da tramitação do procedimento, quer com os factos trazidos pela defesa quer com outros que venham a ser adquiridos ao longo do processo por força da atividade das partes. Teremos, pois, de aderir à segunda posição supra referida que integra a situação em análise numa exceção inominada de conhecimento oficioso, porque face ao teor do requerimento inicial e quadrículas preenchidas o procedimento de injunção era, em abstrato, ajustado ao pedido formulado".

33. Acentuou-se ainda, no mencionado estudo, "que a questão da qualificação não tem, no caso, relevância prática, pois, ainda que o vício fosse o de erro na forma do processo, os atos praticados não poderiam ser aproveitados por deles resultar uma diminuição de garantias do réu (artigo 199.º/2 do C.P.C.) a impor uma nova citação e nem o próprio requerimento inicial seria aproveitável até porque continuaria a infirmar dos vícios de que padecia que conduziram à absolvição da instância".

34. A ser assim, deparar-se-nos-iam, tal como sucedeu no caso vertente, ações em que, atento o mérito da causa, a questão de a transação comercial estar ou não estar abrangida pelos pressupostos enunciados nos acima transcritos artigos 2.º e 3.º do DL n.º 32/2003 é de todo irrelevante para a sorte do litígio no plano substancial. Face a uma absolvição da instância, as partes teriam de reiniciar um percurso processual, muitas vezes longo, tudo isto evidenciando perda de economia processual, sendo certo que o objetivo pretendido pelo requerente - a injunção - está já definitivamente afastado.

35. Sem dúvida que um tal estado de coisas é fruto da responsabilidade do requerente da injunção quando decide iniciar um procedimento de injunção para o qual não lhe assistia direito a obtê-la, podendo mesmo considerar-se que, a não se obviar pela assinalada forma da absolvição da instância, se contribui para aumentar o risco de os credores procurarem obter títulos executivos por via de injunção, aproveitando-se do facto de o controlo não ser exercido jurisdicionalmente, apesar de saberem que o crédito invocado não lhes permitia o recurso à injunção.

36. Este argumento é de ponderar, mas afigura-se-nos que o problema, a existir, está antes na inexistência de controlo jurisdicional imediato, pois a injunção apenas não será decretada, não havendo recusa, se houver oposição. Não é, pois, pelo facto de a pretensão de pagamento vir a naufragar pela mencionada razão de ordem processual ( exceção dilatória) que o requerente deixará de se assegurar com a vantagem de obter um título executivo beneficiando da inércia do requerido que não deduzir oposição.

37. E a verdade é que em muitos casos é o próprio requerido, precisamente porque desenvolve atividade processual subsequente já no âmbito da ação, que tem todo o interesse em ver aproveitada a sua oposição. No caso vertente repare-se que o réu deduziu pedido reconvencional - absolutamente legítimo numa ação declarativa ordinária, verificados que sejam os pressupostos enunciados no artigo 274.º do C.P.C - bem como requereu determinadas diligências probatórias; tudo isto se perderia caso a ação naufragasse por relevar na fase subsequente do processo o motivo que obstaria à injunção - por via de aposição de fórmula executória - que agora já não se pode decretar. A absolvição da instância apenas interessararia ao devedor inadimplente que, deste modo, visasse ganhar algum tempo mais, mas um tal objetivo não é seguramente louvável. Curiosamente, no caso em apreço e salvo erro nosso, o réu, na contestação, nem sequer sustentou que, por falta de alegação dos factos demonstrativos de que a transação com base na qual o autor reclamou o seu crédito lhe permitiria obter injunção, a decisão a proferir deveria ser a sua absolvição da instância. Só o fez quando o autor se quis aproveitar da circunstância de os autos se iniciarem pela providência da injunção para defender que não seria admissível o pedido reconvencional que contra si foi deduzido apesar de a causa ter passado a ser tramitada segundo a forma mais solene que é de processo comum ordinário.

38. Afigura-se-nos, assim, que as condições que a lei impõe para que seja decretada a injunção são condições de natureza substantiva que devem verificar-se para que a injunção seja decretada; no entanto, ultrapassada esta fase, elas não assumem expressão na fase subsequente do processo que venha a ser tramitado sob a forma de processo comum ordinário quando o seu valor seja superior à alçada da Relação ( artigo 7.º/2 do DL n.º32/2003).

39. Com efeito, neste caso, a circunstância de o crédito não se enquadrar na transação comercial a que alude o artigo 2.º/1 e 3.º do Decreto-Lei n.º 32/2003 não exerce nenhuma influência, rectius, não tem qualquer correlação com a forma de processo a tramitar em momento subsequente.

40. No entanto, no caso da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais de valor não superior à alçada da Relação, prescreve o n.º3 do artigo 7.º do DL n.º 32/2003 que tais ações “seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos”.

41. Estamos, pois, face a um processo especial ( artigos 1.º a 5.º do anexo ao Regime dos Procedimentos a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro) a distribuir na espécie 3ª conforme determina o artigo 222.º do C.P.C.

42. A questão de direito substantivo - por exemplo, saber se houve uma transação comercial com consumidor – tem incidência no processo especial a utilizar; por isso, o pedido de condenação no pagamento da quantia reclamada não pode, nessa ação, ser concedido se não se provar que o crédito que o autor invoca tem origem em transação comercial que esteja abrangida no âmbito do Decreto-Lei n.º 32/2003. Assim, se a causa tiver de prosseguir por se mostrar necessário averiguar questões de facto atinentes com a efetiva natureza da transação comercial, o juiz não poderá deixar de as apreciar.

