Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B2779
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PIRES DA ROSA
Descritores: FALÊNCIA
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
HIPOTECA LEGAL
Nº do Documento: SJ200401290027797
Data do Acordão: 01/29/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 1837/01
Data: 02/27/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: ORDENADA A BAIXA DO PROCESSO.
Sumário : O disposto no art.152º do CPEREF diz apenas respeito aos privilégios creditórios do estado, das autarquias e das instituições de segurança social, não abrangendo as hipotecas legais.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Nos autos de falência registados com o nº22/2000 no Tribunal Judicial da comarca da Póvoa de Lanhoso foi declarada falida, por sentença de 18 de Outubro de 2000, a sociedade A.
No respectivo apenso, com o nº22-A/2000, entre muitos outros credores, veio o INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, Delegação de Braga, na altura designado por Centro Regional de Segurança Social do Norte, reclamar créditos seus no montante de 24 804 107$00, por quotizações em dívida ( e juros de mora ) ao ex-Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego, 186 707 759$00 por contribuições em dívida ( e juros de mora ), 90 924 455$00, por dívidas ( e juros de mora ) ao ex-Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego.
O Sr Liquidatário Judicial impugnou este último crédito ( por repetição com o primeiro reclamado ).
Em sentença de graduação de créditos o tribunal de 1ª instância considerou que « de acordo com o disposto no art.152º do CPEREF, decretada a falência, extinguem-se de imediato os privilégios creditórios do estado, autarquias locais e da segurança social, passando os respectivos créditos a ser exigíveis como créditos comuns ».

E decidiu:
« Do produto da liquidação sai precípuo o crédito do Sr. Gestor Judicial bem como as custas da falência e seus apensos, e ainda as despesas da liquidação, nos termos do art.208º CPEREF.
Do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos pela ordem seguinte:
1º - os créditos nºs ... reclamados pelos trabalhadores por gozarem de privilégio mobiliário e imobiliário gerais, nos termos da Lei nº1786, de 14 de Junho;
2º - os demais créditos reclamados, rateadamente, por serem comuns ».
O IGFSS não se conformou com a sentença e interpôs recurso de apelação, que subiu imediatamente no apenso com efeito meramente devolutivo.
Por acórdão de fls.40 a 43, o Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
De novo inconformado, o IGFSS pede agora revista para este Supremo Tribunal.
E, alegando a fls.52, apresenta as seguintes CONCLUSÕES:
a - para garantia do seu crédito a título de contribuições e de juros de mora, o recorrente constituiu validamente duas hipotecas sobre imóveis da devedora, que veio a ser declarada falida;
b - a hipoteca legal, devidamente constituída e registada, é um direito real de garantia que concede ao crédito hipotecário o direito de ser pago preferencialmente sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo;
c - haverá que proceder a uma graduação especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia, na qual deverá ser incluído o crédito do IGFSS, garantido que estava por hipoteca legal, nos termos do art.200º do CPEREF;
d- o art.152º, 1ª parte do CPEREF, assim como as disposições preambulares, apenas se refere aos privilégios creditórios do estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social;
e - hipotecas legais e privilégios creditórios são garantias conceptualmente distintas, com disciplina legal própria, e não pode o intérprete estender de tal forma o conceito de privilégios creditórios, - conceito que a lei usa no sentido técnico-jurídico próprio - de forma a abarcar outros direitos aos quais a lei reconhece preferência no concurso de credores;
f - o raciocínio do tribunal recorrido, interpretando extensivamente o preceito em causa - art.152º, 1ªparte - de forma a considerar nele abrangidas as hipotecas legais, viola as regras de interpretação estabelecidas no art.9º, nº2 e nº3 do CCivil, exorbitando o sentido próprio da lei, caindo numa interpretação analógica da lei, senão mesmo ab-rogante ou revogatória, quando se trata de uma norma restritiva de natureza excepcional, violando também o art.11º do CCivil;
g - o intérprete não pode considerar o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal;
h - o art.152º, 1ª parte, do CPEREF, assim como as disposições preambulares que a este artigo se referem, apenas se refere aos privilégios creditórios do estado, das autarquias e das instituições de segurança social - Acs. STJ de 3 de Março de 1998, 18 de Junho de 2002 e 25 de Março de 2003.
Em contra - alegações, os recorridos B e outros (fls.74 ) pugnam pelo bem fundado da decisão.
O Mº Pº, por sua vez (fls.84), pugna pela procedência do recurso.
Estão corridos os vistos legais.
Há que decidir.
E decidir é julgar da questão de saber se o que vem disposto na 1ª parte do art.152º do CPEREF - com a declaração de falência extinguem-se imediatamente, passando os respectivos créditos a ser exigidos como créditos comuns, os privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social - deve ( ou não ) considerar-se extensível às hipotecas legais registadas para garantia de créditos destas entidades.
É uma questão por demais debatida.
E, em nosso entender, a resposta é negativa.
A lei disse o que queria dizer e não referiu as hipotecas legais;
a lei disse o que queria dizer, numa norma que tem natureza excepcional, e o que é excepcional não comporta interpretação analógica;
a lei é a expressão da vontade do legislador e é de presumir que o legislador - conhecendo como necessariamente conhece os conceitos e a natureza daquilo que é um privilégio creditório e do que é uma hipoteca legal - se exprime com clareza e rigor;
a lei refere os privilégios creditórios para impor a sua extinção com a declaração de falência, e não há identidade ( muito menos maioria ) de razão que conduza a tratar de igual modo o que não tem uma tradução registral, ficando no desconhecimento dos demais credores de uma dada empresa, daquilo que, através do registo, se pôde tornar claro e conhecido.
Neste sentido, por exemplo, e por mais recentes, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 27 de Maio de 2003 (relatado pelo saudoso Conselheiro Dr. Eduardo Baptista) e de 25 de Março de 2003 (Azevedo Ramos) - www.dgsi.pt/jstj .
Por aqui nos vamos, convictamente, embora não desconheçamos jurisprudência e doutrina em sentido inverso ( veja-se Carvalho Fernandes e João Labareda, CPEREF anotado, 3ª edição, pág.404 e, recente também, o acórdão deste Supremo Tribunal de 27 de Maio de 2003, www.dgsi.pt/jstj ).
O que significa que o regime jurídico a ter em conta e a aplicar é o seguinte:
o disposto no art.152º do CPEREF diz apenas respeito aos privilégios creditórios do estado, das autarquias e das instituições de segurança social, não abrangendo as hipotecas legais.
E é de acordo com o direito assim definido que o Tribunal da Relação, se possível pelos mesmos Exmos Desembargadores, deve proceder à graduação de créditos aqui em causa, depois de fixar a matéria fáctica que tiver por necessária.

DECISÃO
Concede-se a revista.
Revoga-se, nesta parte, a sentença.
Ordena-se a baixa do processo ao Tribunal da Relação para que, se possível pelos mesmos Exmos Desembargadores, se julgue novamente a causa, com respeito pelo regime jurídico que, especificamente no que concerne ao disposto no art.152º do CPEREF, aqui ficou definido.
Custas pela parte vencida a final, se delas não estiver isenta.

Lisboa, 29 de Janeiro de 2004
Pires da Rosa
Quirino Soares
Neves Ribeiro