43. Com efeito, não se questiona o direito do autor ao pagamento da quantia reclamada, mas o facto de o autor não poder obter esse pagamento a não ser por via de ação comum quando o crédito não seja daqueles que estão abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 32/2203. Só quanto a estes é legítimo ao autor utilizar esta ação especial ab initio ou na sequência da conversão da injunção. Por isso, afigura-se-nos que neste caso a não comprovação de um crédito com a invocada origem importa, como referiu o magistrado que elaborou o mencionado estudo, a absolvição da instância por ocorrer uma exceção dilatória inominada (artigo 494.º do C.P.C.)

44. O autor terá sempre de propor ação declarativa mediante processo comum (artigo 460.º do C.P.C.) onde, como já se disse, é indiferente, para o sucesso da sua pretensão, se a transação que está na origem do seu crédito é ou não daquelas que permitem recorrer à ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias. No caso de o pedido de injunção se transmudar nesta ação especial, então, se o crédito reclamado não for nenhum daqueles que a lei correlaciona com este processo especial, a ação não pode proceder; a ação apenas será julgada procedente desde que o crédito invocado seja um daqueles que pelas suas características a lei faça corresponder a este processo especial.

45. No acórdão recorrido o autor instaurou providência de injunção tendo em vista obter fórmula executória para o invocado crédito cujo valor excede a alçada da Relação. Face à oposição deduzida, os autos foram remetidos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum.

46. É, como se vê, a lei que impõe a remessa dos autos para o tribunal competente, não impondo sequer, havendo oposição, que se proceda a nova citação a fim de se dar a possibilidade de ser deduzida defesa no prazo mais amplo que a lei concede nas ações ordinárias.

47. O acórdão fundamento respeita a um caso em que foi requerido procedimento de injunção por estar em causa obrigação emergente de transação comercial com valor inferior à alçada da Relação tendo sido deduzida oposição por não se estar em presença de uma transação comercial conforme é definida pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro. Face à oposição, os autos foram distribuídos como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias.

48. Esta situação, pelas razões expostas, não é totalmente coincidente com o caso contemplado no acórdão recorrido porque neste o requerimento de injunção visa um crédito de valor superior à alçada da Relação, levando a oposição deduzida a que o processo tivesse sido remetido para o tribunal comum, aplicando-se a forma de processo comum.

49. Inviabilizado o pedido de injunção face à oposição deduzida, agora do que se trata é de saber se o crédito reclamado pode ser reconhecido no âmbito da ação declarativa ordinária em que se transmudou o procedimento de injunção.

50. A nossa resposta, atento o exposto, é positiva. A oposição do requerido obsta necessariamente à injunção e, por isso, o seu objetivo não pode deixar de ser o de contestar o crédito reclamado. Ora, situando-nos já no âmbito de ação declarativa ordinária, não releva, enquanto facto obstativo do conhecimento de mérito, a prova de que a transação comercial que constitui causa de pedir não está inserida no âmbito das transações comerciais que permitem o recurso à providência de injunção; pois, ainda que a transação invocada não pudesse permitir que fosse decretada a injunção, ela não obsta a que o crédito seja reconhecido visto que em ação declarativa ordinária é indiferente a natureza da transação que deu origem ao crédito, não exercendo qualquer influência na tramitação da causa ao contrário do que sucede na ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que a lei determina que seja a aplicável nos casos em que, em razão da oposição, se converteu a providência de injunção respeitante a transações comerciais de valor inferior à alçada da Relação.

51. Não estamos, assim, face a uma exceção dilatória inominada que imponha, neste caso em que a injunção foi convertida em ação declarativa com processo ordinário, a absolvição da instância, podendo, por conseguinte, os autos prosseguir para se averiguar à luz dos factos alegados se é procedente o pedido de pagamento da quantia reclamada pelo autor.

Concluindo:

I- Remetidos os autos para o tribunal competente e aplicando-se o processo comum ordinário face à dedução de oposição ao pedido de injunção de valor superior à alçada da Relação (cf. o disposto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro) a questão que consiste em saber se a transação comercial que esteve na origem do crédito reclamado é ou não daquelas que permitem a injunção, não exerce qualquer influência no mérito da causa, saber se o pedido de pagamento deve ou não deve proceder, nem exerce qualquer influência na tramitação da causa visto que estamos em processo comum e não em processo especial.

II- Assim, ultrapassada a fase, face à oposição deduzida, em que se pretendia a declaração de injunção que se traduz em fazer o secretário constar do requerimento de injunção a fórmula executória a que alude o artigo 14.º/1 do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, mostram-se precludidas, atento o valor da causa superior à alçada da Relação, as questões que poderiam levar ao indeferimento da injunção.

III- Não ocorre, portanto, exceção dilatória inominada que obste ao conhecimento de mérito no âmbito da ação declarativa com processo ordinário em que se transformou a providência de injunção que não foi decretada.

Decisão: concede-se a revista excecional revogando-se o acórdão recorrido, determinando-se a baixa dos autos à 1ª instância a fim de os autos aí prosseguirem os seus termos.

Custas pelo recorrido em todas as instâncias.

Lisboa, 14 de fevereiro de 2012.

Salazar Casanova (Relator)

Fernandes do Vale

Marques Pereira